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“O gênero sempre é novo e velho ao mesmo tempo”. Novidades

Compreensão e avaliação. É impossível uma compreensão sem avaliação.

Mikhail Bakhtin

Cada Editorial da revista, para nós, é uma forma privilegiada de diálogo com nossos autores, leitores e colaboradores. Assim, este não é apenas um espaço de apresentação dos textos publicados, mas um lugar em que expressamos ideias, ideais e mesmo preocupações com o dia a dia da tarefa editorial de um periódico; tratamos de aspectos da vida acadêmica que se destacam ou se destacaram no período anterior à publicação; ou ainda colocamos em foco uma novidade que pode, de alguma forma, nos afetar, como a pandemia, o Chat GPT... Continuamente buscamos recordar pontos da filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin, sobretudo aqueles relativos à ética responsável de pesquisa, que fundamenta as atividades do periódico1 1 Naturalmente em consonância com as recomendações da Elsevier e no Best Practice Guidelines for Journal Editors do Committee on Publication Ethics - COPE (Cf. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/etica ) . Desse modo, a coletânea de artigos do número, o fluxo de avaliações, as diferentes tarefas, ou ainda fatos do cotidiano, todos podem se tornar temas importantes nestas primeiras páginas de Bakhtiniana. É no Editorial, ainda, que destacamos as novidades do periódico; nos últimos textos, especialmente as alterações que vem adotando decorrentes da adesão aos procedimentos da ciência aberta.

Neste número, em primeiro lugar, informamos aos leitores que aderimos à publicação contínua de artigos, com a opção de termos alguns números abertos simultaneamente. Isso porque, além de continuarmos a receber artigos em fluxo contínuo, passamos a estimular nossos autores a contribuir com artigos que respondam a chamadas de nossos Editores ad hoc. No momento, temos cinco chamadas em aberto2 2 As chamadas completas se encontram na seção de Notícias do periódico: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/announcement :

Presença da cosmovisão religiosa na construção discursiva de mundo. Editor ad hoc Prof. Dr. Pedro Farias Francelino (UFPB). Prazo de submissão: 30/08/2023.

A literatura contemporânea para crianças e jovens: espaços plurais. Editoras ad hoc Profa. Dra. Diana Navas (PUC-SP) e Profa. Dra. Maria Dolores Prades Vianna (Instituto Emília). Prazo de submissão: 30/10/2023.

Diálogos entre Saussure, Benveniste e Bakhtin. Editores ad hoc Prof. Dr. Valdir do Nascimento Flores (UFRGS) e Prof. Dr. Pierre-Yves Testenoire (Université de Paris III - Sorbonne Nouvelle). Prazo de submissão: 15/02/2024.

Literatura de ancestralidade negra: encruzilhadas diastópicas. Editores ad hoc Profa. Dra. Elizabeth Cardoso (PUC/SP; Líder do GP Literatura de Ancestralidade Negra) e Prof. Dr. Félix Ayoh’OMIDIRE (Obafemi Awolowo University, Ile-Ife, Nigéria). Prazo de submissão: 30/04/2024.

O soviético e o pós-soviético em diálogo com os estudos (pós/de)coloniais. Editores ad hoc Prof. Dra. Laura Gherlone (UCA/CONICET - Pontifícia Universidade Católica Argentina, Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, Argentina) e Prof. Dr. Pietro Restaneo (ILIESI/CNR - Instituto do Léxico Intelectual Europeu e da História das Ideias, Conselho Nacional de Pesquisas, Itália). Prazo de submissão: 01/09/2024.

À medida que os artigos concernentes às diferentes chamadas ficarem prontos (aprovados e revisados nas duas versões - português e inglês), eles já poderão ser publicados, sem que tenhamos de aguardar todos os textos do número. O objetivo principal da publicação contínua de artigos é acelerar o processo de comunicação das pesquisas e assim contribuir para a sua disponibilidade de leitura e citação3 3 Guia para Publicação Contínua de artigos em periódicos indexados no SciELO http://old.scielo.org/local/Image/guiarpass.pdf .

Em segundo lugar, destacamos dois aspectos interligados de procedimentos da ciência aberta que, a nosso ver, vêm contribuindo de maneira inovadora e efetiva para a construção do conhecimento em nossa área: trata-se da interação entre autores e avaliadores e da publicação dos pareceres, quando autorizados por autores e pareceristas. Como podem observar nossos leitores, ao final de cada artigo encontramos as linhas: “Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas”.

Temos uma longa cultura de avaliação cega por pares de artigos científicos. Esse processo costuma ser justificado como um modo de garantir a isenção dos envolvidos, evitar parcialidades e conflito de interesses. São justificativas válidas, sem sombra de dúvida. Mas a ética e a transparência da pesquisa podem ir além, com proveito e enriquecimento de todos, como temos constatado em nossa experiência editorial e pode ser observado na aceitação crescente da publicação dos pareceres por parte de pareceristas e autores. O periódico, porém, respeita a opção dos autores e pareceristas por um ou mais meios de abertura do processo de peer review. Neste número, apenas um dos artigos não tem publicado qualquer parecer daqueles que o avaliaram; e há artigos em que podemos observar não apenas os pareceres, mas também a interação que houve entre autor e pareceristas até a aprovação final do texto.

Decerto esses diálogos são exemplos da compreensão responsiva e ativa de textos e enunciados, um bem conhecido conceito da obra do Círculo, comprovado a cada nova experiência de leitura, pois respondemos valorativamente a elas. Constituem-se exemplos da esfera da produção científica, de consequências altamente positivas. Conforme nos lembra Bakhtin “[N]o ato da compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento” (2006, p.378). Além disso, com a ciência aberta, esse diálogo (valorativo) se amplia aos diferentes leitores, ganhando inclusive um aspecto didático para todos os envolvidos, porque a “avaliação [é] ... um momento indispensável do conhecimento dialógico” (BAKHTIN, 2006BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.393-410., p.400).

Passemos, então, aos textos de Bakhtiniana 18.3 e dialoguemos com eles. Conforme consta no site da revista, o destaque de nosso periódico são os estudos do discurso, com destaque para os estudos bakhtinianos no Brasil e no estrangeiro; no foco e escopo da revista, lemos que nela são acolhidos os estudos dialógicos de forma específica e em seu diálogo com outras áreas do conhecimento, o que é sempre bem-vindo.

Iniciamos, pois, a apresentação dos textos com um artigo que nos chegou da área médica: “O encontro clínico como ato bakhtiniano prototípico”, de Carlos Eduardo Pompilio (Universidade de São Paulo - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, São Paulo, SP, Brasil) e Fabiana Buitor Carelli (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, SP, Brasil). Os autores propõem uma compreensão do encontro entre médico e paciente como um ato bakhtiniano responsável, a partir da prima philosophia de Bakhtin exposta em Para uma filosofia do ato responsável, obra de sua juventude (1920-1924). Dialogando criticamente com uma perspectiva tradicionalista que vê o encontro clínico de uma perspectiva externalista e extrínseca ao evento em si, visando a desfechos quantificáveis, os autores demonstram como é possível entender o evento clínico de dentro, isto é, a partir de um mundo construído intersubjetivamente, propiciando um tipo de medicina mais ético e humano. Essa leitura do texto bakhtiniano pela área médica seguramente nos mostra a amplitude e o alcance possíveis da compreensão da obra do Círculo nas diferentes esferas ideológicas, ampliando o escopo dos estudos do discurso e da ética médica.

Os próximos três artigos propõem um diálogo teórico com a obra do Círculo. O primeiro deles é “Sobre a unidade da cultura: diálogos entre Cassirer, Medviédev, Volóchinov e Bakhtin”, de Ludmila Kemiac (Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, Paraíba, Brasil). Por meio de um estudo profundo e detalhado, Kemiac percorre o conceito de cultura na obra de Ernst Cassirer para então colocá-lo em diálogo com os textos de P. N. Medviédev, Valentin N. Volóchinov e Mikhail M. Bakhtin. Destaca especialmente as contribuições de cada um para o entendimento da cultura, e, mais especialmente, a inovação do último, ao encarar vida, ciência e arte não apenas como fenômenos culturais e semióticos, mas sobretudo valorativos.

O foco do próximo estudo, de Filipe Almeida Gomes (Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, Minas Gerais, Brasil), também é o valor, mas agora comparando a noção na teoria saussuriana e na obra do pensador russo no artigo “A questão do valor em Saussure e em Volóchinov”. A teoria do valor em Ferdinand Saussure é retomada a partir da compreensão de Simon Bouquet, que nela destaca diferentes tipos de valor. Com eles é colocada em dialógo a obra de Volóchinov, com o objetivo maior de tornar conhecida sua “teoria da avaliação social na palavra”.

O próximo diálogo teórico proposto, também com a teoria dialógica, encontra-se no artigo “Potencial analítico dos gêneros do discurso para os estudos variacionistas”, a partir de pesquisa realizada por Marcela Langa Lacerda (Universidade Federal do Espírito Santo-UFES/ES, Vitória, Espírito Santo, Brasil), Edair Maria Görski (Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC/SC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil) e Sandra Mara Moraes Lima (Universidade Federal de São Paulo-UNIFESP/SP, Guarulhos, São Paulo, Brasil). O texto mostra como a noção bakhtiniana de gênero do discurso pode ser relevante para os estudos variacionistas da terceira onda, que tratam notadamente de estilo, pois eles requerem uma compreensão da constituição social e formal dos gêneros.

A análise de um fenômeno cultural que ocorre no Norte do País, na cidade de Macapá (Amapá), mas é ainda pouco conhecido em outras regiões, se encontra no artigo “‘O tambor fala, a palavra cria’: ressonâncias valorativas no ladrão de marabaixo Aonde tu vai rapaz”. As autoras Gercilene Vale dos Santos e Márcia Cristina Greco Ohuschi, ambas da Universidade Federal do Pará - UFPA, Belém, Pará, Brasil, elegem o verso Aonde tu vai rapaz para analisar aquela expressão cultural sob a perspectiva dialógica, mostrando, ao final, os conflitos entre ideologias institucionalizadas e cotidianas, e destacando os valores de afrodescendência, identidade, resistência, resiliência e reexistência na manifestação popular.

Muito se fala de internacionalização no âmbito educacional e, nesse aspecto, é importante conhecer como têm se colocado os professores de inglês relativamente à questão. Esse é o foco do estudo redigido por Samuel de Carvalho Lima (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil), “O discurso acadêmico de professores de inglês sobre a internacionalização no contexto do Seminário Internacional da ABRALITEC”. Tomando como corpus resumos de um Seminário Internacional da Associação Brasileira de Professores de Língua Inglesa da Rede Federal de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, a análise, sob a perspectiva dialógica, indica haver dois pontos de vista sobre a internacionalização que se complementam: um voltado para a educação integral e outro para a conformação institucional em um cenário internacional.

O texto “Peculiaridades temáticas e ideológicas das obras literárias de Zhumeken Nazhimedenov”, de Rakymberdi Zhetibay, Orken Imangali e Baltabay Abdigaziuly (Abai Kazakh National Pedagogical University, Republic of Kazakhstan) apresenta-nos algo da poesia deste pouco conhecido poeta cazaque. Este artigo é seguido pela resenha da tradução da obra de Dominique Maingueneau, Enunciados aderentes, redigida por José Wesley Vieira Matos e Maria das Dores Nogueira Mendes, ambos da Universidade Federal do Ceará-UFC, Fortaleza, Ceará, Brasil.

O último texto do número é redigido por membros da Equipe Editorial - Carlos Gontijo Rosa, Maria Helena Cruz Pistori e Paulo Rogério Stella, identificados abaixo. Isso porque foi nosso intuito conhecer um pouco do que pensam os próprios pareceristas a respeito dos pareceres abertos para publicação, e ainda da interação com os autores. Para isso, entrevistamos o Prof. Dr. Bruno Rêgo Deusdará Rodrigues, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 que, além de um constante (e precioso) avaliador de artigos para Bakhtiniana, também já publicou artigo no periódico, desenvolvendo, por isso, certa intimidade com a revista. As respostas dadas por Deusdará Rodrigues mostram reflexão aprofundada sobre o tema e nos ajudam a compreender a importância do procedimento. Vale a pena sua leitura!

Como se pode verificar, Bakhtiniana continua a avançar no caminho da ciência aberta, abraçando compromisso ético, rigor científico, compartilhamento e transparência na pesquisa. Por isso, convidamos todos - leitores, autores e colaboradores - a responder ativamente a esses textos, saboreando e incluindo em suas pesquisas este conjunto. O número congrega quinze pesquisadores brasileiros de doze universidades e instituições (USP, UFES, UFSC, UNIFESP, UEMG, UFPA, UFCG, IFRN, UFC, UFAC, UFAL, PUC-SP), e três pesquisadores da Abai Kazakh National Pedagogical University, Kazaquistão.

Agradecemos, mais uma vez, o inestimável e constante apoio, auxílio e reconhecimento do CNPq, por meio da Chamada CNPq Nº 12/2022 - Programa Editorial, Proc. 405404/2022-0, e da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq)/ Publicação de Periódicos (PubPer-PUC-SP) - 1º semestre de 2023. Edital PIPEq 11941/2023, solicitação 26267.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.367-392.
  • BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.393-410.
  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4. ed. Tradução direta do russo, notas e prefácio de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.121.
  • 1
    Naturalmente em consonância com as recomendações da Elsevier e no Best Practice Guidelines for Journal Editors do Committee on Publication Ethics - COPE (Cf. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/etica )
  • 2
    As chamadas completas se encontram na seção de Notícias do periódico: https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/announcement
  • 3
    Guia para Publicação Contínua de artigos em periódicos indexados no SciELO http://old.scielo.org/local/Image/guiarpass.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023
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