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Comentários sobre tratamento da doença coronária crônica

Comments on the treatment of coronary artery disease

EDITORIAL

Comentários sobre tratamento da doença coronária crônica

Comments on the treatment of coronary artery disease

Protásio Lemos da Luz

Divisão de Cardiologia Clínica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Protásio Lemos da Luz Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 1505 - Cerqueira César São Paulo, SP - CEP 05403-000 E-mail: daluzp@incor.usp.br

O emprego de angioplastia ou de cirurgia para o tratamento de lesões coronárias é motivo de controvérsias, apesar de inúmeros estudos que abordaram esse problema. Nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, Pimentel Filho et al.1 apresentam observações em 300 pacientes submetidos a angioplastia com stents farmacológicos (150 pacientes) ou cirurgia de revascularização (150 pacientes), para tratamento de lesões no terço inicial da artéria descendente anterior, em dois centros cardiológicos de São Paulo. Os pacientes foram reestudados angiograficamente, em média, dois anos após os procedimentos, para verificar a perviedade da artéria tratada ou dos enxertos. Os eventos clínicos considerados foram retorno da angina, novo procedimento de revascularização, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Mortalidade não foi incluída na análise. Os critérios de seleção, porém, não estão claros. Seria importante saber se os pacientes foram consecutivos ou não, e em que período foram tratados, porque mudanças técnicas poderiam ter ocorrido nos dois procedimentos nesse ínterim. A perviedade das artérias tratadas com stents ou anastomoses com artéria mamária foi de aproximadamente 98%, aos 12 meses de evolução, e de 90%, aos 32 meses, sem diferenças significativas entre os dois grupos; também não se observaram diferenças quanto aos eventos clínicos. A conclusão mais importante dos autores é que os dois procedimentos "apresentaram excelentes resultados, tanto na permeabilidade como na evolução clínica dos pacientes1".

O estudo é retrospectivo, não randômico. Alguns pontos merecem comentários específicos. Sendo estudo não randômico, de modo não surpreendente, os grupos apresentam diferenças significativas que podem ter impacto na evolução. Os pacientes tratados cirurgicamente tinham mais diabetes e comprometimento mais extenso dos vasos coronários, com maior número de triarteriais e menor de uniarteriais. A fração de ejeção, que é importante fator na evolução, não foi analisada. Conseqüentemente, foram realizadas, em média, 3,2 anastomoses/pacientes no grupo cirúrgico e colocados 2,6 stents/pacientes no grupo angioplastia, o que correspondeu a revascularização incompleta no último grupo (91% vs. 71%). A revascularização incompleta é reconhecida como um dos fatores que têm efeito negativo na evolução clínica. Esse achado tem sido constante em vários estudos. Os autores, com propriedade, reconhecem essas características. A ausência de menção sobre a mortalidade dificulta muito a interpretação dos dados, já que este é, no fundo, o índice mais importante; a exclusão de mortes num estudo que pretende avaliar a eficiência de procedimentos intervencionistas gera um viés de seleção praticamente insuplantável. Assim, não se pode, de fato, comparar esses dois tratamentos nessas circunstâncias, porque os grupos não são homogêneos. Vale, porém, como registro da eficiência dos procedimentos numa situação em que os médicos assistentes optaram pela forma de tratamento que lhes pareceu mais adequada. A importância da opinião médica abalizada foi recentemente demonstrada no estudo The Medicine, Angioplasty or Surgery Study (MASS)2, quando se observou que pacientes submetidos a angioplastia em virtude do processo de randomização, e que eram discordantes da opinião dos cardiologistas, tiveram evolução pior que quando os cardiologistas também concordavam com tal indicação.

Também sendo retrospectivo, o estudo não especifica quais foram os tratamentos usados após as intervenções, nem quais eram os níveis de lípides antes e depois dos procedimentos. Por exemplo, menciona-se que clopidogrel foi utilizado, em média, durante 4 meses, o que hoje se sabe é notoriamente inadequado. Mas não há menção sobre o uso de estatinas ou aspirina, que têm impacto considerável no curso clínico da aterosclerose.

Do mesmo modo, não se menciona a distribuição dos pacientes pelos centros participantes. Isso também deve ser levado em conta, visto que a experiência e a eficiência de quem pratica essas intervenções têm impacto direto sobre a evolução. Quanto maior o número de intervenções realizadas, maior é a probabilidade de sucesso. Nesse sentido, a análise da mortalidade, tanto imediata como tardia, é fundamental para se fazer um juízo adequado do desempenho de intervencionistas e cirurgiões. Quando se procura analisar a eficiência de uma dada intervenção, na realidade, duas coisas são consideradas: o procedimento em si e a capacidade de quem o aplica. Por exemplo, um ótimo procedimento em mãos de inábeis pode ter mau resultado, o que, embora não invalide o procedimento, desqualifica quem o pratica. Esse é o caso específico tanto de angioplastia quanto de cirurgia.

Em suma, o estudo merece consideração como um registro de resultados de dois procedimentos importantes. O registro e a análise de procedimentos por si só merece respeito, porque uma das piores coisas que podem acontecer é continuar fazendo determinadas intervenções sem critérios e análise de resultados. A análise constante de procedimentos é um requisito essencial para o aperfeiçoamento da prática médica.

Recebido em: 10/11/2007

Aceito em: 14/11/2007

Ver artigo relacionado na página 370

  • 1. Pimentel Filho WA, Correia MB, Bocchi EA, Di Nucci T, Fiorotto WB, Barroso LM, et al. Lesão no segmento proximal da artéria coronária descendente anterior: resultados entre o tratamento cirúrgico (mamária) e o percutâneo (stent com fármaco). Rev Bras Cardiol Invas. 2007;15(4):370-7.
  • 2. Pereira AC, Lopes NH, Soares PR, Krieger JE, Oliveira SA, Cesar LA, et al. Clinical judgment and treatment options in stable multivessel coronary artery disease: results from the one-year follow-up of the MASS II (Medicine, Angioplasty, or Surgery Study II). J Am Coll Cardiol. 2006;48(5):948-53.
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    Protásio Lemos da Luz
    Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 1505 - Cerqueira César
    São Paulo, SP - CEP 05403-000
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2007
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