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Oclusão percutânea dos defeitos do septo atrial utilizando mais de uma prótese

Transcatheter occlusion of atrial septal defects using more than one device

Resumos

INTRODUÇÃO: O fechamento percutâneo das comunicações interatriais (CIAs) é uma alternativa à cirurgia, aceita em todo o mundo. O uso de mais de uma prótese tem sido descrito, mas ainda há poucos estudos sobre o assunto, especialmente no que diz respeito ao seguimento a longo prazo. Neste trabalho, apresentamos nossa experiência com o uso de mais de uma prótese para o fechamento dos defeitos atriais múltiplos, e discutimos as diferentes condições em que isso se faz necessário. MÉTODO: Este é um estudo retrospectivo, em que foram analisados todos os casos submetidos a fechamento percutâneo de CIAs, no período de abril de 1999 a dezembro de 2007. Do total de casos, selecionamos aqueles portadores de defeitos múltiplos, concentrando nosso relato nos que necessitaram de mais de uma prótese para sua oclusão. Incluímos, também, dois casos de pacientes com shunt residual após o implante prévio de uma primeira prótese e que necessitaram de um segundo dispositivo. Os casos foram todos selecionados por meio de ecocardiogramas transesofágicos (ETE). RESULTADOS: No período mencionado, 211 pacientes foram submetidos a fechamento percutâneo de CIAs. Em 12 (5,6%) desses pacientes foi preciso utilizar duas próteses para oclusão de seus defeitos, como se segue: oito pacientes tinham dois orifícios; dois tinham três orifícios; e dois tinham quatro orifícios. A média das idades foi de 27,5 ± 14,6 anos. Dois casos apresentaram acidentes isquêmicos cerebrais prévios. Foram utilizadas 24 próteses, sendo 23 Amplatzer para CIAs e uma Amplatzer para forame oval (FOP). O implante foi possível em todos os casos. O diâmetro dos orifícios menores era de 10,5 ± 4,0 mm e dos maiores, de 20,6 ± 5,5 mm. O diâmetro central das próteses de CIA variou de 5 mm a 34 mm (16,8 ± 7,6 mm). Não houve complicações graves ou óbitos. Shunt residual imediato estava presente em dois (16,6%) pacientes. Foram acrescentados à casuística mais dois casos de shunt residual significativo, fechados, com sucesso, com uma segunda prótese Amplatzer para CIA. CONCLUSÕES: Apesar de tecnicamente mais complexo, o fechamento das CIAs com duas próteses é possível, seguro e eficaz. Até o presente momento, o uso de duas próteses metálicas não parece ser danoso ao septo atrial ou a estruturas vizinhas. Apesar disso, mais estudos são necessários para definir a segurança desse procedimento, especialmente em crianças.

Defeitos do septo interatrial; Cateterismo cardíaco; Próteses e implantes


INTRODUCTION: Transcatheter Atrial Septal Defect (ASD) closure is a worldwide accepted alternative to surgical repair. The use of more than one device has been described, however, there are just a limited number of studies available with a long term follow-up. In this study, the authors present their experience in transcatheter closure of multiple atrial septal defects utilizing more than one device, and discuss the different situations where this approach has become necessary. METHODS: This is a retrospective study where all patients submitted to ASD device closure from April 1999 to December 2007 were analyzed. We selected those with multiple ASD and focused our study on those who had two devices implanted. We also included two patients who had significant residual shunts after the first procedure and were closed with a second device. All patients were selected based on transesophageal echo-cardiogram (TEE) results. RESULTS: In the aforementioned period, 211 patients were submitted to transcatheter ASD closure. Twelve (5.6%) patients needed two devices to close their defects, described as follows: eight patients had 2 orifices, two had 3 orifices, and two had 4 orifices. Mean age was 27.5 ± 14.6 years. Two patients suffered ischemic cerebral events (stroke) prior to occlusion. Twenty-four devices were utilized: 23 Amplatzer ASD Occluder devices and one 25mm Amplatzer PFO Occluder device. The device implantation was possible in all cases. Average diameter for small defects was 10.5 ± 4.0 mm, and 20.6 ± 5.5 mm for larger defects. Mean central diameter of the devices varied from 5 to 34 mm (16.8 ± 7.6 mm). There were no major complications or deaths related to the procedure. Immediate post-procedural residual shunts were present in two (16.6%) patients. Two additional patients were included with significant residual shunt that required a second Amplatzer ASD device. CONCLUSION: Although technically more demanding, two device ASD closure is feasible, safe and effective. Implanting two metallic devices does not seem to be deleterious to atrial septum or surrounding structures, so far. In spite of that, more studies are deemed necessary to define the safety of the procedure, especially in children.

Heart septal defects, atrial; Heart catheterization; Prostheses and implants


ARTIGO ORIGINAL

Oclusão percutânea dos defeitos do septo atrial utilizando mais de uma prótese

Transcatheter occlusion of atrial septal defects using more than one device

Francisco ChamiéI,II,III; Daniel ChamiéIV; Sérgio RamosII,III; João Carlos TressV; Rosaura VicterV

IHospital dos Servidores do Estado - MS-RJ - Rio de Janeiro, RJ

IICARPE - Cardiologia Pediátrica e Fetal - Rio de Janeiro, RJ

IIIINTERCAT - Cardiologia Intervencionista - Rio de Janeiro, RJ

IVInstituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

VHospital de Clínicas de Niterói - Niterói, RJ

Correspondência Correspondência: Francisco Chamié Rua Dois de Dezembro, 38 sala 807 - Flamengo Rio de Janeiro, RJ - CEP 22220-040 Tel.: (21) 2246-1629 - Fax: (21) 2556-6833 E-mail: fchamie@pobox.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: O fechamento percutâneo das comunicações interatriais (CIAs) é uma alternativa à cirurgia, aceita em todo o mundo. O uso de mais de uma prótese tem sido descrito, mas ainda há poucos estudos sobre o assunto, especialmente no que diz respeito ao seguimento a longo prazo. Neste trabalho, apresentamos nossa experiência com o uso de mais de uma prótese para o fechamento dos defeitos atriais múltiplos, e discutimos as diferentes condições em que isso se faz necessário.

MÉTODO: Este é um estudo retrospectivo, em que foram analisados todos os casos submetidos a fechamento percutâneo de CIAs, no período de abril de 1999 a dezembro de 2007. Do total de casos, selecionamos aqueles portadores de defeitos múltiplos, concentrando nosso relato nos que necessitaram de mais de uma prótese para sua oclusão. Incluímos, também, dois casos de pacientes com shunt residual após o implante prévio de uma primeira prótese e que necessitaram de um segundo dispositivo. Os casos foram todos selecionados por meio de ecocardiogramas transesofágicos (ETE).

RESULTADOS: No período mencionado, 211 pacientes foram submetidos a fechamento percutâneo de CIAs. Em 12 (5,6%) desses pacientes foi preciso utilizar duas próteses para oclusão de seus defeitos, como se segue: oito pacientes tinham dois orifícios; dois tinham três orifícios; e dois tinham quatro orifícios. A média das idades foi de 27,5 ± 14,6 anos. Dois casos apresentaram acidentes isquêmicos cerebrais prévios. Foram utilizadas 24 próteses, sendo 23 Amplatzer para CIAs e uma Amplatzer para forame oval (FOP). O implante foi possível em todos os casos. O diâmetro dos orifícios menores era de 10,5 ± 4,0 mm e dos maiores, de 20,6 ± 5,5 mm. O diâmetro central das próteses de CIA variou de 5 mm a 34 mm (16,8 ± 7,6 mm). Não houve complicações graves ou óbitos. Shunt residual imediato estava presente em dois (16,6%) pacientes. Foram acrescentados à casuística mais dois casos de shunt residual significativo, fechados, com sucesso, com uma segunda prótese Amplatzer para CIA.

CONCLUSÕES: Apesar de tecnicamente mais complexo, o fechamento das CIAs com duas próteses é possível, seguro e eficaz. Até o presente momento, o uso de duas próteses metálicas não parece ser danoso ao septo atrial ou a estruturas vizinhas. Apesar disso, mais estudos são necessários para definir a segurança desse procedimento, especialmente em crianças.

Descritores: Defeitos do septo interatrial. Cateterismo cardíaco. Próteses e implantes.

SUMMARY

INTRODUCTION: Transcatheter Atrial Septal Defect (ASD) closure is a worldwide accepted alternative to surgical repair. The use of more than one device has been described, however, there are just a limited number of studies available with a long term follow-up. In this study, the authors present their experience in transcatheter closure of multiple atrial septal defects utilizing more than one device, and discuss the different situations where this approach has become necessary.

METHODS: This is a retrospective study where all patients submitted to ASD device closure from April 1999 to December 2007 were analyzed. We selected those with multiple ASD and focused our study on those who had two devices implanted. We also included two patients who had significant residual shunts after the first procedure and were closed with a second device. All patients were selected based on transesophageal echo-cardiogram (TEE) results.

RESULTS: In the aforementioned period, 211 patients were submitted to transcatheter ASD closure. Twelve (5.6%) patients needed two devices to close their defects, described as follows: eight patients had 2 orifices, two had 3 orifices, and two had 4 orifices. Mean age was 27.5 ± 14.6 years. Two patients suffered ischemic cerebral events (stroke) prior to occlusion. Twenty-four devices were utilized: 23 Amplatzer ASD Occluder devices and one 25mm Amplatzer PFO Occluder device. The device implantation was possible in all cases. Average diameter for small defects was 10.5 ± 4.0 mm, and 20.6 ± 5.5 mm for larger defects. Mean central diameter of the devices varied from 5 to 34 mm (16.8 ± 7.6 mm). There were no major complications or deaths related to the procedure. Immediate post-procedural residual shunts were present in two (16.6%) patients. Two additional patients were included with significant residual shunt that required a second Amplatzer ASD device.

CONCLUSION: Although technically more demanding, two device ASD closure is feasible, safe and effective. Implanting two metallic devices does not seem to be deleterious to atrial septum or surrounding structures, so far. In spite of that, more studies are deemed necessary to define the safety of the procedure, especially in children.

Descriptors: Heart septal defects, atrial. Heart catheterization. Prostheses and implants.

As comunicações interatriais (CIAs) representam cerca de 10% das anomalias cardíacas congênitas. Aproximadamente 7,3% dos portadores de CIA têm defeitos múltiplos1. Mais ou menos 2,2% são portadores de aneurisma de septo atrial, com ou sem múltiplas perfurações2.

O fechamento dos defeitos com grande shunt esquerda-direita (E-D) é necessário para prevenir insuficiência cardíaca direita, hiper-resistência vascular pulmonar, arritmias atriais e, ainda, embolias paradoxais3.

O fechamento percutâneo das CIAs se tornou o método de escolha na maioria dos serviços em todo o mundo.

Ocasionalmente, dependendo da distância entre os orifícios, mais de uma prótese pode se fazer necessária para a completa oclusão dos defeitos4.

No presente trabalho, são discutidas as indicações para o uso de mais de uma prótese para fechamento das CIAs, os aspectos técnicos relativos ao procedimento, bem como suas potenciais complicações.

MÉTODO

Desenho do estudo

Este estudo apresenta uma análise retrospectiva, em que foram revisados os registros de todos os pacientes portadores de CIA submetidos a fechamento percutâneo com prótese, no período de abril de 1999 a dezembro de 2007. Foram identificados os pacientes portadores de CIAs múltiplas em quem foi necessário o implante de mais de uma prótese para o fechamento de seus defeitos.

Seleção dos pacientes

No período mencionado, todos os pacientes portadores de CIA, com mais de cinco anos de vida ou 15 kg de peso, foram, consecutivamente, submetidos a avaliação para fechamento percutâneo em nosso Serviço. A avaliação foi feita por meio da realização de ecocardiogramas transesofágicos (ETE). Todos os pacientes com múltiplos orifícios tratados com implante de mais de uma prótese foram considerados para análise. Selecionamos, também, os casos em que foi necessário o uso de uma segunda prótese para o fechamento de shunts residuais hemodinamicamente significativos.

Prótese

Os dispositivos de oclusão utilizados neste trabalho foram as próteses Amplatzer. Em todos os casos, foi implantada prótese Amplatzer para CIA (Amplatzer Septal Occluder - AGA Medical Corp., Golden Valley, Minnesota, Estados Unidos), exceto em um, em que foi utilizada uma prótese Amplatzer para forame oval (FOP) (Amplatzer PFO Occluder - AGA Medical Corp., Golden Valley, Minnesota, Estados Unidos). Ambos os dispositivos já foram descritos, e suas características e técnica de implante já foram abordadas em publicações anteriores5,6.

Ecocardiograma transesofágico

Além da ótima visualização do defeito, da mensuração de seu diâmetro estático e da análise de fluxos, foi examinada, rotineiramente, toda a extensão do septo atrial, visando à detecção de mais de um orifício ou da presença de aneurisma.

Nos casos de defeitos múltiplos, realizava-se a mensuração do diâmetro estático de cada um, da distância entre eles, e da proximidade com outras estruturas intracardíacas de relevância.

Aneurisma do septo atrial (ASA) era definido, de acordo com os critérios de Mügge et al.7, como deslocamento do septo atrial de mais de 10 mm da linha média, na direção do átrio tanto direito como esquerdo. Didaticamente, consideramos como tipo A quando o deslocamento era apenas para o átrio direito, tipo B quando era apenas para o átrio esquerdo, e tipo C quando o movimento se fazia para ambos os átrios. Quando a movimentação do septo atrial não preenchia esse critério, ele era considerado, apenas, redundante.

Técnica do procedimento

Todos os procedimentos foram realizados sob anestesia geral, com intubação orotraqueal, e monitorados por ETE.

O acesso vascular era, preferencialmente, realizado por punção da veia femoral direita. Ocasionalmente, foram necessárias punções adicionais no mesmo vaso ou no vaso contralateral para a colocação da segunda prótese.

Os pacientes receberam heparinização sistêmica na dose de 100 UI/kg ou 5.000 UI em adultos. Se o procedimento durasse mais de uma hora, era dada metade da dose original, a cada 30 minutos, até o término do exame.

Era administrada, também, cefalotina venosa (50 mg/kg, máximo 2 g) no ato operatório, seguida por mais duas doses de cefalexina oral (25 mg/kg ou 500 mg) para profilaxia antimicrobiana após o procedimento.

Com o auxílio de visualização ecocardiográfica, era tomado sempre o cuidado de cruzar o septo atrial pelo orifício maior ou pelo mais central. Em seguida, era introduzido balão medidor AGA (AGA Medical Corporation - Golden Valley, Minnesota, Estados Unidos) de 24 mm ou 34 mm, conforme a medida do diâmetro estático do defeito. O balão era insuflado até a completa oclusão do defeito (stop-flow technique), realizando a medida do seu diâmetro estirado. Os resultados obtidos pelo ETE e pela fluoroscopia eram comparados, sendo escolhido o mais adequado. Ao mesmo tempo, era verificada, também, a persistência de fluxo residual e a oclusão dos outros orifícios.

Quando os defeitos eram próximos, em geral confluíam com um orifício único ou a compressão do balão acabava por abolir completamente o shunt pelos outros orifícios. Nesse caso, era implantada uma única prótese, segundo a técnica descrita anteriormente8.

Nos casos em que os orifícios adicionais estavam muito afastados do orifício maior (geralmente acima de 8 mm), era realizada nova punção da mesma veia femoral ou da veia contralateral e introduzido outro cateter, cruzando o defeito remanescente. Através dele era introduzido, sobre guia, novo balão medidor, sendo obtido o diâmetro estirado do novo defeito.

O septo interatrial era novamente avaliado, com Doppler colorido, para verificar a presença de shunt residual, classificado segundo Boutin et al.9 em: mínimo, se < 1 mm; pequeno, se < 2 mm; moderado, se > 2 mm e < 4 mm; e grande, se > 4 mm.

Na ausência de shunts residuais, eram introduzidas próteses do mesmo tamanho ou 1 mm a 2 mm maiores que o diâmetro estirado de cada orifício.

Inicialmente, era implantada a prótese menor, que era deixada ainda presa ao sistema liberador. Em seguida, era implantada a maior, de forma a fazer com que os discos envolvessem a menor. Se a fluoroscopia e o ETE mostrassem boa estabilidade dos dispositivos e ausência de shunt residual, as próteses eram liberadas em seqüência, primeiro a menor e depois a maior.

Se houvesse oclusão temporária de todos os defeitos durante a presença do balão no orifício maior, mas após a colocação da prótese voltasse a haver fluxo pelo orifício menor, era tentado o implante de outra prótese, cruzando o septo pelo orifício menor, conforme já descrito. Nesses casos, a prótese maior não necessariamente envolvia a menor e o implante da segunda era feito após a primeira estar completamente liberada. Em alguns casos, as duas próteses ficavam completamente afastadas ou, mesmo, em planos diferentes uma da outra.

Nos pacientes que apresentaram shunt residual, pelo menos pequeno, após um ano, o defeito foi cruzado com o auxílio de guia hidrofílica e realizada a medida do diâmetro estirado. O balão medidor, ao ser insuflado, ajudou também na delineação da forma do pertuito a ser fechado. Em seguida, era escolhida a prótese mais adequada ao caso e implantada segundo a técnica habitual.

Análise estatística

Na análise estatística descritiva, as variáveis contínuas são expressas como média e desvio padrão e as variáveis categóricas, como números e porcentagens.

RESULTADOS

De abril de 1999 a dezembro de 2007, foram submetidos a fechamento percutâneo das CIAs 211 pacientes, dos quais 12 (5,6%) apresentaram orifícios múltiplos, necessitando duas próteses.

A Tabela 1 apresenta as características demográficas e hemodinâmicas dos pacientes tratados com duas próteses. A distribuição por sexo mostrou oito pacientes do sexo feminino e quatro, do masculino. As idades variaram entre 8 anos e 51 anos (27,5 ± 14,6 anos) e os pesos, de 25 kg a 109 kg (58,8 ± 25,7 kg).

Um paciente era portador de síndrome de Down (FISD, 17 anos). A indicação para o fechamento foi a presença de sobrecarga volumétrica das câmaras direitas, em dez pacientes. Os outros dois pacientes tiveram seus defeitos diagnosticados por apresentarem quadros neurológicos prévios, que foram a razão do encaminhamento: um deles apresentava duas CIAs pequenas (MCMV, 34 anos) e o outro, um FOP com pequena CIA adicional (COW, 51 anos).

Dos 12 pacientes que estavam sendo submetidos ao procedimento pela primeira vez, o ETE foi capaz de detectar os orifícios adicionais em dez (83,3%) e o exame já foi planejado contando com a possibilidade de uma segunda prótese. Em dois (16,6%) casos, os defeitos menores foram reconhecidos por terem sido cruzados inadvertidamente com a guia. Em um deles, pela sua localização, o ETE não conseguiu acompanhar o implante da prótese, o que foi feito exclusivamente pela fluoroscopia. Em função disso, o planejamento do exame teve que ser alterado para a colocação de um segundo dispositivo.

Quanto ao número de orifícios, oito pacientes tinham dois orifícios, dois pacientes tinham três orifícios, e dois tinham quatro orifícios (Figura 1). Apenas cinco pacientes apresentaram aneurismas: dois do tipo A e três do tipo C. Os aneurismas tipo A tinham dois orifícios cada e os três do tipo C apresentavam, respectivamente, dois, três e quatro orifícios. Num dos casos, a paciente (COW) tinha um aneurisma do tipo C com perfuração e, também, FOP.


Em todos os casos, exceto um, o menor orifício era sempre póstero-inferior, mais próximo à veia cava inferior, e o maior, mais anterior e próximo à aorta. Curiosamente, era sempre o orifício menor o primeiro a ser cruzado.

O implante de duas próteses só não foi possível em um caso (FISD) em que se perdeu a posição da guia no orifício menor. Como não foi possível recruzar o defeito com facilidade, optou-se por deixá-lo aberto e fechar apenas o maior.

A Tabela 2 mostra a relação do número dos orifícios, a distância entre eles, os diâmetros dos orifícios e as próteses utilizadas. O diâmetro dos orifícios menores variou de 4 mm a 16 mm (10,5 ± 4,0 mm) e dos maiores, de 11 mm a 28 mm (20,6 ± 5,5 mm).

Foram utilizadas 24 próteses em 12 pacientes: 23 Amplatzer para CIA e uma Amplatzer para FOP.

O diâmetro central das próteses para CIA variou de 5 mm a 34 mm (16,8 ± 7,6 mm). A prótese para FOP utilizada foi de 25 mm.

O tempo médio de seguimento foi de 19,8 meses e não houve complicações maiores nem óbitos.

Uma paciente, no final do exame, apresentou episódio de fibrilação atrial revertida por cardioversão elétrica, deixando o laboratório em ritmo sinusal. Outra paciente apresentou episódio de taquicardia atrial transitória, que reverteu espontaneamente, ainda na sala de exame.

Não houve embolizações imediatas ou tardias das próteses.

Os ecocardiogramas de controle imediato demonstraram shunt residual em dois (16,6%) pacientes. Uma paciente (AMA) apresentou mínimo shunt residual, que desapareceu espontaneamente em três meses. Outro paciente (ESG), que apresentava pequeno shunt residual entre as duas próteses imediatamente após a liberação delas, mantém o shunt no seguimento ecocardiográfico de três meses, realizado recentemente.

Vale ressaltar que o paciente FISD continua com fluxo pelo orifício menor, deixado aberto. Esse orifício tinha o diâmetro estático de 4 mm, que passou a 13 mm depois de estirado. O orifício maior em que se implantou a prótese está completamente ocluído, sem shunt residual. O paciente se mantém assintomático após dois anos e aguarda o fechamento do segundo orifício com nova prótese.

Acrescentamos à casuística mais dois pacientes (GBV, SCS), que tinham tido suas comunicações fechadas há mais de um ano e que apresentaram shunts residuais significativos, necessitando de um segundo dispositivo para a oclusão completa dos defeitos.

A primeira paciente (GBV), uma criança de quatro anos à época do implante, tinha CIA de 9 mm ao ETE. O diâmetro estirado mediu 20 mm. A CIA foi fechada com prótese Helex Septal Occluder de 30 mm (A L Gore and Associates - Fagstaff, Arizona, Estados Unidos). Apesar de a primeira prótese se manter em boa posição, mantinha shunt residual de 4 mm, ao ETE, pela borda aórtica. Foi tomada a decisão de implantar nova prótese, o que foi feito três anos após. Foi utilizada ASO de 9 mm, obtendo-se oclusão completa do defeito residual.

O outro caso (SCS), de 37 anos, paciente portadora de síndrome de Marfan, recusava terminantemente a cirurgia convencional. A avaliação do caso mostrou uma raiz aórtica de diâmetro normal e uma CIA medindo 33 mm ao ETE. O diâmetro estirado foi de 40 mm. Teve implantada uma prótese ASO de 40 mm que demonstrou, no seguimento, shunt residual de 8 mm na borda da veia cava superior. Foi implantada nova prótese ASO 20 mm no pertuito residual, há 16 meses, com sucesso, estando o shunt completamente ocluído, conforme observado nos ecocardiogramas de controle.

É importante relatar que, no seguimento clínico médio de 18 meses, nenhum dos pacientes estudados apresentou arritmias.

DISCUSSÃO

O fechamento de CIA com próteses Amplatzer já é um procedimento consagrado, com alto índice de sucesso e segurança, mesmo em crianças10. Apesar disso, ainda há poucos estudos sobre o uso de mais de uma prótese, principalmente relatando o seguimento a longo prazo11-15.

Nosso objetivo é relatar a experiência com o uso de duas próteses implantadas simultaneamente, ou não, e discutir os aspectos técnicos e o seguimento desses pacientes.

Embora, na maioria dos casos, o ETE realizado por vários ecocardiografistas diferentes já houvesse previsto a possibilidade do uso de duas próteses, em dois casos não foi capaz de perceber os defeitos adicionais durante o procedimento. A relativa inexperiência do ecocardiografista com esse tipo de defeito em um caso e a posição do orifício adicional em outro podem ter sido as possíveis causas. No fechamento das CIAs, o ETE é de fundamental importância, desde a indicação do procedimento até a obtenção das imagens adequadas ao fechamento. É vital que o ecocardiografista seja familiarizado com os defeitos congênitos do coração, além de possuir a destreza no manuseio da sonda transesofágica. Se esses dois pré-requisitos não forem atendidos, o resultado final ficará comprometido. Na maioria das vezes, será feito o diagnóstico da CIA, mas não serão fornecidos detalhes importantes, como a presença e o tipo das bordas do defeito, bem como a presença de defeitos adicionais.

Tem sido um problema a identificação dos orifícios adicionais, principalmente quando em posição póstero-inferior, numa região mal visualizada pelo ETE. Essa talvez seja uma das melhores indicações do uso do ecocardiograma intracardíaco (EIC), que, sob esse ponto de vista, é superior ao ETE.

Quando não percebidos previamente pelo ETE, os defeitos adicionais são reconhecidos porque, geralmente, são os primeiros a serem cruzados com a guia hidrofílica ou o cateter diagnóstico. Chama a atenção, nesses casos, ver o cateter cruzar o septo muito abaixo do orifício alvo. Uma das vezes, só fomos ter a certeza de estar no orifício errado depois de insuflar o balão medidor e verificar que ele ficava longe da aorta.

Nessa situação, é fundamental o papel do ecocardiograma, uma vez que só ele é capaz de determinar em que ponto do septo está o cateter ou a guia. A melhor solução, nesses casos, é, mantendo a guia no defeito menor, tentar cruzar com uma segunda guia pelo orifício desejado. Se não for alcançado esse objetivo, oclui-se o defeito menor pela insuflação de um balão medidor de 24 mm.

Uma vez tendo cruzado o orifício desejado, medese seu diâmetro estirado e implanta-se a prótese para, só depois de ter a certeza do desaparecimento do shunt, retirar a guia do defeito menor.

Muitas vezes, uma única prótese pode ser capaz de ocluir mais de um defeito. Isso ocorre quando há confluência dos defeitos contíguos, criando um defeito único, seja por meio de atriosseptostomia por balão16 seja pela simples insuflação do balão medidor, o que, naturalmente, depende da rigidez das bordas dos orifícios8. Por não ser desprovida de riscos, a atriosseptostomia não nos parece uma boa idéia e nunca a utilizamos nesse contexto.

Quando os orifícios distam até 7 mm a 8 mm entre a borda de um orifício e a borda distal do outro, também é possível o uso de uma única prótese4,17. Nesse caso, busca-se implantar o dispositivo no orifício maior, com o objetivo de cobrir também o menor, obtendo taxas de oclusão imediata bastante satisfatórias18.

Nos casos em que há necessidade de duas próteses, idealmente deverá ser tentado o implante simultâneo dos dois dispositivos: inicialmente, o dispositivo me-nor, para, em seguida, posicionar o maior por cima do primeiro, de forma a fazer com que seus discos o envolvam (Figura 2).


Algumas vezes, os orifícios são tão distantes entre si ou em planos espaciais tão diversos que o alinhamento das próteses é impossível. Nesse caso, é importantíssimo que os dois dispositivos sejam cuidadosamente avaliados quanto a seu tamanho e relação com as estruturas vizinhas. Em nossos casos não houve, até o momento, qualquer tipo de problema com essa situação (Figura 3).


Ocasionalmente, o implante simultâneo não é possível, às vezes porque só se percebeu o orifício adicional após a oclusão do maior, outras porque se acreditou que apenas um dispositivo seria capaz de ocluir os dois defeitos. Nesses casos, cruzar o orifício menor pode ser tecnicamente difícil e apenas com o direcionamento pelo ETE e o uso de guias hidrofílicas o objetivo é alcançado. A colocação da segunda prótese costuma ser fácil, ficando, em geral, bastante afastada da primeira prótese.

O conceito de que o uso de dois dispositivos, principalmente quando os discos de metal se superpõem, impediria a endotelização completa19 parece não se sustentar hoje em dia11.

Optamos por incluir os dois casos de shunt residual porque o objetivo deste trabalho é avaliar as dificuldades e as conseqüências do implante de duas próteses, simultânea ou seqüencialmente.

Nos casos em que houve shunt residual após o implante do primeiro dispositivo, normalmente aguardamos o fechamento espontâneo por pelo menos um ano. Se a oclusão completa do defeito não ocorrer, procedemos ao implante da segunda prótese.

Nesse tipo de procedimento, a maior dificuldade é localizar e cruzar o pertuito, sem interferir com a primeira prótese. O uso de guia hidrofílica é de vital importância nesses casos.

Em ambos os casos, utilizamos próteses Amplatzer, pela sua facilidade de uso e maior maleabilidade.

No primeiro caso (CBV), o pertuito tinha a forma de um túnel longo, que começava na borda aórtica do defeito e se abria na periferia do disco direito no átrio direito. Ao implantar a segunda prótese, procuramos introduzir o disco esquerdo e a porção central, completamente dentro do pertuito, deixando aberto apenas o disco direito. Dessa forma, conseguimos ocupar completamente o espaço e fechar totalmente o shunt residual (Figura 4).


No segundo caso (SCS), implantamos a segunda prótese da maneira habitual (Figura 5).


Comparando-se as duas situações, achamos que o implante de uma segunda prótese em orifício residual, com o primeiro dispositivo já endotelizado, é mais fácil que o implante simultâneo, uma vez que o procedimento se torna muito parecido com o implante de uma única prótese.

CONCLUSÕES

Apesar de adicionar algum grau de dificuldade ao procedimento, o fechamento de defeitos múltiplos com mais de uma prótese é factível, seguro e eficaz.

O ETE é fundamental na indicação e no manuseio desse tipo de paciente.

O EIC apresenta pequena vantagem sobre o ETE, na medida em que mostra melhor a porção inferior do septo interatrial, local onde incide a maioria dos pequenos defeitos adicionais.

Embora outros tipos de próteses venham sendo utilizadas nesse contexto, achamos que as próteses Amplatzer são as que melhor se prestam a esse tipo de fechamento, pela grande disponibilidade de tamanhos, pela sua facilidade de uso e pela maior adaptabilidade a tipos diferentes de anatomia.

Até o momento, o uso de mais de um dispositivo metálico não parece causar nenhum dano ao septo atrial ou a estruturas nobres circunvizinhas, além de apresentar poucas complicações maiores; entretanto, mais estudos ainda se fazem necessários para definir a segurança desse procedimento, a longo prazo, especialmente em crianças.

Recebido em: 25/12/2007

Aceito em: 21/1/2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      25 Dez 2007
    • Aceito
      21 Jan 2008
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