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As políticas migratórias brasileiras do século XIX ao século XXI: uma leitura biopolítica do movimento pendular entre democracia e autoritarismo

Brazilian migratory policies from the 19th to 21st centuries: a biopolitic reading of pendular movement between democracy and authoritarism

Resumo

O artigo tematiza o movimento pendular entre democracia e autoritarismo que permeia historicamente as políticas migratórias brasileiras. Analisa os projetos imigrantistas do século XIX - cujo escopo era o “branqueamento” da população nacional -, passando pelas políticas restritivas adotadas na primeira metade do século XX e que culminaram, na década de 1980, na edição do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), marcado pela construção da imagem do imigrante como “sujeito de risco” à soberania e à segurança nacional, bem como por uma nítida separação entre os imigrantes considerados “úteis” e “inúteis” de acordo com as exigências do mercado de trabalho. Avalia em que medida essas características autoritárias ainda se fazem presente na contemporaneidade, após a edição da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), a qual, mesmo apresentando uma ruptura paradigmática orientada à promoção dos Direitos Humanos dos migrantes, ainda encontra óbice à sua efetivação, particularmente em face do seu próprio Decreto regulamentador (Decreto nº 9.199/2017), marcado por inúmeros retrocessos, evidenciando uma retomada da perspectiva autoritária na gestão da imigração com destino ao Brasil, a qual ganha novo impulso com o rompimento do país com o “Pacto Global Para Migração Segura, Ordenada e Regular” da Organização das Nações Unidas. O marco teórico que orienta a construção do artigo é a biopolítica de matriz foucaultiana e agambeniana. O método de pesquisa empregado na investigação é o fenomenológico-hermenêutico.

Palavras-chave:
Biopolítica; Políticas migratórias; Autoritarismo; Democracia; Direitos humanos

Abstract

The article deals with the pendular movement between democracy and authoritarianism that historically permeates Brazilian migration policies. It analyzes the nineteenth-century immigrant projects - whose scope was the “laundering” of the national population - and the restrictive policies adopted in the first half of the twentieth century and which culminated in the 1980s in the issue of the Foreigner's Statute (Law No. 6.815/1980), marked by the construction of the immigrant's image as a “subject of risk” to sovereignty and national security, as well as by a clear separation between immigrants considered “useful” and “useless” according to the demands of the labor market. It assesses the extent to which these authoritarian characteristics are still present in contemporary times, after the issuance of the new Migration Law (Law No. 13.445/2017), which, even presenting a paradigmatic break oriented to the promotion of migrants' Human Rights, still finds an obstacle. particularly in view of its own Regulatory Decree (Decree No. 9.199/2017), marked by numerous setbacks, evidencing a resumption of the authoritarian perspective in the management of immigration to Brazil, which gains new impetus with the rupture of the country. with the United Nations “Global Compact on Safe, Ordered and Regular Migration”. The theoretical framework that guides the construction of the article is the Foucaultian and Agambenian biopolitics. The research method employed in the investigation is the phenomenological-hermeneutic.

Keywords:
Biopolitics; Migration policies; Authoritarianism; Democracy; Human Rights

1 Considerações iniciais

O presente artigo visa à discussão do viés biopolítico que subjaz à temática das migrações no Brasil, bastante evidente a partir do movimento pendular entre democracia e autoritarismo que permeia as políticas migratórias do país. Desde os projetos imigrantistas do século XIX - alicerçados em questões raciais que visavam ao “branqueamento” da população brasileira mediante o fomento da imigração europeia -, passando pelas políticas restritivas que marcaram a primeira metade do século XX - marcadas pela instituição de um sistema de cotas que visava a evitar a concentração das nacionalidades estrangeiras e impedir a entrada dos “indesejados” (Decreto-lei nº 406/1938) -, o Brasil sempre adotou uma postura restritiva e utilitarista na condução de suas políticas migratórias, a qual se mostra com todo vigor no âmbito do “Estatuto do Estrangeiro” (Lei nº 6.815/1980), que impedia a entrada no país de imigrantes que pudessem representar risco à “segurança nacional” e/ou que não fossem relevantes em face das exigências do mercado de trabalho.

Na contemporaneidade, diante dos fluxos migratórios direcionados ao país, a anacrônica legislação de 1980, por sua absoluta incompatibilidade com os pilares do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal, é substituída pela nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), a qual aponta para uma ruptura paradigmática orientada pela efetivação dos Direitos Humanos dos migrantes. No entanto, o Decreto que regulamenta a legislação (Decreto nº 9.199/2017) é marcado por retrocessos como a utilização do termo “imigrante clandestino” - demonstrando uma continuidade da perspectiva autoritária, que culmina com o recente rompimento do Brasil com o “Pacto Global Para Migração Segura, Ordenada e Regular” da Organização das Nações Unidas.

Nesse sentido, o problema que orienta a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte questão: em que medida as políticas migratórias brasileiras, quando analisadas a partir de uma perspectiva biopolítica, permitem evidenciar um movimento pendular entre democracia e autoritarismo no modo como os direitos humanos dos migrantes são assegurados/violados historicamente no país?

Para responder à problemática de pesquisa, o artigo encontra-se estruturado em duas seções, as quais correspondem, respectivamente, aos seus objetivos específicos. Na primeira, procura-se analisar as políticas imigrantistas do final do século XIX, perpassando pelas políticas migratórias implementadas ao longo do século XX, com ênfase no autoritarismo representado pelo Estatuto do Estrangeiro promulgado na década de 1980; na segunda parte, busca-se apresentar a ruptura representada pela nova Lei de Migração vigente no país - apontando para um cenário de maior preocupação com a efetivação dos direitos humanos dos migrantes em atendimento à uma leitura constitucional e convencional da temática - e dos retrocessos recentes representados pela edição do Decreto regulamentador da referida lei e pelo rompimento do país com o “Pacto Global Para Migração Segura, Ordenada e Regular” da Organização das Nações Unidas.

O método de pesquisa empregado na investigação é o fenomenológico-hermenêutico, o qual “representa a superação do domínio da metafísica no Direito” (STEIN, 2004STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004., p. 168), haja vista não se constituir pela sua exterioridade e exclusiva tecnicidade, mas, sim, “se liga tanto mais à discussão das coisas em si mesmas, quanto mais amplamente determina o movimento básico de uma ciência” (STEIN, 2001, p. 162). É a partir da fenomenologia - no caso, pelo seu viés hermenêutico - que, conforme Stein (2001STEIN, Ernildo. Compreensão e finitude: estrutura e movimento da interrogação heideggeriana. Ijuí: Unijuí, 2001., p. 169), se dá acesso “ao fenômeno no sentido fenomenológico”, ou seja, que se possibilita o desvelamento daquilo que “primeiramente e o mais das vezes não se dá como manifesto”.

A metodologia escolhida considera a aproximação do sujeito-pesquisador com o objeto-pesquisado, pois, ao tempo em que a fenomenologia busca enxergar as coisas nelas mesmas, a hermenêutica visa ao ato de compreender com fulcro na condição constitutiva do ser no seu sentido de historicidade. Dessa forma, consoante Stein (2001STEIN, Ernildo. Compreensão e finitude: estrutura e movimento da interrogação heideggeriana. Ijuí: Unijuí, 2001., p. 187-188), o “ser-aí é, em si mesmo, hermenêutico, enquanto nele reside uma pré-compreensão, fundamento de toda posterior hermenêutica”, motivo pelo qual a compreensão não se realiza a partir de um ponto zero do pensamento, mas, sim, decorre de uma constante.

2 O viés biopolítico das políticas migratórias brasileiras do século XX: do “branqueamento” da população à ameaça à “segurança nacional”

No Curso que ministrou no Collège de France entre 1975 e 1976, Michel Foucault empreendeu uma análise mais aprofundada- quando comparada aos textos (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. Maria Tereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2012.) e conferências (FOUCAULT, 2003) nos(as) quais anteriormente havia se debruçado sobre o tema - da relação existente entre o poder disciplinar e a biopolítica, evidenciando que há entre eles uma relação de articulação, mesmo que ambos não operem no mesmo nível. Esta articulação estána origem das “sociedades do controle” contemporâneas, as quais são resultado de um movimento de ampliação das técnicas disciplinares de padronização dos corpos que caracterizam as instituições ao longo dos séculos XVII e XVIII, e que nos séculos XX e XXI espraiaram-se para a sociedade como um todo, tendo por objetivo a normalização dos indivíduos em diversas instâncias, induzindo comportamentos e fabricando subjetividades não autênticas.

O que viabilizou essa articulação entre as duas formas de exercício de poder, segundo o filósofo francês, foi a norma. Isso porque a norma representa tanto o que pode ser aplicado “a um corpo que se quer disciplinar quanto a uma população que se quer regulamentar”, de modo que a sociedade de normalização não é outra coisa senão “uma espécie de sociedade disciplinar generalizada cujas instituições disciplinares teriam se alastrado e finalmente recoberto todo o espaço.” Por meio desses mecanismos - disciplina e regulamentação - o poder, a partir do século XIX, passa a incumbir-se da gestão da vida, o que significa dizer que o poder “conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o jogo duplo das tecnologias de disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra.” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 213).

Nesse contexto, o paradoxo que se apresenta diz respeito à conciliação do direito de matar - próprio do modelo soberano - com um exercício de poder preocupado essencialmente com a gestão da vida, seja no que concerne a aumentá-la, seja no que se refere a prolongá-la ou, ainda, multiplicar suas possibilidades à medida que desvia seus acidentes e compensa suas deficiências. A grande questão que se coloca, então, é: como se pode exercer o poder da morte num sistema político centrado no biopoder?

Segundo Foucault (2010FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 214), o mecanismo que vai permitir o exercício desse poder de morte em um regime de biopoder é o racismo, compreendido a partir de uma dupla perspectiva: em um primeiro momento, o racismo pode ser visto como um meio de introduzir no domínio da vida - de que o poder se incumbiu - o corte entre o que deve viver e o que deve morrer. Eis a primeira função desempenhada pelo racismo: “fragmentar, fazer cesuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder.”

A segunda função do racismo consistirá em legitimar a morte do “outro” a partir de uma maneira inteiramente nova, compatível com o biopoder, qual seja, deixar a vida em geral mais sadia e, consequentemente, mais pura. A eliminação do perigo biológico representado pelo outro é legitimada, dessa maneira, conforme estiver diretamente relacionada ao fortalecimento da própria espécie ou da raça: “a função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado funcione no modo do biopoder, pelo racismo.” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., p. 215).

O refinamento da tese foucaultiana reside justamente nesse ponto: a biopolítica enquanto forma encontrada pelo Estado para “gerir a vida da população” não pode ser ingenuamente compreendida pelo seu “caráter humanitário” de administrar, por meio de intervenções políticas, as condições de vida da população. Há um aspecto violento desse controle, denunciado pelo autor, que reside justamente na exigência contínua e crescente da morte em massa do “outro”, enquanto instrumento privilegiado para a garantia de melhores meios de sobrevivência de uma determinada população: o poder de expor uma população à morte geral é o inverso do poder de garantir a outra sua permanência em vida. Nesse contexto, o princípio “poder matar para poder viver” se transforma no princípio de estratégia entre os Estados, com a particularidade de que a existência em questão já não é aquela - jurídica - da soberania, é outra - biológica - de uma população (WERMUTH, 2014).

O viés biopolítico que subjaz à temática das migrações, no Brasil, fica bastante evidente a partir dos projetos imigrantistas do século XIX, os quais já estavam alicerçados - ainda que sub-repticiamente - em questões raciais. O “branqueamento” da população brasileira - mediante o fomento da imigração europeia - tinha por escopo evitar a “degenerescência” decorrente da mestiçagem. O aporte ao Brasil de imigrantes europeus é visto, então, como condição de possibilidade para a proeminência de uma raça “superior” em detrimento das raças “inferiores”.

Em um discurso proferido em julho de 1911, no âmbito do I Congresso Universal das raças, realizado em Londres, o então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro João Batista Lacerda1 1 “João Baptista de Lacerda (1846-1915) foi o cientista eleito para representar o país naquele evento. Intelectual de renome nacional, Lacerda formarase em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, era autor de pesquisas na área de fisiologia e microbiologia, tendo exercido atividades de relevo durante sua carreira. Foi ministro da Agricultura e, no Museu Nacional, chefe do Laboratório Experimental e subdiretor das seções de zoologia, antropologia e paleontologia. Boa parte de suas investigações resultou em artigos publicados na renomada Revista do Museu Nacional. Foi também diretor dessa instituição, além de presidente da Academia Nacional de Medicina.” (SCHWARCZ, 2011, p. 226). apresentou um ensaio intitulado Sur les métis au Brèsil, no qual defendia a tese segundo a qual a população miscigenada do Brasil, dentro de um século, apresentaria um aspecto bastante diferente do atual: “as correntes de imigração europeia, que aumentam a cada dia e em maior grau o elemento branco desta população, terminarão, ao fim de certo tempo, por sufocar os elementos dentro dos quais poderiam persistir ainda alguns traços do negro.”(LACERDA apud SCHWARCZ, 2011SCHWARCZ, Lilia Moritz. Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p. 225-242., p. 239).

Na época em que Lacerda proferiu esse discurso, “o Brasil servia como um exemplo do cruzamento extremado de raças, algo que [...] era visto como extremamente negativo: representávamos um exemplo de degeneração, obtida pelo efeito perverso da mistura de raças.” (SCHWARCZ, 2011SCHWARCZ, Lilia Moritz. Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p. 225-242., p. 226). A tese defendida por Lacerda, portanto, transformava o cruzamento racial, de problema, em solução, na medida em que apostava “em uma espécie de mestiçagem redentora, que se lograria a partir de algumas políticas públicas concernentes à imigração; de algumas certezas da ciência que apostava na seleção - branca - dos mais fortes, e com alguma fé.” (SCHWARCZ, 2011, p. 228). Na perspectiva de Lacerda, “em três gerações, ofereceríamos um exemplo ao mundo: mostraríamos uma redenção e ‘redução’ étnica, bem no alvorar do novo século. A raça negra desapareceria entre os brasileiros e, junto com o incentivo à imigração europeia, a nação seria definitiva e finalmente branca.” (SCHWARZ, 2011, p. 231). De acordo com o enviado brasileiro ao I Congresso Universal das Raças,

quando isso se realizar, os mestiços e o negro terão desaparecido, deixando lugar ao branco; os indígenas terão submergido como aqueles da Austrália, consecutivamente à invasão dos anglo-saxões; os descendentes de portugueses, cruzados com italianos e alemães, formarão uma população de aparência toda europeia, modificada pela ação do clima tropical: população vigorosa, inteligente, amiga do progresso, plena de ardor ao trabalho, que sabe se utilizar de todas as conquistas da civilização para melhorar as condições de sua existência. No Brasil, a população encontrar-se-á então vis-à-vis aos povos latinos da Europa, nas mesmas condições que os Estados Unidos da América do Norte vis-à-vis aos povos anglo-saxões do Velho Continente. (LACERDA apud SCHWARCZ, 2011SCHWARCZ, Lilia Moritz. Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p. 225-242., p. 240).

Se o progresso das sociedades é, nesta lógica, associado à ausência de miscigenação, a política de “branqueamento” da população brasileira dava aos europeus livre acesso ao território do país. “A europeização, antes restrita ao ambiente doméstico, transforma-se agora em objetivo - melhor seria dizer ‘obsessão’ - de políticas públicas.” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2016DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. 2. ed.. São Paulo: Planeta, 2016., p. 219). Nesse contexto, a “noção hierárquica de civilização estava por trás de certos desideratos biológicos, fazendo da cor branca um indicador de superioridade, mesmo na ausência de um discurso explicitamente racista.” (SEYFERTH, 2002SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, n. 52, 2002., p. 119).

Essas políticas migratórias irrestritas aos europeus foi responsável pela chegada ao país, entre 1877 e 1903, de cerca de 71 mil imigrantes por ano, sendo que 58,5% eram provenientes da Itália; entre os anos de 1904 e 1930, esse número alcançou o marco de 79 mil, com os portugueses alcançando 37% do total de entradas (SCHWARCZ; STARLING, 2015SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa M.. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 323). Até meados de 1930, aproximadamente quatro milhões de pessoas originárias, em sua maioria, de Portugal, Itália, Alemanha e Japão chegaram ao Brasil (LEVY, 1974LEVY, Maris Stella Ferreira. O papel da migração internacional na evolução da população brasileira (1872-1972). Revista de Saúde Pública, n. 8 (supl.), 1974.). A ideia de criação de uma “nação branca”, ao mesmo tempo em que transformava os espólios da escravidão em um “gigantesco Zumbi” - na expressão de Batista (2003BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro:dois tempos de uma história. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.) - que assombrava as elites conservadoras, impunha aos migrantes a missão de se integrarem com os nacionais, por uma mestiçagem que - agora - era considerada positiva, na medida em que cumpria com a lógica do “branqueamento”. Nesse contexto, “assimilação é a mesma coisa que caldeamento ou fusão racial. Daí a conveniência da imigração lusitana, ou até mesmo da imigração italiana - segundo seus termos, menos perigosas por serem gentes latinas e mais assimiláveis.” (SEYFERTH, 2002SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, n. 52, 2002., p. 131).

Com efeito, “o imigrante apenas interessava quando vinha compactuar com a criação de uma identidade nacional, tomando parte na construção do futuro trabalhador brasileiro, e não como elemento de desagregação e discórdia”. (SILVA, 2007SILVA, Érica Sarmiento da. A “não democracia” dos excluídos: alguns pontos da política imigratória brasileira. Logos 27: mídia e democracia. Ano 14, p. 141-148, 2007., p. 145). É por isso que o imigrante que não correspondia à esta expectativa de assimilação era logo caracterizado como “perigoso” e, consequentemente, “indesejável”, como fica evidente na matéria intitulada “Os indesejáveis”, publicada em setembro de 1917 no jornal “O Paiz”, no Rio de Janeiro:

Por maior que seja a hospitalidade que oferecemos a todos os estrangeiros que procuram o Brasil; por mais premente que seja a necessidade de incrementarmos o povoamento do nosso solo, não poderíamos ir ao extremo de transigir, eternamente com os imigrantes que não querem corresponder ao acolhimento amigo que lhes dispensamos e, cuja permanência, entre nós, passa assim, a ser, de fato, indesejável. (SILVA, 2007SILVA, Érica Sarmiento da. A “não democracia” dos excluídos: alguns pontos da política imigratória brasileira. Logos 27: mídia e democracia. Ano 14, p. 141-148, 2007., p. 142)

Esta lógica utilitarista, que dividia os imigrantes em desejáveis e indesejáveis, permeou o modo como, durante o governo de Getúlio Vargas que culminava no chamado “Estado Novo”, foi tratado o tema das migrações no Brasil. O imigrante “ideal” era aquele que tinha algo a contribuir com o desenvolvimento econômico do país, sem deixar de lado a seleção racial, que pressuponha a superioridade da raça branca europeia. De acordo com Seyferth (2002SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, n. 52, 2002., p. 139), os membros do então Conselho de Imigração e Colonização “exprimiam sua crença no mito do branqueamento, sob o eufemismo da ‘formação nacional’, e suas restrições a imigrantes não-brancos”.

O Decreto-lei nº 406, promulgado em 4 de maio de 1938, marcou uma maior intervenção do poder público na composição étnica da população. A expressão “assimilação” era utilizada, no pórtico da lei, para legitimar a atuação do governo no sentido de limitar ou até mesmo suspendera entrada no Brasil de indivíduos de determinadas raças ou origens, por meio da instituição de um sistema de cotas que visava a evitar a concentração das nacionalidades estrangeiras e impedir a entrada dos indesejados. Estabeleceu-se, então, o limite anual de 2% do número de estrangeiros de mesma nacionalidade chegados ao Brasil entre 1884 e 1933, sendo que 80% das cotas eram destinadas a estrangeiros agricultores ou técnicos de indústrias rurais. Vedava-se, assim, o ingresso no país de imigrantes que em nada poderiam contribuir com a economia nacional, a exemplo dos inválidos, doentes, ciganos, etc.

Materializava-se, novamente, uma gestão dos fluxos migratórios por meio de estratégias biopolíticas de controle da vida humana em sua dimensão coletiva, ou seja, de população (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010., 2012), estabelecendo cesuras biopolíticas (AGAMBEN, 2010AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.) entre os migrantes que eram considerados “úteis” e os considerados “inúteis”, uma vez que não preparados para efetivamente contribuir com o “progresso nacional” e o “branqueamento” da população, políticas assumidas como projetos de Estado.

O viés seletivo e utilitarista das políticas migratórias da primeira metade do século XX segue evidente nas medidas restritivas à imigração estabelecidas, no eclodir da Segunda Guerra Mundial, pelo Decreto-Lei nº 3.175, de 7 de abril de 1941. Essa legislação foi responsável pela suspensão da concessão de vistos (temporários ou permanentes) para estrangeiros, nos termos dos seus arts. 1º e 2º:

Art. 1º. Fica suspensa a concessão de vistos temporários para a entrada de estrangeiros no Brasil. Executam-se os vistos concedidos: 1) a nacionais de Estados americanos, 2) a estrangeiros de outras nacionalidades, desde que provem possuir meios de subsistência [...]

Art. 2º Fica suspensa igualmente a concessão de vistos permanentes. Excetuam-se os vistos concedidos: 1) a portugueses e a nacionais de Estados americanos; 2) ao estrangeiro casado com brasileira nata, ou à estrangeira casada com brasileiro nato; 3) aos estrangeiros que tenham filhos nascidos no Brasil; 4) a agricultores ou técnicos rurais que encontrem ocupação na agricultura ou nas indústrias rurais ou se destinem a colonização previamente aprovada pelo Governo Federal; 5) a estrangeiros que provem a transferência para o país, por intermédio do Banco do Brasil, de quantia, em moeda estrangeira, equivalente, no mínimo, a quatrocentos contos de réis; 6) a técnicos de mérito notório especializados em indústria útil ao país e que encontrem no Brasil ocupação adequada; 7) ao estrangeiro que se recomende por suas qualidades eminentes, ou sua excepcional utilidade ao país; 8) aos portadores de licença de retorno; 9) ao estrangeiro que venha em missão oficial do seu governo. (BRASIL, 1941).

O utilitarismo segue regendo o tema das migrações no artigo 162 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, segundo o qual “a seleção, entrada, distribuição e fixação de imigrantes ficarão sujeitas, na forma da lei, às exigências do interêsse nacional.” (BRASIL, 1946). Esse período marca justamente um momento de cessação de políticas voltadas a atrair migrantes ao país, o que persiste durante o período subsequente, quando, sob regime ditatorial e sob a influência da introdução da doutrina da segurança nacional, os imigrantes passam a ser rotulados como potenciais “inimigos”, tendo seus direitos amplamente restringidos. Observa-se neste período, inclusive, um movimento de “desconstitucionalização” da imigração na “Constituição” de 1967, a qual se limitava, em seu artigo 8º, XVII, p, a estabelecer a competência da União para legislar sobre “emigração e imigração; entrada, extradição e expulsão de estrangeiros”. (BRASIL, 1967). Esse movimento é “coroado” pela edição do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), que aborda o tema da imigração a partir de um viés securitário e extremamente discriminatório.

Com efeito, os artigos 2º e 3º da Lei nº 6.815/1980 - para além da sua própria denominação, que utiliza a expressão “estrangeiro”2 2 Arnaiz (1998, p. 121) destaca que “en términos filosóficos, puede decirse con razón que la figura del extranjero es uno de los referentes de lo extraño o, si se quiere, de la radical extrañeza manifestada em la falta de un suelo (territorio) desde el que identifícarse y en la dificultad de una lengua en la que decirse y ser reconocido. Así, no es de extrañar la generación de toda una gama de sentimientos y posturas que van desde el rechazo pasando por el distanciamiento hasta, talvez, llegar en el mejor de los casos a la compasión.” para designar o imigrante - evidenciam a sua “tônica” no tratamento do tema das migrações em pleno regime ditatorial no Brasil:

Art. 2º Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional.

Art. 3º A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão sempre condicionadas aos interesses nacionais. [...] (BRASIL, 1980).

No período no qual a referida Lei foi gestada e promulgada, o governo militar havia se transformado em uma verdadeira “máquina de matar gente”, utilizando-se, em nome da preservação da categoria fantasmagórica “segurança nacional”, da tortura em larga escala. Nesse período, a tortura se constitui em uma “máquina de matar concebida para obedecer a uma lógica de combate: acabar com o inimigo antes que ele adquirisse capacidade de luta.” (SCHWARCZ; STARLING, 2015SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa M.. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 461). Em razão disso é que não se pode falar, neste período, em uma “política migratória”, uma vez que a ideia era manter os “inimigos” externos afastados enquanto se dizimava - ou se tentava dizimar - os inimigos internos.

A relação estabelecida pelo revogado Estatuto entre a entrada de imigrantes no país e a “segurança nacional” evidencia a compreensão dos processos migratórios enquanto “ameaça” ou “invasão”, conceitos típicos de uma legislação de exceção. A propósito, o art. 7º do Estatuto dispunha, em seu inciso II, que a entrada do estrangeiro pode ser negada caso ele seja considerado nocivo à “ordem pública” ou aos “interesses nacionais”. O viés utilitarista do Estatuto do Estrangeiro decorre, justamente, desta perspectiva: se será permitida a entrada de “estranhos” no país, que o seja para “propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional, visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos” - conforme dispunha o parágrafo único do art. 16 da legislação em comento (BRASIL, 1980).

Em relação à concessão de vistos, o art. 26 do Estatuto dispunha que o visto concedido pela autoridade consular configura mera “expectativa de direito”, de modo que o a entrada, estada ou registro do imigrante pode ser obstada nas hipóteses previstas no art. 7º - dentre as quais situa-se a já mencionada consideração do imigrante como sendo nocivo à “ordem pública” ou aos “interesses nacionais” - bem como quando se julgar sobre “a inconveniência de sua presença no território nacional, a critério do Ministério da Justiça.” (BRASIL, 1980).

A partir da análise dos dispositivos em comento, é possível perceber que os termos empregados pelo legislador conferiam uma ampla margem de discricionariedade aos agentes públicos responsáveis pela concessão dos vistos. Essa subjetividade trazia, como efeito concreto, uma grande insegurança jurídica para os imigrantes, uma vez que os colocavam à mercê de avaliações pessoais de agentes da Polícia Federal - órgão que, pela sua função precípua de investigação e combate à criminalidade, “tende a uma interpretação restritiva das normas que beneficiam os migrantes.”(VENTURA; ILLES, 2012VENTURA, Deisy; ILLES, Paulo. Qual a política migratória do Brasil?Le Monde Diplomatique Brasil, 07 de março de 2012.Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1121>. Acesso em: 29 dez. 2018.
http://www.diplomatique.org.br/artigo.ph...
).

O Estatuto do Estrangeiro ainda previa inúmeras restrições a direitos fundamentais dos imigrantes. Por exemplo, o seu art. 106, inciso VII, vedava a eles o direito de “participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada”; já o art. 107 proibia que o estrangeiro exercesse atividade política ou que se “imiscuísse” - e a utilização do verbo imiscuir denota a consideração do estrangeiro enquanto um “intruso” pelo legislador - direta ou indiretamente nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe, por consequência, “especialmente vedado” o que segue:

  • I - organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de ideias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem;

  • II - exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesão a ideias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país;

  • III - organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens I e II deste artigo. (BRASIL, 1980).

Desta breve análise de alguns dispositivos da revogada legislação regulamentadora da entrada e permanência de imigrantes no Brasil, é possível aferir a afronta direta que referido Texto representava à Constituição Federal promulgada em 1988 e à maioria dos textos internacionais que versam sobre os direitos básicos dos migrantes. O Estatuto do Estrangeiro espelhava nitidamente o ideário típico de um regime de exceção. O imigrante era mantido em uma situação constante de suspeição, à disposição de julgamentos de oportunidade e conveniência de autoridades administrativas.

Os novos fluxos migratórios que começaram a aportar ao país no início deste século impuseram grandes debates acerca da necessidade de mudança legislativa acerca do tema, o que culminou com a edição de uma nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que visava a uma “adequação” do tratamento do assunto aos princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e aos Tratados Internacionais sobre o tema, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, da Convenção da ONU sobre Trabalhadores Migrantes, da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e dos Protocolos sobre o Tráfico de Pessoas e o Contrabando de Imigrantes. É com este tema que se ocupa o tópico a seguir.

3 O breve século XXI: da “guinada democrática” da nova lei de migração ao rompimento com o “pacto global para migração segura, ordenada e regular” da ONU

Na contemporaneidade, o Brasil se projeta como ator global nas relações internacionais, o que impõe ao país o desafio de apresentar soluções adequadas para o tema da mobilidade humana - particularmente diante dos fluxos migratórios (que incluem migrantes e refugiados) direcionados ao país nos últimos anos, com destaque aos haitianos, senegaleses e, mais recentemente, venezuelanos. A anacrônica legislação de 1980, nesse sentido, até por sua absoluta incompatibilidade com os pilares do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, afigurava-se como um “entulho” legislativo que merecia urgente atualização. Nesse sentido é que surge o Projeto de Lei nº 288, de 2013, do Senado Federal (BRASIL, 2013), que deu origem à nova Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017), responsável pela revogação do Estatuto do Estrangeiro.

É imperioso destacar que a nova legislação surge a partir de uma profícua interlocução com movimentos sociais, a exemplo da Conferência sobre Migrações e Refúgio (COMIGRAR), do Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM) e do I Diálogo de Participação Social promovido pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg). Todos esses eventos, realizados entre os anos de 2013 e 2016, destacaram a importância de uma legislação sobre migrações que mantivesse sintonia com o direito internacional dos Direitos Humanos, em respeito ao princípio da convencionalidade. Essa preocupação ficou consignada no texto legal, na medida em que o art. 2º da Lei de Migração preconiza que a sua aplicação “não prejudica a aplicação de normas internas e internacionais específicas sobre refugiados, asilados, agentes e pessoal diplomático ou consular, funcionários de organização internacional e seus familiares”. (BRASIL, 2017).

Por seu turno, o art. 3º da referida Lei, ao estabelecer os princípios e diretrizes da política migratória brasileira, evidencia, em seu inciso I, a “universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos”, no inciso II, o “repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação” e, no inciso XVIII, a “observância ao disposto em tratado.” Já o inciso XX do artigo em questão reconhece a “migração e [o] desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas.” (BRASIL, 2017).

Além dos princípios e diretrizes já referidas, o art. 3º da Lei nº 13.445/2017 preconiza que a política migratória brasileira seja embasada pela não criminalização da migração (inciso III), pela não discriminação em virtude de critérios ou procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional (inciso IV) e pela acolhida humanitária (inciso VI). Há, também, preocupação com a garantia do direito à reunião familiar (inciso VIII) e à igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares (inciso IX), assim como à inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas (inciso X), viabilizando o acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social (inciso XI), promovendo e difundindo direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante (inciso XII) (BRASIL, 2017).

No plano das relações internacionais, o art. 3º preconiza, além do já referido respeito aos tratados, o fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoa (inciso XIV), a cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante (inciso XV), a integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço (inciso XVI) e, por fim, o repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas (inciso XXII) (BRASIL, 2017). Do mesmo modo, a nova legislação estabelece como regra o impedimento de ingresso por motivos relacionados à nacionalidade, raça, religião, pertencimento a grupo social ou opinião política, estabelecendo possibilidade de responsabilização dos agentes que praticarem atos arbitrários em zonas fronteiriças primárias.

Esses princípios e diretrizes, dentre outros estabelecidos pela legislação sob análise, evidenciam uma nítida “guinada democrática” no modo como o Brasil passa a lidar com o tema das migrações internacionais, suplantando, definitivamente, o ranço autoritário alicerçado na ideia de “segurança nacional” e de uma gestão meramente utilitarista dos fluxos migratórios orientada aos interesses econômicos e do mercado de trabalho.

Ao propor o projeto legislativo que deu origem à nova Lei de Migração o Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) salientava a mens legis: abandonar a lógica da proteção diante do outro alicerçada pela ideia da defesa da segurança nacional, dos interesses do Brasil e do trabalhador nacional - nos moldes do Estatuto de 1980 - em nome de uma legislação voltada para a recepção do imigrante, com base no trinômio da cooperação internacional, da assistência humanitária e da integração regional (BAPTISTA; VILAR, 2017).

Como destaca Ramos (2017RAMOS, André de Carvalho; RIOS,Aurelio; CLÈVE Clèmerson; VENTURA, Deisy; GRANJA, João Guilherme; MORAIS, José Luis Bolzan de;PIRES Jr., Paulo Abrão; DALLARI, Pedro B. de Abreu; REIS, Rossana Rocha;JARDIM, Tarciso Dal Maso;BERNER, Vanessa. Regulamento da nova Lei de Migração é contra legem e praeter legem. Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-nov-23/opiniao-regulamento-lei-migracao-praetem-legem>. Acesso em: 06 abr. 2019.
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), em uma era de intensa mobilidade humana internacional, o Brasil pode extrair benefícios advindos da diversidade e do multiculturalismo representados pelos fluxos migratórios. Por outro lado, o país pôde finalmente corrigir deficiências no que tange ao cumprimento de seus deveres de proteção dos migrantes, impedindo, com a nova legislação, “a construção jurídica de vulnerabilidades e a superexploração” dessa população. Nesse sentido, a Lei nº 13.445/2017 pode ser lida como resultado “da constatação de que negar direitos, gerar entraves burocráticos na regularização migratória, atuar com arbítrio e sem coerência, são condutas que não reduzem o deslocamento de pessoas”; pelo contrário, tais condutas “apenas degradam as condições de vida do migrante, bem como prejudicam empresas, trabalhadores e a sociedade em geral.” Nesse sentido, “nada mais justo e favorável aos interesses nacionais que tratar o migrante com dignidade, estimulando-o a contribuir, tal qual ocorreu ao longo de nossa história, ao desenvolvimento de uma sociedade plural, desenvolvida e justa.”

Ocorre que, da sua propositura até sua aprovação, em 2017, o texto do projeto que culminou na edição da nova Lei de Migração foi objeto de intensos debates nos quais foi possível “identificar a constância dos temores e racismos enunciados quando da tramitação da lei anterior, nos anos 70”, agora ainda mais enrijecidos diante da presença, no Congresso Nacional, de parlamentares “referidos a posições de segmentos da elite política brasileira que se organiza em ‘frentes’, notadamente a Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista e a Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como bancada da bala”. No que diz respeito à primeira “frente”, cumpre salientar que, no Senado, foram apresentadas emendas ao projeto pelo então Senador Lasier Martins (PSD/RS) demonstrando “a resiliência da narrativa ‘defesa da segurança nacional’ e ‘estrangeiro como ameaça’”, sendo a primeira delas -rejeitada - “determinava a supressão da possibilidade de autorização de residência para estrangeiro que esteja em liberdade provisória ou em cumprimento de prisão cautelar ou de pena criminal”, sob o entendimento de que o acolhimento desses sujeitos significaria “abrir a porta para que indivíduos de conduta duvidosa venham a residir no nosso país”; já a segunda emenda proposta pelo referido Senador “defendia a supressão do tratamento diferenciado dado aos povos indígenas”, sob a argumentação “de que se poderia conceber a possibilidade de territórios indígenas sobrepostos às fronteiras nacionais, o que poderia implicar na criação de ‘áreas em que o livre trânsito de pessoas seria feito sem a fiscalização do governo nacional’”. (SPRANDEL, 2018SPRANDEL, Marcia Anita. Leis migratórias e conservadorismo parlamentar no Brasil: o caso da Lei 13.445, de 2017. In. FERNANDES, Duval et al. Cadernos de Debates: Refúgio, Migrações e Cidadania, v.13, n.13, p. 37-60, 2018. Brasília: Instituto Migrações e Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.migrante.org.br/publicacoes/caderno-de-debates/caderno-de-debates-13-refugio-migracoes-e-cidadania/>. Acesso em: 17 fev. 2019.
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, p. 39).

Neste mesmo sentido foi o posicionamento do Senador Ronaldo Caiado (DEM/GO), o qual teceu duras críticas ao trecho do texto do Projeto de Lei (§2º do art. 1º) que garantia aos povos indígenas e populações tradicionais o direito à livre circulação em terras tradicionalmente ocupadas, independentemente das fronteiras criadas depois, sob o argumento de que “isso significa ‘escancarar as fronteiras’ do Brasil e pode facilitar o tráfico de drogas, especialmente da Venezuela, da Colômbia e do Paraguai.” (BAPTISTA; VILAR, 2017).A proposta desta última emenda, mesmo não tendo sido aceita nesse momento e nem nos Plenários das duas casas que compõem o Congresso Nacional, acabou sendo acolhida, a posteriori, pelo então presidente Michel Temer, por meio de veto, sob justificativa de que este dispositivo não estaria em consonância com os artigos 1o, I; 20, § 2o; e 231 da Constituição Federal, os quais “impõem a defesa do território nacional como elemento de soberania, pela via da atuação das instituições brasileiras nos pontos de fronteira, no controle da entrada e saída de índios e não índios e a competência da União de demarcar as terras tradicionalmente ocupadas, proteger e fazer respeitar os bens dos índios brasileiros.” (BRASIL, 2017a).

No âmbito da Câmara dos Deputados, posicionamentos alicerçados na lógica “parasitária” e da “segurança nacional” também ficaram bastante marcados. Em seu discurso em face à aprovação do Projeto de Lei pelo Senado, na sessão de 19 de abril de 2017, o Deputado Federal Marcos Feliciano (PSC/SP) expressou seu “total repúdio a essa lei”, que, na sua perspectiva, mesmo estando “revestida de caráter humanista”, expõe o Brasil “de forma irresponsável em um momento em que o mundo testemunha estupros coletivos na Suécia, terroristas utilizando caminhões para atropelar a população na Alemanha, bombas explodindo na França, ou seja, todo tipo de ato terrorista.” Por outro lado, salientou - em postura claramente xenofóbica - que “o Brasil pretende, de braços abertos, receber estrangeiros no momento em que temos 12 milhões de desempregados”, argumentando que, “não temos nem para nós mesmos, como vamos prover a quem está chegando? A saúde já está um caos, faltam vagas nas escolas públicas, e temos déficit na Previdência”, razão pela qual perquiriu: “quem vai pagar essa conta?” (FELICIANO, 2017).

Em seus pronunciamentos em plenário acerca do Projeto de Lei, o então Deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em 06 de dezembro de 2016, também evidenciou uma perspectiva abertamente xenofóbica em relação aos migrantes, ao referir que “é um crime o que estão fazendo aqui com este projeto de lei, escancarando as portas do Brasil para todo o mundo. Tudo quanto é tipo de escória virá para cá agora!” (BOLSONARO, 2016). O parlamentar fundamentou seu voto contrário ao Projeto nos seguintes termos:

Sr. Presidente, quero fazer um apelo aos meus colegas! Tenho certeza de que V.Exas. não sabem o que estão votando. Vocês estão escancarando as portas do Brasil para todo tipo de gente!

A Angela Merkel, atrás do seu quarto mandato, acabou de endurecer a sua legislação sobre imigrantes, porque acabou de ser assassinada uma menina, após ter sido estuprada, caso que comoveu a Alemanha. O comportamento e a cultura deles são completamente diferentes dos nossos.

Não podemos, neste momento de crise mundial, escancarar as portas do Brasil para todo tipo de gente! Isso vai virar - desculpem-me o termo - a casa da mãe joana.

Este País é nosso! Não é de todo mundo! Não podemos fazer isso. Até mesmo o Trump ganhou as eleições na Flórida, juntamente com os cubanos, exatamente em função disso. Nós não podemos escancarar as portas do Brasil para o mundo! Nós não comportamos esse tipo de gente aqui dentro, sem controle!

É o apelo que eu faço, Sr. Presidente, para votar contra isso aí. Obrigado pela oportunidade.

Pelo Brasil, peço o voto ‘não’. (BOLSONARO, 2016).

Essas investidas conservadoras contra a nova Lei de Migrações - ainda em sua fase de tramitação legislativa - evidencia, de acordo com Sprandel (2018SPRANDEL, Marcia Anita. Leis migratórias e conservadorismo parlamentar no Brasil: o caso da Lei 13.445, de 2017. In. FERNANDES, Duval et al. Cadernos de Debates: Refúgio, Migrações e Cidadania, v.13, n.13, p. 37-60, 2018. Brasília: Instituto Migrações e Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.migrante.org.br/publicacoes/caderno-de-debates/caderno-de-debates-13-refugio-migracoes-e-cidadania/>. Acesso em: 17 fev. 2019.
https://www.migrante.org.br/publicacoes/...
, p. 54-55), a permanência de uma lógica que já havia sido apreendida por Seyferth (2002SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, n. 52, 2002.; 2008) em suas pesquisas: “a suspeição contra o estrangeiro, a eugenia, a intolerância e a criminalização, que fazem parte de toda formulação legislativa dos últimos anos do Império e da República, não deixariam de existir, como num passe de mágica, no Brasil contemporâneo.” Muito pelo contrário, essas perspectivas remanescem, “alimentadas por narrativas sobre a necessidade de fortalecimento das forças de segurança e pela agenda de retirada de diretos que, com percalços e algumas contradições, vinham se solidificando no país a partir da Constituição de 1988.”

Durante a tramitação do projeto na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal é que se observou - como aponta Sprandel (2018SPRANDEL, Marcia Anita. Leis migratórias e conservadorismo parlamentar no Brasil: o caso da Lei 13.445, de 2017. In. FERNANDES, Duval et al. Cadernos de Debates: Refúgio, Migrações e Cidadania, v.13, n.13, p. 37-60, 2018. Brasília: Instituto Migrações e Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.migrante.org.br/publicacoes/caderno-de-debates/caderno-de-debates-13-refugio-migracoes-e-cidadania/>. Acesso em: 17 fev. 2019.
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) - uma articulação envolvendo a assessoria do governo Dilma Rousseff com o senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), relator do projeto, de modo que fosse incorporado ao seu parecer as sugestões formuladas pela Comissão de Especialistas que havia sido criada pelo Ministério da Justiça - por meio da Portaria nº 2.162/20133 3 Informações quanto à composição da referida Comissão e sua contribuição para o desenvolvimento do Anteprojeto de Lei que culminou com a promulgação da Lei nº 13.445/2017 estão disponíveis em: <https://www.justica.gov.br/news/proposta-de-nova-lei-de-migracoes-devera-substituir-estatuto-criado-durante-a-ditadura/entenda_novo_estatutoestrangeiro2.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2019. - com o desiderato de formulação de uma proposta de Anteprojeto de Lei de Migração4 4 Para uma visão completa acerca dos percalços na tramitação do projeto de Lei no âmbito da Câmara dos Deputados e no Senado Federal consultar Sprandel (2018). . Esse movimento foi fundamental para se avançar na abertura da Lei nº 13.445/2017 para os Direitos Humanos que, na sua redação final, mesmo diante das investidas conservadoras e dos vetos do Presidente Michel Temer, ocupam posição de centralidade. Isso fica evidenciado, também, etimologicamente, na medida em que a legislação deixa de usar a expressão “estrangeiro” -com forte conotação pejorativa -, e passa a empregar a expressão “migrante”, que compreende, nos termos de seu art. 1º, §1º, os imigrantes, os emigrantes, os residentes fronteiriços, os visitantese os apátridas.

No entanto, apesar de demonstrar inúmeros avanços quando comparada à legislação anterior, especialmente no que tange à centralidade conferida ao respeito aos Direitos Humanos, a Lei em comento deixa de abordar questões de extrema relevância como, por exemplo, o exercício dos direitos políticos dos imigrantes. Ocorre que, sem a possibilidade de participação política nas decisões que lhes digam respeito, nenhuma mudança no sentido de integração desses sujeitos será efetiva (WERMUTH; AGUIAR, 2018WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; AGUIAR, Jeannine Tonetto. Direitos Humanos e políticas migratórias brasileiras: do estatuto do estrangeiro à nova lei de migrações, rupturas e continuidades. Revista Culturas Jurídicas, vol. 5, n. 10, p. 228-258, 2018. Disponível em: <http://www.culturasjuridicas.uff.br/index.php/rcj/article/view/479>. Acesso em: 05 abr. 2019.
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).Por este motivo, também, “o Brasil vai ficando isolado num continente em que o direito ao voto dos migrantes já foi reconhecido por Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, México e Peru.” (VENTURA; ILLES, 2012VENTURA, Deisy; ILLES, Paulo. Qual a política migratória do Brasil?Le Monde Diplomatique Brasil, 07 de março de 2012.Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1121>. Acesso em: 29 dez. 2018.
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).

Por outro lado, a Lei ainda prevê procedimentos de regularização de documentos extremamente burocratizados e a aplicação de multas-por estada irregular e por deixar de registrar-se no órgão competente, conforme dispõem os incisos II, III, e IV do artigo 109 (BRASIL, 2017) - que pesam sobre os imigrantes. Em relação ao tema da concessão de vistos, a Lei repristina pontos muito criticados na legislação de 1980, uma vez que a concessão de visto permanente não é mais possível, de modo que o trabalhador imigrante conta, agora, apenas com a possibilidade de concessão de visto temporário, acompanhado de autorização de trabalho, conforme dispõe o parágrafo 5º do artigo 14: “[...] o visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no País”, sendo essa exigência dispensada “se o imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente.” (BRASIL, 2017, grifou-se).

A partir desse dispositivo, “o imigrante apenas poderá vir ao Brasil para trabalhar com o visto temporário de trabalho se uma empresa o convidar previamente, ou seja, não há possibilidade de que ele solicite esse visto, apenas a empresa é que poderá solicitá-lo” (WERMUTH; AGUIAR, 2018WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; AGUIAR, Jeannine Tonetto. Direitos Humanos e políticas migratórias brasileiras: do estatuto do estrangeiro à nova lei de migrações, rupturas e continuidades. Revista Culturas Jurídicas, vol. 5, n. 10, p. 228-258, 2018. Disponível em: <http://www.culturasjuridicas.uff.br/index.php/rcj/article/view/479>. Acesso em: 05 abr. 2019.
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, p. 250). Do mesmo modo, cria-se uma situação de discriminação que era nota característica do Estatuto do Estrangeiro, na medida em que a concessão de visto temporário para trabalho independe de oferta formal de emprego no Brasil quando se trata de imigrante que comprove titulação em curso de ensino superior ou formação equivalente, rechaçando-se, portanto, os migrantes com baixa escolaridade e/ou sem qualificação profissional.

Por outro lado, referidas disposições transformam o “ser-migrante” em mera “força-de-trabalho”, arrastando-o para um “não-ser” na medida em que dita força se mostra despicienda diante do “interesse nacional” (SAYAD, 1998SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 1998.). Ocorre que, considerar o migrante enquanto força de trabalho significa uma mirada absolutamente utilitarista sobre o fenômeno migratório: se o que faz “nascer” o migrante é uma necessidade de maximização de vantagens econômicas, isso pode significar a criação de um espaço de insegurança/incerteza quanto ao “descarte”, ou seja, ao momento em que referida mão-de-obra, a depender de circunstâncias (des)reguladas pelo mercado, deixa de ser necessária.

Além das considerações já realizadas, o movimento pendular entre democracia e autoritarismo também resta evidenciado a partir do teor do Decreto nº 9.199/2017, que visa à regulamentação da Lei nº 13.445/2017. Referido Decreto marca um movimento de recrudescimento em relação à abertura representada pela nova Lei de Migração aos Direitos Humanos e, na perspectiva de Ramos et al (2017RAMOS, André de Carvalho; RIOS,Aurelio; CLÈVE Clèmerson; VENTURA, Deisy; GRANJA, João Guilherme; MORAIS, José Luis Bolzan de;PIRES Jr., Paulo Abrão; DALLARI, Pedro B. de Abreu; REIS, Rossana Rocha;JARDIM, Tarciso Dal Maso;BERNER, Vanessa. Regulamento da nova Lei de Migração é contra legem e praeter legem. Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-nov-23/opiniao-regulamento-lei-migracao-praetem-legem>. Acesso em: 06 abr. 2019.
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), se afigura como “uma grave ameaça a conquistas históricas, tanto no que se refere aos direitos dos migrantes como no que tange à capacidade do Estado brasileiro de formular políticas adequadas em relação a esta matéria de relevância crescente.” Isso fica bastante evidente por meio do emprego, no Decreto regulamentador, da expressão “clandestino”, no bojo do art. 172, que dispõe:

Art. 172. A entrada condicional no território nacional de pessoa que não preencha os requisitos de admissão poderá, na impossibilidade de retorno imediato do imigrante impedido ou clandestino, ser autorizada pela Polícia Federal, por meio da assinatura de termo de compromisso, pelo transportador ou por seu agente, que assegure o custeio das despesas com a permanência e com as providências necessárias para a repatriação do imigrante.

Parágrafo único. Na hipótese de entrada condicional prevista no caput, a Polícia Federal fixará o prazo de estada, as condições a serem observadas e o local em que o imigrante impedido ou clandestino permanecerá. (BRASIL, 2017b).

A utilização da expressão “clandestino” no Decreto sob análise demonstra uma total desconsideração, no âmbito doméstico, de todo o debate internacional acerca da proteção dos Direitos Humanos dos migrantes, alicerçada sobre a ideia de que “nenhum ser humano é ilegal”. Efetivamente, os adjetivos ilegal/clandestino objetificam o migrante, colocando o texto do art. 172 do Decreto na contramão da recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) - que desde a década de 1970 preconiza a utilização das expressões “não documentado” ou “irregular” -, bem como da campanha encabeçada pela Platform for International Cooperation on Undocumented Migrants (PICUM), que desde 2014 recomenda o uso dos termos “indocumentado” e “irregular”.

Para além da questão vernacular, o Decreto também evidencia um “ranço” autoritário que não se coaduna com o ambiente de um Estado Democrático de Direito que tem justamente na dignidade da pessoa humana um dos seus pilares de sustentação (art. 1º, III, CF). Ademais, o texto do regulamento entra em rota de colisão com a Lei que visa a regulamentar, na medida em que, como já salientado, o art. 3º da Lei nº 13.445/2017 reconhece a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, repudiando a prevenindo a xenofobia, o racismo e quaisquer outras formas de discriminação, comprometendo-se, ainda, ao bservar as disposições concernentes ao tema das migrações previstas em Tratados Internacionais.

No que diz respeito ao visto temporário - regulado pelo art. 14 da Lei nº 13.445//2017 -, o Decreto regulamentador agudiza os problemas já ressaltados acima, na medida em que dispõe, em seu art. 38, §1º, I, que “a oferta de trabalho é caracterizada por meio de contrato individual de trabalho ou de contrato de prestação de serviços”. Aqui, a redação do Decreto desconsidera o fato de que “um contrato não constitui uma oferta e sim a consumação de uma relação trabalhista ou de prestação de serviços, o que por certo dificultará sobremaneira a obtenção de tal visto pelos migrantes.” (RAMOS et al, 2017RAMOS, André de Carvalho; RIOS,Aurelio; CLÈVE Clèmerson; VENTURA, Deisy; GRANJA, João Guilherme; MORAIS, José Luis Bolzan de;PIRES Jr., Paulo Abrão; DALLARI, Pedro B. de Abreu; REIS, Rossana Rocha;JARDIM, Tarciso Dal Maso;BERNER, Vanessa. Regulamento da nova Lei de Migração é contra legem e praeter legem. Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-nov-23/opiniao-regulamento-lei-migracao-praetem-legem>. Acesso em: 06 abr. 2019.
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).

Ainda sobre o visto temporário, mesmo que o art. 37, I, da Lei nº 13.445/2017 disponha que ele pode ser concedido com a finalidade de reunião familiar de cônjuge ou companheiro sem nenhuma discriminação, o art. 45, I, do Decreto 9.199/2017 salienta que a concessão do visto temporário nesta hipótese se dará “nos termos do ordenamento jurídico brasileiro”, estabelecendo requisito inexistente na Lei regulamentada. Por seu turno, os arts. 28, V, e 133, V, do Decreto dispõem que o visto poderá denegado ao migrante em razão da prática de “ato contrário aos princípios e aos objetivos dispostos na Constituição”, sem especificar que atos justificariam esta medida, fazendo “persistir em nossa ordem a perniciosa discricionariedade das autoridades federais em matéria de ingresso no território nacional que caracteriza o Estatuto do Estrangeiro, típico de um regime militar.” (RAMOS et al, 2017RAMOS, André de Carvalho; RIOS,Aurelio; CLÈVE Clèmerson; VENTURA, Deisy; GRANJA, João Guilherme; MORAIS, José Luis Bolzan de;PIRES Jr., Paulo Abrão; DALLARI, Pedro B. de Abreu; REIS, Rossana Rocha;JARDIM, Tarciso Dal Maso;BERNER, Vanessa. Regulamento da nova Lei de Migração é contra legem e praeter legem. Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2017. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-nov-23/opiniao-regulamento-lei-migracao-praetem-legem>. Acesso em: 06 abr. 2019.
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).

Para além do retrocesso representado pelo Decreto regulamentador da Lei nº 13.445/2017 - analisado, dentro dos limites do presente artigo, apenas em alguns aspectos - o movimento pendular inclina-se, pós eleições de 2018, para uma lógica ainda mais autoritária no tratamento das questões que envolvem as migrações, colocando, inclusive, em xeque a vigência da Lei nº 13.445/2017. Isso fica muito nítido a partir do rompimento do Brasil com o “Pacto Global sobre Migração Segura, Ordenada e Regular” da ONU, no início de 2019, logo após a posse do Presidente Jair Bolsonaro - o qual, na condição de Deputado Federal, como demonstrado acima, sempre apresentou forte oposição à Lei nº 13.445/2017, utilizando-se de discursos xenofóbicos que compara os migrantes à “escória da humanidade”.

O “Pacto Global sobre Migração Segura, Ordenada e Regular” é o primeiro acordo criado que se preocupa, de forma minuciosa e ampla, com o fenômeno da migração em escala internacional (ONU, 2019a). O acordo tem como raízes a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e reafirma a Declaração de Nova York para refugiados e migrantes (UNITED NATIONS, 2019a). Foi adotado em Marrakesh, Marrocos, em dezembro de 2018 e visa a melhorar a cooperação internacional em relação aos fluxos migratórios. Como salienta Squeff (2018SQUEFF, Tatiana Cardoso. A relevância do Pacto Global de Migrações no mundo contemporâneo. Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-dez-27/tatiana-squeff-relevancia-pacto-global-migracoes-mundo>.Acesso em: 06 abr. 2019.
https://www.conjur.com.br/2018-dez-27/ta...
), “o documento não tem como condão flexibilizar a soberania estatal, mas fortificá-la através da cooperação intergovernamental, para que sejam adotadas medidas que garantam uma migração segura, ordenada e regular/contínua.”

O Pacto estabelece diversos objetivos que tornem as migrações seguras, ordenadas e regulares; reconhece a vulnerabilidade dos migrantes; preocupa-se com questões de governo e de soberania nacional; ratifica os benefícios trazidos por esses sujeitos aos países anfitriões, dentre outros propósitos. Ainda, pretende promover segurança e desenvolvimento sob a égide dos direitos humanos (ONU, 2019a).

É importante salientar que o acordo se fundamenta em valores que respeitem a soberania dos Estados signatários não tendo um caráter vinculativo. Desse modo, caracteriza-se como uma partilha de responsabilidade e de ratificação de direitos humanos (ONU, 2019b). António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, nomeou Louise Arbor - que possui ampla experiência em relações internacionais -, do Canadá, como Representante Especial para as questões atinentes ao acordo (UNITED NATIONS, 2019b) e este, de um modo geral, encoraja seus países-membros a desenvolver e incentivar a implementação das políticas acordadas. É importante salientar que o Pacto também conta com um mecanismo de acompanhamento, prevendo a realização de encontros a cada quatro anos.

O Brasil assinou o Pacto durante o governo de Michel Temer, mas recuou e rompeu com sua posição inicial, tendo sido esta uma das primeiras medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro, em 8 de janeiro de 2019. O chanceler Ernesto Araújo anunciou a medida por meio de uma rede social, afirmando que “a imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, razão pela qual considera o Pacto Global uma “ferramenta inadequada para lidar com o problema.” (JORNAL DA USP, 2019). Em total desacordo com os princípios e diretrizes da Lei nº 13.445/2017, o chanceler afirmou que a imigração “é bem-vinda, mas não pode ser indiscriminada”, mas estar “a serviço dos interesses nacionais e da coesão de cada sociedade”. (HEBDO LATINO, 2018).

Referido movimento de “recuo” do Brasil no cenário internacional no que tange à proteção dos Direitos Humanos dos migrantes evidencia um claro movimento biopolítico que, na história pendular do país acerca do tema, não se configura como novidade. A novidade do nosso século XXI consiste, aqui, no “esvaziamento do Estado de direito perante uma das concretizações mais contundentes da biopolítica no presente, a questão dos deslocamentos populacionais”, que coloca em questão “a insuficiência das respostas que o Estado de direito tem sido capaz de oferecer”. Com efeito, “ainda que, formalmente, a juridicidade estatal oriente estas respostas, percebe-se o quanto estão distantes de possuírem efetividade, de serem dotadas de legitimidade e, no limite, de serem justas.” (FONSECA, 2016FONSECA, Marcio Alves da. Imigração, Estado de direito e biopolítica. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v. 28, n. 45, p. 969-984, set.-dez. 2016. Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/1980-5934.28.045.DS12/79>. Acesso em: 28 mar. 2019.
https://periodicos.pucpr.br/index.php/au...
, p. 979). Trata-se, em última análise, de um movimento que culmina na produção de um quadro de indistinção entre direito e violência, responsável pela produção da vida nua, ou seja, uma vida que se encontra exposta às mais diferentes formas de violência.

Com efeito, as contínuas cesuras estabelecidas entre o imigrante “útil” e o imigrante “inútil” - de acordo, invariavelmente, com as demandas do mercado e com a associação da população migrante com o crescimento da criminalidade - implicam a produção de sujeitos que habitam uma zona de indiscernibilidade entre direito e violência. Na medida em que suas vidas são consideradas de modo meramente utilitário, sua dignidade enquanto seres humanos fica relegada a segundo plano.

Instaura-se, assim, um discurso desumanizador que legitima - como o fez historicamente no país - todas as formas de violação de Direitos Humanos daqueles que aportam ao Brasil em uma situação de maior vulnerabilidade, notadamente aqueles migrantes oriundos de países menos desenvolvidos que enfrentam longas e perigosas travessias em busca de melhores condições de vida.

4 Considerações finais

O aumento dos fluxos migratórios direcionados ao Brasil neste início de milênio impõe a reflexão sobre o estado d’arte da questão no país. Em primeiro lugar, porque o Brasil vem se consolidando como uma das economias mundiais mais importantes, e começa a atrair a atenção dos imigrantes. Em segundo lugar, porque o Brasil até pouco tempo atrás não possuía uma regulamentação jurídica adequada do tema, razão pela qual os imigrantes aqui residentes enfrentavam uma política securitária e autoritária - notadamente por meio da atuação da Polícia Federal - que se embrenhava a partir da margem discricionária que o “vácuo legislativo” acerca do tema proporcionava. Com efeito, o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980) em vigor no país até o ano de 2017, além de anacrônico, demonstrava muitos pontos de incompatibilidade com o Texto Constitucional - até porque fundamentado em preocupações relativas à segurança nacional típicas do período em que o Brasil viveu sob regime ditatorial.

Ocorre que, na contemporaneidade, mesmo diante da promulgação da Lei nº 13.445/2017, que revoga o vetusto Estatuto e se propõe a “atualizar” a legislação migratória do Brasil tendo como horizonte a proteção dos direitos humanos dos migrantes - assegurados tanto constitucional quanto convencionalmente -, a práxis das instituições que “lidam” com o tema ainda revelam traços alicerçados em uma concepção meramente utilitarista da imigração - condicionada a fatores econômicos - e, paralelamente, repressivista, ao partir do pressuposto de que, acima de tudo, é preciso defender os “interesses nacionais”.

Esse movimento revela-se com bastante contundência a partir da análise do Decreto regulamentador da Lei (Decreto nº 9.199/2017), que promove um verdadeiro retrocesso ao repristinar, por exemplo, em pleno século XXI, a figura do “migrante clandestino”, como verdadeiro “inimigo” nacional. A culminância desse processo de “estrangeirização” dos migrantes pode ser averiguada a partir do recente rompimento do país com o “Pacto Global sobre Migração Segura, Ordenada e Regular” da ONU, no início de 2019.

Verifica-se, do exposto, que a inspiração do modo como a sociedade brasileira trata do tema das migrações tem sido o paradigma que coloca o imigrante em uma situação constante de suspeição, ou seja, como uma fonte potencial de riscos, criando situações de discriminação que violam o disposto no Texto Constitucional, particularmente no que se refere a um dos objetivos da República Federativa do Brasil, qual seja, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV). Esse panorama aponta para a premência de um marco regulatório que responda adequadamente aos inúmeros problemas enfrentados pelos migrantes na contemporaneidade, e que seja amparado no princípio de uma cidadania universal, aliada à proteção incondicional dos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana.

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  • 1
    “João Baptista de Lacerda (1846-1915) foi o cientista eleito para representar o país naquele evento. Intelectual de renome nacional, Lacerda formarase em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, era autor de pesquisas na área de fisiologia e microbiologia, tendo exercido atividades de relevo durante sua carreira. Foi ministro da Agricultura e, no Museu Nacional, chefe do Laboratório Experimental e subdiretor das seções de zoologia, antropologia e paleontologia. Boa parte de suas investigações resultou em artigos publicados na renomada Revista do Museu Nacional. Foi também diretor dessa instituição, além de presidente da Academia Nacional de Medicina.” (SCHWARCZ, 2011, p. 226).
  • 2
    Arnaiz (1998, p. 121) destaca que “en términos filosóficos, puede decirse con razón que la figura del extranjero es uno de los referentes de lo extraño o, si se quiere, de la radical extrañeza manifestada em la falta de un suelo (territorio) desde el que identifícarse y en la dificultad de una lengua en la que decirse y ser reconocido. Así, no es de extrañar la generación de toda una gama de sentimientos y posturas que van desde el rechazo pasando por el distanciamiento hasta, talvez, llegar en el mejor de los casos a la compasión.”
  • 3
    Informações quanto à composição da referida Comissão e sua contribuição para o desenvolvimento do Anteprojeto de Lei que culminou com a promulgação da Lei nº 13.445/2017 estão disponíveis em: <https://www.justica.gov.br/news/proposta-de-nova-lei-de-migracoes-devera-substituir-estatuto-criado-durante-a-ditadura/entenda_novo_estatutoestrangeiro2.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2019.
  • 4
    Para uma visão completa acerca dos percalços na tramitação do projeto de Lei no âmbito da Câmara dos Deputados e no Senado Federal consultar Sprandel (2018).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2019
  • Aceito
    12 Jan 2020
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