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Interpretando a gestão de parques nacionais na Amazônia pelo olhar local: PARNAS Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange em análise.

Analyse of management challenges in two amazonian national parks with a local sight: PARNAS Montanhas do Tumucumaque and Cabo Orange.

Resumo

Este trabalho teve como objetivo interpretar os desafios para a gestão em dois parques nacionais amazônicos, Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange, situados na fronteira entre o Brasil e a Guiana francesa, a partir da perspectiva local. A abordagem metodológica utilizada teve como base a análise qualitativa, no sentido de apreender as subjetividades e as tensões identificadas na gestão, pela ótica dos atores institucionais que participam dos conselhos gestores e das populações locais residentes no interior dos parques. A pesquisa reafirma o reconhecimento da importância do olhar local para a compreensão realista do processo de gestão de parques nacionais e para o estabelecimento de pactos sociais duradouros dirigidos à conservação da biodiversidade amazônica.

Palavras-chaves
Biodiversidade; fronteira; tensões sociais.

Abstract

This paper has the objective to analyse the management challenges in two amazonian national parks - National Parks Montanhas de Tumucumaque and Cabo Orange, in the border area between Brazil and French Guiana, from the local perspective. The methodological approach was based on qualitative analysis, in order to make possible the understanding of the main subjectivities and tensions identified in management procedures from the perspective of institutional actors and local populations that inhabit the parks. The research stresses the importance of the local perspective for the realistic understanding of the management procedures in national parks and for the long lasting agreements directed to amzonian biodiversity conservation.

Key words:
Biodiversity; border; social tensions.

Introdução

A preocupação com a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, em geral, tem levado a maioria dos países a desenvolver um olhar estratégico em relação ao patrimônio natural, e também à criação de medidas legais para proteger ou regular o seu uso. Essas medidas incluem a criação de áreas protegidas, entre as quais, os parques nacionais, que têm como objetivo central, a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica (BRASIL, 2000BRASIL, Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - (SNUC): Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Brasília: MMA, 2000.). Além do desafio que representa a criação de áreas protegidas para conservação do patrimônio natural, uma questão central em políticas públicas, se dirige também à sua gestão. Segundo Becker (2006), é na gestão que reside o maior desafio da proteção da biodiversidade. A gestão do patrimônio natural, deve ser realizada associando desenvolvimento e conservação (Becker, 2006)

Para que possam ser dimensionados os desafios para a gestão de parques nacionais, é importante ainda que se contextualize que o Brasil é, em termos mundiais, um dos principais países em megadiversidade, tanto em diversidade de espécies quanto em níveis de endemismo. Neste contexto, a região amazônica brasileira é particularmente importante, por seu valor na proteção da biodiversidade global e, no cenário econômico e estratégico para o desenvolvimento do país, uma vez que esta representa a maior extensão de floresta tropical úmida contínua em uma nação.

Nesse sentido, apenas na Amazônia Legal ocorrem 21 parques nacionais (IBAMA, 2007IBAMA, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Disponível em http://www.ibama.gov.org. (Acesso em 24/03/2007), 2007.
http://www.ibama.gov.org...
), sendo 5 destes, na região de fronteira: Parque Nacional da Serra do Divisor, Parque Nacional do Pico da Neblina, Parque Nacional Monte Roraima, Parque do Cabo Orange e Parque Montanhas do Tumucumaque, os dois últimos, situados na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Mas poucos são ainda os estudos realizados capazes de interpretar o processo de gestão nestes parques nacionais situados na fronteira amazônica.

Evidentemente que investigar o processo de gestão em parques nacionais de fronteira na Amazônia requer uma nova concepção de pesquisa, de abordagem interdisciplinar, capaz não apenas de apoiar a caracterização de flora e fauna mas também de avançar na interpretação da dinâmica socioeconômica e simbólica envolvida no processo. Neste caso específico, a conservação da biodiversidade regional depende não apenas da gestão “intramuros” mas de um olhar para o entorno, que transcende os limites do próprio país. Evidentemente que este é um desafio complexo, a ser resolvido a longo prazo. No entanto, considerando o momento de implementação da política de proteção da natureza vivido no país, e frente aos compromissos assumidos junto à Convenção da Diversidade Biológica, são fundamentais, a curto prazo, pesquisas capazes de interpretar a lógica da gestão de parques nacionais amazônicos de fronteira, no sentido de que estas possam gerar subsídios para os processos de cooperação internacional para a gestão da biodiversidade amazônica.

Mas é importante que se entenda a gestão não como um conjunto de práticas vinculadas à operacionalidade do manejo da unidade de conservação mas como um processo social, no qual interesses individuais e coletivos se expressam, num embate permanente entre as demandas de proteção da natureza e aquelas de desenvolvimento

Neste sentido, a interpretação dos desafios para a gestão destes parques nacionais, a partir do olhar e das subjetividades locais, é de fundamental importância para que se possa compreender a dinâmica regional e as estratégias possíveis para a proteção da biodiversidade e para eventuais parcerias amazônicas com este objetivo.

Com base neste contexto, o presente trabalho se configura como um recorte nesta reflexão, e tem como objetivo interpretar os desafios para a gestão da biodiversidade em dois parques nacionais amazônicos, Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange situados na fronteira entre o Brasil e a Guiana francesa, a partir da perspectiva dos atores locais.

Segundo Irving (2006aIRVING, M. A. Áreas Protegidas de Fronteira e Turismo Sustentável na Amazônia: Entre o surrealismo e a invenção. Revista de Desenvolvimento Econômico. Salvador - BA. Ano VIII, V. 13, p. 35-49, 2006a. e b), os Parques Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange estão inseridos em uma região de grande impacto no imaginário coletivo, representando um atrativo patrimonial e simbólico, além de estarem situados em uma área amazônica de grande importância histórica na relação entre Brasil e França.

A escolha desses parques nacionais para a realização da pesquisa justifica-se, além disso, por: a) sua importância em biodiversidade global, no plano da Convenção da Diversidade Biológica; b) sua relevância, em termos estratégicos e geopolíticos, no cenário atual da fronteira amazônica, pelo enfoque brasileiro e global; c) o histórico de um projeto de pesquisa sobre o tema, iniciado em 2004, envolvendo a parceria do Programa Eicos/UFRJ e o Departamento de Ecologia e Gestão da Biodiversidade do Museu Nacional de História Natural de Paris (França) a partir do qual já foram geradas diversas publicações sobre o tema; d) a prioridade de políticas públicas de proteção da natureza dirigida à área, a partir de um Memorando de Entendimento, assinado entre o Ministério de Meio Ambiente do Brasil e o Ministério de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da França (A partir deste documento diversas reuniões foram realizadas no Brasil e na Guiana francesa no sentido de elaboração de um Plano de Ação conjunto); e) a realização, a partir de 2006, do Programa ARCUS - “Action en Région de Coopération Universitaire et Scientifique”, apoiado pela Região Île de France e o Ministério das Relações Internacionais da França, no qual um dos temas selecionados para pesquisa se refere exatamente à gestão da biodiversidade na região.

Alem disso, os dois parques compõem um mosaico ainda mais complexo de áreas protegidas, conhecido como “Corredor de Biodiversidade do Amapá”. O corredor de Biodiversidade do Amapá representa uma unidade complexa para a gestão da biodiversidade regional, de modo a assegurar a reposição genética e a conectividade entre as diferentes áreas protegidas, através de fluxo genético. Localiza-se entre o Escudo das Guianas e o estuário do Rio Amazonas e abrange uma área de cerca de 11 milhões de hectares, o equivalente a mais da metade do Estado do Amapá. O Corredor do Amapá foi criado para promover a ligação entre as diversas áreas preservadas, aumentando a chance de manutenção da biodiversidade, com a livre circulação das espécies.

Por estarem situados na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, os Parques Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange envolvem, direta ou indiretamente na gestão, questões referentes às políticas de desenvolvimento e proteção da natureza que transcendem os limites formais das UCs e que, atualmente, já inspiram discussões diplomáticas entre os dois países. Vale ressaltar ainda que os dois parques estão sujeitos a uma dinâmica socioeconômica particular de fronteira, na qual duas lógicas de desenvolvimento incidem sobre o mesmo território geográfico e portanto, o mesmo ecossistema, o que torna a região ainda mais interessante como foco de pesquisa..

No contexto geopolítico e estratégico de cooperação entre Brasil e França, Irving (2004)IRVING, M. A. Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque (Brasil): “Ultraperiferia” ou“Laboratório” para a cooperação Internacional nos espaços amazônicos de fornteira? Revista de Desenvolvimento Econômico, Ano VI, V. 10. p. 26-37, 2004. ressalta ainda a importância do momento político atual para importantes avanços com este objetivo, no âmbito da cooperação bilateral já que os dois países se mobilizam para operacionalizar as suas políticas de biodiversidade e suas estratégias globais para a gestão dos espaços protegidos, sendo que ambas as políticas se sustentam na lógica da gestão da biodiversidade com o enfoque de desenvolvimento regional e uso sustentável dos recursos renováveis.

Finalmente, a escolha dos Parques Nacionais Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange justifica-se também pela necessidade da compreensão da dinâmica da gestão da biodiversidade nesses espaços protegidos de fronteira, no contexto atual de implementação do Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP)2 , em sua articulação com os compromissos assumidos pelo Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)3 . Esse TCA prevê o estabelecimento e o fortalecimento de redes de colaboração, através das fronteiras nacionais, entre unidades de conservação e demais áreas protegidas contíguas ou próximas.

Materiais e Métodos

No sentido de apreender as subjetividades locais expressas na interpretação da gestão, a presente pesquisa foi desenvolvida com base em enfoque qualitativo, e se caracteriza como pesquisa aplicada, uma vez que tem vinculação direta com a discussão de políticas públicas de proteção da natureza.

A pesquisa foi desenvolvida em diferentes etapas metodológicas, envolvendo, num primeiro momento, a consolidação de um referencial teórico sobre o tema e levantamento de dados secundários e, num segundo momento, pesquisa de campo. A primeira etapa da investigação proposta envolveu pesquisa bibliográfica e documental, baseada em livros, artigos e publicações periódicas, assim como textos legais, relatórios oficiais do setor público, documentos de governo, matérias jornalísticas, mapas e fotografias.

A segunda etapa envolveu o estabelecimento de diálogo com as instituições estratégicas, seleção dos sujeitos da pesquisa e a elaboração dos instrumentos de pesquisa (roteiros de entrevistas e pré-teste) Para entender o processo de gestão pela ótica local, os sujeitos selecionados para a pesquisa envolveram dois tipos de atores: os “atores institucionais”, representados pelos membros dos Conselhos Gestores dos dois parques e também interlocutores selecionados das populações residentes no interior dos parques, neste trabalho designados como “atores locais”. Para a escolha dos “atores locais” foi considerado o seu engajamento na gestão da biodiversidade local, a partir de levantamentos anteriores à pesquisa de campo.

Em relação aos atores institucionais, estes foram representativos de diferentes segmentos sociais, com atuação regional: instituições governamentais, instituições da sociedade civil organizada com atuação local, e instituições internacionais (Organizações Não Governamentais e agências de cooperação) com presença e/ou atuação na região. (Tabela 1).

O período de realização da pesquisa de campo compreendeu os meses de maio a julho de 2006, sendo as entrevistas com os atores institucionais realizadas em julho, durante reunião dos Conselhos Gestores. No âmbito dos conselhos foram realizadas vinte e duas entrevistas com os representantes de instituições governamentais, seis com representantes da sociedade civil organizada e cinco com os representantes de instituições internacionais. As entrevistas dirigidas aos atores institucionais buscaram compreender, entre outros temas, o papel auto atribuído das instituições na gestão dos parques e a percepção do modo de relação entre as diferentes instituições no conselho.

Os interlocutores das populações locais, por sua vez, foram selecionados para a pesquisa em função de sua residência fixa no interior dos parques desde a sua criação e o início do processo de implantação, já que estes são os principais protagonistas dos conflitos sociais relacionados à existência dos parques nacionais. Entre os atores locais, foram entrevistados seis moradores de Vila Brasil (PNMT), oito moradores da Vila de Taperebá (PNCO) e quatro moradores de Vila de Cunani (PNCO). Para a complementação de informações e contextualização do histórico de criação e implantação dos parques, foram realizadas 3 entrevistas com atores sociais residentes na cidade de Oiapoque, mas que, de alguma forma, possuem estreita relação com as populações que vivem no interior dos parques. Todas as entrevistas realizadas seguiram modelo semi-estruturado, no sentido de obtenção da maior amplitude possível de informações, a respeito da interpretação dos atores locais sobre a gestão dos parques. Estas entrevistas tiveram o objetivo de identificar e interpretar as principais tensões e os conflitos associados à gestão dos dois parques pelas populações afetadas diretamente por sua existência. A pesquisa se utilizou ainda de registro em diário de campo, para apreensão de observações e reflexões complementares, no sentido de subsidiar análises posteriores.

Tabela 1
Atores Institucionais componentes dos conselhos gestores dos PARNAS PNMT e PNCO
Table 1
Institutional actors components of the management councils PARNAS PNMT e PNCO

Para a análise das informações obtidas foi utilizada a adaptação da Análise de Conteúdo (AC). O tratamento das informações obtidas se baseou nos princípios da análise qualitativa, através da qual são realizadas leituras minuciosas e ordenação temática de trechos das entrevistas (Minayo, 1998MINAYO, M. C. S. Pesquisa social - teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. 80p.). Para o recorte do presente trabalho, foram selecionados os seguintes temas de análise: a) dinâmica da gestão; b) presença de populações no interior dos parques; e c) tensões, riscos e recomendações para a gestão.

Resultados e Discussão

PARNAS Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange: descrevendo o contexto

A contextualização preliminar dos dois parques está a seguir apresentada, com base em sites oficiais e análise documental e está baseada em Irving (2006IRVING, M. A. Le Parc National Montanhas de Tumucumaque (Brésil: um laboratoire pour la gestion de la biodiversité dans le cadre d´une coopération régionale en Amazonie. Cahiers du Brésil Contemporain, (EHESS, Paris) V. 63/64. 2006. p. 233-356, 2006b. a e b). Embora localizados em uma mesma região geográfica, os dois parques tem características ecológicas bastante distintas e ilustram um gradiente da linha de fronteira entre sistemas marinhos e costeiros e áreas interiores de floresta tropical densa e ambos estão sujeitos a fortes pressões com relação ao uso dos recursos renováveis. Da mesma forma, os dois parques estão sujeitos à dinâmica sócio econômica da fronteira amazônica e, direta ou indiretamente, interferem nas relações cotidianas das populações locais, dos dois lados da fronteira. Para um melhor entendimento das especificidades ecológicas e da dinâmica sócio econômica regional, a seguir são descritos, resumidamente, os dois parques, foco desta análise.

1. PARNA Montanhas do Tumucumaque: entre a proteção da natureza e o garimpo

O PNMT foi criado por Decreto s/n, publicado no Diário Oficial de 23 de agosto de 2002 e é a maior área protegida do mundo em floresta tropical, com uma área de 3. 867.000 ha, sendo o maior parque nacional de floresta tropical no mundo. Está localizado predominantemente na região noroeste do Estado do Amapá, tendo também parte de sua extensão no Estado do Pará, situado em fronteira direta com o Suriname e a Guiana Francesa (Figura 1), e contíguo ao Parc Amazonien de la Guyane, criado em 2007, pelo governo francês. Este parque é, portanto, emblemático, como estudo de caso, para se pensar os desafios futuros relacionados à gestão da biodiversidade na dinâmica amazônica de fronteira.

A região de inserção do PNMT se caracteriza por clima quente e úmido, é dominada por floresta tropical densa e nela estão também as nascentes dos principais rios do Amapá, como o Oiapoque, o Jari e o Araguari. O PNMT se caracteriza por uma elevada riqueza florística e faunística e uma significativa diversidade de habitats. Entre as espécies de fauna podem ser mencionados grandes carnívoros como a onça e a sussuarana e primatas raros como o caxiu, de população muito reduzida em outras regiões. Pássaros como as macaws, marianinhas, jacus, beijaflores brilho de fogo, e grandes pássaros frugívoros da copa da floresta, tais como o Anambé-militar, Pássarosboi, e Gainambés são abundantes nas florestas bem conservadas da região. Entre as espécies da flora podem ser citadas maçaranduba, maparajuba, cupiúba, jarana, mandiqueira, louros, acapus, matamatás, faveiras, abioranas, cedroranas, pracachis, piquá, tachi, entre outras (IBAMA, 2004IBAMA, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Disponível em http://www.ibama.gov.org. (Acesso em 20/12/2004), 2004.
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). A importância ecológica do PNMT é reforçada ainda por este se inserir em um imenso corredor de biodiversidade, ligando toda a face oeste do Estado do Amapá até o nordeste do Pará, que integra diversas áreas protegidas, a grande maioria destas em ecossistema de floresta densa. O parque é ainda a peça maior em um mosaico de unidades de conservação que recobre mais de 50% da área do Estado do Amapá. Sob a ótica da dinâmica de ocupação e uso dos recursos naturais, o parque está situado em uma região pouco povoada pois, sem estradas e isolado de qualquer grande concentração urbana, está praticamente intocado, a não ser por alguns focos de garimpo e pela presença do núcleo populacional de Vila Brasil. Apesar disso, o parque está permanentemente sob forte ameaça do garimpo e em seu interior já foram identificadas pelo IBAMA 25 pistas de pouso clandestinas, estando algumas ativas.

Figura 1
Localização do Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque

Não há, no local, infraestutura turística de porte, mas, com a perspectiva de finalização do Plano de Manejo em breve, a área poderá ser aberta à visitação e um investimento nesse setor será essencial para o desenvolvimento turístico regional.

O Conselho Gestor do parque foi criado em 28 de abril de 2005 por Portaria/IBAMA Nº30 e conta com 31 representantes, envolvendo 16 instituições governamentais e 15 instituições não-governamentais. O Plano de Manejo, por sua vez, está em fase de consolidação, com diversos levantamentos de dados secundários (prédiagnóstico) e diagnóstico participativo, já realizado nos municípios envolvidos pela UC e sua zona de amortecimento.

2. PARNA Cabo Orange: entre o mar e os conflitos.

Criado pelo Decreto n° 84.913 de 15.07.1980, o PNCO possui uma área de 619.000 hà. Localizado no Estado do Amapá (Figura 2), na fronteira com a Guiana francesa, o Parque está inserido nos municípios de Calçoene e Oiapoque. O acesso à área do Parque ocorre principalmente através da BR-156 e para se chegar à Vila Taperebá, que fica no interior do Parque, o acesso ocorre pelo Rio Caciporé. O PNCO está em contato direto com o Parc Naturel Régional de la Guyane, com o qual já mantêm acordos de parceria para o desenvolvimento de projetos conjuntos.

Figura 2
Localização do Parque Nacional de Cabo Orange

O clima da região é tropical, quente e úmido e, em contraste com os ecossistemas predominantes no Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, o Parque Nacional do Cabo Orange se insere em uma área rica em manguezais e de campos de planície do Amapá. O parque protege uma grande extensão de manguezais em uma faixa marítima de aproximadamente 10 km de largura, alem de campos de planície e ecossistemas de transição. A vegetação do parque se caracteriza predominantemente por espécies do mangue como siriúba, mangue-vermelho e mangue-amarelo. Os campos de planície do Amapá têm cobertura vegetal abundante de gramíneas e ciperáceas. São encontrados, também na região, buriti, mururés, canaranas e capim-arroz, entre outras espécies. A fauna local é rica e diversificada e abriga várias espécies de tartaruga e peixe-boi, além de rica avifauna, sendo o litoral amapaense o último reduto de várias espécies anteriormente encontradas em todo o litoral brasileiro, entre elas o guará e o flamingo.

O PNCO, diferentemente da maioria dos parques nacionais brasileiros, possui 92% de sua área total regularizada. No entanto, alguns conflitos e pressões sobre os ecossistemas locais são observados em função do processo de ocupação da região, que resultou em inúmeras fazendas no seu entorno. São também registrados incêndios, invasões, atividades de pecuária, agricultura, caça, pesca, desmatamentos, mineração e erosão no interior da área do parque. É importante também ressaltar a existência de moradores em seu interior e um clima permanente de conflitos, envolvendo criadores de búfalos. Os principais núcleos populacionais no parque são Taperebá, no Município de Oiapoque, na margem esquerda do Rio Cassiporé, (na parte central do parque, onde está instalada a sede do IBAMA), e Cunani, no município de Calçoene, na margem esquerda do Rio Cunani, na extremidade sul do Parque.

A relação da administração do parque, com os moradores de Cunani (remanescentes de quilombo, reconhecidos pela Fundação Palmares) tem sido pacífica, o que não acontece em Taperebá, onde os conflitos existem com pescadores que vem do exterior. Não há conflitos diretos registrados entre o parque e a área indígena de Uaçá, localizada a oeste do parque.

O Conselho Gestor do parque foi criado em 09 de março de 2006, pela Portaria No 21 e conta com 12 instituições governamentais e 17 instituições não-governamentais. O Plano de Manejo está em fase de elaboração, mas já foram realizadas diversas expedições para levantamento de dados na região.

Interpretando o olhar local para a gestão

Conforme anteriormente mencionado na descrição metodológica da pesquisa, o recorte escolhido para esta reflexão está baseado nos temas relacionados à dinâmica da gestão, à presença de populações no interior dos parques e às tensões, riscos e recomendações para a gestão.

A percepção local a respeito da dinâmica de gestão, nos dois parques, ilustra algumas de suas especificidades, mas permite também a identificação de aspectos convergentes com relação à dinâmica regional.

Do ponto de vista do cotidiano da gestão, em geral, as instituições que compõem os conselhos dos dois parques não reconhecem a sua participação nos mesmos como “função” direta na gestão dos parques. Assim, quando o tema da gestão é mencionado ou discutido, a responsabilidade da gestão é atribuída especificamente ao IBAMA. Os membros dos conselhos se reconhecem apenas como parceiros secundários neste processo. Este dado chama atenção para o real significado do conselho, pela lógica de seus integrantes, que não parece coincidir com a perspectiva prevista no SNUC (BRASIL, 2000BRASIL, Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - (SNUC): Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Brasília: MMA, 2000.), que interpreta os conselhos como instâncias participativas para a gestão de unidades de conservação.

Em relação ao funcionamento dos conselhos há também o reconhecimento que a relação entre as instituições componentes é ainda incipiente e necessita ser aprimorada. Os conselhos, em geral, não são percebidos como “espaços” efetivos para a explicitação de conflitos e para o delineamento e consolidação de “pactos” para a gestão.

Em relação à interpretação dos conselheiros, não são identificados, de maneira direta, conflitos entre a administração dos parques e as instituições que compõem os conselhos. São apenas identificadas tensões e dificuldades para a gestão, em função das pressões externas sofridas pelos parques, com relação à dinâmica sócio econômica regional. As dificuldades cotidianas para a gestão, apontadas pelos atores institucionais, principalmente no PNMT, se relacionam à limitação de recursos humanos, processos administrativos demorados na esfera pública e distância dos centros decisórios. Pela interpretação dos atores locais (residentes nos parques), a pesquisa identifica ainda uma curiosa contradição em relação à percepção que estes têm do IBAMA. Em alguns casos, o IBAMA representa uma “ameaça” para as populações locais, uma vez que este representa, com base na legislação, a instituição responsável pela eventual retirada destas populações da área. Apesar disso, ironicamente há também uma reivindicação para que o IBAMA seja mais presente no local. Em geral, isto ocorre porque há, em relação a esta instituição, a expectativa de que ela possa promover benfeitorias sociais no local, uma vez que representa o governo federal e tem atuação em uma região de extrema carência com relação à prestação de serviços públicos essenciais, como educação, saúde, infra-estrutura e transporte. Além disso, como as populações locais se identificam como protagonistas no processo de proteção da natureza na região de inserção dos parques, a presença do IBAMA na área, paradoxalmente, é também reconhecida como importante para a eficiência do processo de fiscalização, diante das ameaças e pressões externas sobre os recursos naturais e, portanto, sobre o cotidiano destas populações, em seu direito exclusivo de acesso aos mesmos. Assim, o IBAMA tende a ser interpretado, ao mesmo tempo, como “ameaça potencial”, em função da hipótese de retirada das populações da área, e como “proteção”, em função das ameaças externas.

Mas é interessante notar que, no caso específico de Vila Brasil (PNMT) e de Cunani (PNCO), o IBAMA é ainda interpretado como uma incógnita. Isto ocorre em função de sua limitada atuação no local e das incertezas quanto ao seu real papel. Há uma expectativa com relação aos desdobramentos do processo de implantação dos parques, mas não há certezas com relação à atuação do IBAMA como “parceiro” ou “inimigo” das populações locais. Especificamente no caso de Cunani, apesar de não ter havido qualquer conflito explícito na relação e não ter ocorrido nenhuma ação de repressão em relação aos meios de vida das populações e/ou uso dos recursos naturais, alguns atores sociais identificam o IBAMA como uma “ameaça” potencial. Isso ocorre em função de “possíveis” restrições e riscos futuros, não só em relação ao uso dos recursos naturais, mas também em sua provável função na retirada da população do local do interior do parque.

Outra questão, com relação ao Parque Nacional de Cabo Orange, chama atenção como resultado da pesquisa. Se em Cunani a percepção dos atores locais reconhece ainda a gestão do IBAMA como indefinida em sua formatação e operacionalização, em Taperebá (PNCO), a atuação do IBAMA é interpretada como fonte de inúmeros conflitos, em função de um histórico de restrições impostas em relação à utilização dos recursos naturais. Assim, em Taperebá a população interpreta a dinâmica de gestão como extremamente severa, restritiva e prejudicial (o que deflagra uma série de tensões), mas em Cunani, pelo fato de a população não ter ainda sofrido nenhum tipo de restrição, a gestão do IBAMA tem um sentido mais amistoso.

Pode-se mencionar como elemento complementar de análise, que em Cunani a população reivindica sua condição de remanescente de quilombola, e através da afirmação de sua identidade, está também menos vulnerável às eventuais imposições do IBAMA. O que parece claro nos resultados da pesquisa é que no mesmo parque, as percepções podem ser distintas em relação à gestão, em função do histórico das relações humanas e das diferentes estratégias desenvolvidas (ou não) para a afirmação de direito e identidade.

A presença de populações no interior dos parques

Ainda que a legislação brasileira considere a hipótese de retirada das populações que vivem no interior das unidades de conservação de proteção integral, não há consenso, na visão dos membros dos conselhos sobre a possibilidade de sua efetivação e sobre a real necessidade desta medida. Isto porque há constante preocupação destes atores institucionais com a instabilidade a qual estão sujeitas estas populações, em função das constantes ameaças de sua retirada dos parques e posterior reassentamento. Alem disso, os membros dos conselhos parecem reconhecer a importância destas populações como parte do patrimônio cultural amazônico, já que as mesmas são identificadas em suas diversas origens (populações tradicionais, assentamentos agrícolas, grupos indígenas brasileiros e franco-guianenses, quilombolas e ribeirinhos). Neste sentido, a importância destes grupos sociais, (e seu potencial de participação em futuras parcerias para a preservação da diversidade biológica e cultural amazônica) é também reconhecida pelo olhar institucional na pesquisa.

Do ponto de vista dos atores sociais locais, é evidente o desejo em permanecer no local onde vivem. Para defender a sua permanência, estas populações se utilizam de argumentos fundamentados, principalmente, na antecedência da ocupação em relação à existência dos parques nacionais e em sua identidade cultural. Surpreendentemente na pesquisa, a retirada destas populações do interior dos parques não é interpretada como uma hipótese desejável nem pelas populações locais e nem pelas instituições envolvidas na gestão.

Tensões, riscos e recomendações para a gestão

No plano regional são diversas as tensões e riscos identificados no processo de gestão dos dois parques nacionais. O risco de “biopirataria”, por exemplo, é freqüentemente mencionado na leitura institucional como uma ameaça grave e um problema real na região dos parques, o que tende a apontar, entre outras coisas, para a necessidade de desenvolvimento de estratégias capazes de fortalecer o controle e normatização das atividades de pesquisa, além do aprimoramento do processo de fiscalização, em sentido mais amplo.

Além disso, a pressão proveniente da atividade do garimpo na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa é também identificada no PNMT como séria ameaça à integridade dos ecossistemas locais. Em relação ao PNCO, a pesca profissional realizada por agentes externos, vindos principalmente do Pará e da Guiana Francesa, é mencionada como constante ameaça ao parque e ao “direito” das populações locais. Neste sentido, se reconhece também a importância do aprimoramento do processo de fiscalização pelo IBAMA como um dos temas centrais para a gestão. São reconhecidas ainda ameaças e pressões, que tendem a se configurar como sérios desafios para a gestão dos parques no futuro, como a pecuária de criação de búfalos e a exploração dos diversos recursos naturais renováveis existentes na área do parque, sem controle de estoques.

A localização dos parques na fronteira é também reconhecida como fonte de tensões na gestão. Com relação ao PNMT, a linha de fronteira é constituída pelo marco natural do rio Oiapoque, e esta pode ser facilmente transposta, o que faz com que tanto o problema do garimpo como o tráfico de animais e drogas sejam recorrentes nesta região, uma vez que a fronteira representa uma “porta” de circulação, por onde podem ser identificadas diversas ameaças e riscos potenciais à gestão da biodiversidade, em escala regional. O contexto não é diferente no caso do PNCO, no qual a fronteira se configura na linha de costa, com problemas recorrentes com relação à pesca. Mas é importante mencionar ainda, em alguns casos, um nível elevado de “desconfiança” identificado na pesquisa, pelo olhar institucional, com relação aos interesses de atores externos presentes na região. De qualquer forma, o tema da fronteira parece ainda se constituir em tabu para a gestão dos dois parques, embora na dinâmica regional, os dois lados da fronteira se comuniquem na perspectiva cotidiana. Sendo assim, é evidente que a lógica da proteção da biodiversidade na fronteira exija uma análise mais detalhada do problema, principalmente tendo em vista a importância do Escudo das Guianas para os objetivos da Convenção da Diversidade Biológica. A necessidade de integração destes dois parques com o Parc Amazonien de la Guyane e o Parc Naturel Regional de la Guyane (em fronteira direta com os PNMT e PNCO, respectivamente) para a proteção da biodiversidade amazônica e a complexidade da questão indígena dos dois lados da fronteira.

Para a minimização de alguns dos problemas identificados na rotina da gestão, algumas recomendações são propostas a partir da perspectiva institucional da pesquisa, no caso específico dos parques estudados: a) a necessidade de desenvolvimento de estratégias para a obtenção direta de recursos para a fiscalização; b) o aprimoramento do processo de administração dos parques; c) o fomento a programas de educação ambiental; d) a divulgação dos parques e sua importância para as comunidades locais; e) a promoção de relações mais próximas entre o IBAMA (atual Instituto Chico Mendes) do Amapá e a sede em Brasília; f) o fortalecimento dos Conselhos Gestores, através de reuniões mais freqüentes; g) a promoção de concursos para o órgão gestor regional (visando ao aumento do efetivo dos parques); h) a resolução da questão fundiária dos parques; i) a agilização do processo de elaboração dos Planos de Manejo. Este reconhecimento explicita o interesse coletivo no êxito da gestão, muito embora não responda a todas as questões centrais identificadas junto aos atores locais, com relação aos conflitos recorrentes associados ao acesso e uso de recursos naturais renováveis no interior dos parques.

Conclusão e Discussão Geral

O contexto regional ilustrado pela presente pesquisa, além de espelhar parte da complexidade em relação às divergências e convergências no processo de gestão dos Parques Nacionais Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange, reafirma a importância em se reconhecer as tensões e conflitos para o desenvolvimento de iniciativas futuras, visando à conservação da biodiversidade amazônica. Como destaca Irving et al (2006)IRVING, M. A.; COZZOLINO, F.; FRAGELI, C. e SANCHO, A. Construção de governança democrática: interpretando a gestão de parques nacionais no Brasil. In M. A. Irving (Org), Áreas Protegidas e Inclusão Social: construindo novos segnificados. Rio de Janeiro; aquarius, p. 41-75, 2006., antes de serem interpretados como mal a evitar, as tensões constituem elementos chave para o intercâmbio de visões no processo de governança democrática.

O presente trabalho representa, assim, um esforço no sentido de se interpretar o contexto de gestão de parques nacionais na fronteira amazônica, trazendo para o “primeiro plano” a leitura dos atores locais (institucionais e populações que vivem no interior destas UC’s), protagonistas no processo de gestão destas áreas protegidas.

Como afirmam Theodoro et al (2005)THEODORO, S. H.; SAYAGO, D. V.; ASSUNÇÃO, F. N. e WEHRMANN, M. E. S. F. Mediação de conflitos socioambientais: um novo campo de atuação técnicocientífica. Goiânia, 54ª SBPC. CD-ROM, 2005., os conflitos não podem ser negados ou esquecidos nas relações sociais. Sendo assim, a identificação de focos de tensões e a decodificação das relações sociais podem permitir ao órgão gestor o delineamento de estratégias de negociação com as populações locais e o estabelecimento de pactos duradouros para a gestão. Com esta visão, Silva (2006)SILVA, Marcelo Kunrath. Sociedade civil e construção democrática: do maniqueísmo essencialista à abordagem relacional. Sociologias. Porto Alegre, V. 16. p. 156-179, 2006p., enfatiza o papel das populações locais na sustentação e aprofundamento do processo democrático nos instrumentos previstos nas políticas nacionais.

Nesta perspectiva, a pesquisa buscou contribuir para a interpretação local de gestão de parques nacionais de fronteira amazônica, em apoio aos princípios do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que prevê que seja assegurada a participação das populações locais no processo de gestão das unidades de conservação, e do Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), que possui, como diretriz, a promoção da inclusão social e o exercício da cidadania na gestão das áreas protegidas. No âmbito do SNUC, estes resultados podem inspirar reflexões para o aprimoramento futuro do funcionamento dos conselhos gestores e da utilização dos Planos de Manejo dos parques estudados. Segundo Irving et al (2006)IRVING, M. A.; COZZOLINO, F.; FRAGELI, C. e SANCHO, A. Construção de governança democrática: interpretando a gestão de parques nacionais no Brasil. In M. A. Irving (Org), Áreas Protegidas e Inclusão Social: construindo novos segnificados. Rio de Janeiro; aquarius, p. 41-75, 2006., estes instrumentos de manejo, construídos e utilizados com base na participação social podem contribuir para o redirecionamento nas relações de poder e viabilizar, em tese, a prática da negociação. Mas para além da prática da gestão, os resultados da pesquisa são interessantes também como inspirações para a reflexão crítica dos gestores com relação ao seu papel e sobre o processo de gestão, de forma global. Subsídios que possam contribuir à compreensão da perspectiva dos atores locais podem apoiar os gestores no processo de tomada de decisões e nas estratégias de negociação para a gestão, principalmente tendo em vista a rotina e a sobrecarga de trabalho a que estão sujeitos, e que contribuem para dificultar a percepção crítica do processo.

A pesquisa deixa também perguntas sem resposta. Embora seja lugar comum a compreensão dos impactos provocados pela presença das populações humanas que residem no interior dos parques sobre os ecossistemas regionais, qual seria o impacto social de sua retirada destas UCs, se estas forem entendidas como patrimônio cultural amazônico? Por esta e outras razões, a pesquisa reforça também a necessidade de que o processo de gestão parta de um diagnóstico sobre a dinâmica social local e de uma base de dados consistente, relativa aos modos de vida das populações que habitam o interior dos parques e de sua relação simbólica e histórica com o patrimônio natural. Sem este ponto de partida, a gestão corre o risco de ser foco permanente de conflitos e campo minado para o estabelecimento de pactos negociados.

A pesquisa parece também deixar clara a idéia de que a leitura da gestão dos parques, a partir do reconhecimento do protagonismo dos atores locais, pode ser um passo importante para o equacionamento de alguns dos principais desafios enfrentados também pelos gestores do IBAMA, uma vez que segundo o MMA (2004)MMA. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em http://www.mma.gov.br/port/sbf/dap/novidad.html. (Acesso em 20/08/2004), 2004.
http://www.mma.gov.br/port/sbf/dap/novid...
, a implantação dos conselhos é complexa também devido à falta de assimilação de seus preceitos democráticos e participativos, tanto pelas instâncias gestoras, quanto pela sociedade. Nesse sentido, é fundamental também que se interprete porque os conselheiros não se reconhecem com função direta na gestão. Se os conselhos são instâncias formais de participação social na gestão de unidades de conservação, eles precisam se consolidar como tal ou correm o risco de permanecerem como meras reproduções de discursos vazios em políticas públicas.

A pesquisa deixa ainda algumas provocações, como por exemplo, em que grau a sociedade está preparada para o protagonismo no processo de conservação da biodiversidade? Ou ainda, até que ponto os conselhos de parques nacionais estão sendo implantados realmente como instâncias democráticas e participativas de decisão? Segundo Costa & Cunha (2004)COSTA, F. L da & CUNHA, A. P. G. Pensar o desenvolvimento a partir do local: novo desafio para os gestores públicos. In Propostas para uma gestão pública municipal efetiva. Organizadoras Sylvia Constant Vergara, Vera Lúcia de Almeida Corrêa - 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 188 p., os conselhos representam espaços potenciais de diálogo, negociação e pactos, entre a gestão pública e as diversas representações da sociedade, mas esta percepção não parece ainda ocorrer com relação aos dois parques nacionais pesquisados. No entanto, parece haver um “clima” favorável para a articulação e parceria para a gestão, o que revela uma tendência para a mudança de rumo, uma vez que, segundo Choay (2001)CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. 282 p. cabe a toda a coletividade local colaborar com a conservação do patrimônio.

Mas como ser efetivada uma rede de parcerias institucionais para a gestão da biodiversidade amazônica, e em que medida tornar possíveis estratégias nas quais os conselhos possam se desenvolver como “lócus” dessas articulações? Para responder a esta questão, o ponto de partida parece ser o reconhecimento dos conselhos como instâncias democráticas efetivas para a gestão, considerando também algumas de suas demandas e as possibilidades de negociação com relação a elas, nos limites da legislação.

A gestão dos dois parques demanda também um olhar para além da fronteira, no sentido de se interpretar os desafios para a gestão da biodiversidade regional, uma vez que os dois parques estão situados em uma região de fronteira, sob duas lógicas distintas de gestão, institucionalidades, arcabouços legais e modelos de desenvolvimento diferentes. Assim o fortalecimento de redes de cooperação com os países vizinhos, tende a possibilitar a gestão colaborativa das áreas protegidas contíguas, para garantir a sua conectividade, como prevê o PNAP.

Mas diante de tantos desafios na gestão destes parques nacionais de fronteira na Amazônia, é importante que se analise o problema segundo uma nova concepção de conservação da biodiversidade que considere a relação natureza e cultura da população amazônica, para a construção de um novo modelo de gestão da biodiversidade regional.

Nesse sentido, será importante contar cada vez mais com iniciativas que busquem a inovação para gestão de parques nacionais e, para inovar, é necessário que se incorporem múltiplos olhares sobre um mesmo objeto, para além da operacionalidade do cotidiano. Neste sentido, o desafio para a gestão se expressa também através de acordos possíveis entre os atores sociais envolvidos no processo e na valorização do diálogo, na busca de soluções que incorporem a criatividade, tanto na formulação de novas perguntas, quanto na identificação de novos desafios em continuidade aos problemas já solucionados. O percurso é longo mas este estudo ilustra as ilimitadas possibilidades futuras para uma nova concepção de gestão de parques nacionais na Amazônia

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    BRASIL, 2006BRASIL, Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas - (PNAP) - Decreto n° 5.758, de 13 de abril de 2006. Brasília: MMA, 2006..
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    O Tratado de Cooperação Amazônica é um instrumento jurídico assinado em 1978 por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela com o objetivo de promover o desenvolvimento integrado e sustentável da Região Amazônica mediante atividades multilaterais ou conjuntas entre os países envolvidos. Esse documento firmado em Brasília em 3 de julho de 1978, foi internalizado através do Decreto Legislativo nº 69, de 18 de outubro de 1978 e promulgado pelo Decreto nº 85.050, de 18 de agosto de 1980 (Apud Irving, 2004IRVING, M. A. Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque (Brasil): “Ultraperiferia” ou“Laboratório” para a cooperação Internacional nos espaços amazônicos de fornteira? Revista de Desenvolvimento Econômico, Ano VI, V. 10. p. 26-37, 2004.).

Agradecimentos

A todos os atores locais que tornaram possível a realização da pesquisa no Amapá e, especialmente, a Christopher Jaster e Marcos Cunha, chefes dos Parnas Montanhas do Tumucumaque e Cabo Orange, pelo apoio e colaboração. Ao Instituto Estadual de Pesquisas do Amapá (IEPA) pelo apoio logístico em Macapá e o deslocamento às comunidades pesquisadas.

Referências Bibliográficas

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  • IRVING, M. A. Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque (Brasil): “Ultraperiferia” ou“Laboratório” para a cooperação Internacional nos espaços amazônicos de fornteira? Revista de Desenvolvimento Econômico, Ano VI, V. 10. p. 26-37, 2004.
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  • THEODORO, S. H.; SAYAGO, D. V.; ASSUNÇÃO, F. N. e WEHRMANN, M. E. S. F. Mediação de conflitos socioambientais: um novo campo de atuação técnicocientífica. Goiânia, 54ª SBPC. CD-ROM, 2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2007

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2008
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