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Da constituição do homicídio como problema público ao seu enfrentamento lateral

Resumos

Este trabalho discute a constituição do homicídio como problema público, analisando sua percepção a partir de reportagens jornalísticas de diferentes momentos históricos até a emergência dos Mapas da violência. Tomando o caso do Espírito Santo como exemplo, o texto problematiza a construção de diagnósticos por parte dos programas de governo que buscam enfrentar o homicídio, apontando os limites da crítica desses documentos. Por fim, discute a gestão da vida e da morte pelo Estado, argumentando que a constituição do homicídio como problema público se insere no contexto geral da ação estatal a partir de um enfrentamento lateral.

Palavras-chave:
homicídios; problema público; Mapas da violência; Espírito Santo; Estado


On the Constitution of Homicide as a Public Problem and its Lateral Confrontation discusses the constitution of the homicide as a public problem, analyzing its perception on journalistic reports from different historical moments until the emergency of the Maps of Violence. Based on the case of the state of Espírito Santo, it problematizes the construction of diagnoses by government programs that tries to face this public problem, pointing to the limits of the criticism of these documents. It concludes discussing the management of life and death by the state, arguing that the constitution of the homicide as a public problem fits into the general context of state action.

Keywords:
homicides; public problem; Maps of Violence; Espírito Santo; state


Introdução

É inegável que os homicídios se tornaram uma questão pública no Brasil nos últimos anos. Estatísticas sobre crimes violentos ocupam com mais frequência o noticiário, chegando a haver, em alguns casos, uma editoria fixa cuja construção narrativa se sustenta nos números, distante do estilo “página policial”. Gestores de estados e municípios buscam se distanciar do topo dos rankings de homicídios do país, atualmente publicados com certa frequência e amplamente divulgados1 1 A publicação Mapa da violência esteve no centro das atenções durante certo período. Atualmente, pode-se destacar o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Atlas de Segurança Pública, resultado de parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o citado Monitor da Violência do Portal G1, que conta com atualização frequente. . Para isso criam planos, estratégias, projetos. Comemoram qualquer oscilação positiva nos números, como se resultassem de políticas públicas por eles implementadas, ou se apropriam dos resultados de ações implementadas por gestores anteriores2 2 Um exemplo no plano nacional que ilustra essa questão é o episódio em que o ex-ministro da Segurança Pública Sérgio Moro comemora a queda dos homicídios em 2018 e 2019. Com cerca de um ano de atuação na pasta, Moro em algumas ocasiões ironizou os especialistas que apontaram que os resultados resultavam de políticas em curso e de outras variáveis (FONSECA, 13/10/2019; PINHO, 04/01/2020). . O crime de homicídio se converteu em uma preocupação política, sustentada por uma opinião pública nacional e internacional que se manifesta contra a violência, ainda mais explicitada a partir das estatísticas de assassinatos.

A outra face dessa moeda, entretanto, é que, apesar de décadas de publicações anuais de estatísticas de homicídios ocupando as manchetes dos principais veículos de comunicação e manifestações de órgãos internacionais e instituições mundialmente reconhecidas, até hoje o Brasil não tem um efetivo plano nacional de enfrentamento das altas taxas de homicídios. A iniciativa mais recente em uma série de tentativas é o programa Em Frente Brasil, que até o momento não apresentou propostas ou resultados significativos. Alguns projetos estaduais foram bem-sucedidos por um tempo e depois abandonados, e poucos se sustentaram por longo prazo e produziram efeitos perenes.

Tendo isso em vista, o que se pretende discutir neste texto é em que medida a questão das altas taxas de homicídios é efetivamente enfrentada como um problema público no Brasil. Por um lado, é forçoso reconhecer a inclusão, nos últimos anos, da questão das mortes decorrentes de violência na arena pública e as consequências dessa inclusão na forma de políticas públicas, ainda que esparsas; por outro, as pressões do debate público acerca do tema não foram fortes o suficiente para impor uma pauta constante e contundente no que se refere ao enfrentamento do absurdo número de assassinatos que há décadas assola o país.

Partindo de uma discussão acerca da noção de problema público, analiso recortes de jornais da primeira metade do século XX no estado do Espírito Santo para evidenciar, com base em narrativas de mortes violentas, o processo histórico de construção social dos assassinatos como problema público, destacando elementos que contribuíram para a sua conformação nos dias atuais. Em seguida, analiso estratégias de enfrentamento desse problema na história recente do Espírito Santo, um estado que aparecia nas manchetes nacionais como um dos mais violentos do país e cujos governantes foram por décadas pressionados a lidar com essa questão. Nesse percurso, discuto como os homicídios são enfrentados de forma lateral mesmo em um estado bem-sucedido em reduzir as taxas de assassinato, evidenciando algumas questões que se apresentam como limites à construção do homicídio como problema público.

O problema público

A literatura sobre problemas públicos é extensa e enseja discussões acerca do próprio conceito de público, arena pública, entre outros (CEFAI, 2017aCEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte II)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 2, pp. 128-142, 2017., 2017b). O objetivo desta seção não é apresentar uma ampla revisão dessa literatura, e sim resgatar elementos que sustentem a discussão proposta, tomando por referência principal o trabalho de Gusfield, La cultura de los problemas públicos (2014)3 3 Escolhi utilizar a primeira edição argentina, que traz como subtítulo “El mito del condutor alcoholizado versus la sociedad inocente”, diferentemente da edição original, que traz como subtítulo “Drinking-Driving and Symbolic Order”. , e trabalhos na órbita dessa obra.

Faz-se necessário destacar que o trabalho de Gusfield sobre o mito do condutor embriagado versus a sociedade inocente no âmbito dos EUA, país marcado pela experiência da lei seca, traz em si limites comparativos em termos de objeto e contexto. O potencial analítico, entretanto, compensa o risco. A descrição de como a ideia de sociedade inocente se constrói na constituição do “beber e dirigir” como um problema público, na medida em que responsabiliza o condutor e desresponsabiliza empresas e o poder público (a “sociedade”), pode ser identificada nos planos de enfrentamento dos homicídios no estado do Espírito Santo, que atribuem o aumento dos assassinatos a razões vagas e mal definidas, ignorando ser esse aumento resultado indireto de decisões de governo no interesse de certos segmentos da população, conforme demonstro mais adiante — e de forma mais detalhada em outros trabalhos (COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. Vítimas que choram: Trajetórias de coerção, acumulação social e empreendedorismo violento no Espírito Santo. São Paulo: Opção Livros, 2016.ª, 2016b, 2020COSTA, Marco A. B. “Filho feio não tem pai: Impactos sociais e opções de modernização”. In: COSTA, Marco A. B.; RIBEIRO JÚNIOR, Humberto (orgs). Estudos em segurança pública: Ciências humanas na segurança pública. Curitiba: CRV, 2020, pp. 175-194.).

Segundo Cefaï (2017CEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte I)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017., p. 134), a tese geral de Gusfield na obra aqui discutida é que a constituição do problema público é uma estratégia de domesticar ou pacificar o público, evitando as desordens decorrentes de não se interferir na questão. A perspectiva do problema público é, então, manter sob controle certa ordem social, compreendida como adequada pela parcela da população com mais sucesso em impor suas pautas políticas, sociais, culturais, econômicas etc. Por essa razão, é importante destacar que mortes por assassinato não são, por si só, um problema público. Na visão de Gusfield (2014GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014., p. 67), é necessário um sistema de categorizações e eventos definidores para que uma situação dolorosa se converta em uma questão de debate e em alvo da ação pública. Essa situação dolorosa para alguns precisa se tornar uma situação problemática para um conjunto de pessoas. É o que argumenta Cefaï, tomando Dewey como ponto de partida:

confrontadas com uma situação problemática cujas consequências são percebidas e avaliadas por um conjunto de pessoas como nefastas para os seres humanos e para os bens a que eles estão ligados, mas também, além disso, para os seres vivos ou para a Terra, essas pessoas se inquietam, se interrogam, investigam, experimentam, discutem. Tentam definir o problema, determinar suas causas, detectar seus fatores e estabelecer as responsabilidades. Associam-se e organizam-se, encontram líderes para fazer suas vozes serem ouvidas e para convencer e mobilizar em grande escala. Tomam a palavra, testemunham, avaliam, argumentam, criticam, deliberam, interpelam a opinião e os poderes públicos. Quando estes não intervêm, buscam solução em sua própria escala, imaginam roteiros, projetam alternativas, tentam descobrir como regular ou suprimir o que definiram como situação problemática. Essa dinâmica coletiva faz emergir ao mesmo tempo um problema e seu público (CEFAÏ, 2017CEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte I)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017., p. 188).

Gusfield (2014GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014., p. 68) ressalta ainda que há um reconhecimento por parte dos sociólogos de que problemas humanos têm uma história e que seu reconhecimento ou construção podem ser percebidos de diferentes maneiras em diferentes contextos. Vale ressaltar a distinção que o autor faz entre problemas privados e públicos, e como justifica sua preferência pelo termo problema público, tendo em vista que nem todo problema social se converte em assunto de debates e controvérsias na arena de discussão pública (Ibid., p. 70). Cefaï (2017CEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte I)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017., p. 194) ressalta que um problema público não ocorre no vazio, sendo pré-formatado por precedentes, calcado em problematizações anteriores.

Entretanto, há mais na análise dos problemas públicos do que a ideia de historicidade. Para Gusfield (2014)GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014., é preciso considerar a estrutura de pensamento e ação, de instituições e grupos em que o problema foi contido e alternativas de resolução foram excluídas. Seu “aparecimento” na arena pública se dá no contexto de uma estrutura significativa de conceitos e instituições, e não como resultado objetivo da aplicação de valores. Essa “arena” não é um espaço em que todos jogam em termos iguais; alguns têm maior acesso, poder e/ou habilidade para delimitar as questões públicas. Segundo o autor, “existe um padrão de como questões e problemas surgem, emergem e evidenciam uma estrutura” (Ibid., p.74).

Cefaï (2017)CEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte I)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017. destaca ainda que o problema público só começa “verdadeiramente” a existir quando se torna resultado de uma experiência coletiva (p. 195), quando há uma capacidade de sentir em comum (p. 197), ressaltando que pessoas desprovidas de capital têm chances mínimas de expressar suas insatisfações, contando apenas com a “magia da representação”, ou seja, dependem de outros que não compartilham suas experiências para que levem adiante suas insatisfações (p. 203).

A partir do exposto, pretendo explorar a seguir a constituição do problema público dos homicídios no Brasil, a partir das experiências vividas no estado do Espírito Santo, discutindo as estratégias desenvolvidas para esse fim pelos sucessivos governos estaduais.

Histórias de morte: exemplos de como se narrava os homicídios na imprensa capixaba

Em minha pesquisa de arquivo tive acesso a exemplares de um dos primeiros jornais impressos do Espírito Santo, O Cachoeirano4 4 Todos os exemplares citados d’O Cachoeirano estavam no Laboratório de Pesquisas Históricas e Sociais Aplicadas (Laphis) do Centro Universitário São Camilo - ES (Cusc-ES). Existem exemplares depositados também no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees). , que circulou entre o fim do século XIX e o início do século XX. Selecionei algumas edições de 1910 que tratavam de homicídios, com o objetivo de analisar como eram dramatizados os assassinatos no início do século em uma cidade com relevância cultural e intelectual no contexto estadual da época. As reportagens revelam como esses homicídios eram vistos pelo estrato letrado da população, que tanto produzia como consumia o jornal e era responsável pela condução da economia, da política, do direito e dos demais aspectos da vida pública urbana.

Cada uma das notícias apresentadas contém o relato completo da situação, consistindo em uma narrativa. Motta (2013MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora UnB, 2013., p. 12) explica que a narrativa funciona como um dispositivo argumentativo cujo objetivo é envolver e seduzir o interlocutor. Sua estruturação na forma de relato obedece aos interesses do narrador. Ela é, afinal, o nexo de relação entre interlocutores, e sua análise busca compreender os aspectos dessa relação (Ibid., p. 120). Ao analisar essas reportagens, o fato em si não é o principal elemento, mas sim as relações e os interesses do narrador. Mais que informar, os jornais de 1910, produzidos por voluntários e não por jornalistas profissionais, buscavam produzir nos leitores, membros da mesma classe social dos autores das notícias, a indignação com os aspectos incivilizados dos crimes narrados.

Vejamos o primeiro caso, acerca da morte de uma mulher apresentada como “uma preta velha de nome Lucia”:

Figura 1
Notícia 1 — “Assassinato barbaro”

Observa-se na notícia que após a informação há uma manifestação de indignação com o ato, uma comparação com um tipo de comportamento animal de “vacas bravas” e a exigência de punição exemplar, na expectativa de se evitar “a reprodução de factos desta natureza”. Importante ressaltar que a vítima se trata de uma “preta velha”.

O caso do sírio Salomão é também interessante para se observar como a imprensa da época retratava os casos de violência letal:

Figura 2
Notícia 2 — “Rio Pardo: Assassinar para furtar”

Naquela época, sírios e libaneses eram imigrantes recém-chegados e ainda não totalmente integrados à vida social capixaba. Eram outsiders na região5 5 Acerca desse tema, sugiro a leitura da tese de Adilson Silva Santos, Sírios e libaneses no sul do Espírito Santo (1890-1930), que revela diversos conflitos e atos de perseguição contra essas populações (SANTOS, 2019, pp. 325-338). . É também digno de nota que o jornal tenha se solidarizado com a sorte do viajante. Em primeiro lugar, trata-se do “syrio Salomão”, não de “Salomão”. “Syrio”, nesse caso, sugere que esses imigrantes eram uma categoria social específica, não identificada como membro da sociedade local em geral. Pode-se perceber que o crime contou com “requintes de crueldade”. Nada indica que tenha havido uma premeditação muito antecipada. Na leitura da notícia vê-se que os dois criminosos maquinaram a ação quando souberam que o “syrio” estava com dinheiro. Com a primeira arma que tiveram em mão (uma foice), acertaram-no na cabeça. O símbolo que a vítima trazia em uma das mãos permitiu sua identificação, já que lhe tiraram o “couro do rosto”. Novamente, ao fim da nota, percebe-se um clamor para que os culpados sejam punidos.

A terceira notícia dá conta de um assassinato perpetrado por um inspetor de polícia e registrado como auto de resistência6 6 Segundo o artigo 292 do Código de Processo Penal atualmente em vigor: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. Já naquela época haviam sombras sobre o uso dessa categorização processual penal. com o objetivo de proteger-se de uma possível denúncia. Um tanto confusa, a nota relata que Manoel Grande fora preso por ter matado um homem pelas costas, sendo posto em um tronco e assassinado com a cumplicidade da polícia. O fim da notícia clama para que o crime não fique impune, que sirva de exemplo, dissuadindo possíveis assassinos, mesmo policiais.

Figura 3
Notícia 3 — “Assassinato no castelo”

Utilizando como ferramenta para a análise das narrativas a metodologia sistematizada por Motta (2013MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora UnB, 2013., p. 134), podemos perceber que no plano da expressão as três reportagens adotam um tom pessoal, comprometido, envolvido com a causa, concluindo sempre com uma demanda de punição para que a situação não se repita. Já no plano da estória observa-se um esforço de trazer uma carga dramática ao enfatizar a crueldade do ato, fosse por conta de a vítima ser uma mulher inocente, mãe, morta enquanto realizava seus a fazeres domésticos ou um “syrio” ou ainda um criminoso. Finalmente, no plano da metanarrativa pode-se identificar o espanto pelo grau de violência das situações e o receio de que tais comportamentos se espalhem, colocando todos em risco; por isso é tão importante frisar e recomendar que os autores dos atos, não obstante ocupem funções de autoridade, sejam devidamente punidos para que a ordem se mantenha e a desordem não se dissemine.

Fica claro nas reportagens que não há nenhum tipo de responsabilidade coletiva em relação ao acontecido (a sociedade é inocente), sendo a crueldade dos autores, sua incivilidade e seu comportamento animal os únicos responsáveis pela situação. Situando os episódios em 1910, é interessante notar que as vítimas não são responsabilizadas pelo trágico destino que lhes acomete, nem mesmo o criminoso morto por policiais, segundo a narrativa.

Dando um salto no tempo para 18 de agosto de 1968, o jornal A Gazeta noticiava, de forma cuidadosa, a descoberta de corpos de vítimas do Esquadrão da Morte capixaba.

Cemitério do esquadrão da morte foi localizado na Barra de Jucu

Nove corpos foram desenterrados e levados para o necrotério da Polícia Civil - As buscas continuarão hoje para a localização de outros corpos, presumindo-se que o número se eleve a mais de trinta - Denunciantes foram ao 3º Batalhão de Caçadores onde expuseram toda a situação do Esquadrão da Morte - Secretário de Segurança reúne imprensa, mas não revela nomes dos componentes do esquadrão para não prejudicar investigações - Afastado José Ranilson de Souza Senna do inquérito referente à compra de carros que envolvia os policiais denunciantes - Nenhum implicado foi até o momento preso - Cidade recebeu com grande impacto a notícia dos crimes do Esquadrão da Morte (apudGUIMARãES, 1978GUIMARÃES, Ewerton Montenegro. A chancela do crime: A verdadeira história do esquadrão da morte. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 1978., p. 110)7 7 Nesse trecho, o autor cita várias reportagens da época sobre o “Esquadrão da Morte” de Vitória, que seguem o mesmo padrão. .

No plano da expressão, a notícia tem um “tom” distante. Não há demanda de punição, tampouco “engajamento” por parte do narrador. Não há indignação. Há, em vez disso, um esforço de um não estilo — o que também configura um estilo. No plano da estória não há uma intriga, um mistério a se desvendar ou um esforço de intensificar a carga dramática contundente. No plano da metanarrativa, o modelo de mundo apresentado é aquele em que o mundo anda por si só e que à imprensa, neutra, só cabe narrar, descrever os fatos.

Cabe observar ainda que no contexto dessa reportagem o país vivia o período da ditadura militar, sendo 1968 o ano do AI5. Os mortos pelo esquadrão da morte eram em geral jovens acusados por pequenos delitos. As investigações revelaram o envolvimento de policiais e personalidades como o irmão do então governador em atividades ilícitas, como mostra Ewerton Guimarães (1978)GUIMARÃES, Ewerton Montenegro. A chancela do crime: A verdadeira história do esquadrão da morte. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 1978.. Para além do contexto ideológico da época, há de se considerar eventuais limites ao trabalho da imprensa, não me parecendo, a princípio, que esse tenha sido o caso. Averiguar essas questões com maior consistência demandaria um investimento específico de pesquisar e um número maior de recortes de épocas distintas, mas isso ultrapassaria os limites deste artigo, sendo um tema a ser desenvolvido em trabalhos posteriores.

Na análise histórica, percebo que alguns anos depois, próximo do fim do ciclo da ditadura militar, um conjunto de fatores contribuem para a construção dos homicídios como um problema público, como exponho nas seções a seguir.

A emergência dos homicídios como um problema público

O avanço do conhecimento científico, em especial o sociológico, permitiu demonstrar que os homicídios não resultam exclusivamente de decisões individuais, mas se dão em certas condições de existência social. De acordo com Gusfield (2014GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014., p. 96),

A ciência, os pronunciamentos científicos, programas técnicos e tecnologias aparecem como suporte à autoridade, mas também se contrapõem a ela ao validarem um programa ou uma política, fundamentados em um processo neutro, por um método que assegura tanto a segurança quanto a precisão.

Os primeiros cientistas sociais no campo de estudos da criminalidade violenta no Brasil (LIMA, RATON, 2011, COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. “Perspectivas de uma teoria da acumulação social da violência no estado do Espírito Santo”. In: CAMPOS, Carmen Hein de et al. (orgs). Perspectivas em segurança pública. Florianópolis: Insular, 2016, pp. 223-250.) se tornaram cada vez mais relevantes à medida que a abertura democrática avançou, sendo acompanhada de maior liberdade de imprensa e melhor organização da burocracia estatal, que gradativamente melhorou a qualidade dos dados e o acesso a eles. A emergência dos estudos sociológicos no campo da violência e da segurança pública contribuiu para que surgissem discursos autorizados, validados, sustentados por uma autoridade científica que deu forma à construção dos homicídios como problema público. Não bastava, evidentemente, citar números; eram necessárias teorias que oferecessem explicações plausíveis para os acontecimentos, e elas começavam a ser evocadas no Brasil no fim nos anos 1970 (COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. Vítimas que choram: Trajetórias de coerção, acumulação social e empreendedorismo violento no Espírito Santo. São Paulo: Opção Livros, 2016.). No fluxo da abertura e do maior controle das ocorrências de mortes por causas externas, percebe-se um número que progride e se apresenta significativo em um contexto nacional e internacional. Não se trata mais de elaborar narrativas novelísticas em que se enfatizam trajetórias individuais de vítimas inocentes de indivíduos patológicos ou narrativas distantes de vítimas culpadas de sua própria desgraça. Era preciso observar os padrões resultantes da interação social entre o indivíduo e a sociedade para compreender os números que se apresentavam como fatos.

Michel Misse, um dos entrevistados da obra editada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz (orgs). As ciências sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos no Brasil. São Paulo: FBSP/Urbania/Anpocs, 2011.) referente à trajetória dos cientistas sociais pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos no Brasil, quando perguntado se a emergência desses estudos se deu em decorrência do momento político que o país vivia na época, respondeu:

Esse tema foi introduzido pela mudança do perfil da criminalidade no Brasil, nas grandes cidades brasileiras, pelo aumento das taxas de crimes violentos a partir de meados dos anos 1970. Para você ter uma ideia, comecei a ser chamado pela imprensa para falar sobre esses problemas desde 1972... Tenho recortes de intervenção minha na imprensa em 1976, 1978, 1980. Então, o tema já estava ligado ao problema do aumento, principalmente, dos roubos. Foi isso que causou muita apreensão. Há até uma capa da revista Veja, por exemplo, com o título “As cidades estão com medo”, em 1979 (Ibid., p. 21).

É interessante observar como esse depoimento condiz com o que afirma Boltanski (2004BOLTANSKI, Luc. Distant Suffering: Morality, Media and Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004., p. 33) de que “números sozinhos não falam”. Além deles, era necessário um especialista que conferisse significado aos dados, oferecendo um enquadramento possível para a construção da narrativa do drama da violência por parte da mídia que se interessava, em especial, pelos crimes que afetavam mais diretamente seu público: aqueles contra o patrimônio. Esse contexto vai gerando uma demanda de investigações científicas que contribuem para “construir” a questão como um problema público (ou político), que exige políticas públicas para sua solução.

Em outro trecho do mesmo livro sobre o trabalho dos pioneiros, Sérgio Adorno destaca essa relação entre pesquisa e políticas públicas, falando sobre a construção da violência como problema público e a discussão de sua superação:

Por que o tema das políticas públicas de segurança entrou na Universidade? Por várias razões. O controle democrático da violência foi se impondo no debate público e exigindo respostas baseadas em investigação científica. Como explicar que justamente no curso da transição democrática, quando se coloca em discussão problemas relacionados à reconstrução das instituições, a retomada do estado de direito, ocorre simultaneamente um processo de ruptura permanente da ordem, das regras que protegem a vida, o patrimônio etc. Isso coloca um ponto de interrogação. É preciso entender como o processo de reconstrução democrática é contemporâneo desta emergência da violência nos seus mais diferentes aspectos. O problema é que não tínhamos no Brasil uma tradição de estudos nessa área. Não tínhamos uma reflexão minimamente consolidada, estudos empíricos acumulados e, sobretudo, uma série de dados qualificados que permitissem o desenvolvimento de pesquisas que, por sua vez, oferecessem respostas para esses problemas. Então, na primeira geração de estudos, se colocou a questão de que era preciso dispor de fontes confiáveis de informação. Se estas fontes não existem, é preciso construí-las ou, ao menos, colaborar para que os formuladores de políticas de segurança possam fazê-lo (LIMA e RATTON, 2011LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz (orgs). As ciências sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos no Brasil. São Paulo: FBSP/Urbania/Anpocs, 2011., p. 86).

Se, por um lado, emergiam os estudos científicos, abrigados geralmente em universidades e programas de pós-graduação ou em institutos de pesquisa públicos e privados, por outro, eram publicados rankings nacionais de homicídios, que tiveram significativa influência na percepção da população sobre esse tipo de crime. O Mapa da violência, publicado por Júlio Jacobo Waiselfisz pela primeira vez em 1998, influenciou a imprensa durante o período em que foi publicado periodicamente porque apresentava os dados sistematizados e acessíveis a indivíduos não habituados a esse tipo de estudos. O uso midiático que se fez dessas publicações acabou por torná-las uma “denunciação” com um sistema completo de relações: um denunciador (o autor do estudo, as ONGs, os intelectuais), uma vítima (os jovens do Brasil, as mulheres do Brasil, os negros etc.), um culpado (a modernidade, o Estado, a ausência do Estado etc.) e um juiz, o público, que vai julgar se a denúncia procede ou não, engajando-se na questão ou a ignorando.

Desde o primeiro Mapa da violência, publicado em 1998 e referente aos dados de 1996, o Espírito Santo já figurava em terceiro lugar no ranking de homicídios de jovens entre 15 e 24 anos e em segundo no total de homicídios. A publicação de 2000 traz tabelas com a evolução das posições das unidades federativas desde 1989. O Espírito Santo sai do quinto lugar no ranking de 1989 para segundo em 1996. Outras publicações com rankings diversos surgem ao longo dos anos. O estado capixaba retorna à quinta colocação em 2014 em diversas desses rankings de homicídios com metodologias diversas.

Beato (1998)BEATO FILHO, Claudio Chaves. “Determinantes da criminalidade em Minas Gerais”. Rev. Bras. Ci. Soc., vol. 13, n. 37, pp. 74-87, 1998. frisa que esses mapas, que acabam por tornar populares os rankings de violência entre estados e cidades, terminam “sendo uma curiosidade para o público leigo, ou material de análise de uma sociologia semileiga” (p. 13). Por outro lado, como afirmam Boltanski e Thévenot (1991BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. De la justification: Les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991., p. 7), “ainda que intervindo, a princípio, sob uma exigência de neutralidade, o pesquisador ou estatístico não poderia chegar a uma qualificação sem julgar”. Apesar das críticas diversas vezes associadas aos Mapas da violência, sua publicação regular trouxe evidências para o problema dos homicídios no Brasil, contribuindo para consolidá-lo como um problema público, ainda que essa percepção ainda esteja em disputa. Pressões externas e burocráticas continuam a exercer influência no trato da questão para além de uma incorporação mais geral da situação como um problema coletivo que seja de fato público, no sentido já apresentado de Gusfield. Há um reconhecimento da situação como um problema a ser enfrentado pelo poder público, mesmo na burocracia federal, hoje permeada por discursos simplistas acerca do enfrentamento da violência. Esse reconhecimento fica claro até mesmo quando o atual presidente da República, com seu discurso belicoso, se apresenta publicamente para reivindicar méritos por uma queda nas taxas de homicídios no primeiro trimestre de 2019 (IG SÃO PAULO, 18/04/2019IG SÃO PAULO. “Bolsonaro celebra queda no número de homicídios: ‘Nosso papel está sendo feito’: Presidente da República comemorou o resultado de um levantamento que mostrou que o número de assassinatos caiu 25% em relação ao ano passado”. Último Segundo, Política, 18 abr. 2019. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-04-18/bolsonaro-celebra-queda-no-numero-de-homicidios-nosso-papel-esta-sendo-feito.html
https://ultimosegundo.ig.com.br/politica...
).

Com toda a exposição produzida pelos mapas, a questão dos homicídios no Brasil e no Espírito Santo passou a ser considerada um problema político para os governantes estaduais — mas não necessariamente um problema público. Como tal, tornou-se tema de constante promessa nas campanhas eleitorais e objeto de intensos debates.

Não obstante pesquisadores tenham contribuído sobremaneira para a construção dos homicídios como problema público, fornecendo subsídios para a elaboração do drama das altas taxas de assassinatos no Brasil, cada vez mais veiculado pelos principais veículos de imprensa, a pressão pública que se constituiu e demanda ações no enfrentamento do problema não se tornou forte o suficiente para superar o mito da “sociedade inocente” e do “condutor imprudente” que perpassam a questão. Ainda que cientistas e jornalistas representem as dores dos mais afetados pelo problema e que agências públicas ou civis abracem a causa, o perfil das vítimas indica um universo social distante daqueles que dispõe de maior espaço na arena de debates públicos, distante da experiência dolorosa que atinge o conjunto de pessoas mais atingidas pelas altas taxas de assassinatos.

Encarando o problema ‘de lado’

O primeiro programa dedicado a enfrentar as altas taxas de homicídios como um problema público no Espírito Santo foi o Programa de Planejamento de Ações de Segurança Pública (ProPas). É interessante destacar a observação de Mírian Cardoso (2009)CARDOSO, Miriam Santos. O novo paradigma da segurança pública no Brasil e sua repercussão no Espírito Santo: O caso PROPAS (1985-2003). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Espírito, Vitória, 2009.: esse programa não decorre de certo planejamento ou evento específico que tenha provocado a indignação interna do estado ou qualquer cobrança social, mas da divulgação do Mapa da Violência de 1999, que apresenta o estado nas primeiras colocações dos rankings (p. 59).

No documento intitulado “Síntese do programa da nova arquitetura dos órgãos de defesa social do Espírito Santo”, de 30 de novembro de 19998 8 Relatório de Ações ProPas. Vitória, 01/07/2002, Governo do Estado do Espírito Santo. , são apresentadas algumas prioridades do ProPas, bem como propostas e subprogramas. Esse documento destaca o estabelecimento de convênios para a atuação contra a macrodelinquência, principalmente contra o narcotráfico e a lavagem de dinheiro no estado. Sugere elaboração e monitoramento de indicadores de segurança pública, reorganização da instrução dos órgãos de defesa social, criação de fóruns, participação da comunidade — tudo o que precisa efetivamente constar em um programa segundo as diretrizes anteriormente emanadas do governo federal. Essa síntese não apresenta, em nenhum momento, qualquer explicação para o fenômeno da violência no estado. A apresentação do então governador José Ignácio Ferreira (então PSDB) frisa:

O Governo do Estado do Espírito Santo ciente dos compromissos assumidos com os capixabas no sentido de resgatar os valores éticos e administrativos do dizimado aparelho estatal, após sanear os passivos com os servidores públicos e restaurar o princípio da autoridade nos Órgãos de Defesa Social, fragilizados com a escalada da violência, cujos índices assustadores aumentaram em 700% de 1988 a 1998, vem apresentar a laboriosa e honrada população, uma resposta positiva capaz de reestabelecer a paz social9 9 Relatório de Ações ProPas. Vitória, 01/07/2002, Governo do Estado do Espírito Santo, p. 3. .

Em um de seus relatórios, os responsáveis pelo programa atribuem às suas próprias ações a redução dos homicídios.

O estancamento da curva ascendente da criminalidade no Espírito Santo talvez seja um dos maiores êxitos da política de segurança pública que vem sendo implementada através do PRO-PAS, conforme se observa ineditamente na série histórica do SUS mostrada a seguir [conferir Figura 4] (Relatório de Ações ProPas, Vitória, 01/07/2002, citado por CARMO, 2002, pp. 10-11).

Figura 4
Homicídios na Microrregião Metropolitana, nos outros municípios e no Estado do Espírito Santo — 1979-2000

A queda citada se sustenta nos dados de um ano para o outro, e não em uma série histórica. Os homicídios no estado cresceram muito mais depois de 2002. Além disso, a segurança pública do Espírito Santo vivia uma aguda crise nesse período. Desde 1991 o governo do estado lidava com a Scuderie Detetive Le Cocq (SDLC), instituição extraoficial criada por policiais no Rio de Janeiro e com filial no Espírito Santo. A Scuderie é mencionada frequentemente em dezenas de inquéritos e investigações, de todos os tipos e esferas, no período mais grave da crise política, que por pouco não resultou em uma intervenção federal no estado. Ironicamente, a denúncia que motivou a discussão sobre a possível intervenção ocorreu sob a gestão de José Ignácio Ferreira, que, na apresentação do ProPas citada anteriormente, diz ter resgatado os valores éticos e administrativos do dizimado aparelho estatal. E mais: disse ter saneado os passivos com os servidores públicos11 11 O maior atraso em salários de servidores públicos registrado na história do Espírito Santo ocorreu sob a gestão José Ignácio e só foi solucionada na gestão posterior, de Paulo Hartung (então PSB). e restaurado o princípio da autoridade nos órgãos de defesa social. A organização só foi extinta em 2006, apesar de investigações recentes apontarem que ela apenas mudou de nome. Bittencourt (2014BITTENCOURT, Mateus Boni. As políticas da insegurança: Da Scuderie Detetive Le Cocq às Masmorras do Novo Espírito Santo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) -Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014., p. 74) informa:

É difícil determinar o quanto a SDLC era capaz de pautar a ação policial e a política de segurança na Grande Vitória e Espírito Santo. As conexões subterrâneas que relatamos acima levam a crer, ao menos, que as pessoas ligadas à organização eram capazes de tornar “ingovernáveis” os aparelhos de segurança pública. Em aliança com outros agentes públicos relevantes, instalados no Legislativo e Judiciário, essa capacidade parece ter sido bem-sucedida, pois nada menos que três governadores eleitos, Albuíno Azeredo, Victor Buaiz e José Inácio Ferreira, abandonaram a política após cumprirem os seus mandatos. Coincidiu com esses governos um arranjo entre Executivo e Legislativo, que atingiu seu auge com a chamada “Era Gratz”, em referência ao deputado estadual José Carlos Gratz, que presidiu a Assembleia Legislativa por três vezes consecutivas, entre 1997 e 2002, com poderes comparáveis a um primeiro-ministro.

Bittencourt lembra ainda que foi nesse contexto de crise política que houve a implementação do ProPas, no qual o governador reivindica o saneamento dos passivos com os servidores e a restauração do princípio da autoridade.

De lá para cá surgiram outros programas. O que alcançou maior destaque foi o Programa Estado Presente em Defesa da Vida. Criado na primeira gestão do então governador Renato Casagrande (PSB), entre 2011 e 2014, o programa foi bem recebido por parte significativa da comunidade acadêmica que se dedica a estudos sobre violência e criminalidade. Casagrande perde a reeleição, mas retorna em 2019 e, logo no primeiro ano desse segundo mandato não consecutivo12 12 No período de governo de Paulo Hartung, de 2015 a 2018, foi implantado o programa Ocupação Social, que não alcançou muito destaque. Apesar disso, a exceção do episódio da greve da Polícia Militar em 2017, as taxas de homicídio no estado mantiveram a tendência de queda que vinha desde 2009. retoma o programa. A síntese oficial da primeira versão do Estado Presente nos ajuda a entender a interpretação dos atores por trás do programa de enfrentamento da violência no Espírito Santo:

As consequências da ocupação irregular dessas áreas urbanas por populações de baixa renda, somadas à ausência de políticas públicas consistentes - em especial para o setor de segurança pública e defesa social - acabaram por produzir uma espiral de violência letal (ESPÍRITO SANTO, 2015ESPÍRITO SANTO. Estado Presente em Defesa da Vida: Cartilha explicativa. Vitória: Governo do Estado do Espírito Santo, 2015., p. 6)13 13 Estado Presente em Defesa da Vida. Cartilha explicativa. Esse material, elaborado pelo Governo do Estado do Espírito Santo, foi distribuído no 1º Fórum Diálogos sobre Segurança Pública, realizado em Vitória em 28 de maio de 2015. .

O documento mostra que entre 1979 e 2008 o crescimento real do número de homicídios na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) foi de 1.423%, destacando ainda que em 2011 essa área concentrou 65% das ocorrências de homicídios no Espírito Santo. Ainda segundo o documento, o crescimento foi de 372% no interior do estado, o que dá a entender que a concentração não é somente na região metropolitana, mas em subáreas dessa região.

Via de regra, o crescimento da violência letal nos municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória deu-se não de maneira homogênea, mas concentrada, apresentando algumas características comuns em sua distribuição: manifestou-se principalmente em bairros ou conjuntos de bairros com grande densidade demográfica, de ocupação recente (menor que 30 anos, com raras exceções), caracterizados por baixo grau de urbanização, população residente de baixo nível socioeconômico e submetida a elevados índices de vulnerabilidade social (Ibid., p. 8).

Esse entendimento não difere muito do programa anterior, o Plano Estadual de Defesa Social 2007-2010:

Nas últimas décadas, a velocidade de crescimento da Grande Vitória se tem feito acompanhar de efeitos de exclusão e marginalização de importantes segmentos da população. Os municípios mais populosos transformaram-se num lócus para o qual todas as crises e conflitos parecem convergir. Essa dinâmica social urbana favorece, particularmente, o aumento das taxas de criminalidade, embora parte significativa desse aumento da criminalidade possa ser inserida no quadro de crimes de “pequena monta”. Ainda assim, seu efeito sobre a tranquilidade dos cidadãos parece potencializar a sensação de insegurança (ESPÍRITO SANTO, 2007ESPÍRITO SANTO. Plano Estadual de Segurança Pública e Defesa Social: 2007-2010. Vitória: Governo do Estado do Espírito Santo, 2007., p. 6).

O documento do programa Estado Presente sugere ter se baseado em diagnósticos pré-existentes:

A partir de um conjunto de diagnósticos produzidos, foram priorizados investimentos em ações estratégicas voltadas especialmente para a prevenção da violência letal, o controle da população carcerária, o estabelecimento de um sistema integrado de Inteligência, o uso de novas tecnologias, a mediação de conflitos, a promoção da cidadania, a melhoria das condições de trabalho e a valorização dos profissionais de segurança (Idem, 2015, p. 10).

Acerca do próprio Estado Presente, seu documento diz:

A partir de 2011, objetivando ampliar os resultados positivos obtidos no período imediatamente anterior (redução de 9,3% no número de registros de homicídio entre 2009 e 2010), teve início a implementação do Programa Estado Presente. Seu principal objetivo é promover a articulação institucional necessária para priorizar a implantação de um conjunto de ações e projetos voltados para o enfrentamento da violência letal e para a prevenção primária a partir da ampliação do acesso à educação, esporte, cultura, geração de emprego, renda e promoção da cidadania em regiões caracterizadas por altos índices de vulnerabilidade social (Ibid., p. 12).

Já em um documento publicado pela Fundação João Mangabeira, ligada ao partido do governador Renato Casagrande, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), é apresentada uma visão mais elaborada acerca desse diagnóstico, mantendo a mesma linha — uma variedade de fatores está na origem da violência — sem, no entanto, avançar nas contradições por trás deles:

Neste cenário de baixa capacidade institucional e desorganização social, a forte presença de facilitadores como o uso abusivo de álcool, o tráfico de entorpecentes e o fácil acesso a armas de fogo, sobretudo em regiões com altos índices de vulnerabilidade social, agravam significativamente o problema. No Espírito Santo, o processo de expansão da violência letal não difere muito do contexto nacional. Dentre os fatores capazes de explicar o crescimento exponencial das taxas de violência letal registrado nas últimas décadas, destaca-se a súbita transformação da estrutura econômica capixaba experimentada a partir da década de 1970, com forte impacto na distribuição socioespacial do estado. A implantação dos grandes projetos nesse período, com a instalação das plataformas industriais na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), associada à retração econômica da atividade cafeeira, promoveu grande fluxo migratório do interior em direção ao centro urbano capixaba, bem como atraiu grande contingente de imigrantes vindos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, que se instalaram na RMGV em busca de oportunidades de emprego. Todavia, o forte crescimento demográfico e econômico não se fez acompanhar, na mesma proporção e ao mesmo tempo, de investimentos e políticas públicas capazes de atender à nova realidade urbana (FAJARDO, 2015FAJARDO, Álvaro Rogério Duboc. "Introdução”. In: Estado Presente em Defesa da Vida: Um novo modelo para a segurança pública. Brasília, DF: Fundação João Mangabeira, 2015. Disponível em: http://fjmangabeira.org.br/wp-content/uploads/2016/06/estado-presente-em-defesa-da-vida-1.pdf
http://fjmangabeira.org.br/wp-content/up...
, p. 21).

O objetivo dessa discussão é mostrar que, evidenciada a questão dos homicídios como um problema público e contaminada a opinião pública, o poder público reage por meio dos programas. Os “diagnósticos” formam a denúncia do problema público, construindo-o como tal a partir de constatações, no âmbito dos discursos “científicos” sustentados em dados identificados na “realidade”. O que se identifica é aquele em defesa de quem a denúncia é formulada, a vítima: negro, pardo, jovem, homem, mulher, morador de periferias, residente em áreas de ocupação recente etc.; e o culpado apontado pela denúncia: a urbanização acelerada, as deficiências socioeconômicas, as migrações, a ausência do Estado, a cultura da violência etc. Pode-se observar na fala do atual secretário responsável pelo Estado Presente alguns elementos: “baixa capacidade institucional”, “desorganização social”, “presença de facilitadores”. Ao tratar do Espírito Santo, o autor aponta a “súbita transformação da estrutura econômica”, completando:

A brusca alteração na estrutura demográfica da RMGV, somada à ineficácia do planejamento urbano e à ausência de políticas públicas consistentes - em especial para o setor de segurança pública e defesa social -, acabaram por produzir uma espiral de violência refletida nas altas taxas de homicídios registrados nas décadas seguintes (Ibid., p. 22).

O que se pode perceber nesses diagnósticos é o reforço do mito da “sociedade inocente”. Ao referirem-se à urbanização acelerada e às ocupações ilegais, por exemplo, os documentos ligados ao Estado Presente ignoram que muitas dessas ocupações se deram com a conivência de agentes do Estado com fins privados ou mesmo a partir de uma orientação ideológica que via tais ocupações como de interesse estatal, ou que a urbanização acelerada se deu devido a ações do Estado no sentido de favorecer a concentração e a acumulação de capital (COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. Vítimas que choram: Trajetórias de coerção, acumulação social e empreendedorismo violento no Espírito Santo. São Paulo: Opção Livros, 2016.a). As soluções propostas também não seguem na direção de mudanças mais profundas na estrutura social, limitando-se a estratégias muito mais ligadas a contextos de controle social —ainda que não centradas exclusivamente na repressão, o que já é um enorme avanço — do que de superação dos desafios estruturais relacionados à violência. No trecho do documento citado, o enfrentamento da violência letal passa pela “prevenção primária a partir da ampliação do acesso à educação, esporte, cultura, geração de emprego, renda e promoção da cidadania em regiões caracterizadas por altos índices de vulnerabilidade social” (ESPÍRITO SANTO, 2015ESPÍRITO SANTO. Estado Presente em Defesa da Vida: Cartilha explicativa. Vitória: Governo do Estado do Espírito Santo, 2015., p. 12). Em analogia à Gusfield, praticamente todos os elementos da proposta buscam corrigir o “condutor”, e em nenhum momento se trata de exigir mudanças nas indústrias que produzem os automóveis. Ao converter o “condutor imprudente” em principal agente causal dos homicídios, na linguagem dos planos de enfrentamento do problema, a cena se torna o principal objeto de atenção (GUSFIELD, 2014GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014., p. 119).

Há, portanto, uma tentativa clara de “dar um corte no tempo”, não se investigando historicamente a origem dos fatos supostamente objetivos que explicam a situação de violência e excluindo a responsabilidade do próprio Estado como um dos principais — senão o principal, em alguns casos — ator da acumulação social da violência (MISSE, 1999MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos e a acumulação social da violência no Rio de janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.; COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. Vítimas que choram: Trajetórias de coerção, acumulação social e empreendedorismo violento no Espírito Santo. São Paulo: Opção Livros, 2016.a, 2016b, 2020COSTA, Marco A. B. “Filho feio não tem pai: Impactos sociais e opções de modernização”. In: COSTA, Marco A. B.; RIBEIRO JÚNIOR, Humberto (orgs). Estudos em segurança pública: Ciências humanas na segurança pública. Curitiba: CRV, 2020, pp. 175-194.). Permanecem as clássicas associações entre pobreza e violência, migração e violência, população e violência, enfrentadas por diversos estudiosos das ciências sociais nos últimos anos, ainda que revestidas de um vocabulário atualizado.

Conclusão

Alguns elementos foram fundamentais no processo histórico de constituição dos homicídios como problema público no Brasil: 1) a abertura democrática, que possibilitou a existência de uma arena pública de debates; 2) a emergência de sistemas mais precisos de contagem de óbitos, bem como sua universalização progressiva no território nacional e o acesso aberto aos dados; e 3) a disponibilidade de intelectuais capacitados para dar significado aos números e ocupar espaços na arena pública.

Outros elementos, entretanto, caracterizam essa constituição específica no Brasil, como: 1) a permanência do mito da “sociedade inocente”; 2) a forte tendência de individualização da conduta, responsabilizando a vítima pelo seu destino, por conduzir imprudentemente sua vida; e 3) a ausência de uma experiência coletiva de dor mediante a distância entre os que têm voz na arena de debates públicos e os segmentos da população mais afetados pelas altas taxas de homicídios, cujas chances de participar dessa arena de debates é reduzida.

No caso dos planos de enfrentamento das altas taxas de homicídios no Espírito Santo, expressões utilizadas desprovidas de historicidade — como “ingovernabilidade dos aparelhos de segurança pública”, “baixa capacidade institucional”, desorganização social” e “súbitas transformações da estrutura econômica” com “forte impacto na distribuição sócio espacial do estado” — contribuem para estabelecer a ideia de que o crescimento dos homicídios no estado foi um acidente, uma aleatoriedade, que eles não poderiam ter sido evitados e que a responsabilidade por esse crescimento não pode ser atribuído a nenhum ator social. O que se pode perceber analisando a história do Espírito Santo é que a violência letal no estado sempre foi uma constante e que as “súbitas transformações”, a “ingovernabilidade”, a “baixa capacidade institucional”, a má ocupação do espaço urbano, entre outras explicações, foram resultados de escolhas políticas.

A implantação dos “grandes projetos”, uma estratégia de aceleração da industrialização diante de uma “crise” da economia cafeeira que predominava no estado capixaba até os anos 1960, está diretamente ligada a esses fatores apontados nos documentos aqui analisados. Ou seja, foram “resultados de ações coletivas das elites políticas e econômicas do estado do Espírito Santo na busca de alternativas de acumulação de capital em níveis compatíveis com os que o Brasil começava a alcançar” (COSTA, 2016COSTA, Marco A. B. Vítimas que choram: Trajetórias de coerção, acumulação social e empreendedorismo violento no Espírito Santo. São Paulo: Opção Livros, 2016., p. 150).

Se os idealizadores da implementação desses “grandes projetos” não ignoravam as consequências das estratégias adotadas, o investimento seletivo na vida está claro no próprio retorno econômico dos investimentos desses projetos, que resultaram em melhorias urbanas, de saúde pública e prestação jurisdicional centrados em determinados grupos em detrimento de outros mais necessitados. É sintomático que Vitória tenha sido ao mesmo tempo, em 2010, a terceira cidade com maior taxa de homicídios no Brasil, segundo o Mapa da violência, e a quarta melhor cidade do país em qualidade de vida, segundo o Ranking IDHM Municípios 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que tomou como fonte o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 201314 14 Disponível (on-line) em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhm-municipios-2010.html (acesso em 19/01/2021). .

Não resta dúvida de que a evolução dos programas de enfrentamento da violência no Espírito Santo, cujo ápice foi o Estado Presente, tiveram impacto positivo na tendência de queda nas taxas de homicídio do estado, não desconsiderando outros fatores. O que se pretendeu discutir neste artigo é que, mesmo em programas bem-sucedidos como esse, o enfrentamento do problema é lateral e reproduz os mitos da “sociedade inocente” e do “condutor imprudente” descritos por Gusfield (2014)GUSFIELD, Joseph. La cultura de los problemas públicos: El mito del conductor alcoholizado versus la sociedade inocente. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014..

Dessa conclusão, outra questão emerge: se a constituição do problema público é uma forma de domesticar o público, como nos diz Cefaï (2017)CEFAÏ, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas: O que nos ensina o pragmatismo (parte I)”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 36, n. 1, pp. 187-213, 2017., é justo supor que a ausência de um grande programa nacional de enfrentamento das altas taxas de homicídios no país reflete o fato de que, para o segmento da população brasileira com mais voz na arena de debates públicos, a perda de certas vidas não é um problema tão grande assim.

Notas

  • 1
    A publicação Mapa da violência esteve no centro das atenções durante certo período. Atualmente, pode-se destacar o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Atlas de Segurança Pública, resultado de parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o citado Monitor da Violência do Portal G1, que conta com atualização frequente.
  • 2
    Um exemplo no plano nacional que ilustra essa questão é o episódio em que o ex-ministro da Segurança Pública Sérgio Moro comemora a queda dos homicídios em 2018 e 2019. Com cerca de um ano de atuação na pasta, Moro em algumas ocasiões ironizou os especialistas que apontaram que os resultados resultavam de políticas em curso e de outras variáveis (FONSECA, 13/10/2019FONSECA, Marcelo da. "Redução da violência comemorada por Moro é vista com cautela por especialistas: Para eles, a queda nos índices de homicídio, comemorada pelo ministro da Justiça, não tem relação com o discurso do governo na área de segurança, mas com a soma de medidas adotadas dois anos atrás". Estado de Minas, Política, Violência, 13 out. 2019. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/10/13/interna_politica,1092366/reducao-da-violencia-comemorada-por-moro-e-vista-com-cautela-por-espe.shtml
    https://www.em.com.br/app/noticia/politi...
    ; PINHO, 04/01/2020PINHO, Márcio. “Moro comemora queda de crimes e ironiza ‘especialistas’ na web: Ministro publicou vídeo que destaca conquistas do governo, como a redução de 53% nos homicídios em cidades que recebem projeto piloto”. R7, Brasil, 04 jan. 2020. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/moro-comemora-queda-de-crimes-e-ironiza-especialistas-na-web-04012020
    https://noticias.r7.com/brasil/moro-come...
    ).
  • 3
    Escolhi utilizar a primeira edição argentina, que traz como subtítulo “El mito del condutor alcoholizado versus la sociedad inocente”, diferentemente da edição original, que traz como subtítulo “Drinking-Driving and Symbolic Order”.
  • 4
    Todos os exemplares citados d’O Cachoeirano estavam no Laboratório de Pesquisas Históricas e Sociais Aplicadas (Laphis) do Centro Universitário São Camilo - ES (Cusc-ES). Existem exemplares depositados também no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees).
  • 5
    Acerca desse tema, sugiro a leitura da tese de Adilson Silva Santos, Sírios e libaneses no sul do Espírito Santo (1890-1930), que revela diversos conflitos e atos de perseguição contra essas populações (SANTOS, 2019, pp. 325-338).
  • 6
    Segundo o artigo 292 do Código de Processo Penal atualmente em vigor: “Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”. Já naquela época haviam sombras sobre o uso dessa categorização processual penal.
  • 7
    Nesse trecho, o autor cita várias reportagens da época sobre o “Esquadrão da Morte” de Vitória, que seguem o mesmo padrão.
  • 8
    Relatório de Ações ProPas. Vitória, 01/07/2002, Governo do Estado do Espírito Santo.
  • 9
    Relatório de Ações ProPas. Vitória, 01/07/2002, Governo do Estado do Espírito Santo, p. 3.
  • 10
    Relatório de Ações ProPas. Vitória, 01/07/2002, Governo do Estado do Espírito Santo.
  • 11
    O maior atraso em salários de servidores públicos registrado na história do Espírito Santo ocorreu sob a gestão José Ignácio e só foi solucionada na gestão posterior, de Paulo Hartung (então PSB).
  • 12
    No período de governo de Paulo Hartung, de 2015 a 2018, foi implantado o programa Ocupação Social, que não alcançou muito destaque. Apesar disso, a exceção do episódio da greve da Polícia Militar em 2017, as taxas de homicídio no estado mantiveram a tendência de queda que vinha desde 2009.
  • 13
    Estado Presente em Defesa da Vida. Cartilha explicativa. Esse material, elaborado pelo Governo do Estado do Espírito Santo, foi distribuído no 1º Fórum Diálogos sobre Segurança Pública, realizado em Vitória em 28 de maio de 2015.
  • 14

Referências

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Fontes da imprensa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2021
  • Aceito
    08 Nov 2021
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