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Olhar para a frente (e para o lado)!: por que olhar para trás? Visão do "radialista"

Look forward (and sideways)!: why look behind? The view of the "radialist"

CARTA AO EDITOR

Olhar para a frente (e para o lado)! Por Que olhar para trás? Visão do "radialista"

Look forward (and sideways)! Why look behind? The view of the "radialist"

Marden Andre Tebet; Pedro Beraldo de Andrade; André Labrunie

Santa Casa de Marília - Marília, SP. Hospital do Coração de Londrina - Londrina, PR

Correspondência Correspondência: Marden Andre Tebet Avenida Carlos Artencio, 356 - apto. 43B - Fragata Marília, SP - CEP 17519-255 Tel.: (14) 3402-5561 E-mail: mardentebet@uol.com.br

Lemos com interesse o artigo escrito por Munhoz Junior et al.1, que, ao revisitar a técnica de punção transbraquial, numa avaliação retrospectiva, para a realização de coronariografia, concluíram que a técnica transbraquial se mostrou efetiva e segura, facilitando a realização de cateterismo ambulatorial com baixa freqüência de complicações.

Nós, "radialistas", interessados na comparação realizada com as peculiaridades da técnica transradial, gostaríamos de comentar alguns tópicos:

1. Os autores referem que a técnica braquial é segura em comparação às técnicas radial e femoral. No entanto, no estudo ACCESS2, que comparou 900 pacientes submetidos a intervenção pelas técnicas radial, braquial e femoral, encontrou-se significativa diminuição das complicações relacionadas à via de acesso quando utilizada a técnica radial, comparativamente às técnicas braquial e femoral (0 vs. 2,0% vs. 2,3%, respectivamente; p = 0,035), e não houve diferenças quanto ao sucesso do procedimento;

2. Outro ponto citado como desfavorável à técnica transradial seria a exclusão de vários pacientes pelo teste de Allen insatisfatório. Entretanto, o intervalo de tempo indefinido associado a interpretação subjetiva limitam a utilidade diagnóstica do teste. Isso é refletido pela alta variabilidade relatada na incidência de teste de Allen anormal na literatura (1% a 27%)3. O uso de oximetria e de pletismografia de pulso pode melhorar a seleção de pacientes elegíveis para os procedimentos transradiais, com maior acurácia diagnóstica. Além disso, sua realização tem sido questionada nos serviços que a utilizam de forma rotineira e exames são realizados sem complicações vasculares, mesmo sem a avaliação prévia da dupla circulação da mão3;

3. A oclusão da artéria radial pós-procedimento também foi incluída como outro fator negativo. De fato, a oclusão da artéria radial varia de 2% a 9%, e após 30 dias há redução para taxas inferiores a 2%4. Apesar desses índices, não têm sido observadas seqüelas clínicas após o episódio de oclusão;

4. Os autores sugerem também que a freqüência de falência do procedimento pode chegar a 20%. A taxa de falência, porém, tem sido descrita entre 1% e 5%, sendo extremamente dependente da curva de aprendizado. A metanálise de Agostoni et al.5, que avaliou 3.224 pacientes em 12 estudos randomizados comparando as técnicas radial e femoral na realização de coronariografia e procedimentos de intervenção, demonstrou que a abordagem radial é altamente segura e efetiva, quando comparada à técnica femoral, com eliminação virtual de complicações vasculares no local de punção pela técnica radial. Esses autores encontraram taxa de falência do procedimento de 7,2% vs. 2,4% na técnica femoral (p < 0,001). Há várias razões para esse achado: incapacidade para puncionar a artéria radial, impossibilidade de canulação do óstio da artéria coronária e insucesso de um procedimento de intervenção pelo inadequado suporte do cateter. Todos esses problemas, claramente presentes nos estudos pioneiros e iniciais dos anos 90, são menos comuns nos mais recentes. Nestes, nenhuma diferença significante foi encontrada em termos de falência de procedimento entre os acessos radial e femoral (1,9% vs. 0,7%, respectivamente; p = 0,16). Possivelmente, essa interessante tendência ocorre pela evidente melhora em todos os materiais, principalmente no surgimento dos dedicados à abordagem radial, como introdutores hidrofílicos e cateteres específicos. Entretanto, a mudança no resultado é função direta da experiência do operador. Há clara evidência, em todos os estudos, de que a curva de aprendizado é essencial. O acesso à artéria radial é tecnicamente mais desafiante e demorado, mas quando adquirida experiência a técnica torna-se mais fácil e confiável.

Assim, em mãos experientes, a abordagem radial tem inúmeras vantagens, que necessitam ser enfatizadas para aumentar a aceitação desse procedimento: 1) a artéria radial, diferentemente da femoral e da braquial, não é uma artéria terminal e, por isso, mesmo com possível oclusão, a adequada circulação colateral da artéria ulnar pode salvar a mão de uma isquemia; 2) a artéria radial é mais superficial que as artérias femoral e braquial, por isso é mais facilmente compressível e a retirada do introdutor resulta em diminuído risco de sangramento e de outras complicações vasculares; 3) com a abordagem radial existe menor risco de lesão nervosa, visto que não há nervo adjacente; 4) a abordagem radial supera as limitações e os riscos da abordagem femoral nos pacientes com doença aorto-ilíaca e nos obesos; 5) o acesso radial propicia maior segurança em pacientes com coagulopatia, em uso de anticoagulantes, inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e pósfibrinolíticos; 6) a abordagem radial permite reduzido tempo de recuperação pós-procedimento, deambulação e alta precoces, resultando em maior satisfação do paciente, como demonstrado por estudos randomizados6.

Finalmente, o olhar para a frente, em nossa opinião, dever ser o olhar em direção à artéria radial e não voltar para a braquial. Se nós "radialistas" (e "evangelistas") necessitarmos de outro acesso, preferimos olhar para o lado e encontrar a artéria ulnar!

Recebido em: 16/10/2007

Aceito em: 16/10/2007

  • 1. Munhoz Junior S, Soares JP, Figueiredo FR, Sejópoles JA, Najjar A. Angiografia coronária: técnica transbraquial revisitada. Rev Bras Cardiol Invas. 2007;15(3):240-3.
  • 2. Kiemeneij F, Laarman GJ, Odekerken D, Slagboom T, van der Wieken R. A randomized comparison of percutaneous transluminal coronary angioplasty by the radial, brachial and femoral approaches: the Access study. J Am Coll Cardiol. 1997;29(6):1269-75.
  • 3. Ghuran AV, Dixon G, Holmberg S, de Belder A, Hildick-Smith D. Transradial coronary intervention without pre-screening for a dual palmar blood supply. Int J Cardiol. 2007;121(3):320-2.
  • 4. Valsecchi O, Vassileva A, Musumeci G, Rossini R, Tespili M, Guagliumi G, et al. Failure of transradial approach during coronary interventions: anatomic considerations. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;67(6):870-8.
  • 5. Agostoni P, Biondi-Zoccai GG, Benedictis ML, Rigattieri S, Turri M, Anselmi M, et al. Radial versus femoral approach for percutaneous coronary diagnostic and interventional procedures. Systematic overview and meta-analysis of randomized trials. J Am Coll Cardiol. 2004;44(2):349-56.
  • 6. Roussanov O, Wilson SJ, Henley K, Estacio G, Hill J, Dogan B, et al. Cost-effectiveness of the radial versus femoral artery approach to diagnostic cardiac catheterization. J Invasive Cardiol. 2007;19(8):349-53.
  • Correspondência:

    Marden Andre Tebet
    Avenida Carlos Artencio, 356 - apto. 43B - Fragata
    Marília, SP - CEP 17519-255
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008
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