Acessibilidade / Reportar erro

Dissecção coronária espontânea

Spontaneous coronary dissection

Resumos

Paciente do sexo feminino, de 36 anos de idade e sem fatores de risco para doença cardiovascular, foi atendida com quadro clínico de angina do peito. O eletrocardiograma demonstrava inversão de onda T em D2, D3 e aVF. A cineangiocoronariografia demonstrou imagem sugestiva de dissecção coronária espontânea no terço proximal de artéria coronária direita, comprometendo gravemente a luz e o fluxo arteriais. Avaliação adicional foi realizada com ultrassom intracoronário, que orientou o planejamento da intervenção coronária percutânea subsequente com stent e analisou o resultado final após o implante. A dissecção coronária espontânea é causa rara de síndrome coronária aguda e afeta principalmente mulheres jovens no período gestacional. Pouco se sabe sobre sua fisiopatologia. O prognóstico e o tratamento dependem da extensão da dissecção e da artéria comprometida.

Dissecação; Vasos coronários; Síndrome coronária aguda; Angiografia coronária; Ultrassonografia


A 36-year-old female, with no cardiovascular risk factors, was examined with angina pectoris. Electrocardiogram showed T wave inversion in D2, D3 and aVF surface leads. The patient was submitted to coronary angiography that showed an image suggestive of spontaneous coronary dissection on the proximal segment of the right coronary artery, severely compromising arterial lumen and flow. Additional evaluation included intravascular ultrasound, which guided the subsequent percutaneous coronary intervention with stent implantation and assessed the final result. Spontaneous coronary dissection is a rare cause of acute coronary syndrome and affects mainly young women in the gestational age. Little is known about its pathophysiology. Prognosis and treatment depend on the length of dissection and the compromised artery.

Dissection; Coronary vessels; Acute coronary syndrome; Coronary angiography; Ultrasonograpy


RELATO DE CASO

Dissecção coronária espontânea

Spontaneous coronary dissection

Erlon Oliveira de Abreu Silva; Fabio Rodrigo Furini; Fabio Monteiro Mota; Valter Correia de Lima

Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Erlon Oliveira de Abreu Silva Rua Borges Lagoa, 1.209 - ap. 1.809 - Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil - CEP 04038-033 E-mail: erlonsilva@yahoo.com.br

RESUMO

Paciente do sexo feminino, de 36 anos de idade e sem fatores de risco para doença cardiovascular, foi atendida com quadro clínico de angina do peito. O eletrocardiograma demonstrava inversão de onda T em D2, D3 e aVF. A cineangiocoronariografia demonstrou imagem sugestiva de dissecção coronária espontânea no terço proximal de artéria coronária direita, comprometendo gravemente a luz e o fluxo arteriais. Avaliação adicional foi realizada com ultrassom intracoronário, que orientou o planejamento da intervenção coronária percutânea subsequente com stent e analisou o resultado final após o implante. A dissecção coronária espontânea é causa rara de síndrome coronária aguda e afeta principalmente mulheres jovens no período gestacional. Pouco se sabe sobre sua fisiopatologia. O prognóstico e o tratamento dependem da extensão da dissecção e da artéria comprometida.

Descritores: Dissecação. Vasos coronários. Síndrome coronária aguda. Angiografia coronária. Ultrassonografia.

ABSTRACT

A 36-year-old female, with no cardiovascular risk factors, was examined with angina pectoris. Electrocardiogram showed T wave inversion in D2, D3 and aVF surface leads. The patient was submitted to coronary angiography that showed an image suggestive of spontaneous coronary dissection on the proximal segment of the right coronary artery, severely compromising arterial lumen and flow. Additional evaluation included intravascular ultrasound, which guided the subsequent percutaneous coronary intervention with stent implantation and assessed the final result. Spontaneous coronary dissection is a rare cause of acute coronary syndrome and affects mainly young women in the gestational age. Little is known about its pathophysiology. Prognosis and treatment depend on the length of dissection and the compromised artery.

Key-words: Dissection. coronary vessels. Acute coronary syndrome. Ccoronary angiography. Ultrasonograpy.

A dissecção coronária espontânea é achado raro, responsável por 0,1% a 1,1% dos casos de isquemia miocárdica1, e acomete, em geral, mulheres jovens, sem fatores de risco cardiovascular no período periparto.2

A manifestação usual é a morte súbita e o diagnóstico é realizado por cineangiocoronariografia. Ultrassom intracoronário (USIC) é ferramenta importante e cada vez mais usada na avaliação diagnóstica e dos resultados terapêuticos nesses casos.

Os autores relatam um caso de síndrome coronária aguda (SCA) em mulher jovem e previamente hígida, causada por dissecção coronária espontânea diagnosticada por cineangiocoronariografia e na qual o USIC foi utilizado na avaliação diagnóstica, no planejamento terapêutico e na análise do resultado pós-angioplastia.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, de 36 anos de idade, procurou atendimento médico em cidade da região metropolitana de São Paulo com dor torácica anginosa típica e náuseas, com duração aproximada de duas horas. Não havia história prévia de hipertensão arterial, diabetes melito, dislipidemia ou outras comorbidades. Negava tabagismo ou uso de drogas ilícitas. Ao exame físico constatou-se frequência cardíaca de 80 bpm, pressão arterial de 100/85 mmHg e auscultas cardíaca e pulmonar normais. Eletrocardiograma realizado na chegada ao hospital demonstrou inversão de onda T em derivações da parede inferior. Em decorrência da elevação dos marcadores de necrose miocárdica, a paciente permaneceu internada no hospital de origem em uso de terapia antiagregante dupla (ácido acetilsalicílico e clopidogrel), heparina de baixo peso molecular, estatina, betabloqueador e inibidor da enzima conversora de angiotensina, até a estratificação invasiva 72 horas depois. Não foi utilizado inibidor da glicoproteína IIb/IIIa.

A cineangiocoronariografia evidenciou imagem sugestiva de dissecção espontânea em terço proximal de artéria coronária direita, com estenose de 95% em seu ponto mais crítico e lentificação do fluxo distal (Figura A). As demais coronárias não mostravam lesões. O ventrículo esquerdo apresentava hipocinesia ínferobasal. Optou-se pela realização de angioplastia de coronária direita, guiada pelo USIC, para definir a extensão da dissecção.


 



O USIC demonstrou dissecção em espiral, com extensão de 20 mm, que se estendia do óstio até o terço proximal da coronária direita. Notou-se existência de placa ateromatosa no local da dissecção e hematoma parietal situado entre as camadas íntima e média. O vaso apresentava diâmetro luminal máximo de 5,3 mm no óstio e de 4,3 mm distalmente à dissecção, com estenose de 85% no ponto mais crítico (Figuras A1 a A3).

Foi realizado implante de stent convencional com sucesso e sem intercorrências (Figura B), com a resolução da dissecção verificada pelo USIC pós-intervenção (Figuras B1 a B3).

A paciente permaneceu assintomática após realização do procedimento, recebendo alta em boas condições.

DISCUSSÃO

A dissecção coronária espontânea é causa rara de eventos cardiovasculares isquêmicos, e pode manifestar-se como SCA com e sem supradesnivelamento do segmento ST, insuficiência cardíaca aguda ou morte súbita.3 Descrita pela primeira vez em 1931, em uma mulher com 42 anos de idade,4 sua prevalência em séries de pacientes submetidos a cineangiocoronariografia varia de 0,1% a 1,1%1 e tem sido achado cada vez mais frequente após o advento do USIC.5

Mulheres são acometidas em 70% dos casos, principalmente entre a quarta e a quinta décadas de vida.2 De Maio, Kinsella e Silverman6 descreveram três grupos distintos de pacientes com dissecção coronária espontânea: indivíduos com aterosclerose subjacente, mulheres em final de gestação ou início de puerpério, e indivíduos sem causa conhecida.

A manifestação clínica é variável e depende da extensão da dissecção e da artéria coronária acometida, sendo a morte súbita a apresentação mais comum.6,7 Da mesma maneira, variável também é o prognóstico desses casos, sendo pior na dissecção multiarterial, no comprometimento de tronco de coronária esquerda ou de artéria descendente anterior e em mulheres, especialmente fora do período periparto.2,8 Em 75% dos casos a descendente anterior é acometida; e, diferentemente das mulheres, o comprometimento de coronária direita é mais comum em homens.6

Na cineangiocoronariografia, pode-se apresentar como uma linha de dissecção separando as luzes verdadeira e falsa da artéria, como uma área de retenção de contraste ou, nos casos de hematoma intramural, apenas como uma estenose de bordos lisos.5 O USIC possibilita o detalhamento da lesão, eliminando as dúvidas diagnósticas, auxilia na escolha da estratégia terapêutica, avalia os resultados do tratamento percutâneo, e é ferramenta importante no seguimento desses pacientes.5 Está descrito que na dissecção coronária espontânea relacionada à aterosclerose o hematoma parietal localiza-se entre as camadas íntima e média, enquanto nos casos relacionados à gestação/puerpério localiza-se na camada média ou entre as camadas média e adventícia. O caráter emergencial para o diagnóstico justifica-se ao se considerar as taxas de mortalidade imediata (cerca de 50%)7,9 e nas horas que seguem o evento agudo (20%).7

Vários fatores influenciam a estratégia de tratamento, como quadro clínico, local da dissecção, número de artérias afetadas, fluxo coronário e disponibilidade de laboratório de hemodinâmica.3,5,10,11 A intervenção coronária percutânea é o tratamento de escolha em casos de dissecção coronária espontânea uniarterial, com isquemia aguda e sintomática. O uso de stents é útil ao selar o flap de entrada e evitar o crescimento do hematoma em direção à luz do vaso; no entanto, não se sabe se seu uso evita a recorrência da dissecção. A cirurgia de revascularização miocárdica é uma alternativa em casos com acometimento multiarterial, na dissecção do tronco de coronária esquerda ou quando há insucesso do tratamento percutâneo. Já o manejo clínico está indicado em pacientes estáveis, assintomáticos e com dissecções limitadas. A completa resolução angiográfica desses casos tratados clinicamente não é incomum.12

De maneira geral as taxas de sobrevivência após o tratamento variam de 70% a 90%.2,6 Quanto ao risco de recorrência de dissecção, Kamineni, Sadhu e Alpert2 relatam essa ocorrência em metade dos casos em um período de dois meses. Números semelhantes são relatados em outras séries, o que sugere maior suscetibilidade na fase aguda do episódio, possivelmente explicada por fragilidade generalizada da pare-de vascular. Essa possibilidade é reforçada pela observação de que mais de 40% das gestantes com dissecção coronária espontânea podem demonstrar dissecção em outro leito vascular.12 Daí a recomendação para que esses pacientes sejam mantidos internados por no mínimo uma semana.13

A hipótese de dissecção coronária espontânea deve ser lembrada nos casos de SCA em pessoas jovens e sem fatores de risco, especialmente mulheres no período gestacional ou no puerpério. As características clínicas e angiográficas determinam a estratégia terapêutica, sendo o USIC ferramenta importante tanto para diagnosticar como para guiar o tratamento desses pacientes.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 16/10/2010

Aceito em: 16/2/11

  • 1. Hering D, Piper C, Hohmann C, Schultheiss HP, Horstkotte, D. Prospective study of the incidence, pathogenesis and therapy of spontaneous, by coronary angiography diagnosed coronary artery dissection. Z Kardiol. 1998;87(12):961-70.
  • 2. Kamineni R, Sadhu A, Alpert JS. Spontaneous coronary artery dissection: report of two cases and a 50-year review of the literature. Cardiol Rev. 2002;10(5):279-84.
  • 3. Unal M, Korkut AK, Kosem M, Ertunc V, Ozcan M, Caglar N. Surgical management of spontaneous coronary dissection. Tex Heart Inst J. 2008;35(4):402-5.
  • 4. Pretty HC. Dissecting aneurysm of coronary artery in a woman aged 42: rupture. Br Med J. 1931;1:667.
  • 5. Arnold JR, West NE, van Gaal WJ, Karamitsos TD, Banning AP. The role of intravascular ultrasound in the management of spontaneous coronary artery dissection. Cardiovasc Ultrasound. 2008;6:24.
  • 6. DeMaio SJ Jr, Kinsella SH, Silverman ME. Clinical course and long-term prognosis of spontaneous coronary artery dissection. Am J Cardiol. 1989;64(8):471-4.
  • 7. Zampieri P, Aggio S, Roncon L, Rinuncini M, Canova C, Zanazzi G, et al. Follow-up after spontaneous coronary artery dissection: a report of five cases. Heart. 1996;75(2): 206-9.
  • 8. Thompson EA, Ferraris S, Gress T, Ferraris V. Gender differences and predictors of mortality in spontaneous coronary artery dissection: a review of reported cases. J Invasive Cardiol. 2005; 17(1):59-61.
  • 9. Jorgensen MB, Aharonian V, Mansukhani P, Mahrer PR. Spontaneous coronary dissection: a cluster of cases with this rare finding. Am Heart J. 1994;127(5):1382-7.
  • 10. Almeda FQ, Barkatullah S, Kavinsky CJ. Spontaneous coronary artery dissection. Clin Cardiol. 2004;27(7):377-80.
  • 11. Shamloo BK, Chintala RS, Nasur A, Ghazvini M, Shariat P, Diggs JA, et al. Spontaneous coronary artery dissection: aggressive vs conservative therapy. J Invasive Cardiol. 2010; 22(5):222-8.
  • 12. Koul AK, Hollander G, Moskovits N, Frankel R, Herrera L, Shani J. Coronary artery dissection during pregnancy and the postpartum period: two case reports and review of literature. Catheter Cardiovasc Interv. 2001;52(1):88-94.
  • 13. Tanis W, Stella PR, Pijlman AH, Hirkles JH, Peters RH, de Man FH. Spontaneous coronary dissection: current insights and therapy. Neth Heart J. 2008;16(10):344-9.
  • Correspondência:

    Erlon Oliveira de Abreu Silva
    Rua Borges Lagoa, 1.209 - ap. 1.809 - Vila Clementino
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04038-033
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      16 Fev 2011
    • Recebido
      16 Out 2010
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br