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Reforma Agrária e Meio Ambiente: desafios e possibilidades em torno de conflitos envolvendo assentamentos rurais/INCRA e reserva biológica/IBAMA.

Agrarian Reform and Environment: challenges and possibilities around conflicts with involvement of rural settlements/INCRA and biological reserve/IBAMA

Resumo

A pesquisa enfoca os conflitos que surgiram no Vale do Rio São João no estado do Rio de Janeiro, em terras públicas desapropriadas pelo INCRA para criação da Reserva Biológica Poço das Antas. Procurou-se entendê-los a partir dos conflitos por terra e das ocupações e acampamentos no entorno da Reserva na década de 90. A Reserva Biológica passou também a disputar terras para sua ampliação e moveu ações judiciais contra assentamentos no seu entorno. Ao longo desses conflitos, revelou-se com força de lei, a concepção ambiental que vê a ação do homem como fator externo ao ambiente e a natureza como intocada, passando a se antagonizar com o direito ao trabalho na terra demandado por meio de ocupação coletiva. Evidenciaram-se os limites existentes quer no diálogo do Estado com as organizações porta-vozes dos trabalhadores, quer na resolução dos conflitos entre as instâncias estatais e na condução das políticas públicas agrárias e ambientais.

Palavras-chaves
assentamento rural; conflito sócio-ambiental; Rio de Janeiro.

Abstract

The research intend to study the conflicts that occurred in São João River Valley on public lands disappropriated by INCRA to created the Biological Reserve of Poço das Antas. We tried to understand them bringing into focus land conflicts and land occupations in the surrounding of Reserve at 90 decade. Biological Reserve began to dispute land in order to extend, and moved judicial actions against rural settlements. Along those conflicts, an environmental conception with the consideration of man action as an external factor from the environment appear as power of law and the nature as untouching, in conflict with land work rights, claimed by the collective occupation. We showed either the limits of State dialogue with worker organizations or conflict resolutions between State agencies and at environmental and agrarian public politics.

Key words:
rural settlements; social environmental conflict; Rio de Janeiro.

Introdução

O presente trabalho teve como objetivo, apresentar uma análise dos conflitos e as disputas entre agricultores sem terra que demandam terra para a agricultura e o Estado que demanda terras para implementação de uma reserva biológica. Esta reserva por lei, é uma categoria restritiva, isto é, uma unidade de conservação ambiental de proteção integral (MMA, 2002MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC: Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. 2ª ed. Aum. Brasília: MMA/SBF/ Diretoria do Programa Nacional de Áreas Protegidas, 2002, 52 p), considerada patrimônio legal da humanidade. A disputa de terras ocorre no Vale do Rio São João, no estado do Rio de Janeiro, com uma demanda das terras para constituição de assentamentos rurais em terras públicas do INCRA no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas/IBAMA, ou para ampliação da Reserva Biológica.

O Vale do Rio São João, ao final da década de 90, apresentou várias mudanças: do fracasso do projeto de modernizaçãoagrícolaapartirdegrandesfazendas, passou a ser palco de disputas de terras para uma agricultura diversificada, com base em pequenos produtores, a partir da retomada de terras públicas por trabalhadores rurais sem terra. A partir da década de 90, tornou-se alvo de ocupações de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e pela FETAG-RJ. A partir daí, acirrou-se o debate em torno do significado das áreas de preservação, visto que foi no entorno imediato da Reserva Biológica Poço das Antas que se constituíram acampamentos e assentamentos rurais: Assentamento Aldeia Velha (1980), Assentamento Cambucaes (meados de 1990), Assentamento Sebastião Lan 1 e Acampamento Sebastião Lan 2 (final de 1990).

Figura 1
Ocupação do médio Vale do Rio São João.
Figure 1
Ocupations middle São João River Valley.

No presente trabalho, será dado enfoque na constituição do acampamento e assentamento Sebastião Lan, decorrentes da ocupação pelo MST de terras públicas (do INCRA) em litígio, desapropriadas para a criação da Reserva Biológica Poço das Antas/IBAMA em 1974. Das terras desapropriadas pelo INCRA na década de 1970, uma parte foi destinada para Reserva Biológica em 1974 e outra parte para assentamentos rurais na década de 80 e 90 (Assentamento Aldeia Velha- 41 famílias, 362 ha, criado em 08/06/81; Assentamento Cambucaes - 103 famílias, 1636 ha, criado em 28/12/95; Acampamento Sebastião Lan 2 - 82 famílias, 1466 ha, criado em 21/06/97; Assentamento Sebastião Lan - 33 famílias, 520 ha, criado em 26/07/99).

Metodologia

A pesquisa utilizou como recurso metodológico, entrevistas qualitativas tematicamente orientadas para os trabalhadores rurais, bem como para as entidades públicas e privadas envolvidas. O estudo abordou os conflitos entre as instâncias do Estado, a regulação por meio de leis que tem como base determinada concepção ambiental ou agrária. As interfaces entre questão agrária e ambiental foram buscadas, as contradições na apropriação da terra, bem como a dimensão ambiental da luta pela terra e a dimensão agrária da constituição de áreas protegidas. Com base em Offe (1984)OFFE, C. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1984, 386 p., foram abordados os embates entre o Estado e os movimentos sociais, sobretudo as relações de poder do Estado e sua capacidade de intervenção.

Resultados

Valedo RioSãoJoão e Ocupação dasTerras pelo MST

Obras federais do DNOS, ao final da década de 1980, represaram a lagoa Juturnaíba, canalizaram os rios São João e Aldeia Velha, drenaram trechos grandes entre os antigos leitos dos rios e o novo desenho dos canais (Silva Jardim e Casimiro de Abreu, RJ). Estas terras transformadas de alagados em áreas drenadas às margens do Canal do Rio São João foram usadas por fazendeiros limítrofes durante mais de uma década (Binsztok, 1993BINSZTOK, J. Capitalismo autoritário e a questão ambiental no espaço agrícola do Estado do Rio de Janeiro: Vale do São João. 111 p. Tese (Titular em Geografia) - Instituto de Geociências, UFF, Niterói, 1993.). A ocupação das famílias de trabalhadores rurais sem terra ocorreu em um trecho da Fazenda Sobara no limite com o canal do Rio São João na margem direita, no entorno da Reserva Biológica em área drenada pelo DNOS. Foi aí que primeiramente constituíram o Acampamento Sebastião Lan.

Os fazendeiros forjaram ao final da década de 80 o tamanho da propriedade mudando os limites, até o “novo leito” dos rios, que passou a ser o Canal de São João e o Canal de Aldeia Velha. Foram acusados de grilagem na Fazenda Sobara (cerca de 500 hectares) e na Fazenda Arizona (cerca de 1.400 hectares). Na década de 80, essas terras foram disputadas entre os fazendeiros e o INCRA.

Em junho de 1997 os trabalhadores sem terra ocuparam e constituíram acampamento nas terras griladas pela Fazenda Sobara (gleba sul). Seis meses depois, transferiram-se para o outro lado do Canal do Rio São João, na margem esquerda (dezembro de 1997) e estabeleceram o acampamento no chamado Brejão (gleba norte) que vinha sendo grilado pela Fazenda Arizona. Ali denominaram Acampamento Sebastião Lan 2, que passou a se confrontar com a Fazenda Arizona.

Figura 1
Disputas fundiárias à junsante do Rio São João.
Figure 1
Conflicted areas at downstream of São João River Valley.

O brejão correspondia à área em litígio possessório entre INCRA e o proprietário da Fazenda Arizona, na qual foi realizada a drenagem das terras que permitiram as condições de mecanização para atividades agropecuárias (principalmente rizicultura) por meio de contratos de arrendamento (Binsztok, 1993BINSZTOK, J. Capitalismo autoritário e a questão ambiental no espaço agrícola do Estado do Rio de Janeiro: Vale do São João. 111 p. Tese (Titular em Geografia) - Instituto de Geociências, UFF, Niterói, 1993.).

As terras ocupadas em ambas as margens do canal do Rio São João correspondiam a terras públicas do INCRA em litígio desde a década de 1980, com os fazendeiros. Com a ocupação das terras pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi acabando o uso das terras pelos fazendeiros e as famílias se instalando em suas atividades de moradia e plantio. Assim, as terras do INCRA remanescentes da criação da Reserva Biológica Poço das Antas, ao final da década 1990, foram demandadas para criação de assentamentos rurais.

As famílias no acampamento, estabeleceram-se em lotes por organização própria, utilizando-se como divisas, os canais construídos pelo DNOS. Produzem utilizando como base, a criação de pequenos animais e uma agricultura diversificada (aipim, banana, mamão, abóbora, quiabo, pimenta, maxixe, feijão, milho, inhame, guandu, cana de açúcar, amendoim, plantas medicinais). Algumas famílias criam galinhas, porcos, algumas vacas e há também produção de mel. O aipim era uma lavoura principal para todas as famílias (MST, 2001MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Histórico do Acampamento Sebastião Lan. Mimeo. Rio de Janeiro: MST, 2001, 9 p; EMATER, 2002EMATER. Regularização: o sonho que ainda não veio. EMATER-RIO em revista, Niterói, RJ, Ano VI (24), p.24-25, 2002.). O Acampamento Sebastião Lan vem resistindo por vários anos desde 1997, aguardando a definição para assentamento definitivo nas terras do INCRA. Os trabalhadores rurais realizam em 21 de junho, festa comemorativa da ocupação das terras, sendo nesta data, comemorado o aniversário do acampamento.

O Litígio Ambiental

Nas terras do acampamento configurou-se um litígio ambiental conduzido na forma de ações civis públicas propostas contra o INCRA, pela AMIRIO - Associação dos Amigos do Rio São João e Ministério Público Federal em 1998, que passaram a impedir uma ação imediata do INCRA. A ação civil pública movida pelo Ministério Público em 1998 trouxe denúncias de ameaça dos assentamentos de reforma agrária para a Reserva Biológica. A ação civil pública demandava a não concretização de assentamento na área do entorno da Reserva Biológica, com base em denúncias do IBAMA/Reserva Biológica Poço das Antas (REBIO) e da Associação Mico Leão Dourado. O INCRA passou à condição de réu.

O IBAMA/Reserva Biológica Poço dasAntas entendeu que o assentamento poderia configurar como um dano ambiental, de proporções irreversíveis e de prejuízos irreparáveis ao patrimônio ambiental. Pressupunha que havia a possibilidade de utilização intensiva e maciça da terra e assim, impedir o assentamento foi uma ação preventiva a fim de evitar provável degradação ambiental. Essa concepção coloca a presença humana na área como ação antrópica, visto que a concepção de natureza se remete a uma natureza virgem, intocada, conforme descrita por Diegues (1996)DIEGUES, A. C. O mito da natureza intocada. São Paulo: Ed. Hucitec, 1996, 169 p.. Qualquer ato humano ou relação configuram necessariamente uma degradação ambiental. Em função de se considerar o ecossistema frágil, a denúncia ambiental pode ser realizada sob a possibilidade de uma ameaça, visto que não é necessário comprovar os danos ambientais previamente para então se chegar à formalização da denúncia.

Em 1999, o Assentamento Sebastião Lan foi criado para 33 famílias (Peixoto, 2001PEIXOTO, M. (Org). Plano de desenvolvimento sustentável do Assentamento Sebastião Lan I. Seropédica: FAPUR/UFRRJ, 2001, 51 p.) em terras acusadas de grilagem da Fazenda Sobara. O fazendeiro não recorreu à Justiça, terminou em reintegração de posse ao INCRA e na criação do projeto de Assentamento para parte das famílias acampadas. A área do Assentamento Sebastião Lan, apesar de estar no entorno da REBIO Poço das Antas, está do outro lado do Rio São João, e não se confronta diretamente com a Reserva. Foi relatado que existia por parte da REBIO a intenção de negociação, tendo sido criado o assentamento, de forma que as outras famílias acampadas fossem transferidas:

“Acho também que eles queriam fazer meio uma negociação com nós ali, a gente faz esse assentamento aqui e tal, e vocês vão pra outra área. Houve e há ainda, todo esse processo de resistência então. Eles, os órgãos públicos, os órgão ambientais, o INCRA, tem que ser incluído nisso porque há uma inoperância total no sentido de resolver o caso e tal. O IBAMA, a própria Associação do Mico Leão Dourado, eles não têm a mínima vontade de fazer o assentamento e não querem que saia o assentamento. É sempre a contradição dos projetos ali. Eles não querem e nós queremos. (...) Mas nós sempre deixamos claro que a gente queria a área toda” (Entrevistada, 2005).

O INCRA tinha a posse das terras desde 1977, teve as terras invadidas por décadas. A reintegração da posse das terras ocorreu somente ao final da década de 1990 após a ocupação de terras pelo movimento social. Parte foi destinada para o Assentamento Sebastião Lan nas terras griladas pela Fazenda Sobara. Outra parte junto à barragem, o INCRA não assumiu a reintegração de posse e não destinou para assentamento de famílias.

Muitas famílias após a criação do Assentamento Sebastião Lan continuaram acampadas e constituíram o Acampamento Sebastião Lan 2, demandando assentamento para cerca de 82 famílias na gleba norte (brejão). As famílias estão acampadas por onze anos (1997-2008), encontram-se cadastradas pelo INCRA e mais recentemente (a partir de 2002), receberam a denominação de pré-assentamento.

A disputa de projetos

Os trabalhadores rurais sem terra estão na disputa pela apropriação das terras nas quais a tensão social permanece. Uso para agricultura? Porém, para qual projeto de agricultura? Ou uso ambiental? Mas para qual projeto ambiental?

O projeto do movimento social, que tem como referência a construção de um projeto alternativo ao histórico uso da terra na região, almeja um projeto sob a referência sócio-ambiental. Conforme verificamos na fala seguinte, o MST sinaliza para uma proposta que considere as possibilidades e as potencialidades da relação ser humano e natureza:

“Acho que ali o que mais influenciou para não sair Lan 2 foi a história do mico-leão, da reserva, por conta das dificuldades que nós temos aí de relacionamento com os órgãos ambientais, por conta dessa discussão. Nós achamos que é possível fazer, construir uma comunidade com os homens e os animais. Eles acham que não é possível, tem que garantir lá naquele lugar só os animais, só o mico-leão-dourado. Então acho que essa foi uma das coisas. E além do mico, tem toda a reserva lá, toda a questão dos animais nativos. Outro dia estávamos lá e ficamos por meia hora esperando uma preguiça atravessar a estrada. A coisa mais linda do mundo, quase ao lado do rio, perto da casa da D. fulana, perto do rio Aldeia Velha.” (Entrevistada, 2005).

Está em tela, a proposta de um projeto ambiental preservacionista dos atores governamentais e não governamentais da região, que considera a recuperação ambiental por meio de reflorestamento da área, no qual se retiram as pessoas do local até recuperar a mata em um estágio próximo à mata nativa “virgem”. Essa, então, passa a ser considerada protegida, conforme nos coloca integrante da Associação Mico Leão Dourado, que reafirma o interesse das terras do Acampamento para a Reserva Biológica Poço das Antas. Sugerem a transferência das famílias para terras de fazenda a ser ainda desapropriada, e daí, as famílias se vinculariam ao projeto preservacionista:

“(...) Então a idéia é deslocar estas famílias, inserir essa área que é do INCRA, que é objeto de litígio entre o INCRA e o proprietário da Arizona, mas já é causa ganha para o INCRA que vai ser reintegrado na posse com toda certeza, não é, fulano? [Dirigiu-se ao funcionário do INCRA.] É só uma questão de tempo... é então repassar essas famílias para cá, anexar esta área à Reserva Biológica de Poço das Antas e incluíla no projeto de carbono, o que daria mais ou menos 1.000 a 1.300 hectares de reflorestamento” (AMLD, 2002AMLD - ASSOCIAÇÃO MICO LEÃO DOURADO. Relatório de Workshop “Projetos de Investimento em Seqüestro de Carbono”, Silva Jardim, RJ, 2002.).

O IBAMA/REBIO Poço das Antas, entende que o assentamento pode configurar um dano ambiental e pressupõe a utilização intensiva da terra. Concebem o impedimento do assentamento como uma ação preventiva na defesa de um meio ambiente equilibrado, conforme expresso na constituição de 1988.

A necessidade de cerca de 50 ha para cada família de mico-leão-dourado, espécie central da política da Reserva é outro ponto chave que leva à indicação da expansão da área da Reserva para abrigar novas famílias do primata. Nesta visão, não se considera a possibilidade dos animais conviverem com as áreas habitadas pelo homem, entendendo que os animais precisam na sua totalidade estar abrigados na Reserva cercada, em um total de mata que soma 25.000 ha. No entanto, os animais vão onde o habitat está, e este pode existir onde o homem está. É preciso considerar que existem áreas dos assentamentos com habitats para os micos, não existem somente ameaças. Colocam necessariamente, a competição entre a espécie humana e a espécie de primata ameaçada de extinção, sendo a presença humana, sob esta lógica, um eterno risco ambiental que coloca em ameaça o habitat e a vida do mico.

O projeto ambiental preservacionista tem avançado na região do Vale do São João e muitas unidades de conservação foram criadas: a Reserva Biológica União com 3.126 hectares (em abril/1998); a APA Bacia do Rio São João/ Mico-Leao-Dourado (em junho/2002) que abrange dos municípios de Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu até Barra de São João (7 municípios); e muitas Reservas Particulares do Patrimônio Natural nas fazendas da região, num total crescente totalizando 3.026,37 hectares no ano de 2000 (em 1991 eram 63,70 hectares sob a forma de RPPN).

A disputa de terras por projetos tem sido acirrada e ainda está longe de surgir um diálogo mais efetivo e a construção de um projeto ambiental socialmente referenciado, que não seja um impedimento para a reforma agrária. Um projeto que dialogue com a realidade das famílias de agricultores, que tenha a perspectiva sócioambiental, permita o acesso a terra e o uso ecológico diversificado, vai acabar não acontecendo. A função social da terra está sendo questionada nas terras públicas no Vale do São João (Pereira, 2005PEREIRA, M. C. de B. Reforma Agrária e Meio Ambiente: interfaces da função social e ambiental da terra. GEOgraphia, Niterói, RJ: Universidade Federal Fluminense, ano VII, n.14, p. 93-111, dezembro 2005.).

Impasses no estado: conflitos entre IBAMA e INCRA.

As disputas estão se dando no âmbito da legislação, nas leituras das leis, nos acordos sob intenso debate e negociação. Todavia, na realidade da vida das pessoas na terra, nas condições ecológicas do ambiente, a complexidade se explicita, sobretudo, as tensões e os conflitos ocorrem para além dos impasses colocados pela lei.

A visão do INCRA vem cada vez mais trazendo a implementação de uma reforma agrária que considere a questão ambiental, conforme evidenciam as preocupações dirigidas na publicação do plano de gestão ambiental dos assentamentos rurais (MDA, 2002). A visão do Superintendente do INCRA-RJ em 2005 sublinha a importância deste diálogo:

“A gente entende que tenham restrições ambientais, mas também o IBAMA teria que entender que o povo luta pela terra, luta pela vida, pela vida deles. Faz parte do convívio considerar que áreas preservadas maiores se encontrem em áreas de assentamentos. É uma questão educacional a ser trabalhada”. (Entrevistado, 2005).

Configurou-se um impasse jurídico de caráter ambiental nas terras de reforma agrária. No ano de 2002, por iniciativa do INCRA, frente às atitudes do IBAMA de confronto com o órgão, é assinada uma Cooperação Técnica entre INCRA e IBAMA chamada de “Cooperação Técnica para a Convivência Harmoniosa de Assentamentos Rurais no Entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas” (UFF, 2002UFF/UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRUPO DE TRABALHO ECOSOCIAL. Laudo multidisciplinar e termo de cooperação técnica para a convivência harmoniosa de assentamentos rurais no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas. INCRA-MDA/IBAMA-MMA, 2002, 71 p.). Na intenção de resolver os conflitos no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas, o INCRA-RJ se empenhou para criar um mecanismo que possibilitasse a Superintendência do Rio de Janeiro ter autonomia para realizar as ações e tomar decisões no próprio estado, evitando-se decisões sem o conhecimento da Superintendência-RJ. A Cooperação Técnica foi uma estratégia de se construir conjuntamente um plano a partir de uma iniciativa do INCRA em função de uma presença cada vez mais forte do IBAMA nas decisões quanto ao uso da terra na região.

Conforme protocolo de intenções, objetivava a Cooperação, encaminhar soluções de forma a possibilitar a convivência positiva dos assentamentos com a unidade de conservação, bem como especificamente do Acampamento Sebastião Lan 2. A negociação se deu muito em função dos impasses causados pela ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (1998)MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro. Ação Civil Pública no 98.0010661-8. Rio de Janeiro: Justiça Federal, Comarca Itaboraí, 1998. contra o INCRA.

No âmbito da Cooperação Técnica, por meio de contato mais direto com a Justiça e de fornecimento de mapas (Pereira, 2006PEREIRA, M. C. de B. Mediação de conflitos agrários e ambientais: um estudo sobre o Vale do Rio São João no estado do Rio de Janeiro. 270 p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Instituto de Ciências Humanas Sociais, CPDA, UFRRJ, Rio de Janeiro, 2006.) e de informações aos processos jurídicos, resultou para o INCRA-RJ o encaminhamento positivo para a reintegração definitiva da posse das terras do Brejão. Todavia, as famílias que se encontram até hoje na área como parte do Acampamento Sebastião Lan 2 não podem até o momento se tornar oficialmente assentadas, em virtude das ações civis públicas e da exigência da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O INCRA, enquanto réu, precisará assumir compromissos ambientais e cumprir a legislação ambiental para a criação definitiva do assentamento referenciado em parâmetros ambientais definidos no acordo.

Ao final da década de 1990, demandas sociais e ambientais para as terras do Vale do Rio São João se chocaram. Tensionamentos foram ocorrendo e acirraram as disputas pelas terras. A partir da década de 1990, conjugado ao reconhecimento social da questão ambiental, o entorno da Reserva foi ganhando regramento progressivo o que levou à intensificação das disputas que passaram a ocorrer cada vez mais no âmbito da lei. Embates entre INCRA e IBAMA vão ocorrer no campo jurídico. O INCRA tornou-se réu de ação pública, bem como se tornou exigência o licenciamento ambiental dos assentamentos.

No início dos anos 1990, o ecossistema da Mata Atlântica foi considerado em situação crítica, bastante reduzido em sua extensão conforme chama a atenção, Dean (1998)DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Cia das Letras, 1998, 484 p.. O pouco conhecimento das espécies da Mata Atlântica é ressaltado, bem como o seu estado de degradação. Toda área de mata no Domínio da Mata Atlântica foi se tornando alvo de normas ambientais como parte da proteção ambiental do que ainda existe do ecossistema e da rica e em certa medida, desconhecida biodiversidade. O Decreto Mata Atlântica de 1993 (750/93), colocou boa parte da mata sob estrita proteção ao considerar área em estágio avançado de sucessão ecológica proibida de manejo ou de corte. A Mata Atlântica de baixada, especificamente, correspondia à área de vida do mico-leão-dourado, que atualmente se encontra restrita a alguns poucos lugares, por conseguinte, encontra-se regulada com uso restrito na maioria das áreas.

As proximidades da Reserva Biológica, considerada Mata Atlântica, a partir da década de 1990, tornaram-se alvo de novas medidas de preservação. A mata cercada mostrou-se limitada em seu projeto ecológico conservacionista, uma ilha de mata protegida, de forma que as políticas de unidades de conservação se voltaram para as áreas do entorno na gestão das unidades. Neste contexto, ocorreram as denúncias de possíveis impactos para a Reserva Biológica e para o ecossistema da Mata Atlântica a partir dos usos da terra para assentamentos rurais no seu entorno. As denúncias resultaram na estratégia jurídica de se mover ação civil pública contra a implantação de assentamentos rurais, e assim, ocorreu o embate direto contra a reforma agrária no entorno da reserva. Configurou-se o conflito entre IBAMA e INCRA: o IBAMA questionou a prática do INCRA e deslegitimou as ações e o projeto de reforma agrária.

Mediação e Mecanismos de Resolução de Conflitos

O discurso instituído vem se consagrando como o eixo da linguagem e dos mecanismos de relações sociais, o que criou formas mais complexas que se cristalizam em formas de dominação e de submissão, nos quais os homens e mulheres vão se relacionando por meio da mediação de discursos competentes. A ideologia contemporânea cientificista valoriza o discurso autorizado acima de todos os outros e vem se impondo como o discurso verdadeiro, como bem analisa Chauí (1990)CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Ed. Cortez, 1989, 309p.. O discurso competente é autorizado porque perdeu laços com o lugar e com o tempo de sua origem. Lefort (1977) apud Chauí (1990)CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Ed. Cortez, 1989, 309p. analisa a situação complexa dos discursos competentes:

“O homem passa a relacionar-se com seu trabalho pela mediação do discurso da tecnologia, com o desejo pela mediação do discurso da sexologia, com a alimentação pelo discurso da dietética, com a criança pelo discurso pedagógico, com natureza pelo discurso ecológico, com os demais homens pelo discurso da psicologia ou da sociologia” (Lefort, 1977 apud Chauí, 1990CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Ed. Cortez, 1989, 309p.:12).

Os mecanismos de resolução de conflitos entre INCRA e IBAMA passaram a contar com a solução por meio do discurso competente instituído, através de decisões judiciais mediadas pelo Ministério Público, onde a partir do Direito e da Ciência se chegará a um termo final. Para as famílias na terra suas vidas estarão necessariamente reguladas por parâmetros definidos no acordo judicial, aonde o tempo da lei não é o mesmo do tempo da vida.

A disputa de projetos se acirrou, o INCRA teve sua ação congelada ao ter sido colocado no banco dos réus. A partir daí o projeto de reforma agrária passou a estar conjugado com os parâmetros da lei de visão preservacionista, distante da possibilidade de um diálogo mais aprofundado entre o movimento social de luta pela terra e o ambientalismo referenciado na proteção animal.

Para as áreas disputadas no entorno da Reserva Biológica, o IBAMA e o INCRA tem considerado a Resolução CONAMA no 289/2001 (MMA, 2001MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA 289 de 25 de outubro de 2001 - licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária. Brasília: MMA/CONAMA, 2001, 16 p.), de licenciamento ambiental para assentamentos rurais, como diretriz para o processo de implementação dos assentamentos. Torna-se mais demorada a definição do assentamento para as famílias acampadas, visto que o licenciamento ambiental precede a implantação do assentamento. A Resolução CONAMA no 289/2001 tem sido alvo de debate e de questionamentos. Levantase o equívoco de se considerar o assentamento um empreendimento agropecuário que causa exploração ao meio ambiente, não se levando em conta a especificidade do projeto de assentamento no qual as famílias de agricultores desenvolveram uma agricultura diversificada e sua segurança alimentar. Para o MST algumas críticas foram suscitadas:

“Pouca participação dos movimentos sociais no debate e na definição da resolução; serve como instrumento de punição e retardamento no processo desapropriatório e de regulamentação do PA [projeto de assentamento]; entende o PA como empreendimento e não como interesse social e promoção de uma agricultura sustentável voltada para o abastecimento interno (soberania alimentar)” (MST, 2005MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Seminário Nacional sobre Licenciamento Ambiental de Assentamentos de Reforma Agrária, 19 a 23 de setembro de 2005. MST Comentários e Propostas. Rio de Janeiro: Setor de Produção e Meio Ambiente/ MST, 2005.).

O protocolo de “Cooperação Técnica para Convivência Harmoniosa de Assentamentos Rurais no Entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas” entre MDA/ INCRA e MMA/IBAMA (março a setembro de 2002INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMAAGRÁRIA.Processono54180.000216/2002-01 INCRA SR (07) - Proposta de Desafetação e Compensação de Reserva legal, Comunidade Olhos D’água, Silva Jardim. Rio de Janeiro: INCRA-RJ, 2002.), trouxe como objetivos “o desenvolvimento de ações para a convivência harmoniosa de assentamentos de reforma agrária e a conservação do ecossistema da REBIO de Poço das Antas e seu entorno”. O técnico do INCRA, que esteve à frente deste processo, ressaltou que:

“A REBIO/IBAMA desconsidera o conflito fundiário, e também não entra na questão da situação do Assentamento Aldeia Velha, se houve prejuízo para os trabalhadores. Simplesmente fechaaqui, ninguémtoca. Esemprequerendomais terra, em nenhum momento se referem à demanda de terra por trabalhadores” (INCRA, 2002INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMAAGRÁRIA.Processono54180.000216/2002-01 INCRA SR (07) - Proposta de Desafetação e Compensação de Reserva legal, Comunidade Olhos D’água, Silva Jardim. Rio de Janeiro: INCRA-RJ, 2002.).

Foi sinalizada a existência de conflitos antigos que não são reconhecidos pelo IBAMA desde o processo de criação do Assentamento Aldeia Velha - planejado para famílias retiradas da área transformada em Reserva Biológica Poço das Antas. Concretamente, o INCRA esteve muito aquém do resultado satisfatório de atender às famílias desalojadas, bem como às demandas por terra de muitas famílias que não foram assentadas.

As reuniões da Cooperação Técnica INCRAIBAMA/2002 foram realizadas tendo como referência o diálogo, o que permitiu levantar as diversas perspectivas, as ações e as propostas das instituições e das organizações envolvidas, em conjunto com o grupo de trabalho diversificado constituído para fins da Cooperação. Sobretudo, proporcionou um ambiente de debate. Foi possível levantar as leituras e as concepções dos vários conflitos, bem como desenhar possibilidades para alguns impasses das relações em torno dos assentamentos e da preservação ambiental da Reserva Biológica (UFF, 2002UFF/UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRUPO DE TRABALHO ECOSOCIAL. Laudo multidisciplinar e termo de cooperação técnica para a convivência harmoniosa de assentamentos rurais no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas. INCRA-MDA/IBAMA-MMA, 2002, 71 p.).

A Cooperação Técnica foi coordenada pela UFF, pelo Grupo de Trabalho Ecosocia (UFF, 2002UFF/UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRUPO DE TRABALHO ECOSOCIAL. Laudo multidisciplinar e termo de cooperação técnica para a convivência harmoniosa de assentamentos rurais no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas. INCRA-MDA/IBAMA-MMA, 2002, 71 p.) que além desta função, foi constituído pela UFF para realizar um laudo multidisciplinar da relação entre os assentamentos rurais e a Reserva Biológica. Ao final na última Reunião Oficial da Cooperação Técnica (17 de setembro de 2002/ Faculdade de Direito/UFF) o “Laudo Multidisciplinar e Termo de Cooperação Técnica para a Convivência Harmoniosa de Assentamentos Rurais no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas” foi apresentado como proposta para referenciar as ações após a realização da Cooperação Técnica (UFF, 2002UFF/UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRUPO DE TRABALHO ECOSOCIAL. Laudo multidisciplinar e termo de cooperação técnica para a convivência harmoniosa de assentamentos rurais no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas. INCRA-MDA/IBAMA-MMA, 2002, 71 p.; Madeira et al, 2007MADEIRA, W., PEREIRA, M. C. de B., PRATA FILHO, D., RIBEIRO, A. M. (coordenadores). Laudo Multidisciplinar em Conflito Sócio-Ambiental - o caso da reforma agrária no entorno da Reserva Biológica de Poço das Antas. Niterói, RJ: Universidade Federal Fluminense, Ed. PPGSD, 2007.). O referido documento foi utilizado como base para a realização de proposta de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público e o INCRA, permitindo ir além, enquanto um laudo multidisciplinar, da visão única de perito contratado para um parecer final.

As análises e as conclusões do trabalho do Laudo Multidisciplinar foram aceitas como indicativo da convivência possível entre assentamentos de reforma agrária e a Reserva Biológica Poço das Antas. Foi encaminhada proposta para os conflitos que necessitavam de definições imediatas para as famílias que aguardavam na terra - o caso do Acampamento Sebastião Lan. Foi encaminhada uma proposta de termo de ajustamento de conduta (TAC) em que se propõe o modelo do assentamento com base em parâmetros ambientais e medidas para que o INCRA responda às exigências do IBAMA. Assim, foi decidido pela permanência das famílias na terra e não pela transferência.

O TAC proposto para a situação apresentada no Rio de Janeiro, veio como uma primeira proposta para conjugar assentamento de reforma agrária e reserva biológica. No ano subseqüente, foi assinado um TAC Nacional em 17 de outubro de 2003 perante o MDA, MMA, INCRA, IBAMA, referente à execução das regras e de princípios para o licenciamento ambiental de reforma agrária promovidos pelo INCRA. O TAC entre o INCRA-RJ e Ministério Público passou por várias versões desde a primeira proposta em 2002, bem como por vários Superintendentes Regionais do INCRA-RJ. O TAC foi assinado anos depois, no dia 23 de maio de 2005, na qual o superintendente sinalizou para o interesse de ampliar o diálogo entre INCRA e IBAMA.

Quadro 1
Conflitos no Vale do São João no entorno da REBIO Poço das Antas.
Table 1
Conflicts in São João Valley in the surrounding of Biological Reserve of Poço das Antas.

As disputas continuaram, apesar do TAC ter sido assinado com a presença do INCRA e IBAMA, tendo significado um acordo que passava a regular as ações do INCRA a partir de parâmetros ambientais. Foi veiculada notícia no jornal “O Globo” em agosto de 2005, meses após o TAC ter sido assinado, informando que não poderia haver assentamento de reforma agrária no entorno da Reserva Poço das Antas, ou seja, a notícia foi publicada com teor contrário ao acordo assinado.

O problema histórico dos conflitos por terra e os mecanismos de intervenção do Estado são parte de um complexo processo. A criação de assentamentos rurais na região do Vale do Rio São João levou a conflitos entre o INCRA e o IBAMA, entre IBDF e o DNOS, entre Estado e movimentos sociais, mostrando as faces das políticas que no confronto com a realidade não conseguem dialogar, fazendo emergir inúmeras disputas em torno das concepções de meio ambiente e de agricultura, bem como de execução das políticas públicas.

É na interface do agrário e do ambiental que os conflitos se expressam, onde percebemos a legislação ambiental como proposta para mediar e regulamentar os usos da terra e limitar a pressão social, manter sob controle do Estado no âmbito dos direitos da lei. É o caso da Resolução número 289 MMA/CONAMA (2001)MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA 289 de 25 de outubro de 2001 - licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária. Brasília: MMA/CONAMA, 2001, 16 p. que estabelece diretrizes para o licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária, como uma resposta aos conflitos entre o agrário e o ambiental. No entanto, o direito a terra, à alimentação, à sobrevivência, à justiça social são protelados por uma regulamentação que acaba por manter e acirrar o conflito social. Restringem-se direitos e limita a demanda social da realização da reforma agrária em terra pública (do INCRA), cuja função social não vem sendo cumprida.

Na região do Vale do Rio São João, os conflitos estão sendo mediados através de mecanismos legais que propõem regulações dos conflitos como soluções possíveis. Na prática a complexidade é bem maior, as soluções nem sempre funcionam e até mesmo, podem ser responsáveis por trazer novos conflitos, ou mesmo, reestruturar e dar outra forma aos conflitos.

Discussão

Os conflitos a partir da década de 1990 no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas se constituíram, preponderantemente, por meio de embates entre Estado e trabalhadores rurais sem terra. Em período anterior, na década de 1980, as disputas fundiárias entre Estado e fazendeiros levaram ao questionamento da propriedade privada das terras, o que acabou por se desdobrar em uma abertura na região, antes fechada e marcada pelo arcaísmo dos latifúndios. Na década de 70 foram os grandes fazendeiros os beneficiários das políticas estatais agrícolas. O processo histórico dos conflitos está sistematizado no quadro 1 a seguir.

Primeiramente, com a ocupação das terras pelo movimento social em 1997, os maiores conflitos aconteceram entre fazendeiros e trabalhadores rurais e militantes acampados do MST. A partir de 1998 o IBAMA passou a disputar as terras judicialmente através de denúncias contra o INCRA. A região passou a ter conflitos de natureza ambiental. Litígios ambientais foram conduzidos na forma de ação civil pública propostas contra o INCRA como prevenção de impactos à Reserva Biológica.

Com a norma de licenciamento ambiental para assentamentos estabeleceu-se um impasse para a concretização de assentamentos rurais no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas e, mais diretamente, para o Acampamento Sebastião Lan 2. Grande parte dos empreendimentos agropecuários no entorno da Reserva Biológica não passaram por processos de licenciamento, esses tampouco são exigidos atualmente, apesar dos fazendeiros fazerem uso de desmatamento, de queimadas, de venenos e uso de pastagem exótica sob monoculturas (Pereira, 2006PEREIRA, M. C. de B. Mediação de conflitos agrários e ambientais: um estudo sobre o Vale do Rio São João no estado do Rio de Janeiro. 270 p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Instituto de Ciências Humanas Sociais, CPDA, UFRRJ, Rio de Janeiro, 2006.). A Resolução CONAMA 289 desconsidera a possibilidade de convivência entre agricultura e conservação. Apesar de mencionar “que a reforma agrária é uma intervenção apta a corrigir o uso irregular da terra” (MMA, 2001MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA 289 de 25 de outubro de 2001 - licenciamento ambiental de projetos de assentamentos de reforma agrária. Brasília: MMA/CONAMA, 2001, 16 p.), os procedimentos legais tornam o processo moroso, acabando por desqualificar a reforma agrária.

A viabilidade ambiental do assentamento é reduzida a um conjunto de fatores técnicos a serem preenchidos. Aqui se faz uso da cientificidade dos levantamentos como um fator “a priori” para legitimar o resultado, quando desconsidera uma série de outras abordagens mais integradas que possam qualificar melhor os caminhos de uma conservação ambiental, bem como dos modelos sustentáveis de assentamentos rurais (Silva & Cavallini, 2002SILVA, C. E. & CAVALLINI, M. Relatório complementar sobre viabilidade ambiental da Fazenda Sacramento visando criação de um projeto de assentamento, INCRA/ MG, julho, 2002, 12 p.; Silva, 2003SILVA, C. E. M. Assentamentos e outras formas de apropriação da terra e agroecologia. ANAIS ENCONTRO NACIONAL DE AGROECOLOGIA Rio de Janeiro: ASPTA, 92-94, 2003.).

Santos (1997)SANTOS, B. Pela mão de Alice - o social e o político na pós-modernidade. 3a ed. São Paulo: Ed. Cortez, 1997, 348 p., ao abordar o histórico das idéias no direito, mostra que esse pode ser considerado para além do direito enquanto resolução harmoniosa dos conflitos e realização do bem comum. O direito vem sendo usado como um mecanismo de dominação, desconsiderando o interesse coletivo e o bem comum conforme ressalta Santos (1997)SANTOS, B. Pela mão de Alice - o social e o político na pós-modernidade. 3a ed. São Paulo: Ed. Cortez, 1997, 348 p. ao sinalizar que pode o direito operar de forma que os interesses particulares se transformem em interesse coletivo universal.

As possíveis ameaças listadas pelo IBAMA, decorrentes de atividades agrícolas dos assentamentos, tais como, incêndios, caças, captura de animais, atividades passadas de obras do DNOS, desmatamento, extrativismo vegetal, não são decorrentes apenas de assentamentos. Cabe sinalizar que muitas dessas ameaças vêm também das fazendas que lidam com o fogo para reformar pastagem conforme funcionário do IBAMA/ REBIO retratou:

“O entorno nosso, p.ex., desmatamento, nós conseguimos brecar. O que nós não conseguimos ainda foi fogo! Fogo em pasto! Esse que é o grande problema nosso ainda do entorno” (Entrevistado, 2002).

Os acampados têm uma percepção da legislação ambiental como uma barreira para o processo deles se consolidarem enquanto assentamento. Salientam o processo excludente em que as leis são conduzidas, visto que IBAMA e INCRA não os incluem como parte do processo. É o caso dos trâmites do Termo de Ajustamento de Conduta em que o Ministério Público denunciou o INCRA, advertindo para os riscos de um assentamento ao lado da Reserva.

Reconhecem os acampados, muitas vezes, a necessidade deles realizarem ações que são de responsabilidade do Estado e, portanto, identificam uma ausência do Estado na área do acampamento, ou ainda, uma presença intermitente e descontínua. As ações dos órgãos estatais se dão a reboque de suas reivindicações. Concretamente, os técnicos das instituições não aparecem no local, o INCRA é a presença mais reivindicada, visto serem as terras já pertencentes ao órgão, que diretamente executa e tem as informações quanto ao andamento da criação do projeto de assentamento.

Em relação à Cooperação Técnica realizada, os acampados de Sebastião Lan 2 manifestaram a insatisfação em relação aos encaminhamentos e às decisões, as quais são assumidas somente pelo INCRA e o Ministério Público. Reivindicam ter voz junto ao processo judicial em curso referente às ações civis públicas. Segundo documento dos acampados:

“Nós não somos parte nos processos, por isso não podemos levar nossas ações, o que seria talvez a única chance de ganhar, uma vez que o INCRA não demonstra interesse e capacidade. Para isso precisamos dos dados do maior número de acampados para fazermos as procurações e começar os contatos com essas autoridades, levar vídeo feito no local, fotos, perícia favorável, enfim, todas as provas que pudermos apresentar” (MST, 2001MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Histórico do Acampamento Sebastião Lan. Mimeo. Rio de Janeiro: MST, 2001, 9 p: 04-05).

O processo de mediação no campo jurídico retira a voz do que demanda os seus direitos e reduz a um justiciável. Leva a um silenciamento, mesmo que haja tensões, insatisfações, concepções distintas entre os diferentes atores sociais, o campo jurídico não consegue ressoar como auto-falante. Por este canal não se permite a expressão da diversidade de demandas sociais. Conforme Bourdieu (1998)BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed Bertrand Brasil, 1998, 2a ed. 311 p., o campo jurídico leva a um monopólio dos profissionais, não podendo aqueles gerir eles próprios o seu conflito.

A constituição do TAC invisibilizou ainda mais os trabalhadores sem terra. Acampados, ora são considerados como do município de Casimiro de Abreu, ora como de Silva Jardim, sem direitos e ainda submetendo-se a um processo judicial cujo réu é o INCRA. Portanto, a disputa judicial acabou por distanciar os protagonistas da luta pela terra dos mecanismos diretos de resolução do conflito.

A Cooperação Técnica foi uma estratégia de se construir conjuntamente um plano a partir de uma iniciativa do INCRA em função de uma presença cada vez mais forte do IBAMA nas decisões quanto ao uso da terra na região.

O processo de mediação entre instituições, entidades e agricultores é um processo dinâmico, no qual ocorre intensa troca e aprendizagem, e que é construído com base nas próprias diferenças existentes entre os grupos sociais envolvidos. Neves (1998)NEVES, D. O desenvolvimento de uma outra agricultura: o papel dos mediadores sociais. In: FERREIRA, A.D.D. et alli. (Orgs). Para pensar outra agricultura. Paraná: Ed. UFPR, 1998, p 147-168. aborda a mediação e chama a atenção para a análise da intervenção social a partir de técnicos vinculados ao Estado ou a organizações nãogovernamentais e para a necessidade de se desreificar as instituições que concorrem para a definição de políticas sociais. Os mediadores não atuam simplesmente como o elo de união de mundos diferenciados e deles distanciados como tais, visto que eles próprios constroem as representações dos mundos sociais que pretendem interligar e o campo de relações que viabiliza esta interligação. Sobretudo, vão se ordenando múltiplos significados para viabilizar a mediação.

O conflito passa a ser regulado por quem conhece as leis, as que estão escritas, bem como as que não estão escritas, mas que fazem parte das disputas. Segundo Bourdieu (1998)BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed Bertrand Brasil, 1998, 2a ed. 311 p. o conflito entre partes interessadas se transforma em um debate jurídico regulado entre profissionais. Portanto, o conflito, ao se tornar um conflito no campo jurídico, acaba por ser redefinido.

A Cooperação Técnica INCRA/IBAMA realizada, através da coordenação do GT Ecossocial/UFF foi um mecanismo que permitiu a manifestação pública dos conflitos sociais, das disputas, de caminhos, propostas e soluções socialmente reconhecidas coletivamente no âmbito do grupo de trabalho criado. Desta forma, pôde dar possibilidades para viabilizar o Termo de Cooperação Técnica, bem como fornecer a base para se construir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Os trabalhadores rurais percebem ambigüidade na ação do INCRA. Esses aspectos vêm reforçando a resistência e a organização deles para permanência na terra, visto que episódios anteriores que envolveram promessas do órgão levaram à descrença e portanto, o projeto de permanecer nas terras do Brejão vem sendo assim reafirmado. Reconhecem que o que está impedindo a conclusão do processo do assentamento são as exigências ambientais por parte do IBAMA. Por outro lado, entendem que é possível juntar agricultura e floresta, e estranham a ação autoritária do IBAMA que não avalia o papel positivo que eles podem ter.

Há uma relação diária de acompanhamento e de contato com a terra, a mata, a água. Um diagnóstico das transformações do ambiente é feito na experiência do dia-a-dia dos agricultores e o reconhecimento desse conhecimento prático é ausente nas práticas dos órgãos, desconsiderando-se um potencial de contribuições e de impactos positivos da população junto ao ambiente e a Reserva Biológica. Os inúmeros problemas ambientais no município, como um todo, não são tratados de forma interligada e nem mesmo se dirige atenção para o conjunto dos problemas ambientais.

IBAMA e INCRA têm concepções diversas sobre meio ambiente, proteção ambiental, agricultura e reforma agrária. O órgão ambiental IBAMA tem uma prática de gestão que se reduz em grande parte a ações de fiscalização. A legislação de crime ambiental atua diretamente sobre o indivíduo, penalizando muito mais agricultores e indivíduos sem muitos recursos, do que grandes fazendeiros e empresários. Estes atuam num crime ambiental de escala ampliada, tais como grandes desmatamentos, uso de venenos em grande quantidade, comercialização de água e de areia; atividades para as quais a legislação pertinente, seja de impacto ambiental, de licenciamentos, exige ações mais demoradas, o que acaba por permitir que aqueles não recebam punições de forma direta e, assim, os reais responsáveis pelas alterações ambientais não sejam reconhecidos.

Quando nos referimos aos direitos ambientais, estes pressupõem um direito coletivo. É um dever público proporcionar um meio ambiente equilibrado para todos, porém a lei disponibiliza a princípio, direitos universais, mas na prática boa parcela da sociedade e as populações locais que vivem onde a lei incide não se beneficiam, bem como não tem como ter acesso ao direito “universal”. A lei acaba por causar a exclusão social e uma fragmentação do ambiental e do social, pois as dimensões do ecológico e do agrário não são integradas. Onde a lei incide na realidade social e espacial, impedimentos e limites se colocam para o acesso ao direito, sobretudo novos desafios e impasses se colocam para a sociedade.

Vem se constituindo um processo de juridificação do Estado, no qual é a palavra oficial que está em jogo, sendo a lei um instrumento central de garantia da ordem social. Santos (2005)SANTOS, B. A crítica da razão indolente - contra o desperdício da experiência. São Paulo: Ed. Cortez, 2005, 415 p. sinaliza que está em causa uma sobre-juridicização da vida social.

Quintans (2005)QUINTANS, M. T. D. A magistratura fluminense: seu olhar sobre as ocupações do MST. 214 p. Dissertação (Mestrado em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional) - PUC, Rio de Janeiro, 2005., ao analisar a magistratura e o MST no Rio de Janeiro, chama a atenção para situações recorrentes, nas quais o direito à vida e ao trabalho na terra confronta com o direito de propriedade e em sua análise prevalece na maioria das vezes o direito de propriedade. Mesmo existindo normas em que não se pode criminalizar o coletivo, visto que é preciso individualizar a denúncia, os processos foram sendo encaminhados, mesmo irregulares, com base em alguns parâmetros da lei. O acesso à terra não foi garantido a partir da ocupação coletiva em muitos dos casos, visto que não é interpretado como um ato de pressão social e sim como um crime individual, não havendo a conquista de direitos garantidos legalmente, tais como a função social da terra de trabalho.

Estão em questão as políticas públicas de âmbito agrário e ambiental no contato com a realidade junto aos diferentes sujeitos sociais, que são influenciadas pelas suas experiências presentes e pela compreensão com base nos conflitos que emergem das próprias relações, bem como pelos limites e as possibilidades de diálogo entre estes diferentes atores sociais e projetos políticos. Offe (1984)OFFE, C. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 1984, 386 p. assinala que a despolitização dos temas conflitivos e a radicalização da repressão política parecem constituir os dois extremos de um espectro de alternativas dentre as estratégias do Estado capitalista em sociedades industriais desenvolvidas.

A relação Sociedade-Estado ocorre sob tensão e em constante negociação, e cada vez mais vem se complexificando, com novas instâncias de negociação, de mediação, leis, bem como segmentos sociais que demandam uma identidade coletiva. Para os trabalhadores rurais é preciso constante mobilização social para fazer pressão sobre o Estado. Entretanto, o Estado apresenta-se plural e contraditório, visto que estão em jogo distintas esferas do Estado, com concepções e projetos distintos, que acabam por disputar, gerando conflitos.

Há uma grande inquietação de nossa parte no que diz respeito ao modelo adotado na política pública para as áreas protegidas. São áreas cada vez maiores com crescente necessidade de ampliação. Mesmo assim, ao que tudo indica, os impasses existentes na preservação continuarão e as soluções não se viabilizarão. Isso tensiona e fragiliza os embates entre reforma agrária e preservação. Os movimentos sociais têm contradições e impasses em seu projeto, mas ao incluir o ser humano como parte do ambiente, considera-se um ponto de partida e uma aposta em novo projeto social. Conforme sinaliza Martins (2003)MARTINS, J.de S. O sujeito oculto: ordem e transgressão na reforma agrária. Rio Grande do Sul: Ed. UFRGS, 2003, 238 p. em estudo comparativo de assentamentos rurais: “Estamos falando em populações que lutam por um projeto de vida e não de populações que apenas lutam por sobrevivência, como querem os que têm uma concepção pobre dos pobres”.

Os conflitos eram conduzidos e resolvidos por homens de experiência anteriormente, e com o tempo foram sendo resolvidos por homens de competência, assinala Bourdieu (1998)BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed Bertrand Brasil, 1998, 2a ed. 311 p.. O direito é a forma por excelência do poder simbólico de nomeação, que cria as coisas nomeadas e a estas realidades surgidas, confere a permanência.

Há um desejo de retorno para à terra em muitos dos acampados, quando se deparam com as suas condições de vida na cidade e os impasses para ali continuarem. Para muitos dos acampados, há uma vida melhor na terra ao se considerar algumas dimensões do cotidiano.

Aconteceram conquistas, a nova forma de viver e usar a terra como unidade de assentamento rural, beneficiou a conservação ambiental, bem como deu respostas a algumas necessidades imediatas das famílias de agricultores. Um desafio está apontado para o futuro, para os próximos passos da convivência, para a garantia do direito à vida que leve em conta aspectos subjetivos, bem como diferentes saberes, não facilmente abarcados pela regulação legal, e que fazem diferença na condução de um modo de vida sustentável ambientalmente.

Conclusão

A concepção ambiental em torno da ação do homem como fator externo ao ambiente e a natureza como intocada, imaculada, se revelou com força de lei, passando a conflitar com o direito ao trabalho na terra e o direito à vida, demandados por meio de ocupação coletiva das terras como pressão social. A concepção de meio ambiente vigente na constituição federal, afirma o meio ambiente como um direito de todos. A leitura da lei que está aqui se fazendo dominante garante determinado direito, excluindo outro. Associa direito coletivo à natureza sem gente e a ocupação de mais de 50 famílias de agricultores é invisibilizada, visto que no processo, o réu se tornou o próprio Estado (INCRA). Assim, o conflito foi ressignificado e transformou-se em embates entre instâncias estatais. Apesar das famílias se encontrarem na terra, acampadas há onze anos, elas não tem voz para participar do conflito. Ciência e Direito consagram a visão do Estado e a imposição da lei acontece em um contexto de flagrantes desigualdades sociais, bem como de ficção da eficácia da regulação legal. Registramos impasses, desafios e potencialidades para avançarmos na integração entre o agrário e o ambiental. Registramos impasses em torno dos mecanismos de democratização do acesso aos direitos e de resolução dos conflitos sociais. A complexidade do acesso aos direitos vai além do que está garantido na lei. O impasse jurídico aponta para uma sujeição do INCRA e a submissão da política agrária à política ambiental/ IBAMA. Apontamos para potencialidade de uma participação mais ampla dos sujeitos sociais nas várias instâncias de construção, de decisão e de implementação de políticas; para o estímulo a formas alternativas de direito (Santos, 2005SANTOS, B. A crítica da razão indolente - contra o desperdício da experiência. São Paulo: Ed. Cortez, 2005, 415 p.) e constituição de espaços públicos não estatais (Santos, 2005SANTOS, B. A crítica da razão indolente - contra o desperdício da experiência. São Paulo: Ed. Cortez, 2005, 415 p.; Silva, 2003SILVA, C. E. M. Assentamentos e outras formas de apropriação da terra e agroecologia. ANAIS ENCONTRO NACIONAL DE AGROECOLOGIA Rio de Janeiro: ASPTA, 92-94, 2003.). Sobretudo, para que não se reduza o direito a “singelos benefícios” no âmbito das políticas públicas, relegando os sujeitos a meros beneficiários, o meio ambiente a um substrato de políticas, e a agricultura a alguns poucos produtos a serem comercializados.

É importante outro modelo que integre a dimensão do ser humano e da natureza além do modelo de preservação ambiental e do modelo da agricultura estritamente produtiva (Pereira, 2007PEREIRA, M. C. de B. Agroecologia: unindo reforma agrária e conservação ambiental. Anais 5º CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROECOLOGIA, 2007, Guarapari/ES.). Para a integração das múltiplas dimensões destaca-se a possibilidade do modelo agroecológico partindo-se da seguinte concepção: ruptura do paradigma da fragmentação agricultura-meio ambiente para uma agricultura em bases ecológicas, conjugando-se uma conservação do ambiente que parta da prática de quem vive na terra, cujos valores e atitudes podem se modificar em conjunto com o processo da recuperação ambiental, tanto da agrobiodiversidade, quanto das condições ecológicas como um todo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2007

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2008
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