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O evangelho de Mateus e a história da leitura em edições bíblicas brasileiras

RESUMO

O evangelho de Mateus é um dos mais queridos e estudados evangelhos do cristianismo, possuindo uma rica história de recepção. Este artigo estuda sua leitura no Brasil a partir de intertítulos selecionados em duas versões bíblicas. A pesquisa procura identificar como o evangelho tem sido recebido por editores e leitores brasileiros e como intertítulos editoriais podem fornecer indícios de tal recepção. Para tanto, são utilizados como referenciais teóricos a história da leitura e a história do livro segundo as obras de Roger Chartier (2001CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 77-105., 2002CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002., 2022), Robert Darnton (2010)DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., Lucien Febvre e Henri-Jean Martin (2017), Gerard Genette (2009)GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Tradução de Álvaro Faleiros. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009. e D. F. Mckenzie (2018)MCKENZIE, D. F. Bibliografia e a sociologia dos textos. Tradução de Fernanda Veríssimo. São Paulo: Edusp, 2018..

PALAVRAS-CHAVE:
Evangelho de Mateus; História da Leitura; História do Livro; Intertítulos; Leitores brasileiros

ABSTRACT

The gospel of Matthew is one of the most beloved and studied gospels in Christianity, having a rich history of reception. The purpose of this paper is to article study its reading in Brazil from selected intertitles in two biblical versions. The research aims to identify how the gospel has been received by Brazilian editors and readers and how editorial intertitles can provide evidence of such reception. In order to achieve such objective, the history of reading and the history of the book are used as references, based on theories by Roger Chartier (2001CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 77-105., 2002CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002., 2022), Robert Darnton (2010)DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., Lucien Febvre and Henri-Jean Martin (2017), Gerard Genette (1997) and D.F. McKenzie (2018)MCKENZIE, D. F. Bibliografia e a sociologia dos textos. Tradução de Fernanda Veríssimo. São Paulo: Edusp, 2018..

KEYWORDS:
Gospel of Matthew; History of Reading; History of the Book; Intertitles; Brazilian readers

Introdução

O evangelho de Mateus goza de lugar de destaque no cânon bíblico. Sendo o primeiro dos quatro evangelhos, ele abre o Novo Testamento. Isso se dá provavelmente por ter sido considerado pelos primeiros cristãos como o mais antigo dos evangelhos1 1 Atualmente essa teoria caiu em descrédito, sendo o evangelho de Marcos tido como o mais antigo e uma das fontes para a produção dos evangelhos de Mateus e de Lucas. e por funcionar como uma espécie de transição entre o Antigo e o Novo Testamento.

O evangelho de Mateus possui uma rica história de recepção. O relato dos magos que surgem em Jerusalém buscando o rei dos judeus que acabara de nascer, o Sermão do Monte e a célebre frase “Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja (...)”2 2 Citação retirada da Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. estão entre os textos que constam apenas nesse evangelho, trazendo a ele destaque.

Segundo Brian Matz, “Mateus pode muito bem ter sido o evangelho mais comentado na era patrística” (2020MATZ, Brian. A. Greek and Latin Patristics and Orthodox Churches. Matthew, Gospel of. FUREY, Constance M. et. al. (ed.). Encyclopedia of the Bible and Its Reception. v. 18. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2020. Colunas 129-131., coluna 130; tradução nossa). Ian Boxall apresenta uma síntese da influência do evangelho nas artes:

Nos séculos posteriores, cenas exclusivas de Mateus, como a adoração do bebê Jesus pelos magos (2.1-12), a entrega das chaves do reino a Simão Pedro (16.18-19) ou a história dos soldados que guardam a tumba de Jesus (27.62-66; 28.11-15) inspirariam artistas em suas interpretações visuais do texto bíblico. Exemplos famosos incluem A adoração dos Magos, por Botticelli (c.1475-6; Uffizi, Florença) e Rembrandt (1632; Hermitage, São Petersburgo), o afresco de Pietro Perugino, A entrega das chaves (c.1481-2; Roma; Capela Sistina) e A ressurreição, de Piero della Francesca (c.1463-5; Museo Civico, Sansepolcro). Os artistas também foram inspirados na figura do próprio evangelista e de sua participação nos relatos evangélicos. A Igreja de San Luigi Dei Francesi, em Roma, contém três telas de Caravaggio, representando O chamado de São Mateus, A inspiração de São Mateus, e O martírio de São Mateus. Musicalmente, a interpretação mais famosa do relato de Mateus sobre o sofrimento e a morte de Jesus é provavelmente A paixão, segundo Mateus, de Johann Sebastian Bach (2014, p. 2, tradução nossa).

Tal evangelho, em contexto acadêmico, tem sido objeto de variadas aproximações teóricas que passam pelas tradicionais exegeses e hermenêuticas religiosas, seguindo por análises sociais e antropológicas, recebendo impulso de abordagens linguísticas e literárias, entre outras (cf. Leonel, 2013LEONEL, João. Mateus, o evangelho. São Paulo: Paulus, 2013., p. 29-66; Boxall, 2014BOXALL, Ian. Discovering Matthew: Context, Interpretation, Reception. Grand Rapids: Eerdmans, 2014.).

Mais recentemente, a história da leitura tem sido aplicada ao estudo de textos bíblicos e, particularmente, ao evangelho de Mateus. Há uma rica tradição relativa à recepção do primeiro evangelho em contexto europeu e norte-americano (cf. Boxall, 2018BOXALL, Ian. Matthew Through the Centuries. Hoboken: Wiley, 2018 (Serie: Wiley Blackwell Bible Commentaries).; Novakovic, 2020NOVAKOVIC, Lidija et al. Matthew, Gospel of. In: FUREY Constance M. et al (ed.). Encyclopedia of the Bible and its Reception. Berlin/Boston: Walter de Gruyte, v. 18, 2020, colunas 123-164., colunas 123-164). Tal pesquisa é incipiente no Brasil. Por essa razão, este artigo, procurando preencher minimamente esse espaço, propõe uma análise comparativa entre subtítulos de duas edições do evangelho de Mateus. A escolha do corpus recai na edição bíblica: Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017BÍBLIA Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.. Com o objetivo de conferir maior destaque às alterações incorporadas nessa edição, ela será cotejada com a versão anterior: Bíblia Sagrada. 2. ed. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, segunda edição publicada em 1993BÍBLIA Sagrada. 2. ed. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993..

Tal procedimento comparativo se justifica pelo fato de os editores da Nova Almeida Atualizada afirmarem explicitamente que “(...) a Nova Almeida Atualizada (...) resulta de uma profunda revisão e atualização da consagrada tradução de Almeida, particularmente do texto da Almeida Revista e Atualizada” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. IV, grifo do autor).

A análise se concentra nas estratégias editoriais, visando propor hipóteses concernentes: preliminarmente, à leitura do texto bíblico pelos próprios editores3 3 Faço uso do plural sem nomeações uma vez que as edições bíblicas estudadas não identificam os editores responsáveis. , que se manifesta de formas variadas nos paratextos4 4 Gérard Genette define paratexto: “A obra literária consiste, exaustiva ou essencialmente, num texto, isto é (definição mínima), numa sequência mais ou menos longa de enunciados verbais mais ou menos cheios de significação. Contudo, esse texto raramente se apresenta em estado nu, sem o reforço e o acompanhamento de certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações, que nunca sabemos se devemos ou não considerar parte dele, mas que em todo caso o cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua ‘recepção’ e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro. Esse acompanhamento de extensão e conduta variáveis, constitui o que (...) batizei de paratexto da obra (...)” (2009, p. 9; grifo nosso). criados por eles e, principalmente, à configuração dos leitores5 5 Utiliza-se aqui a proposta de Roger Chartier de que o editor, por meio de objetos tipográficos, inscreve na obra a representação das competências de leitura do público ao qual ela se destina (cf. 2001, p. 98). Leva-se em consideração, igualmente, a noção de leitor e de sua atuação conforme apresentadas por Wolfgang Iser: “Os modelos textuais descrevem apenas um pólo da situação comunicativa. Pois o repertório e as estratégias textuais se limitam a esboçar e pré-estruturar o potencial do texto; caberá ao leitor atualizá-lo para construir o objeto estético. A estrutura do texto e a estrutura do ato [de leitura] constituem portanto os dois pólos da situação comunicativa; esta se cumpre à medida que o texto se faz presente no leitor como correlato à sua consciência. (...) o texto se completa quando o seu sentido é constituído pelo leitor (...) (1999, p. 9; grifo nosso). do evangelho propostas pelos paratextos, de modo particular nos subtítulos. Embora a leitura dos editores seja perceptível nos paratextos, e não deva ser desprezada, para os fins desejados neste artigo o foco estará concentrado na imagem de leitor que se pode depreender a partir dos elementos paratextuais.

Para tanto, acrescenta-se à história da leitura a história do livro como referencial teórico (cf. Chartier, 2001CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 77-105., 2002CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002., 2022; Darnton, 2010DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.; Febvre; Martin, 2017FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro. Tradução de Fulvia M. L. Moreto e Guacira Marcondes Machado. São Paulo: Edusp, 2017.; McKenzie, 2018MCKENZIE, D. F. Bibliografia e a sociologia dos textos. Tradução de Fernanda Veríssimo. São Paulo: Edusp, 2018.), uma vez que “As modalidades de inscrição dos textos, o formato do livro, a paginação, a ilustração, as escolhas gráficas, a pontuação são elementos materiais e visuais que contribuem para as diversas significações de uma ‘mesma’ obra” (Chartier, 2022CHARTIER, Roger. Editar e traduzir: mobilidade e materialidade dos textos (séculos XVI-XVIII). Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Editora Unesp, 2022., p. 14-15; grifo do autor).

Como lembra Chartier, alterações nas formas editoriais trazem significados diferentes a uma mesma obra, visando leitores variados. É exatamente essa “variação” em uma mesma obra que se investiga aqui a partir das já mencionadas intervenções editoriais, de modo específico por meio do estudo de subtítulos ou intertítulos presentes nas edições do evangelho de Mateus pesquisadas.

Os subtítulos, chamados por Gerard Genette de “intertítulos, ou títulos internos” (2009, p. 259), são definidos como “(...) título de uma seção do livro: partes, capítulos, parágrafos de um texto unitário, ou poemas, novelas, ensaios constitutivos de uma coletânea” (2009, p. 259-260). Nas edições bíblicas, a origem dos intertítulos é de difícil constatação. No caso específico das versões impressas, há a informação de que o alemão Günther Zainer utilizou intertítulos em capítulos de livros bíblicos em 1480 (cf. Black, 1963BLACK, M. H. XII. The Printed Bible. In: GREENSLADE, S. L. (org.). The Cambridge History of the Bible: The West from the Reformation to the Present Day. Cambridge: Cambridge University Press, 1963. pp. 408-475., p. 419). O uso mais amplo ocorreu com a Bíblia de Genebra, publicada em 1560, que também trazia intertítulos introduzindo os capítulos dos livros bíblicos. Dessa edição em diante, tornou-se comum a presença de intertítulos em edições bíblicas.

Busca-se, de acordo com Roger Chartier, “(...) sinalizar como os objetos tipográficos encontram inscritos em suas estruturas a representação espontânea, feita por seu editor, das competências de leitura do público ao qual ele os [livros] destina” (Chartier, 2001CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 77-105., p. 98). Esse aspecto é ilustrado por Chartier ao pesquisar a chamada “Biblioteca Azul”, publicada na França entre os séculos 16 e 17, constando de livros com baixo preço e produção pouco esmerada. As características editoriais e de impressão permitem concluir, segundo o autor, que os livros se dirigiam a um público leitor mais amplo.

Das várias características editoriais identificadas por Chartier, interessam as intervenções que

(...) transformam a própria apresentação do texto, multiplicando os capítulos (...) e aumentando o número de parágrafos. Esse recorte é comandado pela ideia que têm os editores das competências e dos hábitos de leitura do público que procuram atrair - uma leitura frequentemente interrompida, que exige pontos de referência explícitos, que somente se sente à vontade com sequências breves e fechadas sobre si mesmas (2002, p. 69-70).

Há na citação vários pontos de contato com os editores das edições bíblicas aqui analisadas. O aumento de parágrafos, que pressupõe escolhas de fechamento e de abertura, trazendo consigo a inserção de intertítulos, é facilmente identificável, assim como a ideia de que tal processo se dá em função da avaliação pelos editores das competências ou da falta delas por parte dos leitores. A leitura “frequentemente interrompida”, que motiva as subdivisões em parágrafos, também é partilhada pelos leitores da Bíblia. Tais recursos editoriais visam aproximar o leitor do texto, facilitando a leitura.

A relação entre intertítulo e público leitor também é considerada por Genette:

(...) a norma clássica nos intertítulos na ficção narrativa dividia-se em duas atitudes muito contrastantes e de conotações gerais muito acentuadas: a simples numeração das partes e dos capítulos para a ficção séria, e a imposição de intertítulos desenvolvidos para a ficção cômica ou popular (2009, p. 268).

A numeração de partes e capítulos na chamada “ficção séria” e, por outro lado, a presença de intertítulos na ficção “cômica ou popular” indicam não apenas a ausência ou a presença dos intertítulos, direcionados a determinado grupo leitor, como também, no caso citado por Genette, que leitores de obras de cunho “popular”, provavelmente segmentos da sociedade com menor letramento, necessitavam desse recurso paratextual para a compreensão do que era lido. Processo semelhante se dá nos intertítulos bíblicos, que apresentam um objetivo facilitador da leitura.

No caso dos intertítulos bíblicos, deve-se acrescentar que eles manifestam interpretações do texto pelos editores, que, ou são compartilhadas pelos leitores ou, ao menos, julgam os editores serem passíveis de recepção positiva por estes.

É de extrema relevância lembrar que os intertítulos de livros bíblicos não fazem parte dos manuscritos bíblicos originais. Eles não foram produzidos pelos autores dos livros canônicos, tendo sido, antes, incorporados a eles inicialmente por copistas e posteriormente por editores. A prática popular de leitura da Bíblia desconsidera esse aspecto, geralmente atribuindo aos intertítulos o mesmo status do texto sagrado, o que confere importância a esses elementos paratextuais.

Por essa razão, é importante ter consciência de que os livros bíblicos, seja individualmente, seja conformando o cânon bíblico, possuem longo percurso em sua história de produção, transmissão e editoração (Lyons, 2011LYONS, Martyn. Livro. Uma história viva. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Editora Senac, 2011.). Desde os papiros, passando por pergaminhos e códices, chegando às telas de computadores e smartphones, os textos nunca estiveram isolados, flutuando em uma pretensa nuvem de abstração. Pelo contrário, os textos bíblicos sempre encontram suportes que os trazem à vida, permitindo que sejam recebidos pelas comunidades e direcionando suas leituras.

As duas edições bíblicas selecionadas para este trabalho6 6 Bíblia Sagrada. 2. ed. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada, segunda edição de 1993, a partir de agora citada como ARA, e a Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada (2017), mencionada a seguir como NAA. fazem parte daquilo que podemos chamar “Família João Ferreira de Almeida”, que remonta às primeiras traduções bíblicas feitas por este português convertido ao movimento reformado no século 17, e que receberam sucessivas atualizações no decorrer dos séculos (cf. Giraldi, 2008GIRALDI, Luiz Antonio. História da Bíblia no Brasil. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008., p. 24-26; Malzoni, 2016MALZONI, Cláudio Vianney. As edições da Bíblia no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2016., p. 21-33).

As duas traduções da Bíblia provêm da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Esta entidade foi organizada por cristãos evangélicos em 1948 sob o lema “Dar a Bíblia à Pátria” (História da SBBHISTÓRIA da SBB. Disponível em: https://biblia.sbb.org.br/sobre-a-sbb/historia-da-sbb. Acesso em 09 de julho, 2023.
https://biblia.sbb.org.br/sobre-a-sbb/hi...
). Segundo o site da sociedade: “A Sociedade Bíblica do Brasil é uma entidade sem fins lucrativos, dedicada a disseminar a Bíblia e, por meio dela, promover o desenvolvimento integral do ser humano” (Sobre a SBBSOBRE a SBB. Disponível em: https://www.sbb.org.br/historia-da-sbb/quem-somos. Acesso em 04 de setembro, 2023.
https://www.sbb.org.br/historia-da-sbb/q...
).

De acordo com relatório da SBB: “No ano de 2022, o Centro de Produção de Escrituras publicou 6,3 milhões de exemplares das Escrituras” e, de modo específico, “O Centro de Produção de Escrituras produz, em média, um exemplar da Bíblia Sagrada a cada três segundos” (Publicando para transformar vidas, 2023PUBLICANDO para transformar vidas. ABNB. A Bíblia no Brasil. n. 268, p. 52-53, 2023., p. 53). Tais números tornam a SBB, se não a maior, uma das maiores publicadoras de bíblias do mundo.

Partindo do pressuposto de que os editores são leitores do evangelho e que buscam compartilhar sua leitura visando facilitá-la aos demais leitores, este trabalho procura responder às perguntas: como o evangelho de Mateus tem sido recebido por editores e leitores brasileiros? Como intertítulos editoriais podem fornecer indícios de tal recepção?

Tais questões assumem como premissa o fato de que os editores, ao introduzir intertítulos nas edições bíblicas, manifestam por meio deles sua percepção do público leitor. Desejamos perceber tal projeção do leitor a partir dos intertítulos das bíblias analisadas.

Tem-se consciência de que a ação editorial sobre os textos não implica necessariamente aceitação acrítica de tais direcionamentos pelos leitores. No entanto, do ponto de vista teórico e prático, o primeiro em seu papel de fundamentação para reflexões sobre os atos de recepção, e o segundo subsidiado por grande número de edições das bíblias estudadas, pode-se afirmar a relevância da abordagem.

1 Intertítulos comparados

Antes de iniciar a comparação entre os intertítulos, convém identificar os princípios que orientam sua produção nas duas edições bíblicas do evangelho de Mateus. São eles: a) utilização das primeiras palavras dos versículos iniciais; b) elaboração de síntese narrativa.

Vejamos alguns exemplos nos quadros abaixo7 7 Em virtude de os textos bíblicos selecionados das duas edições serem muito semelhantes e os intertítulos iguais, optou-se apenas pela transcrição da NAA. :

Utilização das primeiras palavras dos versículos iniciais A genealogia de Jesus1.1-17.1 Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. A tentação de Jesus4.1-11.1A seguir, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. A transfiguração de Jesus17.1-8.1Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro e os irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. 2E Jesus foi transfigurado diante deles. Síntese narrativa A cura de um leproso8.1-4.1Quando Jesus desceu do monte, grandes multidões o seguiram.2 E eis que um leproso aproximou-se e o adorou, dizendo:- Senhor, se quiser, pode me purificar.3E Jesus, estendendo a mão, tocou nele, dizendo:- Quero, sim. Fique limpo!E, no mesmo instante, ele ficou limpo da sua lepra. 4Então Jesus lhe disse:- Olhe, não conte isso a ninguém, mas vá, apresente-se ao sacerdote e faça a oferta que Moisés ordenou, para servir de testemunho ao povo. Jesus é senhor do sábado12.1-8.1Por aquele tempo, num sábado, Jesus passou pelas searas. Estando os seus discípulos com fome, começaram a colher espigas e a comer.2 Os fariseus, vendo isso, disseram a Jesus:- Olhe! Os seus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer num sábado. 3Mas Jesus lhes disse:- Vocês não leram o que Davi fez quando ele e os seus companheiros tiveram fome? 4Como entrou na Casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não é lícito comer, nem a ele nem aos que estavam com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes? 5Ou vocês não leram na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo profanam o sábado e ficam sem culpa? 6Pois eu lhes digo que aqui está quem é maior do que o templo. 7Mas, se vocês soubessem o que significa: “Quero misericórdia, e não sacrifício”, não teriam condenado inocentes. 8Porque o Filho do Homem é senhor do sábado. A cura de dois cegos de Jericó20.29-34.29Saindo eles de Jericó, uma grande multidão seguia Jesus.30 E eis que dois cegos, sentados à beira do caminho, tendo ouvido que Jesus passava, começaram a gritar:- Senhor, Filho de Davi, tenha compaixão de nós!31Mas a multidão os repreendia para que se calassem. Eles, porém, gritavam cada vez mais: - Senhor, Filho de Davi, tenha compaixão de nós!32Jesus parou, chamou-os e perguntou:- O que vocês querem que eu lhes faça?33Eles responderam:- Senhor, que se abram os nossos olhos. 34Profundamente compadecido, Jesus tocou nos olhos deles. E imediatamente recuperaram a vista e o seguiram.

Para análise, escolho dois temas presentes nos intertítulos que serão abordados comparativamente: correção de intertítulos equivocados e correção de intertítulos em narrativas. A análise comparativa não visa apenas identificar possíveis equívocos na ARA e a posterior correção pela NAA, mas também reconhecer os critérios utilizados pela ARA ao nomear seus intertítulos.

Quanto aos textos e tópicos abordados, é clara a limitação de tais escolhas, uma vez que refletem uma pequena parte de um evangelho que é composto de vinte e oito capítulos, cada um deles com vários intertítulos. Ainda assim, o exercício a seguir fornece elementos que permitem refletir a respeito dos leitores brasileiros do evangelho de Mateus.

1.1 Correção de intertítulos equivocados8 8 Segue-se a formatação original das versões bíblicas na transcrição de intertítulos e textos bíblicos (com negritos).

Almeida Revista e Atualizada (1993) ARA Nova Almeida Atualizada (2017) NAA 5.21-26.Intertítulo: DO HOMICÍDIO. 21Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. 22Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. 23Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,24 deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. 25Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão.26 Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo. 5.43-48.Intertítulo: DO AMOR AO PRÓXIMO. 43Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; 45para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. 46Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? 47E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? 48 Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. 5.21-26.Intertítulo: Ensino a respeito da ira. 21 - Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: “Não mate.” E ainda: “Quem matar estará sujeito a julgamento.” 22Eu, porém, lhes digo que todo aquele que se irar contra o seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem insultar o seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem o chamar de tolo estará sujeito ao inferno de fogo. 23Portanto, se você estiver trazendo a sua oferta ao altar e lá se lembrar que o seu irmão tem alguma coisa contra você, 24deixe diante do altar a sua oferta e vá primeiro reconciliar-se com o seu irmão; e então volte e faça a sua oferta.25 - Entre em acordo sem demora com o seu adversário, enquanto você está com ele a caminho, para que o adversário não entregue você ao juiz, o juiz entregue você ao oficial de justiça, e você seja jogado na prisão.26 Em verdade lhe digo que você não sairá dali enquanto não pagar o último centavo. 5.43-48.Intertítulo: O amor aos inimigos. 43 - Vocês ouviram o que foi dito: “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo.”44Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, 45para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês, que está nos céus. Porque ele faz o seu sol nascer sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos.46 Porque, se vocês amam aqueles que os amam, que recompensa terão? Os publicanos também não fazem o mesmo? 47 E, se saudarem somente os seus irmãos, o que é que estão fazendo de mais? Os gentios também não fazem o mesmo?48 Portanto, sejam perfeitoscomo é perfeito o Pai de vocês, que está no céu.

Inicialmente, um comentário relativo à forma como os intertítulos estão grafados. Na ARA os intertítulos estão em caixa alta, sem negrito, diferentemente dos demais no evangelho, que trazem apenas iniciais em maiúscula e em negrito, o que revela a estratégia de captar a atenção do leitor para o que segue na leitura. Os dois textos selecionados fazem parte do chamado Sermão do Monte (Mateus, capítulos 5 a 7) e compartilham essa característica com os blocos 5.27-32, 5.33-37 e 5.38-42. É possível que o destaque se deva ao contexto do sermão, o mais conhecido e famoso daqueles proferidos por Jesus Cristo. Os editores da NAA optam pelo negrito, comum a todos os outros intertítulos, e acrescentam o itálico, presente nos intertítulos do Sermão do Monte, uma forma de realçá-los, embora mais discreta do que a da ARA. Conclui-se que o maior destaque dos intertítulos pelos editores da ARA pressupõe a necessidade de que seus leitores considerem os ensinos ali presentes com cuidado.

Volto-me agora para o vocabulário dos subtítulos intertítulos. Provavelmente os leitores atuais têm uma noção do que significa “homicídio” (5.21-26). Entretanto, para uma definição mais exata, será necessária a consulta ao dicionário. A escolha da NAA: “Ensino a respeito da ira”, por outro lado, é mais didática, e por isso mesmo mais longa. Termos como “ensino” e “ira” são perfeitamente compreensíveis pelo leitor médio. Quanto aos dois intertítulos da ARA iniciados pela contração da preposição “de” mais o artigo definido “o” = “do”: “‘Do’ homicídio” e “‘Do’ amor ao próximo”, o termo substitui expressões como “acerca de”, “a respeito de”, “a propósito de”, cuja função, nesse caso, é a construção de um intertítulo mais curto. O uso não é comum no português, sendo originado do latim clássico e, por isso mesmo, utilizado em textos literários, filosóficos e ensaísticos e por aqueles que pretendem aparentar ou utilizar um estilo antigo9 9 Um exemplo literário consta no livro de J. R. R. Tolkien, O Silmarillion (2019, p. 9-10), no qual grande parte dos títulos de capítulos se iniciam ou com a preposição “de” ou com a contração “do”. Ex: 1. Do princípio dos Dias; 2. De Aulë e Yavanna; 3. Da vinda dos Elfos e do Cativeiro de Melkor etc. . Ao utilizar uma forma arcaica, os editores da ARA evidenciam uma preocupação não apenas literária, mas também estilística.

As escolhas dos intertítulos da ARA pressupõem um leitor com vocabulário mais amplo e com sensibilidade a estilos clássicos. De sua parte, as atualizações da NAA buscam tornar mais simples e didáticos os intertítulos, manifestando preocupação com a capacidade de compreensão de seus leitores.

Na ARA as duas passagens enfatizam a relação com os textos do Antigo Testamento citados por Jesus. Em 5.21-26 a ênfase recai na relação intertextual do v. 21 com Êxodo 20.13: “Não matarás”; e 5.43-48 liga-se a Levítico 19.18: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”. Tal procedimento destaca a conexão com textos da Torá10 10 Contém os livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. , primeira parte do Antigo Testamento (AT), considerada o segmento mais sagrado da Bíblia Hebraica. É provável que os editores, ao ressaltarem a ligação de Jesus com o AT, desejem esclarecer aos leitores a origem do mandamento citado e, ao mesmo tempo, apresentar Jesus como aquele no qual o AT encontra seu cumprimento. Essa seria uma intenção prioritariamente teológica.

Já a NAA enfatiza a atualização trazida por Jesus que radicaliza os mandamentos do AT. Ao intitular 5.21-26 como “Ensino a respeito da ira”, os editores querem destacar que, para Jesus, não é errado apenas matar, conforme estipula o AT, mas também irar-se. Os editores realçam que Jesus, ao citar o AT, atribui o mesmo status de mandamento ao “não irar-se”. Da mesma forma, ao nomear 5.43-48 como “O amor aos inimigos”, os editores reconhecem que Jesus vai além do mandamento proposto pelo Levítico, exigindo que seus seguidores “amem os seus inimigos” (5.44). Se os editores da ARA enfatizam as conexões das falas de Jesus com o AT, os editores da NAA identificam e destacam a profundidade do ensino de Jesus ao expandir as exigências do AT. Percebe-se, nesse procedimento, que os novos intertítulos buscam direcionar os leitores para a compreensão dessa radicalidade que se efetiva em uma proposta para a vida e para os relacionamentos. Há, aqui, um direcionamento ético.

Pode-se concluir que os editores da NAA corrigem os intertítulos da ARA, procurando palavras e frases que sejam mais facilmente compreensíveis pelos leitores e deixando de enfatizar aspectos teológicos - a compreensão correta dos textos bíblicos - para colocar em primeiro plano as questões éticas - a prática correta dos textos bíblicos -, transparecendo uma mudança de público leitor e de suas necessidades.

1.2 Correções de intertítulos em narrativas 11 11 Para efeito de clareza, negritei no texto bíblico os termos que possuem relação com os intertítulos.

Almeida Revista e Atualizada (1993) Nova Almeida Atualizada (2017) 4.18-22.Intertítulo: A vocação dos discípulos. 18Caminhando junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. 19 E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.20 Então, eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram. 21Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes; e chamou-os.22 Então, eles, no mesmo instante, deixando o barco e seu pai, o seguiram. 19.23-26.Intertítulo: A ressurreição da filha de Jairo. 23Tendo Jesus chegado à casa do chefe e vendo os tocadores de flauta e o povo em alvoroço, disse: 24Retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme. E riam-se dele. 25Mas, afastado o povo, entrou Jesus, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. 26E a fama deste acontecimento correu por toda aquela terra. 4.18-22.Intertítulo: Jesus chama quatro pescadores. 18Caminhando junto ao mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André. Eles lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. 19 Jesus lhes disse:- Venham comigo, e eu os farei pescadores de gente.20Então eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram.21Pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, o irmão dele. Eles estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes; e Jesus os chamou.22 Então eles, no mesmo instante, deixaram o barco e seu pai e seguiram Jesus. 9.18-26.Intertítulo: Jesus cura uma mulher e uma menina. 18Enquanto Jesus lhes dizia estas coisas, eis que um chefe da sinagoga, aproximando-se, o adorou e disse:- Minha filha morreu agora mesmo; mas venha impor a mão sobre ela, e ela viverá.19E Jesus se levantou e o seguiu, juntamente com os seus discípulos.20E eis que uma mulher, que durante doze anos vinha sofrendo de uma hemorragia,veio por trás de Jesus e tocou na borda da capa dele. 21Porque dizia consigo mesma: “Se eu apenas tocar na capa dele, ficarei curada.” 22Então Jesus, voltando-se e vendo-a, disse: - Coragem, filha, a sua fé salvou você.E, desde aquele instante, a mulher ficou sã. 23Tendo Jesus chegado à casa do chefe e vendo os tocadores de flauta e o povo em alvoroço, disse:24- Saiam daqui! Porque a menina não está morta, mas dorme.E riam-se dele.25 Mas, quando o povo tinha sido colocado para fora, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou.26 E a notícia deste acontecimento se espalhou por toda aquela terra.

Quanto à apresentação gráfica, os intertítulos são iguais, com iniciais maiúsculas e negrito, o que indica que a NAA seguiu sua predecessora nesse quesito. O vocabulário utilizado nas duas versões não comporta, do ponto de vista de sua compreensão, dificuldades, uma vez que usa termos de conhecimento geral e mesmo aqueles que podem ser considerados religiosos, como “vocação”, “discípulos” e “ressurreição”, não são técnicos, sendo conhecidos amplamente.

Os dois conjuntos oferecem olhares diferentes aos textos. A ARA focaliza os quatro homens ao registrar que a vocação é “dos discípulos”, propondo, assim, serem eles o ponto central da passagem. Essa escolha é reforçada pela ausência do nome Jesus no intertítulo. A NAA, por outro lado, ao colocar “Jesus” como sujeito do verbo chamar, concede a ele protagonismo, relacionando a leitura do texto com suas ações.

Tais opções podem gerar reações diferentes nos leitores. A ARA conduz a reflexão para o compromisso de ser discípulo de Jesus. Em outro sentido, a NAA convida os leitores a considerarem aquele que os chama. Avaliando narrativamente as propostas, a segunda é de maior relevância, uma vez que nos textos anteriores presenciamos a preparação de Jesus para seu ministério por meio da tentação no deserto (4.1-11) e o início de suas atividades na Galileia com a pregação do reino dos céus (4.12-17). Na sequência vem o texto analisado, com o narrador relatando um exemplo da ação de Jesus.

Ainda do ponto de vista narrativo, é relevante notar que a ARA, no intertítulo de 4.18-22 - “a vocação dos discípulos” - antecipa uma informação que surgirá apenas em 5.1, quando Jesus chama seus seguidores de “discípulos”: “Ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte. Ele se assentou e os seus discípulos se aproximaram dele”. Nesse texto não se especifica quem são os discípulos. Certamente os quatro pescadores estão entre eles, mas provavelmente a audiência seria maior. Na realidade, o evangelho de Mateus apresentará uma lista com os nomes dos discípulos apenas em 10.1-4, chamando-os, igualmente, de “apóstolos” (10.2). No texto selecionado, embora o ato de “seguir” Jesus da parte dos quatro homens possa ser entendido como um gesto de vinculação a ele, o que configuraria o discipulado, o uso de “discípulos” no intertítulo deveria ser utilizado apenas quando surgisse na narrativa. Podemos considerar esse intertítulo como um descuido dos editores com o aspecto narrativo do evangelho. Há, no entanto, mais do que isso. A escolha por incluir “discípulos” demonstra uma preocupação em fornecer o máximo de informações possíveis aos leitores, talvez pressupondo dificuldade de entendimento do texto e de sua relação com a sequência narrativa.

A NAA corrige esse equívoco substituindo “discípulos” por “quatro pescadores”, indicando a atividade profissional deles, conforme o próprio texto afirma (v. 18), com o detalhe de que dois deles “consertavam as redes” (v. 21). Ao excluir o termo “discípulos” e substituí-lo pela a atividade, a NAA não só procede narrativamente de forma adequada, como também manifesta aos leitores o ponto central da narrativa: a afirmação de Jesus de que de pescadores de peixes ele os transformará em pescadores de gente (v. 19).

Em 9.23-26 a ARA traz em seu intertítulo uma informação que não consta no evangelho de Mateus: o nome do pai da menina ressuscitada por Jesus - Jairo. Na realidade, o nome consta nos evangelhos de Marcos (5.2212 12 “Então chegou um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo, e, vendo-o, prostrou-se aos pés de Jesus (...)”. ) e de Lucas (8.4113 13 “Eis que veio um homem chamado Jairo, que era chefe da sinagoga, e, prostrando-se aos pés de Jesus, suplicou-lhe que fosse até a sua casa”. ). Mais uma vez os editores sacrificam a narratividade ao trazer um dado externo ao evangelho, certamente sentindo a necessidade de tornar o texto mais claro aos leitores.

A NAA, corretamente, retira o nome do pai, e amplia o bloco - iniciando no versículo 18 em lugar de 23 (ARA) - ao acrescentar a cura de uma mulher que é situada no meio da narrativa da ressurreição da menina. Esse segmento narrativo configura um quiasmo14 14 “Espécie de antítese, o quiasmo consiste no cruzamento de grupos sintáticos paralelos, de forma que um vocábulo do primeiro se repete no segundo, em posição inversa (A B x B A)” (Moisés, 2010, p. 426) , sendo que:

A. v. 18-19. Pai da menina.

B. v. 20-22. Mulher.

A. v. 23-26. Jairo e a filha.

Por essa razão, o intertítulo “Jesus cura uma mulher e uma menina” é mais adequado ao fluxo narrativo por não quebrar um texto que estilisticamente deve ser lido de forma una. Os leitores, por meio dessa organização, têm maiores condições de perceber, não apenas a unidade narrativa, como também o drama que percorre a cura da mulher e a ressurreição da menina.

No entanto, se o intertítulo da NAA acerta, ele se equivoca ao propor que Jesus “cura (...) a menina”. Na verdade, Jesus a ressuscita. Há, portanto, uma desinformação que prejudica os leitores.

Podemos dizer que a NAA corrige títulos equivocados da ARA e procura preservar a ênfase e a unidade narrativa dos textos, apresentando segmentos mais extensos (9.18-26). Também é possível concluir que os editores da NAA intervêm menos nos intertítulos do ponto de vista interpretativo, enquanto os da ARA trazem informações externas com o objetivo de tornar os intertítulos uma espécie de interpretação do texto em lugar de seu resumo.

Expandindo a análise dos intertítulos, há outra fonte paratextual com dados relativos aos leitores. Ela se encontra nos elementos pré-textuais das duas edições analisadas. Constituem subsídios concretos que os próprios editores fornecem à pesquisa. Quanto a isso, a ARA contém apenas uma informação referente aos intertítulos: “Os títulos que subdividem o texto bíblico, resumindo em temas o conteúdo de um ou mais parágrafos ou de capítulos inteiros ou até mais, não fazem parte do texto original. Eles foram acrescentados posteriormente (Gn 1.1; 2.4)” (Explicação de formas gráficas especiais, títulos, referências e notas, 1999EXPLICAÇÃO de formas gráficas especiais, títulos, referências e notas. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999., p. vii). Mesmo que sintético, o texto é relevante, uma vez que indica que os títulos “resumem em temas os conteúdos”. Como vimos, os editores da ARA fazem mais do que isso.

Na Apresentação, os editores da NAA revelam alguns procedimentos para aperfeiçoar a tradução que podem servir de indicativos para as alterações nos intertítulos. Por exemplo, eles mantêm o princípio de edições anteriores: “apresentar um texto clássico numa linguagem atual” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. V). Em seguida, acrescentam: “(...) como o objetivo é oferecer um texto de fácil compreensão, foi adotada a conhecida norma: ‘formal ou literal sempre que possível; dinâmico sempre que necessário’” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. V). A pergunta norteadora da comissão de tradução foi: “O leitor será capaz de entender o texto sem ter de recorrer ao dicionário?” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. V).

No item “Peculiaridades da Nova Almeida Atualizada” alguns tópicos são de interesse: “3. No caso de palavras arcaicas, que dificilmente serão entendidas sem consulta ao dicionário, procurou-se usar sinônimos mais fáceis” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. VI). “4. Os pronomes ‘tu’ e ‘vós’ deram lugar a ‘você’ e ‘vocês’, visto que hoje, no Brasil, dificilmente alguém se dirige a um público usando a forma de tratamento ‘vós’” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. VI). Alteração importante se encontra no tópico “11. Revisando os períodos longos, procurou-se, na medida do possível, transformá-los em frases mais curtas. Assim, muitos pontos e vírgulas (;) foram substituídos por pontos” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. VI). E de especial importância é o item “16. Sempre que possível, os títulos de seção foram atualizados, dando-se preferência a formulações derivadas do próprio texto bíblico” (Apresentação, 2017APRESENTAÇÃO. A BÍBLIA Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. p. IV-VII., p. VII).

Diante das informações acima, pode-se afirmar que a NAA apresenta maior sensibilidade frente ao leitor, com consciência de seu contexto e de suas limitações. Isso fica claro na opção por: uma “linguagem atual”; em “oferecer um texto de fácil compreensão”; por “não haver necessidade de consulta a dicionário”; no “uso de sinônimos mais fáceis”; no “encurtamento de períodos longos”, e na “atualização de títulos de seções a partir do próprio texto bíblico”.

Essas informações, de modo geral, foram aplicadas aos intertítulos, como pudemos observar. Unindo a análise interna dos intertítulos com os dados presentes nos pré-textos editoriais, percebe-se uma preocupação evidente com a compreensão dos leitores, permitindo perceber limitações na apreensão não apenas da linguagem bíblica como também de seu conteúdo.

Considerações finais

Ao concluir este artigo, retorno às afirmações de Chartier utilizadas no início do texto. Ele indica que as ações dos editores são centralizadas nos níveis de competência dos leitores. Quanto mais limitado o público leitor, maiores as ações editoriais buscando aproximar deles o texto. Isso é verdade para obras de todos os tempos, mas principalmente para textos com maior distância histórica dos leitores, como é o caso da Bíblia.

Se o próprio texto não é passível de alteração, os elementos paratextuais exercerão a missão de aproximá-lo dos leitores. No caso da Bíblia, cabe lembrar que títulos de livros, números e títulos de capítulos, números de versículos e os intertítulos são intervenções editoriais que surgem no decorrer da história visando facilitar a leitura.

Dessa série de paratextos existentes, neste artigo optou-se por analisar os intertítulos presentes no evangelho de Mateus nas edições da ARA e da NAA. Buscou-se identificar como os editores liam tais textos e, a partir de suas leituras, como concebiam os leitores. Etapa seguinte foi destacar as atualizações que a NAA efetuou nos intertítulos da ARA e as implicações para a investigação sobre o leitor brasileiro do evangelho.

As estratégias das duas versões bíblicas em relação aos leitores são diferentes. A ARA procura tutelá-los, fornecendo, sempre que possível, informações que tragam esclarecimentos, mesmo que em detrimento de aspectos literários dos textos. Nesse sentido, tal edição revela um leitor carente de informações para que compreenda o texto bíblico. No entanto, o uso de termos e expressões arcaicas tendem a prejudicar a apreensão dos intertítulos, assim como dos textos resumidos por eles. A NAA desenvolve igual preocupação com a clareza em seus intertítulos, mas o faz em conformidade com uma linguagem mais acessível e em organizações de blocos textuais que tornam mais fácil a compreensão de seus conteúdos. Ela busca ser sensível ao vocabulário utilizado no texto bíblico na criação de seus intertítulos e, dessa forma, na maioria deles, é exitosa. De suas estratégias surge um leitor que, embora limitado em seu vocabulário e com iguais limitações para compreender o texto bíblico, recebe, por meio dos intertítulos, ajuda quanto ao sentido dos textos e a seus aspectos narrativos.

É claro que as análises aqui desenvolvidas operam como um estudo de caso que carece de maior amplidão. Entretanto, elas deixam claro que as edições bíblicas, ao mesmo tempo em que apresentam um texto estável no decorrer de milênios, se apresentam configuradas segundo intertítulos criados para atender as mudanças dos públicos leitores.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

  • 1
    Atualmente essa teoria caiu em descrédito, sendo o evangelho de Marcos tido como o mais antigo e uma das fontes para a produção dos evangelhos de Mateus e de Lucas.
  • 2
    Citação retirada da Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017BÍBLIA Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017..
  • 3
    Faço uso do plural sem nomeações uma vez que as edições bíblicas estudadas não identificam os editores responsáveis.
  • 4
    Gérard Genette define paratexto: “A obra literária consiste, exaustiva ou essencialmente, num texto, isto é (definição mínima), numa sequência mais ou menos longa de enunciados verbais mais ou menos cheios de significação. Contudo, esse texto raramente se apresenta em estado nu, sem o reforço e o acompanhamento de certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações, que nunca sabemos se devemos ou não considerar parte dele, mas que em todo caso o cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua ‘recepção’ e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro. Esse acompanhamento de extensão e conduta variáveis, constitui o que (...) batizei de paratexto da obra (...)” (2009, p. 9; grifo nosso).
  • 5
    Utiliza-se aqui a proposta de Roger Chartier de que o editor, por meio de objetos tipográficos, inscreve na obra a representação das competências de leitura do público ao qual ela se destina (cf. 2001, p. 98). Leva-se em consideração, igualmente, a noção de leitor e de sua atuação conforme apresentadas por Wolfgang Iser: “Os modelos textuais descrevem apenas um pólo da situação comunicativa. Pois o repertório e as estratégias textuais se limitam a esboçar e pré-estruturar o potencial do texto; caberá ao leitor atualizá-lo para construir o objeto estético. A estrutura do texto e a estrutura do ato [de leitura] constituem portanto os dois pólos da situação comunicativa; esta se cumpre à medida que o texto se faz presente no leitor como correlato à sua consciência. (...) o texto se completa quando o seu sentido é constituído pelo leitor (...) (1999, p. 9; grifo nosso).
  • 6
    Bíblia Sagrada. 2. ed. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada, segunda edição de 1993BÍBLIA Sagrada. 2. ed. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993., a partir de agora citada como ARA, e a Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Nova Almeida Atualizada (2017), mencionada a seguir como NAA.
  • 7
    Em virtude de os textos bíblicos selecionados das duas edições serem muito semelhantes e os intertítulos iguais, optou-se apenas pela transcrição da NAA.
  • 8
    Segue-se a formatação original das versões bíblicas na transcrição de intertítulos e textos bíblicos (com negritos).
  • 9
    Um exemplo literário consta no livro de J. R. R. Tolkien, O Silmarillion (2019TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. Editado por Christopher Tolkien. Tradução de Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2019., p. 9-10), no qual grande parte dos títulos de capítulos se iniciam ou com a preposição “de” ou com a contração “do”. Ex: 1. Do princípio dos Dias; 2. De Aulë e Yavanna; 3. Da vinda dos Elfos e do Cativeiro de Melkor etc.
  • 10
    Contém os livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
  • 11
    Para efeito de clareza, negritei no texto bíblico os termos que possuem relação com os intertítulos.
  • 12
    “Então chegou um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo, e, vendo-o, prostrou-se aos pés de Jesus (...)”.
  • 13
    “Eis que veio um homem chamado Jairo, que era chefe da sinagoga, e, prostrando-se aos pés de Jesus, suplicou-lhe que fosse até a sua casa”.
  • 14
    “Espécie de antítese, o quiasmo consiste no cruzamento de grupos sintáticos paralelos, de forma que um vocábulo do primeiro se repete no segundo, em posição inversa (A B x B A)” (Moisés, 2010MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 19. ed. São Paulo: Cultrix, 2010., p. 426)
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

REFERÊNCIAS

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  • CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
  • DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
  • EXPLICAÇÃO de formas gráficas especiais, títulos, referências e notas. A BÍBLIA Sagrada Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
  • FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro. Tradução de Fulvia M. L. Moreto e Guacira Marcondes Machado. São Paulo: Edusp, 2017.
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  • PUBLICANDO para transformar vidas. ABNB. A Bíblia no Brasil. n. 268, p. 52-53, 2023.
  • SOBRE a SBB. Disponível em: https://www.sbb.org.br/historia-da-sbb/quem-somos Acesso em 04 de setembro, 2023.
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  • TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. Editado por Christopher Tolkien. Tradução de Reinaldo José Lopes. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2019.

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

O estudo aborda um aspecto muito presente na sociedade, especialmente no contexto de leitura de textos bíblicos, pois mostra como os intertítulos inseridos/incorporados nas versões dos textos manifestam interpretações por parte dos editores. Partindo do pressuposto de que o evangelho de Mateus é um texto bastante lido e que os subtítulos orientam a sua leitura, o artigo apresenta uma proposta adequada ao tema proposto. O escrito explicita o objetivo principal e é coerente no desenvolvimento e demonstração de resultados. A teoria mobilizada é adequada para o entendimento de noções centrais. O texto apresenta uma originalidade significativa, pois evidencia o papel dos subtítulos na compreensão do texto bíblico, ressaltando como os intertítulos são intervenções editoriais que surgem no decorrer da história, influenciando na recepção do texto. Com os ajustes necessários, aprecio a discussão feita no texto “O evangelho de Mateus e a história da leitura em edições bíblicas brasileiras” e sou favorável à sua aprovação. Ademais, considerando a melhoria do texto, no que diz respeito à clareza, à adequação da linguagem e à correção, o autor precisa fazer alguns ajustes, que passo a enumerar:

I. Sugiro o aprofundamento das noções de “configuração dos leitores” e “imagem de leitor”, que aparecem na página 3 e que são relevantes para o trabalho. Seria pertinente mobilizar algum referencial teórico que fundamentasse essas noções. Embora não seja a base teórica utilizada, ressalto que os textos de Bakhtin e o Círculo apresentam noções potentes quanto ao leitor/interlocutor. Talvez fosse o caso de construir uma discussão acerca da concepção de leitor presente nos subtítulos do texto de Mateus, que, na concepção bakhtiniana, não seria um sujeito passivo, mas ativo, presente, responsivo, no ato de criação do texto/enunciado.

II. Na página 6, sugiro ajustar a primeira questão, que diz “como o evangelho de Mateus tem sido recebido por editores e leitores brasileiros?” Essa questão sugere, no primeiro momento, que a análise vai focalizar a recepção do texto de Mateus por dois grupos, a saber, “editores” e “leitores”. No entanto, a discussão focaliza apenas os “editores”, que são apresentados - adequadamente - também como “leitores”. Mas essa compreensão somente é construída nas análises.

III. Ainda na página 6, o texto diz: “Desejamos perceber tal projeção do leitor a partir dos subtítulos das bíblias analisadas”. Não seria o caso de explicitar isso enquanto objetivo e questão de pesquisa? Ou seja, na introdução, essa ideia não é apresentada como objetivo ou questão de pesquisa, mas é isso que é feito nas análises.

IV. Rever a seguinte afirmação, na página 2: “O evangelho de Mateus possui uma rica história de recepção, tendo sido o mais lido e querido entre os cristãos em todos os tempos”. Essa afirmação carece de fundamentação, pois o texto não aprofunda a história dessa recepção e não mostra dados que corroborem a afirmação de que Mateus é o mais lido e querido evangelho.

V. Correção do uso de vírgula no trecho (página 3): “Por essa razão, este artigo, procurando preencher minimamente esse espaço, pesquisa a história da leitura do evangelho de Mateus”. Aliás, nesse mesmo trecho, sugiro rever o uso de “história da leitura”, pois a palavra “história” faz pensar que haverá um estudo que considere a recepção do texto ao longo de uma determinada temporalidade. Mas o foco da proposta não é traçar essa leitura do texto, considerando temporalidades, por exemplo, não se analisa subtítulos de versões do mesmo texto em diferentes temporalidades. O fato de ser uma analise comparativa não é suficiente para ser entendida como “história da leitura”.

VI. Sugiro abrir uma nota ou desenvolver uma explicação acerca da noção de “paratextos” presente na página 3.

VII. Corrigir (página 3): “ela será cotejada com a verão anterior”.

VIII. Sugiro utilizar, nos quadros das páginas 9 e 12, o termo “intertítulo”, que é o adotado no trabalho, e não “título”.

IX. Sugiro rever a afirmação feita no último parágrafo das considerações finais, especialmente quanto a ideia de que “as edições bíblicas apresentam um texto imutável no decorrer de milênios”. Essa não foi uma discussão feita no artigo e não houve uma argumentação que corroborasse essa conclusão. Por exemplo, em que sentido o texto seria “imutável no decorrer de milênios”? O autor poderá reformular a ideia, sem prejuízo para as conclusões efetivamente comprovadas na discussão. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    21 Set 2023

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Considero o artigo excelente e estou certo de que contribuirá significantemente para uma leitura crítica do Evangelho conforme Mateus. No entanto, há correções pontuais que devem ser feitas. Alterações a serem realizadas: p. 3 verão - versão; p. 10 Talkien - Tolkien. Devem ser mantidas apenas as notas de rodapé explicativas e indispensáveis. As informações que estão nas notas de rodapé que contêm referências bibliográficas devem ser incorporadas ao texto. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    29 Out 2023

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2023
  • Aceito
    04 Nov 2023
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