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O estudo de caso na sociologia dos tribunais: o HC 126.292 e as ADCs 43 e 44

Case studies in the sociology of courts: the HC 126.292 and ADCs 43 e 44

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar reflexões teóricas e metodológicas sobre o estudo de caso na sociologia dos tribunais. Como referência principal, adotam-se os trabalhos de Boaventura de Sousa Santos sobre os tribunais. A sociologia dos tribunais propõe-se a analisar os tribunais em sociedade, e não de forma apartada ou isolada. Para isso, o estudo de caso é um método de pesquisa privilegiado, pois articula diversas técnicas para compor um quadro empírico amplo sobre a atuação dos tribunais em sociedade. Com base em estudo de caso sobre o HC 126.292 e as ADCs 43 e 44 realizado em pesquisa de doutorado, demonstra-se a utilidade de alguns conceitos – as pressões na tomada de decisão, a heterogeneidade dos tribunais e suas diferentes funções exercidas em sociedade – e da articulação de distintas técnicas de pesquisa para analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave:
Estudo de caso; Sociologia do Direito; Supremo Tribunal Federal

Abstract

The purpose of this article is to present theoretical and methodological reflections on case studies on courts. As main reference, it draws on the works of Boaventura de Sousa Santos. The sociology of courts aims to analyze the courts in society, not in a separate or isolated way. For this, the case study is a privileged research method, as it articulates several techniques to compose a broad empirical picture about the performance of courts in society. Based on a case study on HC 126,292 and ADCs 43 and 44 carried out in a doctoral research, the article demonstrates the usefulness of some concepts - the pressure on decision-making, the heterogeneity of courts and their different functions in society - and the articulation of different research techniques to analyze the performance of the Brazilian Supreme Court.

Keywords:
Case study; Sociology of Law; Brazilian Supreme Court

Introdução

A sociologia dos tribunais é um campo interdisciplinar de pesquisa que se propõe a analisar os tribunais em sociedade, e não de forma apartada ou isolada (SANTOS, 2016, p. 11). Nessa perspectiva, o estudo de caso é um método bastante útil, pois combina diversas técnicas de pesquisa para compor um quadro empírico amplo sobre a atuação dos tribunais na sociedade. Como afirma Yin (2001YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001., p. 32), o estudo de caso “investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real”, e não em ambientes “controlados”. No entanto, ainda são poucos os trabalhos no Brasil que mobilizam o estudo de caso para a análise dos tribunais1 1 Uma exceção é Catharina (2015), que realizou estudos de casos sobre os julgamentos sobre cotas raciais, união homoafetiva e política quilombola do Supremo Tribunal Federal, e demonstrou a influência de movimentos sociais nessas decisões. Sobre o estudo de caso na pesquisa em direito no Brasil, conferir Machado (2017). . Por isso, este artigo pretende indicar e defender algumas vantagens desse método de pesquisa, diferenciando-o de algumas abordagens atuais no Brasil2 2 Boito Jr. (2018, p. 10) afirma que as “correntes institucionalistas” são a “orientação dominante na ciência política contemporânea” e “em graus variados, separam a análise política da análise econômica e social, incorrendo numa concepção formalista do processo político”. Destoando da literatura institucionalista internacional, Hirschl (2008, p. 134, tradução minha) afirma: “Como qualquer outra instituição política, eles [os tribunais] não operam em vácuo institucional ou ideológico. [...] não podem ser compreendidos de forma separada dos conflitos sociais, políticos e econômicos concretos que constituem um sistema político.” .

O objetivo deste trabalho é refletir sobre conceitos e técnicas de pesquisa que podem ser utilizados no estudo de caso sobre os tribunais no Brasil. Para isso, as principais referências são os trabalhos de Boaventura de Sousa Santos na sociologia do direito. Para embasar a presente reflexão, são retomados dados e análises oriundos de estudo de caso realizado em pesquisa de doutorado sobre o Habeas Corpus 126.292 e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, este artigo almeja uma contribuição sobretudo a nível teórico e metodológico sobre a sociologia dos tribunais no Brasil.

Este trabalho está organizado em três partes. Primeiro, são discutidos alguns conceitos que podem ser úteis para o estudo dos tribunais: as pressões na tomada de decisão, a heterogeneidade interna e as diferentes funções que exercem em sociedade. Segundo, à luz dos conceitos discutidos, indica-se como o estudo de caso pode se inserir na sociologia dos tribunais e se reflete sobre as formas de articulação de distintas técnicas de pesquisa. Na terceira parte, demonstra-se como os conceitos e técnicas de pesquisa foram utilizados em estudo de caso sobre o HC 126.292 e as ADCs 43 e 44. O foco são os aspectos metodológicos do estudo de caso realizado em pesquisa de doutorado, sem retomar por completo seus dados, análises e resultados.

1. Conceitos para uma sociologia dos tribunais

Em pesquisas sobre os tribunais é fundamental articular teoria e empiria a fim de produzir análises abrangentes, sofisticadas e com profundidade. Nos seus trabalhos, Boaventura de Sousa Santos (2002, p. xviii; p. 2009, p. 19) defende um método de “teoria situada” [grounded theory] que evite tanto os riscos do “teoricismo”, de um lado, quanto do “empiricismo”, de outro. O primeiro tende a predominar na tradição europeia e trabalha apenas com o raciocínio dedutivo e o diálogo com a literatura. Dessa forma, não se propõe a produzir dados empíricos para demonstrar hipóteses ou para desenvolver a própria teoria. O segundo, com mais força nos Estados Unidos, defende que a “verdade científica” é decorrente apenas da empiria, que seria responsável por todo o mérito de uma pesquisa, e busca transformar o estudo de fenômenos sociais sempre em “experimentos controlados”. Esse empiricismo, como destaca Santos (1983, p. 12), tende a produzir certo “descritivismo”, isto é, a mera descrição de eventos e dos padrões e regularidades nos objetos de estudo. Como sintetiza Santos (1980SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Coimbra: 1980., p. 49), “é tão urgente produzir investigação empírica quanto evitar o empiricismo”3 3 Em sentido semelhante, Campilongo (2000, p. 56) afirma: “Boaventura Santos combina suas experiências empíricas, inclusive no Brasil, com uma forte e penetrante teorização sobre o direito contemporâneo.” .

Dessa forma, estudos de caso sobre os tribunais não podem prescindir de uma discussão teórica prévia4 4 Muitas pesquisas atuais sobre o STF tendem a ser caracterizadas por um certo empiricismo. Da Ros (2017, p. 85) indica que “parece haver um contraste entre a elevada atenção acadêmica concedida ao STF, por um lado, e o leque relativamente minguado de abordagens teóricas empregadas em seu exame, por outro.” . Em linhas gerais, uma teoria fornece conceitos, indica hipóteses, questões e aspectos relevantes a serem observados na produção de dados e orienta a análise desses dados5 5 Nesse sentido, Santos (1982, p. 13) afirma: “Toda a investigação científica tem a presidir-lhe desde o início um conjunto de orientações teóricas e estratégicas analíticas, com base no qual é construído o objecto de investigação, escolhida a unidade de análise, seleccionadas as técnicas e os métodos, orientado o trabalho de campo, analisados e teorizados os dados recolhidos.” Yin (2001, p. 54) também destaca: “um projeto completo de pesquisa [...] exige, na verdade, o desenvolvimento de uma estrutura teórica para o estudo de caso que será conduzido. [...] A utilização da teoria, ao realizar estudos de caso, não apenas representa uma ajuda imensa na definição do projeto de pesquisa e na coleta de dados adequados, como também torna-se o veículo principal para a generalização dos resultados do estudo de caso.” . Como afirma Santos (1982, p. 13), é uma “ilusão” acreditar que “os dados têm uma existência ateórica”, isto é, que “são constatações puras”. Mesmo uma pesquisa com contribuições exclusivamente empíricas acaba empregando, de modo explícito ou implícito, alguns pressupostos teóricos e conceitos. Para realizar uma pesquisa sobre os tribunais é necessário, portanto, apresentar, delimitar e discutir os conceitos que a orientam6 6 Como afirma Nielsen (2012, p. 971, tradução minha), “Na medida em que a pesquisa empírica em direito se torna mais popular, há um risco de se perder de vista a relevância da teoria para o desenho de uma pesquisa. O potencial completo da pesquisa social sobre o direito é melhor realizado quando as questões teóricas orientam as escolhas de métodos. Uma pesquisa que visa a relacionar o uso do direito por indivíduos, instituições e organizações requer ao mesmo tempo uma análise teórica sobre as relações entre essas entidades e um conjunto de métodos que captem essas relações.” . Nesse sentido, um estudo de caso é sempre desenhado a partir de determinados aportes teóricos, o que se faz a seguir.

1.1. As pressões na tomada de decisão

Na análise da atuação dos tribunais, uma distinção teórica relevante é entre a tomada de decisão e sua posterior justificação. Hans Kelsen nota essa distinção. Em texto de 1929, Kelsen (2000KELSEN, Hans. Legal formalism and the pure theory of law. In: JACOBSON, Arthur; SCHLINK, Bernhard (Ed.). Weimar: a jurisprudence of crisis. Berkley: University of California Press, 2000, p. 76-83., p. 82) incorpora uma tese da “Escola de Direito Livre”, e sustenta que é uma “ilusão” a ideia de que existe apenas uma decisão judicial correta e que o juiz está rigidamente adstrito à lei. Como desenvolve na segunda edição da Teoria Pura do Direito, a lei fornece apenas uma moldura para a decisão judicial, no interior da qual existem múltiplas possibilidades igualmente corretas. Na verdade, acrescenta Kelsen (2006, p. 388-394), até mesmo uma decisão judicial fora da moldura pode ocorrer. No processo de tomada de decisão e aplicação do direito podem incidir diversos fatores, como “normas de Moral, normas de Justiça, juízos de valor sociais [...]” (KELSEN, 2006, p. 393). Ou seja, não incidem apenas os fatores estritamente relacionados às normas jurídicas. Conclui então que “todo o ato jurídico em que o Direito é aplicado, [...] é, em parte, determinado pelo Direito e, em parte, indeterminado” (KELSEN, 2006, p. 388). Na esteira de Kelsen, Bobbio (2016BOBBIO, Norberto. Jusnaturalismo e positivismo jurídico. São Paulo: Unesp, 2016., p. 119) sustenta que muitas vezes “a decisão vem, de fato, antes dos argumentos que a justificam.”7 7 Em sentido semelhante, Santos (1980, p. 44): “o papel das normas jurídicas no processamento dos litígios nas instituições jurídicas estatais (sobretudo nos tribunais) não pode ser de modo nenhum absolutizado. [...] há toda uma série de factores, sobretudo de ordem política geral, que condicionam a acção dessas instituições, e de tal modo que a sociologia do direito dispõe hoje de ampla prova empírica de que o processamento oficial dos litígios só em parte é guiado por normas jurídicas.” Também distinguindo o processo de tomada de decisão e sua justificação posterior: Schauer (1988, p. 521), e Shecaira e Struchiner (2016, p. 155).

Essa distinção entre o processo de tomada de decisão, de um lado, e sua justificação posterior, de outro, é relevante pois no âmbito dos tribunais acontecem em momentos distintos, e não de forma simultânea. No caso de um ministro do STF, a tomada de decisão, sobretudo nos casos mais relevantes, ocorre em diversos momentos do seu cotidiano, seja no gabinete por meio do diálogo com assessores e advogados das partes, seja em eventos fora do gabinete. A sessão de julgamento é o momento de justificação da decisão tomada, com a apresentação do voto anteriormente elaborado8 8 Existem ordens jurídicas nas quais a tomada de decisão e sua justificação ocorrem de forma simultânea, por meio de audiências com a presença das partes e debates orais de cunho retórico. É o caso do direito da comunidade do Rio de Janeiro analisado por Santos (1980, p. 20), sobre o qual afirma: “A construção retórica do processo de decisão condiciona a própria decisão, mas esta, sem deixar de ser um produto do discurso, é também discurso produzido; é, simultaneamente, a medida do discurso e o discurso medido”. Nesse caso, a distinção entre tomada de decisão e sua justificação é menos relevante. . Na sociologia dos tribunais, é necessário, portanto, analisar o processo de tomada de decisão, e não apenas descrever a justificação das decisões judiciais.

Na tomada de decisão podem incidir pressões oriundas de indivíduos e grupos sociais com interesse no resultado do processo judicial. Nesse sentido, a atuação dos magistrados está inserida em contextos com intensos conflitos. Não ocorre em condições abstratas ou consideradas “ideais”. Em sociedades capitalistas, as elevadas desigualdades fazem com que alguns grupos tenham mais condições de exercer pressão sobre os tribunais do que outros. Na esteira de Galanter (1974)GALANTER, Marc. Why the “haves” come out ahead: speculations on the limits of legal change. Law and Society Review, New York, n. 9, p. 95-160, 1974., são os grandes grupos econômicos que detêm mais recursos para influenciar a tomada de decisão. Embora “formalmente neutro” entre “possuidores” e “não-possuidores”, o sistema jurídico tende a “perpetuar e aumentar as vantagens dos primeiros” (GALANTER, 1974GALANTER, Marc. Why the “haves” come out ahead: speculations on the limits of legal change. Law and Society Review, New York, n. 9, p. 95-160, 1974., p. 103-104, tradução minha). Nesse sentido, são os grupos com mais recursos, poder e status que detêm mais condições para mobilizar o direito9 9 McCann (2008, p. 535, tradução minha) indica que uma “área promissora para novos estudos” é a “mobilização do direito pelos poderosos”, uma vez que a maior parte da literatura se concentra na mobilização realizada por indivíduos e grupos com menos poder. Nesse sentido, existe uma lacuna na literatura sobre estratégias de mobilização do direito pelas grandes empresas, por exemplo. .

Além dos grandes grupos econômicos nacionais, os tribunais brasileiros estão sujeitos também a pressões oriundas de interesses externos. Enquanto instituições, estão inseridos em Estado com posição subordinada nas relações internacionais. A noção de soberania, enquanto uma elevada independência em relação a interesses provenientes de outros países, tem sido uma característica historicamente restrita aos Estados de alguns países da Europa e dos Estados Unidos10 10 Nesse sentido, Tully (2008, p. 69, tradução minha) afirma: “Desde a descolonização formal em meados do século XX, a maioria das teorias políticas e do direito público parte do pressuposto de que o campo do direito e da política é composto por Estados constitucionais soberanos unidos pelo Direito Internacional Público.” No entanto, visões mais recentes indicam que “a ordem jurídica e política mundial é melhor caracterizada como uma ordem imperial de algum tipo ou outro”. Sobre o Brasil, Bercovici (2013, p. 316, grifos do autor) afirma: “O problema central, ignorado pela maior parte de nossos doutrinadores, é o fato de que a soberania brasileira, como soberania de um Estado periférico, é uma soberania bloqueada, ou seja, enfrenta severas restrições externas e internas que a impedem de se manifestar em toda sua plenitude.” . Por isso, o Judiciário brasileiro lida não apenas com pressões internas, dos diversos grupos e classes sociais, mas também com pressões externas oriundas dos Estados de países centrais, de agências internacionais e de grandes empresas estrangeiras11 11 Utilizando a posição do país no “sistema-mundo” como um dos fatores para analisar a globalização nos anos 1990, Santos (2002, p. 188, tradução minha) afirma: “a força externa do Estado é de importância crucial para a compreensão de algumas formas de globalização jurídica, especialmente aquelas que implicam a transformação do sistema judicial do Estado-nação sob pressão de forças e instituições transnacionais.” .

Embora com menos recursos e poder, as classes populares e movimentos sociais também exercem alguma influência sobre os tribunais no Brasil. No sentido amplo proposto por Santos (2006a, p. 36-37), movimentos sociais abrangem diversas práticas de luta coletiva contra formas de exclusão e de opressão social. No Brasil, a pressão de movimentos sociais é relevante uma vez que possuem certa tradição de organização e mobilização, isto é, possuem força social. Além disso, como afirmam Abers, Serafim e Tatagiba (2014ABERS, Rebecca; SERAFIM, Lizandra; TATAGIBA, Luciana. Repertórios de Interação Estado-Sociedade em um Estado Heterogêneo: A Experiência na Era Lula. Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, p. 325-357, 2014., p. 331), atuam não apenas por fora, mas também “por dentro das instituições do Estado”, inclusive os tribunais.

Em suma, para explicar a atuação dos tribunais é necessário considerar as pressões que incidem nos seus processos de tomada de decisão12 12 Com base em análise de entrevistas de ministros do STF, Santos (2019, p. 188) afirma: “Quando perguntados acerca da existência das referidas pressões, os ministros afirmam a sua ocorrência principalmente por meio da mídia, imprensa e opinião pública, mas não descartam também serem pressionados em ambientes familiares.” Essas pressões na tomada de decisão tendem a não ser consideradas por estudos que seguem a orientação teórica de Bourdieu, a exemplo de Almeida (2016) e Fontainha, Jorge e Sato (2018), que focam nos conflitos entre profissionais do direito e nos processos de formação de elites no campo jurídico. . As análises sobre o Judiciário não podem se limitar à sua relação com demais poderes. Devem levar em conta também e sobretudo sua relação com os distintos grupos sociais que atuam no Judiciário para avançar interesses e agendas13 13 É o que afirma Santos (2001, p. 202-203, tradução minha): “O papel dos juízes na prática é inerentemente ambíguo, indeterminado e, portanto, é objeto de lutas sociais. Diferentes grupos políticos lutam para controlar a natureza e a orientação política do ativismo judicial. [...] A força relativa dos grupos em luta determina o perfil geral da atuação judicial.” . Em processos judiciais em que seus interesses estejam em jogo, é de se esperar relevantes pressões de agentes estrangeiros, grandes grupos econômicos brasileiros e movimentos sociais.

1.2. A heterogeneidade e a homogeneidade nos tribunais

Outro conceito relevante na análise dos tribunais é a heterogeneidade interna, que está presente em diversos trabalhos de Santos. Ao analisar a atuação do Judiciário em conflitos urbanos em Recife, Santos (1983, p. 53) identificou uma “assimetria e heterogeneidade das actuações jurídico-políticas do Estado” em razão, sobretudo, das distintas pressões em torno dos processos judiciais, oriundas dos proprietários, de um lado, e ocupantes do imóvel e Igreja católica, de outro. Em algumas situações os tribunais atenderam de forma rápida e eficaz aos pedidos de despejo dos proprietários, enquanto em outros foram satisfeitos alguns interesses imediatos dos ocupantes (SANTOS, 2016, p. 283-289). Nesse sentido, casos juridicamente semelhantes de ocupação de imóveis vazios apresentaram resultados judiciais distintos (SANTOS, 1983, p. 53), a depender da força e das estratégias jurídico-políticas das partes envolvidas14 14 Nesse sentido, Santos (1982, p. 75) afirma: “os tribunais podem ser legalistas na defesa da propriedade ou pelo contrário dar cobertura legal a problemas sociais, consoante a pressão política exercida sobre eles e o tipo de estratégia jurídica seleccionada pelas partes em litígio.” .

Em trabalho sobre os tribunais em Moçambique, Santos (2006b, p. 50) apontou que uma elevada heterogeneidade interna foi produzida por fortes pressões realizadas por entidades internacionais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional. No contexto da globalização neoliberal, o direito de família, por exemplo, permaneceu orientado por dinâmicas internas mais tradicionais, enquanto áreas relacionadas a interesses de grandes empresas foram submetidas a lógicas internacionais, por meio de novas leis de patentes e de proteção da propriedade industrial, por exemplo15 15 Em relação às pressões internacionais, Santos (2003, p. 68) afirma: “tais pressões, porque muito intensas e selectivas, provocam alterações profundas em algumas instituições e em alguns quadros legais, impondo-lhes lógicas de regulação muito próprias, ao mesmo tempo que deixam outras instituições e quadro legais intocados e, portanto, sujeito às suas lógicas próprias.” . Além disso, algumas práticas da cultura jurídica de common law, na sua versão oriunda dos Estados Unidos, foram impostas em Moçambique, país que foi inserido na tradição do civil law europeu16 16 Sobre essa questão, Santos (2003, p. 70) aponta que “a preponderância dos EUA e das agências financeiras multilaterais que eles controlam tem vindo a promover globalmente, sobretudo na área económica, legislação norte-americana e, com ela, a cultura jurídica anglo-saxónica.” .

A heterogeneidade dos tribunais pode se manifestar de distintas formas. Em especial, os padrões de justificação de suas decisões podem ser mais formais ou informais. Para Santos (2006b, p. 46, tradução minha), uma prática jurídica é formal “quando é dominada por mensagens e normas escritas e procedimentos padronizados”, e informal “quando é dominada pela oralidade e pela argumentação de linguagem comum”17 17 A prática formal é mais institucionalizada e, para Santos (1980, p. 49-52), consiste na “actuação padronizada e impessoal sujeita a critérios de competência e a princípios e normas de racionalidade sistémica” e está “muito próximo [...] do conceito de racionalidade formal de Max Weber”. Santos (1980, p. 50) lembra que “A institucionalização plena da função jurídica não é mais do que um tipo ideal no sentido de Max Weber.” . Em linhas gerais, portanto, a prática dos tribunais não segue uma lógica coerente e universal e pode variar de acordo com o território, temas de atuação, órgão judicial e pressões a que estão submetidos18 18 No entanto, mesmo práticas fragmentadas entre si podem apresentar traços de coerência. Como afirma Santos (2016, p. 302): “O fato de as atuações fragmentárias e assimétricas do Estado terem uma lógica interna não significa que estejam ao abrigo de qualquer outra lógica ‘externa’. Pelo contrário, são detectáveis alguns dos fatores estruturantes da ação do Estado: antes de mais, a defesa da propriedade fundiária privada [...].” Ou seja, a atuação dos tribunais tende a seguir, em linhas gerais, as pressões predominantes na sociedade. . Os tribunais não são monolíticos, de modo que uma sociologia dos tribunais deve captar seus diversos elementos de heterogeneidade.

Em que se pese os elementos de heterogeneidade, é necessário não perder de vista aspectos que indicam para uma elevada homogeneidade dos tribunais. No Brasil, o perfil da magistratura é majoritariamente masculino e branco, sobretudo nos níveis superiores da hierarquia judicial. Em país de maioria negra e com longo histórico de escravidão, a persistência de um perfil branco dos magistrados é uma das grandes continuidades oriundas do colonialismo19 19 Em torno de 18% dos magistrados brasileiros são pretos ou pardos, segundo pesquisas do CNJ (2018, p. 12) e da AMB (2018, p. 324), enquanto que 54% da população brasileira como um todo são pretos ou pardos (IBGE, 2018). Nos tribunais superiores, em torno de 90% são brancos (AMB, 2018, p. 325). . Além disso, apesar de as mulheres ingressarem na magistratura por meio de concursos públicos, elas não ascendem na carreira da mesma forma que os homens20 20 Em torno de 80% dos magistrados no segundo grau são homens (AMB, 2018, p. 315). Para uma discussão sobre as desigualdades de gênero na magistratura, conferir Severi (2016) e Kahwage e Severi (2019). .

Outro aspecto relevante é a remuneração da magistratura, que é elevadíssima em comparação com a sociedade brasileira. Como afirma Boito Jr. (2018, p. 243), os juízes integram a “alta classe média”, a qual, embora numericamente inferior em relação a outros segmentos sociais, ocupa diversos cargos no Estado. Nesse sentido, não só pode exercer pressão sobre o Judiciário, mas é o próprio segmento social que compõe o Judiciário21 21 Nesse sentido: “a alta classe média age, também, por intermédio de importantes instituições do Estado [...] A alta classe média dispõe de uma posição estratégica no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal.” (BOITO JR., 2018, p. 215-216). . Dessa forma, comportamentos políticos homogêneos da alta classe média podem se refletir na atuação da magistratura, como analisa Boito Jr. (2018, p. 253-256).

Ou seja, a magistratura não está socialmente isolada, mas sim inserida nos conflitos políticos brasileiros, de modo que sua atuação tem a ver com suas características predominantes e com o comportamento político do segmento social que integram. Essas características de homogeneidade, descolando-a da ampla maioria da sociedade, favorecem justamente as pressões oriundas dos interesses com mais recursos e poder no Brasil. É plausível que os grupos sociais dominantes, que são brancos, tenham mais condições de influir sobre um Judiciário também predominantemente branco, em país de maioria negra. Em suma, na sociologia dos tribunais é necessário considerar tanto seus aspectos de heterogeneidade quanto de homogeneidade.

1.3. As funções instrumentais, políticas e simbólicas

Um conjunto relevante de distinções teóricas na análise dos tribunais se refere às consequências de sua atuação em sociedade. Os tribunais não apenas sofrem influências oriundas do contexto social, mas também influenciam esse mesmo contexto. Conforme classificação de Santos et al. (1996SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel; PEDROSO, João; FERREIRA, Pedro. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996., p. 51), os efeitos de sua atuação podem ser caracterizados como instrumentais, políticos ou simbólicos.

O papel instrumental implica certa contribuição para a resolução dos conflitos sociais existentes, que são dos mais variados tipos. Podem ser os mais comuns, em que a atuação judicial alcança apenas os indivíduos envolvidos, ou os mais relevantes, em que sua atuação tem amplo impacto social. Nesse sentido, os tribunais oscilam entre a micro litigação e a macro litigação, nos termos de Santos et al. (1996SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel; PEDROSO, João; FERREIRA, Pedro. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996., p. 21). Sob essa ótica, um estudo sobre os tribunais deve avaliar os efeitos pragmáticos da sua atuação, isto é, se contribuiu para resolver ou mitigar, de alguma forma, o conflito social em que atuou.

Além disso, as atividades dos tribunais podem apresentar funções políticas, com influências no governo e mesmo no regime político mais amplo. De modo geral, os tribunais podem contribuir tanto para a “legitimação do poder político no seu conjunto”, quanto para sua desestabilização (SANTOS et al., 1996SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel; PEDROSO, João; FERREIRA, Pedro. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996., p. 54). Na América Latina, os golpes e rupturas em geral têm sido legitimados pelo Judiciário, como afirma Lopes (1989LOPES, José Reinaldo. A função política do poder judiciário. In: FARIA, José Eduardo (Org). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989, p. 123-144., p. 136)22 22 Na teoria marxista, os tribunais em sociedade capitalistas tendem a assumir a “função política” de contribuir para a dominação da burguesia, por meio da “dispersão” das contradições decorrentes de relações de exploração, a fim de mantê-las em “estado de relativa latência” (SANTOS, 1982, p. 24). . De modo mais específico, o acesso aos tribunais pode muitas vezes se converter numa válvula de escape para conflitos políticos e ser funcional para a manutenção do regime23 23 Nesse sentido, o próprio “funcionamento independente, acessível e eficaz dos tribunais constitui, hoje em dia, uma das cauções mais robustas da legitimidade do sistema político.” (SANTOS et al., 1996, p. 54). . Sob essa ótica, cabe questionar sobre os efeitos políticos de uma determinada atuação dos tribunais.

As atuações judiciais, ainda, podem apresentar uma natureza simbólica. Na sua atuação os tribunais transmitem valores para toda a sociedade, o que por si só pode ser um efeito relevante. Além disso, a própria “credibilidade” do Judiciário tem um papel social relevante (SANTOS et al., 1996SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel; PEDROSO, João; FERREIRA, Pedro. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996., p. 56). No entanto, na maioria das vezes não é o próprio tribunal que produz sua imagem social, mas sim os veículos da grande mídia. Dessa forma, atualmente os tribunais apresentam certa “vulnerabilidade e uma dependência dos tribunais ante a comunicação social”, segundo Santos (2011, p. 120-121). Sob essa ótica, é possível considerar os efeitos simbólicos da atuação judicial.

Essas funções instrumentais, políticas e simbólicas estão inter-relacionadas. Elas podem convergir em determinadas situações. Por exemplo, a resolução de conflitos cíveis e a repressão de crimes contribuem também para afirmar certos valores na sociedade, como a valorização de certa ordem. Em outras situações essas funções podem apresentar contradições entre si, como, por exemplo, na dissociação entre imagem social do tribunal e seu efetivo desempenho nas atividades cotidianas de resolução de litígios24 24 Santos et al. (1996, p. 56) afirmam: “Num Estado em geral opaco ou pouco transparente, um deficiente desempenho instrumental dos tribunais pode não afectar a sua eficácia simbólica, sobretudo se alguns casos exemplares de bom desempenho instrumental forem alimentando a comunicação social e se o fizerem de molde a que a visibilidade dos tribunais fique reduzida a essas zonas de atenção pública.” . Em relação aos julgamentos de maior destaque social, os tribunais podem almejar produzir um elevado impacto simbólico, mas sem efeitos pragmáticos relevantes, de modo que persiste, sem significativa alteração, o conflito que originou o processo judicial. Em suma, uma sociologia dos tribunais deve captar e analisar as diferentes funções dos tribunais em sociedade, em toda sua variedade e complexidade.

2. O estudo de caso

O estudo de caso é um método de pesquisa com grande utilidade para uma sociologia dos tribunais orientada pelos conceitos discutidos. Enquanto forma qualitativa de pesquisa volta-se para identificar e caracterizar a existência de pressões na tomada de decisão dos tribunais, a heterogeneidade na sua prática e os diferentes efeitos de sua atuação na sociedade25 25 Webley (2012, p. 948, tradução minha) afirma: a “pesquisa qualitativa é particularmente boa para examinar se um determinado fenômeno social existe ou não, e, se existir, a natureza do fenômeno.” . Na linha de Yin (2001YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001., p. 25), o estudo de caso é adequado para pesquisas que envolvam questões sobre “como” e “por que” ocorre uma determinada atuação dos tribunais. Ou seja, é útil para pesquisas que tenham como foco questões explanatórias sobre práticas judiciais contemporâneas em sociedade.

Ao mesmo tempo em que é orientado por discussões teóricas, o estudo de caso contribui para superar alguns limites da própria teoria. Realizado de forma aprofundada, um estudo de caso tende a identificar aspectos e dinâmicas específicas que não foram previstos na discussão teórica. Esses aspectos próprios do caso estudado não necessariamente contradizem as hipóteses teóricas (que possuem propósitos mais amplos e gerais) e tendem a contribuir para o próprio desenvolvimento da teoria. Nesse sentido, embora aportes teóricos sejam necessários para desenvolver um estudo de caso, não necessariamente têm condições de abranger ou iluminar a totalidade de um evento estudado26 26 Em sentido semelhante, Santos (1982, p. 16) destaca: “Uma construção de dados demasiado controlada pela teoria produz dados açaimado e pavlovianos. A teoria deve comandar a construção dos dados, mas à distância e com espírito esportivo.” .

Como aponta Santos (2016, p. 12), o estudo de caso segue a estratégia da “exemplaridade”, isto é, analisa em profundidade um exemplo qualitativamente significativo da atuação dos tribunais. No caso do STF, apenas uma decisão tem um potencial de impacto muito maior do que um conjunto grande de processos judiciais. Nesse sentido, o estudo de caso foca em atuações judiciais de grande relevância, que sugerem algumas características gerais do tribunal27 27 Nesse sentido, Santos (2016, p. 12-13) afirma: “esse método pressupõe a distinção entre representatividade qualitativa e representatividade quantitativa, sendo que esta última é a concepção dominante de representatividade nas ciências sociais. [...] A representatividade do caso reside no modo como ele revela as condições e contradições sociais, políticas e culturais que estão para além dele, mas que têm um impacto decisivo nas interações e práticas que o constituem.” . São esses casos mais relevantes, em torno dos quais as pressões são mais significativas, que tornam mais evidentes o funcionamento do tribunal e suas dinâmicas de decisão, as quais em outras situações podem estar mais latentes28 28 A proposta de estudo de caso difere de abordagens quantitativas sobre o STF, a exemplo de Oliveira (2012), que almejam abranger ou representar um grande volume de processos. No entanto, essas abordagens quantitativas tendem a omitir ou a secundarizar os casos particularmente relevantes, em torno dos quais as pressões dos grupos sociais são mais intensas, diluindo-os no conjunto global da atuação do tribunal. .

O estudo de caso mobiliza e articula distintas técnicas de pesquisa para captar essas dinâmicas de decisão, tendo, por isso, um maior “poder explicativo” das instituições judiciais em sociedade, como defende Nielsen (2012NIELSEN, Laura Beth. The need for multi-method approaches in empirical legal research. In: CANE, Peter; KRITZER, Herbert (Ed.). The Oxford handbook of empirical legal research. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 951-975., p. 955)29 29 Segundo Nielsen (2012, p. 955), “As melhores pesquisas usam uma variedade de metodologias para fornecer uma compreensão mais matizada do direito, das instituições judiciais e dos processos jurídicos do que pode fornecer qualquer metodologia individual isoladamente, em razão da natureza complexa do contexto social em que operam.” Como afirma Yin (2001, p. 27), “o poder diferenciador do estudo [de caso] é a capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações [...]”. Nas palavras de Machado (2017, p. 361), “o estudo de caso nos convoca a mergulhar profundamente em um fenômeno e a observar a partir de variadas fontes e perspectivas.” . Considerando que cada técnica isolada apresenta certo potencial analítico e, ao mesmo tempo, alguns limites, na combinação de técnicas é possível promover um diálogo entre dados produzidos de diferentes formas, e assim superar os limites de cada técnica isolada. Dessa forma, são reduzidos os riscos de se produzir uma “imagem incompleta” (WEBLEY, 2012WEBLEY, Lisa. Qualitative approaches to empirical legal research. In: CANE, Peter; KRITZER, Herbert (Ed.). The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 926-950., p. 940). No estudo de caso sobre os tribunais, considerando os conceitos apresentados, as técnicas de pesquisa podem se articular de diferentes modos, como se discute a seguir.

2.1. Análise de acórdãos

Um dos métodos de pesquisa mais utilizados para o estudo dos tribunais é a análise de acórdãos, documentos que contêm uma decisão e sua justificativa. Na esteira de Kelsen, um acórdão não é um documento como os demais no processo judicial, a exemplo de atas de audiência e petições das partes, mas sim uma norma jurídica que estabelece comandos. Nesse sentido, a descrição de acórdãos judiciais é também uma descrição de normas jurídicas. Além disso, a análise de acórdão permite captar a justificativa necessária para qualquer decisão judicial. Utilizando a imagem de “moldura” de Kelsen, a legitimidade de uma decisão judicial, do ponto de vista formal, depende de que sua justificativa esteja de acordo com as normas jurídicas superiores. Isto é, a decisão é legítima se estiver no âmbito da “moldura” fornecida pela norma. A análise de acórdãos possibilita, então, identificar se o tribunal mobilizou uma argumentação formal com base em normas jurídicas previamente estabelecidas, ou informais, atuando fora da moldura normativa e baseando a justificativa em outros elementos, como aspectos retóricos. O acórdão, na medida em que é composto por votos de diferentes magistrados, pode revelar também certa heterogeneidade interna ao órgão judicial. De todo modo, ao final são os ministros que compõe a maioria em cada julgamento que justificam a decisão do tribunal.

Embora relevante, a análise de acórdão apresenta limites significativos para os propósitos de uma sociologia dos tribunais. Ao mesmo tempo em que é útil para captar a justificativa da decisão, as pressões a que os tribunais estão submetidos e que influenciam o processo prévio de tomada de decisão não são perceptíveis no acórdão. Dessa forma, é necessário mobilizar outros métodos de pesquisa para explicar a atuação dos tribunais. A análise de acórdãos, enquanto método de pesquisa exclusivo e desconsiderando seus limites, tende a contribuir para a ilusão de que o processo de tomada de decisão e o processo de justificação são integralmente sobrepostos, algo que é negado inclusive por Kelsen, Bobbio e outros juristas liberais.

2.2. Análise do processo judicial

A tomada de decisão do tribunal é influenciada pelo processo em que ocorre. O processo é a forma pela qual o Judiciário atua para resolver conflitos e no âmbito do qual toma decisões. Nesse sentido, a análise do processo judicial como um todo, e não só do acórdão final, permite captar elementos do contexto formal da tomada de decisão. Nesse sentido, é possível analisar petições e documentos anexados pelas partes; atos e datas relevantes no trâmite processual; e manifestações de eventuais terceiros interessados (amici curiae), entre outros aspectos30 30 Sobre a pesquisa em processos judiciais, conferir Silva (2017). Segundo o autor, o processo judicial é “uma arena para os mais variados conflitos de interesse existentes em uma dada sociedade”, e reflete em parte “a estrutura e o funcionamento dos órgãos do sistema de justiça” (SILVA, 2017, p. 283-284). . Essas manifestações de terceiros, que ocorrem, sobretudo no controle concentrado de constitucionalidade, são especialmente relevante para identificar os interesses em conflito e eventuais pressões a que o tribunal pode estar submetido. Ou seja, a análise das manifestações de terceiros permite compor um quadro sobre os interesses em jogo e que podem até mesmo buscar meios extraprocessuais para exercer influência na tomada de decisão. Em situações em que esses terceiros não são admitidos no processo pelo relator, o acórdão final pode não fazer referência a suas manifestações. É o que ocorreu, por exemplo, na ADI 3.943 ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público visando a restringir as prerrogativas da Defensoria Pública no manejo da Ação Civil Pública. Em defesa do pedido da associação dos membros do Ministério Público, manifestou-se a poderosa Federação Brasileira de Bancos, que teve, no entanto, sua admissão negada pela ministra relatora em razão da “ausência de pertinência temática”, informação que não consta no acórdão do julgamento final (SANTOS, 2017SANTOS, Caio Santiago. Defensoria Pública e movimentos sociais. Curitiba: Juruá, 2017., p. 98). A análise do processo judicial como um todo permite, enfim, identificar aspectos do contexto formal da tomada de decisão e interesses eventualmente omitidos no acórdão final, que são relevantes para compreender a questão em jogo e a atuação do tribunal.

2.3. Entrevistas de profissionais do direito

Por meio de entrevistas de profissionais do direito, é possível incorporar percepções, opiniões e conhecimentos de indivíduos e grupos que detêm ampla experiência e contato com a atuação dos tribunais. Esse conhecimento decorrente da prática profissional sobre o funcionamento dos tribunais não foi ainda, em larga medida, incorporado na literatura. Como afirma Santos (1988, p. 67), “a ciência moderna não é a única explicação possível da realidade”, de modo que é necessário dialogar com outros saberes existentes sobre os tribunais31 31 Em sentido semelhante sobre “operadores do direito com experiência prática”, Queiroz (2015, p. 31) afirma que podem ter “impressões relevantes sobre aspectos juridicamente problemáticos”. . Esse conhecimento profissional pode abranger aspectos do contexto informal da tomada de decisão (que não constam nos autos, mas influenciaram a decisão final), e os efeitos da atuação judicial.

Ao mesmo tempo, a percepção de profissionais do direito pode ser, em alguns casos, excessivamente caracterizada pela dinâmica interna do Judiciário, de modo a eventualmente “naturalizar” determinadas práticas, por exemplo. Nesse sentido, as entrevistas de profissionais do direito podem revelar também “desconhecimentos” sobre o funcionamento dos tribunais (SANTOS, 1983, p. 10)32 32 Nesse sentido, Santos (1983, p. 10) sustenta que existem “factores e determinações que influenciam as acções e que transbordam da consciência dos agentes.” Daí a necessidade, para o autor, de uma “análise estrutural-causal”, e não apenas de uma “analise fenomenológica” focada na “inteligibilidade das práticas sociais para os que nelas participam”. . Daí que é necessário, no estudo de caso, contextualizar o entrevistado e por vezes ir além dos seus sentidos e percepções individuais. A entrevista de uma pluralidade de profissionais, que ocupam posições distintas, tende a suprir eventuais desconhecimentos individuais e a compor um quadro mais amplo e sistemático de percepções e conhecimentos sobre o caso estudado.

Para captar a profundidade e as nuances do pensamento de um profissional do direito, as entrevistas semiestruturadas são particularmente úteis. Por seguirem um roteiro previamente elaborado, orienta-se o diálogo para questões relevantes da pesquisa e, ao mesmo tempo, estimula-se o desenvolvimento das opiniões e visões do entrevistado33 33 A entrevista semiestruturada, segundo Xavier (2017, p. 125), é “um tipo de interação, estruturada e dirigida pelo que permite ao entrevistado explorar suas percepções sobre determinado aspecto da realidade social.” . Quando a entrevista ocorre na etapa final de uma pesquisa, após a coleta de outros dados por outras técnicas de pesquisa, as condições são melhores para elaborar um roteiro mais completo e focado em aspectos centrais e duvidosos do estudo de caso.

Os profissionais do direito tendem a revelar aspectos característicos de atores, isto é, de quem atua seguindo determinadas concepções e estratégias. Como qualquer outro indivíduo, inclusive pesquisadores, não há neutralidade nos entrevistados34 34 Sobre a ciência, Santos (1988, p. 67) afirma: “Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antes nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação.” De toda forma, é necessário valorizar a objetividade em pesquisas. Nesse sentido, Santos (2007, p. 57, grifos do autor) sustenta que um “desafio” é “distinguir entre objetividade e neutralidade”, uma vez que “devemos ter uma distância crítica em relação à realidade, mas, ao mesmo tempo, não podemos nos isolar totalmente das consequências e da natureza do nosso saber, porque ele está contextualizado culturalmente [...]”. Em outro trabalho, Santos (2015, p. 12) define a objetividade como “o resultado do uso tão competente quanto possível de metodologias, de preferência participativas, que permitem obter um conhecimento não trivial, correto e adequado porque dotado de potencial pragmático de contribuir para processos globais em análise [...]”. . Nesse contexto, uma opção é priorizar a manutenção do sigilo do entrevistado, de modo a reduzir eventuais comportamentos estratégicos relacionados à sua imagem ou à repercussão da resposta35 35 Esse sigilo pode contribuir para superar os limites no uso de entrevistas identificados por Luciano Oliveira na sua pesquisa de mestrado. Oliveira (2015, p. 180-182) relata que foi por meio da observação em delegacias de polícia em bairros populares do Recife que identificou que os delegados exerciam diversas atividades informais de resolução de conflitos não só penais, mas também cíveis. Posteriormente à observação, entrevistou delegados e percebeu que a “resposta não tinha nada a ver com a realidade que eu já conhecia [...] O que o comissário dizia era exatamente aquilo que, segundo os regulamentos, ele deveria me dizer” (OLIVEIRA, 2015, p. 182). Ou seja, era uma resposta formal bastante distante da prática real dos delegados. .

2.4. Documentos diversos

A análise de documentos em geral, para além daqueles que estão nos autos, também pode contribuir para analisar a prática dos tribunais. Nesse sentido, é possível considerar, por exemplo, materiais produzidos por grupos com interesses sobre o caso estudado. Esses documentos contribuem para revelar agendas que podem influenciar a tomada de decisão. É comum, por exemplo, associações de magistrados emitirem notas com críticas ou apoio a decisões judiciais específicas.

É possível analisar também notícias na mídia, que podem ser úteis já que os tribunais apresentam grande visibilidade e sofrem ampla cobertura. As notícias na mídia contêm informações, sobretudo as mais objetivas, sobre aspectos relevantes dos tribunais, como a ocorrência de eventos com magistrados e as movimentações de grupos econômicos e sociais. Além disso, os próprios grupos midiáticos buscam, na maior parte das vezes, influenciar a atuação dos tribunais. Por isso, é necessário levar em conta o sentido das pressões oriundas da mídia no caso estudado. Essa ação midiática tem impacto elevado em razão do baixo grau de pluralidade de linhas editoriais e do alto grau de exposição dos tribunais brasileiros.

2.5. A observação

Por fim, a observação de atividades de magistrados também pode ser útil para um estudo de caso. As sessões de julgamento podem conter debates e justificativas em torno das decisões do tribunal. As manifestações orais, expressões e debates durante o julgamento são, em geral, parcialmente distintos do acórdão final, que possui uma natureza escrita. Além disso, é possível observar outros atos do processo judicial, a exemplo de audiências públicas em processos de controle de constitucionalidade, nas quais ocorrem interações formais no processo de tomada de decisão. Seria particularmente relevante observar os eventos informais ou privados que influenciam o processo de tomada de decisão, tais como audiências com as partes, dinâmicas internas de gabinetes e eventos sociais em que se discute processos judiciais com atores interessados. Esses eventos informais ou privados, embora teoricamente úteis para analisar o processo de tomada de decisão, são de difícil acesso para pesquisadores.

3. O HC 126.292 e as ADCs 43 e 44

Os conceitos e técnicas de pesquisa discutidos foram utilizados em estudo de caso sobre o Habeas Corpus 126.292 e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 realizado em pesquisa de doutorado, com foco no período entre 2016 e 2018. Tratam-se de processos qualitativamente significativos da atuação do Supremo Tribunal Federal. A sua história recente confunde-se em alguma medida com sua atuação nesses processos, que foram verdadeiros casos críticos, uma vez que esteve sujeito a fortes pressões e produziu amplos impactos sociais e políticos. Daí a relevância em tornar esses processos um objeto específico de estudo de caso.

Em fevereiro de 2016, o STF passou a permitir a execução de condenação criminal antes do seu trânsito em julgado, no julgamento do HC 126.292, alterando sua jurisprudência sobre presunção de inocência. Por meio da análise do acórdão, é possível caracterizar o tipo de argumentação desenvolvida pelos sete ministros que compuseram a maioria. Em linhas gerais, foi uma argumentação informal, uma vez que se baseou em diversos elementos que não se referem às normas jurídicas, sobretudo no seu sentido literal. A maioria dos ministros deixou claro que estava afastando a interpretação literal do art. 5°, LVII da Constituição, que dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O ministro Edson Fachin afirmou que interpretou o referido dispositivo “sem o apego à literalidade”. O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a jurisprudência do STF até então dominante se baseava em “leitura mais literal do art. 5°, LVII”, e proferiu voto extenso e elaborado para afastar essa interpretação literal. Um dos seus argumentos foi considerar o dispositivo constitucional não como regra, mas sim como princípio, como definido por Ronald Dworkin e Robert Alexy, e que, assim, pode ser ponderado em face de outros princípios e interesses. Em sentido semelhante, também afastando a interpretação literal do art. 5°, LVII da Constituição, o ministro Gilmar Mendes afirmou: “estamos falando de um princípio, não de uma regra. Aqui, não se resolve numa fórmula de tudo ou nada”. O relator, ministro Teori Zavascki, de forma próxima à proposta de ponderação, afirmou que a então nova jurisprudência é “mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da efetividade da função jurisdicional do Estado”.

Para além da Constituição, existem no acórdão um conjunto de argumentos que se apoiaram no contexto político de fevereiro de 2016 e em certos valores de justiça e ética. O objetivo do julgamento do HC 126.292 era aumentar “a efetividade da função jurisdicional penal”, como afirmou o ministro Teori Zavascki. Essa efetividade estaria sendo comprometida pela permanência da presunção de inocência do réu após condenação em segunda instância. O ministro Luiz Fux afirmou que a interpretação constitucional deve encontrar “ressonância no meio social” e que “a sociedade não aceita essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para de recorrer”. O ministro Barroso afirmou que “a mudança de entendimento também auxiliará na quebra do paradigma da impunidade”, e dessa forma “restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal”. Em seu voto afirmou que “em linha com as legítimas demandas da sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se buscar privilegiar a interpretação que confira maior – e não menor – efetividade ao sistema processual penal”. Ainda segundo Barroso, essa decisão do STF poderia gerar uma mudança cultural que seria “a valorização dos bons em lugar dos espertos.” Para ele, “dentro dos limites e possibilidades dos textos normativos e respeitados os valores e direitos fundamentais, cabe ao juiz produzir a decisão que traga as melhores consequências possíveis para a sociedade como um todo.” De certa forma, esses argumentos de cunho mais retórico orientam-se pela busca de um convencimento social amplo com base em certos valores de justiça e ética, e não pela aplicação literal da Constituição. Esses trechos dos votos dos ministros que compuseram a maioria no julgamento do HC 126.292 indicam para uma prática informal do tribunal, no sentido de incorporar e conferir proeminência a elementos que não se referem às normas jurídicas constitucionais na justificação da decisão.

Em outubro de 2016, o STF consolidou a mudança de jurisprudência sobre presunção de inocência no julgamento da Medida Cautelar nas ADCs 43 e 44, reiterando a possibilidade de execução de condenação penal antes do seu trânsito em julgado. Nesse julgamento, a maioria foi reduzida para seis ministros, uma vez que Dias Toffoli mudou de posição relação ao HC 126.292.

No entanto, ao longo de 2017 o ministro Gilmar Mendes, que compusera a maioria nos referidos julgamentos, também mudou de posição e voltou a defender uma interpretação literal da Constituição. Com isso, apontava-se para uma nova maioria no tribunal e era plausível que ocorresse uma nova oscilação na jurisprudência no julgamento de mérito das ADCs 43 e 44.

Neste momento, final de 2017 e início de 2018, as pressões sobre o STF em torno da presunção de inocência ficaram mais evidentes e intensas. Apenas por meio da análise de acórdão não é possível captar essas pressões em sua plenitude. Diversos grandes grupos econômicos e interesses estrangeiros defenderam ativamente a manutenção da jurisprudência que permitisse o cumprimento de condenação criminal antes do trânsito em julgado. Nesse sentido, um dos eventos mais significativos foi uma reunião informal da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com diretores de grandes empresas estrangeiras, tais como a Shell e Coca-Cola, em 29 de janeiro de 2018. Nessa reunião, a então presidente do STF teceu comentários sobre as ADCs 43 e 44 e teria se comprometido a não pautar o julgamento de mérito dessas ações ao longo de 2018, segundo notícia que posteriormente reverberou amplamente nos meios de comunicação36 36 Segundo a notícia em site da internet, que contém diversas fotos do encontro: “A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, disse na noite desta 2ª feira (29.jan.2018) que usar o caso do ex-presidente Lula para revisar o início da execução penal após condenação em 2ª Instância é ‘apequenar’ o STF.” Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/stf-se-apequena-se-revisar-prisao-em-2a-instancia-por-lula-diz-carmen-lucia/ Acesso em 19 jun. 2018. . Esse evento foi significativo porque tais empresas não participavam formalmente das ADCs, não contou com a presença de seus advogados e não ocorreu na sede do tribunal. Foi, na verdade, um encontro direto da ministra com os diretores de empresas estrangeiras, sem a mediação de advogados, em que não só ouviu demandas, como também comentou processos em trâmite37 37 No final de 2018 o então recente presidente do STF, ministro Dias Toffoli, realizou encontro semelhante com representantes de grandes empresas internacionais e da Embaixada dos Estados Unidos, o que foi noticiado no mesmo site: https://www.poder360.com.br/justica/jair-bolsonaro-no-planalto-nao-influi-em-liberdade-de-lula-diz-toffoli/ Acesso em 05 mai. 2019. .

A fim de analisar a relevância desse evento no trâmite das ADCs 43 e 44, incluiu-se no roteiro das entrevistas realizadas no estudo de caso questões sobre esse encontro. Como eram processos com ampla visibilidade, que concentraram a atenção de diversos profissionais do direito, optou-se por entrevistar também profissionais que não participaram diretamente dos julgamentos. Uma das entrevistas realizadas foi com magistrada que integra a Associação de Juízes pela Democracia. Trata-se de uma associação distinta das demais associações de magistrados, uma vez que não tem como foco demandas corporativas. Além disso, a AJD interviu como amicus curiae nas ADCs 43 e 44, embora tenha tido sua admissão negada pelo relator, o que sugere que acompanhou os debates em torno dos processos. Nesse sentido, a entrevista da magistrada permitiu captar aspectos do debate interno da associação, de modo que suas respostas refletiram não apenas sua visão individual, mas também da coletividade de profissionais que integra a associação.

Sobre o encontro da presidente do STF com empresas estrangeiras, a magistrada da AJD afirmou:

É uma mensagem muito clara de que tipo de setor da sociedade estava sendo ouvido e abertamente poderia estar influenciando a conduta da presidente então. É uma escolha. Não foram ouvidos movimentos sociais. Não foram ouvidos nós [AJD], ou os amici curiae. Mesmo as entidades que são do Judiciário não foram ouvidas sobre isso. Ao contrário do que ela disse, não ter pautado foi o que apequenou o STF naquele momento.

O STF, de fato, não julgou o mérito das ADCs 43 e 44 em 2018. Em seu lugar, foi pautado no Plenário o Habeas Corpus 152.752, impetrado por Luís Inácio Lula da Silva, em que se discutiu novamente a possibilidade de prisão em segunda instância para cumprimento de condenação penal. O julgamento foi iniciado em 22 de março de 2018 e concluído em 4 de abril. No contexto de ano eleitoral, o STF decidiu sobre a possibilidade de prisão de um dos principais candidatos à Presidente da República.

Nesse contexto, é possível identificar pressões intensas direcionadas ao tribunal e, inclusive, a ministros específicos, o que é perceptível por meio da análise de documentos diversos na mídia. Em relação a Gilmar Mendes, o grupo “Folha de São Paulo” publicou, em 22 de março, a notícia “Favorável à mudança no STF, Gilmar defendia prisão em 2a instância; veja vídeo”38 38 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/03/favoravel-a-mudanca-no-stf-gilmar-defendia-prisao-em-2a-instancia-veja-video.shtml. Acesso em 10 mai. 2019. . Em relação a Rosa Weber, o grupo “Globo” publicou, em 21 de março, artigo intitulado “Equilíbrio, por favor. Em nome da Rosa”39 39 Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/artigo-equilibrio-por-favor-em-nome-da-rosa-22513855 Acesso em 10 mai. 2019. Esse artigo foi posteriormente repercutido pelo jornal Valor: “Rosa Weber terá voto decisivo no julgamento de hoje, diz jurista”. Disponível em https://www.valor.com.br/politica/5402061/rosa-weber-tera-voto-decisivo-no-julgamento-de-hoje-diz-jurista Acesso em 10 mai. 2019. . Afirmou-se que o “voto decisivo será o da ministra Rosa Weber”, a qual tem sido o “equilíbrio institucional do STF”. O artigo continua, “Se o Supremo decidiu de maneira A, ela aplica a decisão A. Mesmo que prefira a decisão B”. Ao fim, defende: “O STF precisa voltar ao equilíbrio que Rosa Weber tem simbolizado. Equilíbrio, por favor, em nome da Rosa.” No dia anterior à conclusão do julgamento, o Comandante do Exército publicou mensagem no Twitter em “repúdio à impunidade”40 40 A mensagem completa de 3 de abril de 2018 é: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.” .

No julgamento do HC 152.752, a ministra Rosa Weber, enfim, proferiu voto negando o Habeas Corpus de Lula e passou a integrar a maioria de seis ministros que reafirmou a possibilidade de cumprimento imediato de condenação em segundo grau. Essa sua postura talvez tenha sido a que mais refletiu as fortes pressões a que o tribunal estava submetido. Distinguindo sua posição pessoal do que deveria ser, na sua visão, a posição do tribunal naquele processo específico, afirmou no seu voto:

Passei a adotar, nesta Suprema Corte e no exercício da jurisdição eleitoral, no TSE, a orientação hoje prevalecente, de modo a atender não só o dever de equidade que há de nortear, na minha visão, a prestação jurisdicional – tratar casos semelhantes de modo semelhante (treat like cases alike) – mas também, como sempre enfatizo, o princípio da colegialidade que, enquanto expressão da exigência de integridade da jurisprudência, é meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões desta Casa [...]

Enfrento este habeas corpus nos exatos termos como fiz todos os outros que desde 2016 me foram submetidos, reafirmando que o tema de fundo, para quem pensa como eu, há de ser sim revisitado no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, vale dizer, nas ADCs da relatoria do Min. Marco Aurélio [...]41 41 A reunião com a ministra Cármen Lúcia e a mudança de voto da ministra Rosa Weber sobre presunção de inocência, as duas únicas ministras do tribunal, sugerem que foram alvos de pressões específicas oriundas dos grupos interessados na execução de condenação penal em segunda instância.

Essa mudança de jurisprudência do STF sobre presunção de inocência apresentou significativos impactos políticos, simbólicos e pragmáticos. Em relação ao efeito político, o principal foi a prisão de Lula em 7 de abril de 2018. Foi uma prisão antes do trânsito em julgado de alguém que teria um papel relevante nas eleições, seja como candidato ou não. Dessa forma, não apenas não pôde se candidatar, como também não pôde participar como cidadão emitindo opiniões e apoios no processo eleitoral. Nesse sentido, a mudança da jurisprudência do STF em geral teve como efeito uma prisão em particular. A prisão de Lula facilitou a vitória do atual Presidente, Jair Bolsonaro, que, entre outras medidas, defende justamente a venda de recursos naturais em território brasileiro para empresas estrangeiras.

Na imprensa internacional é possível constatar interesses e comemorações em torno da prisão de Lula. Como destaca Santos (2018, p. 411), a condenação de Lula em segunda instância, pelo Tribunal Regional da 4ª Região em janeiro de 2018, foi noticiada no Wall Street Journal, que, em 4 de fevereiro de 2018, publicou artigo intitulado “A condenação de Lula é uma vitória para o Brasil”, no qual se afirmou que “a decisão faz aumentar as hipóteses de Lula da Silva não ser candidato às eleições presidenciais marcadas para 7 de Outubro, não regressando assim ao Palácio Presidencial com o seu pernicioso populismo”42 42 Artigo completo disponível em: https://www.wsj.com/articles/lulas-conviction-is-a-win-for-brazil-1517776911 Acesso em 15 mar. 2019. .

É a luz dessa consequência política específica, a prisão de Lula, que se explicam as fortes pressões empresariais nos processos relacionados à presunção de inocência. Para avaliar os efeitos políticos dessa atuação do STF, também se incluiu no roteiro de entrevistas questões específicas. A magistrada da AJD entrevistada afirmou:

Estava tendo muita pressão a gente sabe. Era uma questão que se relacionava diretamente à eleição. Havia a defesa de que o Lula então poderia ter a candidatura válida nessa situação, o que também é discutível segundo a lei eleitoral, mas isso é outra conversa. Mas a perspectiva dos petistas era essa: Lula seria candidato e pelas pesquisas ganharia a eleição. Ainda não estava claro se a candidatura seria válida. Como então era uma decisão sobre isso, soltar ou prender Lula, acho que ela [ministra Rosa Weber] achou mais prudente ir por esse caminho. Que é o caminho errado.

No estudo de caso, outro entrevistado foi um advogado de Brasília, com muitos anos de experiência nos tribunais superiores e que ocupou cargo institucional relevante durante a tramitação dos processos. Nesse sentido, ainda que não tenha participado diretamente do julgamento, detêm uma série de conhecimentos decorrentes de uma longa trajetória junto aos tribunais superiores, com base nos quais analisou a atuação do STF. Sobre seus efeitos políticos, ele afirmou:

Lula foi mantido preso. Não deixaram ele nem fazer entrevista. Nenhuma entrevista. Quando o desembargador Favreto [do TRF4] soltou o Lula [em 8 de julho de 2018], o mundo veio abaixo. Até a Presidente do STJ se manifestou, furiosa, dizendo que “isso aqui era uma vergonha” e não sei o que mais. Até a presidente do STJ se manifestou. Isso foi praticamente no período eleitoral. A gente vê o esforço que se fez de manter o Lula encarcerado. O que mostra claramente que esse esforço de fazer tábula rasa da presunção de inocência tem um endereço certo sim, um endereço político. Claramente. Não há dúvida nenhuma que o TRF julgou a toque de caixa a apelação do Lula. O Lula foi condenado em outubro de 2017. Em janeiro de 2018 estava confirmada pelo tribunal a sua condenação. Para que? Para que em 2018 não pudesse concorrer e se tornasse inelegível. Então isso daqui é extremamente grave. A Justiça sendo um fator a se imiscuir na realização da eleição que é um processo de legitimação do próprio Estado.

Além dos efeitos políticos, essa atuação do STF reduzindo o direito individual à presunção de inocência apresentou também certo efeito simbólico, uma vez que se transmitiu a imagem de que estava contribuindo para “combater” a corrupção, como se destacou nos votos dos ministros que compuseram a maioria. Sobre esses efeitos simbólicos, o advogado de Brasília entrevistado afirmou:

Eu acho que esse negócio de “combate à corrupção” no Brasil é uma grande balela. A corrupção não se “combate” para começar. Isso é uma quimera. Você pode adotar medidas contra a corrupção, mas essas medidas contra a corrupção, a primeira delas é a própria desigualdade social. [...] Eu não acho que no Brasil a corrupção seja substancialmente diferente do que seja em outros países capitalistas. Há uma percepção maior de corrupção por conta do “auê” maior que se faz. Mas não acho que seja maior que isso. Existe uma exacerbação do tema porque ela fortalece determinadas corporações do serviço público. Polícia, Ministério Público e magistraturas vivem desse prestígio que têm, o que permitiu que tivessem quase por três anos um auxílio-moradia a que não tinham direito.

Nessa linha, a atuação do STF nos processos judiciais de “combate à corrupção”, nos quais se inserem o HC 126.292 e as ADCs 43 e 44 sobre presunção de inocência, produziu efeitos muito mais simbólicos do que pragmáticos, de uma repressão ampla, uniforme e irrestrita sobre agentes políticos e empresariais (nacionais e estrangeiros). Como decorrência desses efeitos simbólicos em torno da agenda de “combate à corrupção”, o prestígio social de magistrados e integrantes do Ministério Público aumentou, favorecendo até mesmo a vitória eleitoral de alguns profissionais em 2018. Sobre esse tópico, que também foi incluído no roteiro de entrevista, um Defensor Público do Rio de Janeiro entrevistado, estado em que profissionais do direito foram bastante ativos nas eleições de 2018, afirmou:

A pauta principal do Ministério Público volta a ser aquela agenda clássica da questão da persecução penal: o debate da corrupção e a Lava Jato. Isso inclusive deu muita popularidade, elegeu agora juízes e promotores. Uma aproximação grande de atores do sistema de Justiça da política, inclusive da política partidária. Mas em alguns casos a gente vê uma aproximação muito grande com o cenário político nacional: eleição para presidente... A questão da conjuntura nacional e da eleição para presidente em 2018 também passa por aí vai. Alguns grupos talvez tenham participado mirando isso. Hoje olhando pelo retrovisor, a gente consegue perceber isso.

Esse interesse de integrantes da magistratura e do Ministério Público na execução de condenação penal antes do seu trânsito em julgado é perceptível também por meio da análise das diversas manifestações de terceiros nas ADCs 43 e 44. A Associação dos Juízes Federais do Brasil se manifestou em 2016 na ADC 43 em defesa da então recente jurisprudência do STF. De forma semelhante, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público também defendeu o cumprimento imediato de condenação penal em segundo grau, pleiteando seu ingresso enquanto amicus curiae na ADC 54, ajuizada em abril de 2018 pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e com pedido semelhante às ADCs 43 e 44. A posição adotada por essas associações sugere que a maior parte da magistratura federal e do Ministério Público aderiu ativamente à agenda de “combate à corrupção”, buscando inclusive influenciar o STF43 43 Em 17 de fevereiro de 2016, a Ajufe emitiu a seguinte nota de apoio à mudança na jurisprudência do STF: “A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) afirma que o julgamento do Supremo Tribunal Federal do HC 126292, ao permitir a prisão do réu após a condenação em 2º grau, é de extrema relevância para a sociedade e marca um avanço no processo penal brasileiro, uma vez que recursos por vezes protelatórios não terão mais o condão de fomentar a impunidade criminal. Mais que isso, a medida permite a efetividade da jurisdição criminal e valoriza a decisão dos magistrados de 1º e 2º graus, que efetivamente participam da instrução probatória criminal.” Disponível em https://www.ajufe.org.br/imprensa/notas-publicas/6337-nota-sobre-a-decisao-do-stf-que-permitira-a-prisao-apos-a-condenacao-em-2-instancia Acesso em 7 mai. 2019. No site da Ajufe existem diversos documentos em favor da prisão após decisão em segunda instância, como a “Nota Técnica n° 04/2015” e a “Nota Técnica 02/2016”. .

Por fim, a restrição do direito individual à presunção de inocência apresentou um elevadíssimo impacto real na vida de milhares de pessoas atingidas pelo sistema penal, uma vez que as tornou suscetíveis de prisão antes do trânsito em julgado da condenação penal. As consequências dessa mudança de jurisprudência sobre presunção de inocência foram particularmente dramáticas no estado de São Paulo, que concentra em torno de um terço da população prisional do país. Segundo manifestação da Defensoria Pública de São Paulo, em 22 de abril de 2019, na ADC 44, “24.478 mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal de Justiça paulista após o acórdão de segundo grau no período compreendido entre 18.02.2016 e 22.04.2019, com fundamento em um único habeas corpus, qual seja, o HC nº 126.292”. No entanto, trata-se de um número mínimo, uma vez que “o filtro utilizado para pesquisas no site do TJSP foi o número do HC em questão, ou seja, as expressões ‘126.292’ e ‘126292’”. Dessa forma, podem ter ocorrido decisões de cumprimento imediato da pena sem referência expressa ao número do Habeas Corpus de 2016 sobre presunção de inocência. É a Defensoria Pública que lida cotidianamente com grupos em posição de desigualdade, prestando assistência jurídica para a maior parte dos presos. Pelo seu contato direto com o sistema prisional, foi entrevistado um Defensor Público de São Paulo, que afirmou:

O meu trabalho enquanto Defensoria Pública é estritamente jurídico. Eu defendo pobres e miseráveis. Mas aqui, enquanto uma entrevista que estou dando para um acadêmico, a gente pode tocar nessa ferida. Acho que tem que tocar. Por causa do Lula... Não por causa do Lula. Por causa da visão que os ministros têm a respeito de um ex-presidente que é de esquerda ou centro-esquerda, eles estão fazendo com que milhares de miseráveis fiquem nas masmorras. Essa é a grande questão.

Em linhas gerais, no estudo de caso foi possível reunir evidências empíricas sobre as pressões a que o STF esteve submetido ao longo de 2017 e 2018 nos processos sobre presunção de inocência, algo que a mera leitura do acórdão não permite captar na sua plenitude. Nesse sentido, as quatro entrevistas de profissionais do direito com posições relevantes corroboraram que atualmente é amplamente compartilhada a percepção de que o tribunal foi submetido a diversas pressões que efetivamente influenciaram sua atuação. Conforme documentado em notícias, os interesses estrangeiros foram tão fortes e diretos que diretores de empresas se reuniram presencialmente com ministros do STF para tratar desses processos, mesmo não sendo partes formais dos processos, e sem a mediação de advogados. As pressões foram fortes justamente em razão do seu potencial impacto político de grandes dimensões. Além do efeito nas eleições de 2018, essa atuação do STF atingiu milhares de pessoas, sobretudo homens negros e de baixa renda, que são aqueles que historicamente sofrem com a Justiça penal no Brasil. Esse aspecto está evidente desde os memoriais apresentados pelas Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo em 2016 na ADC 43, em que afirmaram que seus assistidos seriam as “vítimas colaterais” dessa mudança de jurisprudência do STF.

4. Considerações finais

Para analisar os tribunais em sociedade, é necessário mobilizar teorias e metodologias de pesquisa propícias para tal. Em linhas gerais, os conceitos discutidos neste artigo orientam estudos para identificar e caracterizar a) pressões provenientes dos diversos grupos sociais sobre os tribunais e que potencialmente influenciam seu processo de decisão; b) os aspectos de heterogeneidade e de homogeneidade na prática dos tribunais; e c) os diversos efeitos de sua atuação no contexto social e político. O estudo de caso, enquanto método de pesquisa, combina múltiplas técnicas empíricas, a fim de compor um quadro amplo e diversificado sobre a atuação dos tribunais em sociedade. Como se buscou demonstrar ao retomar o estudo de caso sobre a atuação do STF no HC 126.292 e nas ADC 43 e 44, é uma abordagem mais adequada para os propósitos de uma sociologia dos tribunais. Nesse estudo de caso, que não foi retomado por completo neste artigo, análises dos processos judiciais, de documentos diversos e de entrevistas de profissionais do direito contribuíram para compor um conjunto empírico sobre as pressões a que o tribunal esteve submetido, a argumentação mobilizada pela maioria dos ministros e os diversos efeitos da sua atuação no contexto social e político. Ao articular a produção de dados e sua análise com aportes teóricos previamente discutidos, é possível ir além do “descritivismo” e da narração de eventos sobre o objeto de estudo. Nesse sentido, o significado de alguns eventos sociais é melhor compreendido à luz de determinadas teorias.

Ao mesmo tempo, é necessário manter em mente os possíveis limites de estudos de caso. Ao se escolher um caso para estudo aprofundado, ainda que bastante relevante, desconsideram-se diversos outros. Para superar esse limite, talvez seja necessário a composição de um panorama com múltiplos estudos de caso sobre a atuação dos tribunais. Apesar das elevadas diferenças de temas e partes entre os vários processos judiciais, existem inevitáveis pontos de contato, uma vez que são julgados pela mesma instituição (e pelos mesmos magistrados muitas vezes), e no âmbito de contextos políticos semelhantes. Um panorama da atuação do STF baseado em múltiplos estudos de caso pode embasar reflexões mais amplas sobre questões teóricas relevantes, como o grau de autonomia dos tribunais em relação aos conflitos políticos. Dessa forma, articulam-se amplas reflexões teóricas com profundas pesquisas empíricas. Enfim, o objeto de estudo é a atuação dos tribunais em sociedade, de modo que é necessário desenvolver uma sociologia adequada para essa análise.

  • 1
    Uma exceção é Catharina (2015)CATHARINA, Alexandre de Castro. Movimentos sociais e a construção dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá, 2015., que realizou estudos de casos sobre os julgamentos sobre cotas raciais, união homoafetiva e política quilombola do Supremo Tribunal Federal, e demonstrou a influência de movimentos sociais nessas decisões. Sobre o estudo de caso na pesquisa em direito no Brasil, conferir Machado (2017)MACHADO, Maira Rocha. O estudo de caso na pesquisa em direito. In: MACHADO, Maira Rocha (Org.). Pesquisar empiricamente o Direito. São Paulo: Rede de Pesquisa Empírica em Direito, 2017, p. 357-389..
  • 2
    Boito Jr. (2018, p. 10) afirma que as “correntes institucionalistas” são a “orientação dominante na ciência política contemporânea” e “em graus variados, separam a análise política da análise econômica e social, incorrendo numa concepção formalista do processo político”. Destoando da literatura institucionalista internacional, Hirschl (2008, p. 134, tradução minha) afirma: “Como qualquer outra instituição política, eles [os tribunais] não operam em vácuo institucional ou ideológico. [...] não podem ser compreendidos de forma separada dos conflitos sociais, políticos e econômicos concretos que constituem um sistema político.”
  • 3
    Em sentido semelhante, Campilongo (2000, p. 56) afirma: “Boaventura Santos combina suas experiências empíricas, inclusive no Brasil, com uma forte e penetrante teorização sobre o direito contemporâneo.”
  • 4
    Muitas pesquisas atuais sobre o STF tendem a ser caracterizadas por um certo empiricismo. Da Ros (2017, p. 85) indica que “parece haver um contraste entre a elevada atenção acadêmica concedida ao STF, por um lado, e o leque relativamente minguado de abordagens teóricas empregadas em seu exame, por outro.”
  • 5
    Nesse sentido, Santos (1982, p. 13) afirma: “Toda a investigação científica tem a presidir-lhe desde o início um conjunto de orientações teóricas e estratégicas analíticas, com base no qual é construído o objecto de investigação, escolhida a unidade de análise, seleccionadas as técnicas e os métodos, orientado o trabalho de campo, analisados e teorizados os dados recolhidos.” Yin (2001, p. 54) também destaca: “um projeto completo de pesquisa [...] exige, na verdade, o desenvolvimento de uma estrutura teórica para o estudo de caso que será conduzido. [...] A utilização da teoria, ao realizar estudos de caso, não apenas representa uma ajuda imensa na definição do projeto de pesquisa e na coleta de dados adequados, como também torna-se o veículo principal para a generalização dos resultados do estudo de caso.”
  • 6
    Como afirma Nielsen (2012, p. 971, tradução minha), “Na medida em que a pesquisa empírica em direito se torna mais popular, há um risco de se perder de vista a relevância da teoria para o desenho de uma pesquisa. O potencial completo da pesquisa social sobre o direito é melhor realizado quando as questões teóricas orientam as escolhas de métodos. Uma pesquisa que visa a relacionar o uso do direito por indivíduos, instituições e organizações requer ao mesmo tempo uma análise teórica sobre as relações entre essas entidades e um conjunto de métodos que captem essas relações.”
  • 7
    Em sentido semelhante, Santos (1980, p. 44): “o papel das normas jurídicas no processamento dos litígios nas instituições jurídicas estatais (sobretudo nos tribunais) não pode ser de modo nenhum absolutizado. [...] há toda uma série de factores, sobretudo de ordem política geral, que condicionam a acção dessas instituições, e de tal modo que a sociologia do direito dispõe hoje de ampla prova empírica de que o processamento oficial dos litígios só em parte é guiado por normas jurídicas.” Também distinguindo o processo de tomada de decisão e sua justificação posterior: Schauer (1988, p. 521), e Shecaira e Struchiner (2016, p. 155).
  • 8
    Existem ordens jurídicas nas quais a tomada de decisão e sua justificação ocorrem de forma simultânea, por meio de audiências com a presença das partes e debates orais de cunho retórico. É o caso do direito da comunidade do Rio de Janeiro analisado por Santos (1980, p. 20), sobre o qual afirma: “A construção retórica do processo de decisão condiciona a própria decisão, mas esta, sem deixar de ser um produto do discurso, é também discurso produzido; é, simultaneamente, a medida do discurso e o discurso medido”. Nesse caso, a distinção entre tomada de decisão e sua justificação é menos relevante.
  • 9
    McCann (2008, p. 535, tradução minha) indica que uma “área promissora para novos estudos” é a “mobilização do direito pelos poderosos”, uma vez que a maior parte da literatura se concentra na mobilização realizada por indivíduos e grupos com menos poder. Nesse sentido, existe uma lacuna na literatura sobre estratégias de mobilização do direito pelas grandes empresas, por exemplo.
  • 10
    Nesse sentido, Tully (2008, p. 69, tradução minha) afirma: “Desde a descolonização formal em meados do século XX, a maioria das teorias políticas e do direito público parte do pressuposto de que o campo do direito e da política é composto por Estados constitucionais soberanos unidos pelo Direito Internacional Público.” No entanto, visões mais recentes indicam que “a ordem jurídica e política mundial é melhor caracterizada como uma ordem imperial de algum tipo ou outro”. Sobre o Brasil, Bercovici (2013, p. 316, grifos do autor) afirma: “O problema central, ignorado pela maior parte de nossos doutrinadores, é o fato de que a soberania brasileira, como soberania de um Estado periférico, é uma soberania bloqueada, ou seja, enfrenta severas restrições externas e internas que a impedem de se manifestar em toda sua plenitude.”
  • 11
    Utilizando a posição do país no “sistema-mundo” como um dos fatores para analisar a globalização nos anos 1990, Santos (2002, p. 188, tradução minha) afirma: “a força externa do Estado é de importância crucial para a compreensão de algumas formas de globalização jurídica, especialmente aquelas que implicam a transformação do sistema judicial do Estado-nação sob pressão de forças e instituições transnacionais.”
  • 12
    Com base em análise de entrevistas de ministros do STF, Santos (2019, p. 188) afirma: “Quando perguntados acerca da existência das referidas pressões, os ministros afirmam a sua ocorrência principalmente por meio da mídia, imprensa e opinião pública, mas não descartam também serem pressionados em ambientes familiares.” Essas pressões na tomada de decisão tendem a não ser consideradas por estudos que seguem a orientação teórica de Bourdieu, a exemplo de Almeida (2016)ALMEIDA, Frederico de. Os juristas e a política no Brasil: permanências, deslocamentos e reposicionamentos. Lua Nova, São Paulo, n. 97, p. 213-250, 2016. e Fontainha, Jorge e Sato (2018), que focam nos conflitos entre profissionais do direito e nos processos de formação de elites no campo jurídico.
  • 13
    É o que afirma Santos (2001, p. 202-203, tradução minha): “O papel dos juízes na prática é inerentemente ambíguo, indeterminado e, portanto, é objeto de lutas sociais. Diferentes grupos políticos lutam para controlar a natureza e a orientação política do ativismo judicial. [...] A força relativa dos grupos em luta determina o perfil geral da atuação judicial.”
  • 14
    Nesse sentido, Santos (1982, p. 75) afirma: “os tribunais podem ser legalistas na defesa da propriedade ou pelo contrário dar cobertura legal a problemas sociais, consoante a pressão política exercida sobre eles e o tipo de estratégia jurídica seleccionada pelas partes em litígio.”
  • 15
    Em relação às pressões internacionais, Santos (2003, p. 68) afirma: “tais pressões, porque muito intensas e selectivas, provocam alterações profundas em algumas instituições e em alguns quadros legais, impondo-lhes lógicas de regulação muito próprias, ao mesmo tempo que deixam outras instituições e quadro legais intocados e, portanto, sujeito às suas lógicas próprias.”
  • 16
    Sobre essa questão, Santos (2003, p. 70) aponta que “a preponderância dos EUA e das agências financeiras multilaterais que eles controlam tem vindo a promover globalmente, sobretudo na área económica, legislação norte-americana e, com ela, a cultura jurídica anglo-saxónica.”
  • 17
    A prática formal é mais institucionalizada e, para Santos (1980, p. 49-52), consiste na “actuação padronizada e impessoal sujeita a critérios de competência e a princípios e normas de racionalidade sistémica” e está “muito próximo [...] do conceito de racionalidade formal de Max Weber”. Santos (1980, p. 50) lembra que “A institucionalização plena da função jurídica não é mais do que um tipo ideal no sentido de Max Weber.”
  • 18
    No entanto, mesmo práticas fragmentadas entre si podem apresentar traços de coerência. Como afirma Santos (2016, p. 302): “O fato de as atuações fragmentárias e assimétricas do Estado terem uma lógica interna não significa que estejam ao abrigo de qualquer outra lógica ‘externa’. Pelo contrário, são detectáveis alguns dos fatores estruturantes da ação do Estado: antes de mais, a defesa da propriedade fundiária privada [...].” Ou seja, a atuação dos tribunais tende a seguir, em linhas gerais, as pressões predominantes na sociedade.
  • 19
    Em torno de 18% dos magistrados brasileiros são pretos ou pardos, segundo pesquisas do CNJ (2018CNJ. Perfil sociodemográfico dos magistrados brasileiros 2018. Brasília: 2018., p. 12) e da AMB (2018AMB. Quem somos: a magistratura que queremos. Rio de Janeiro: 2018., p. 324), enquanto que 54% da população brasileira como um todo são pretos ou pardos (IBGE, 2018IBGE. Características gerais dos domicílios e dos moradores: 2017. Rio de Janeiro: 2018.). Nos tribunais superiores, em torno de 90% são brancos (AMB, 2018AMB. Quem somos: a magistratura que queremos. Rio de Janeiro: 2018., p. 325).
  • 20
    Em torno de 80% dos magistrados no segundo grau são homens (AMB, 2018AMB. Quem somos: a magistratura que queremos. Rio de Janeiro: 2018., p. 315). Para uma discussão sobre as desigualdades de gênero na magistratura, conferir Severi (2016)SEVERI, Fabiana Cristina. O gênero da justiça e a problemática da efetivação dos direitos humanos das mulheres. Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 81-115, 2016. e Kahwage e Severi (2019).
  • 21
    Nesse sentido: “a alta classe média age, também, por intermédio de importantes instituições do Estado [...] A alta classe média dispõe de uma posição estratégica no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal.” (BOITO JR., 2018, p. 215-216).
  • 22
    Na teoria marxista, os tribunais em sociedade capitalistas tendem a assumir a “função política” de contribuir para a dominação da burguesia, por meio da “dispersão” das contradições decorrentes de relações de exploração, a fim de mantê-las em “estado de relativa latência” (SANTOS, 1982, p. 24).
  • 23
    Nesse sentido, o próprio “funcionamento independente, acessível e eficaz dos tribunais constitui, hoje em dia, uma das cauções mais robustas da legitimidade do sistema político.” (SANTOS et al., 1996SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel; PEDROSO, João; FERREIRA, Pedro. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996., p. 54).
  • 24
    Santos et al. (1996, p. 56) afirmam: “Num Estado em geral opaco ou pouco transparente, um deficiente desempenho instrumental dos tribunais pode não afectar a sua eficácia simbólica, sobretudo se alguns casos exemplares de bom desempenho instrumental forem alimentando a comunicação social e se o fizerem de molde a que a visibilidade dos tribunais fique reduzida a essas zonas de atenção pública.”
  • 25
    Webley (2012, p. 948, tradução minha) afirma: a “pesquisa qualitativa é particularmente boa para examinar se um determinado fenômeno social existe ou não, e, se existir, a natureza do fenômeno.”
  • 26
    Em sentido semelhante, Santos (1982, p. 16) destaca: “Uma construção de dados demasiado controlada pela teoria produz dados açaimado e pavlovianos. A teoria deve comandar a construção dos dados, mas à distância e com espírito esportivo.”
  • 27
    Nesse sentido, Santos (2016, p. 12-13) afirma: “esse método pressupõe a distinção entre representatividade qualitativa e representatividade quantitativa, sendo que esta última é a concepção dominante de representatividade nas ciências sociais. [...] A representatividade do caso reside no modo como ele revela as condições e contradições sociais, políticas e culturais que estão para além dele, mas que têm um impacto decisivo nas interações e práticas que o constituem.”
  • 28
    A proposta de estudo de caso difere de abordagens quantitativas sobre o STF, a exemplo de Oliveira (2012)OLIVEIRA, Fabiana Luci. Supremo relator: processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 27, n. 80, p. 89-115, 2012., que almejam abranger ou representar um grande volume de processos. No entanto, essas abordagens quantitativas tendem a omitir ou a secundarizar os casos particularmente relevantes, em torno dos quais as pressões dos grupos sociais são mais intensas, diluindo-os no conjunto global da atuação do tribunal.
  • 29
    Segundo Nielsen (2012, p. 955), “As melhores pesquisas usam uma variedade de metodologias para fornecer uma compreensão mais matizada do direito, das instituições judiciais e dos processos jurídicos do que pode fornecer qualquer metodologia individual isoladamente, em razão da natureza complexa do contexto social em que operam.” Como afirma Yin (2001, p. 27), “o poder diferenciador do estudo [de caso] é a capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações [...]”. Nas palavras de Machado (2017, p. 361), “o estudo de caso nos convoca a mergulhar profundamente em um fenômeno e a observar a partir de variadas fontes e perspectivas.”
  • 30
    Sobre a pesquisa em processos judiciais, conferir Silva (2017)SILVA, Paulo Eduardo. Pesquisas em processos judiciais. In: MACHADO, Maíra (Org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017, p. 275-320.. Segundo o autor, o processo judicial é “uma arena para os mais variados conflitos de interesse existentes em uma dada sociedade”, e reflete em parte “a estrutura e o funcionamento dos órgãos do sistema de justiça” (SILVA, 2017SILVA, Paulo Eduardo. Pesquisas em processos judiciais. In: MACHADO, Maíra (Org.). Pesquisar empiricamente o direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em Direito, 2017, p. 275-320., p. 283-284).
  • 31
    Em sentido semelhante sobre “operadores do direito com experiência prática”, Queiroz (2015, p. 31) afirma que podem ter “impressões relevantes sobre aspectos juridicamente problemáticos”.
  • 32
    Nesse sentido, Santos (1983, p. 10) sustenta que existem “factores e determinações que influenciam as acções e que transbordam da consciência dos agentes.” Daí a necessidade, para o autor, de uma “análise estrutural-causal”, e não apenas de uma “analise fenomenológica” focada na “inteligibilidade das práticas sociais para os que nelas participam”.
  • 33
    A entrevista semiestruturada, segundo Xavier (2017, p. 125), é “um tipo de interação, estruturada e dirigida pelo que permite ao entrevistado explorar suas percepções sobre determinado aspecto da realidade social.”
  • 34
    Sobre a ciência, Santos (1988, p. 67) afirma: “Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor não estão antes nem depois da explicação científica da natureza ou da sociedade. São parte integrante dessa mesma explicação.” De toda forma, é necessário valorizar a objetividade em pesquisas. Nesse sentido, Santos (2007, p. 57, grifos do autor) sustenta que um “desafio” é “distinguir entre objetividade e neutralidade”, uma vez que “devemos ter uma distância crítica em relação à realidade, mas, ao mesmo tempo, não podemos nos isolar totalmente das consequências e da natureza do nosso saber, porque ele está contextualizado culturalmente [...]”. Em outro trabalho, Santos (2015, p. 12) define a objetividade como “o resultado do uso tão competente quanto possível de metodologias, de preferência participativas, que permitem obter um conhecimento não trivial, correto e adequado porque dotado de potencial pragmático de contribuir para processos globais em análise [...]”.
  • 35
    Esse sigilo pode contribuir para superar os limites no uso de entrevistas identificados por Luciano Oliveira na sua pesquisa de mestrado. Oliveira (2015, p. 180-182) relata que foi por meio da observação em delegacias de polícia em bairros populares do Recife que identificou que os delegados exerciam diversas atividades informais de resolução de conflitos não só penais, mas também cíveis. Posteriormente à observação, entrevistou delegados e percebeu que a “resposta não tinha nada a ver com a realidade que eu já conhecia [...] O que o comissário dizia era exatamente aquilo que, segundo os regulamentos, ele deveria me dizer” (OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Luciano. Manual de Sociologia Jurídica. Petrópolis: Vozes, 2015., p. 182). Ou seja, era uma resposta formal bastante distante da prática real dos delegados.
  • 36
    Segundo a notícia em site da internet, que contém diversas fotos do encontro: “A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, disse na noite desta 2ª feira (29.jan.2018) que usar o caso do ex-presidente Lula para revisar o início da execução penal após condenação em 2ª Instância é ‘apequenar’ o STF.” Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/stf-se-apequena-se-revisar-prisao-em-2a-instancia-por-lula-diz-carmen-lucia/ Acesso em 19 jun. 2018.
  • 37
    No final de 2018 o então recente presidente do STF, ministro Dias Toffoli, realizou encontro semelhante com representantes de grandes empresas internacionais e da Embaixada dos Estados Unidos, o que foi noticiado no mesmo site: https://www.poder360.com.br/justica/jair-bolsonaro-no-planalto-nao-influi-em-liberdade-de-lula-diz-toffoli/ Acesso em 05 mai. 2019.
  • 38
  • 39
    Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/artigo-equilibrio-por-favor-em-nome-da-rosa-22513855 Acesso em 10 mai. 2019. Esse artigo foi posteriormente repercutido pelo jornal Valor: “Rosa Weber terá voto decisivo no julgamento de hoje, diz jurista”. Disponível em https://www.valor.com.br/politica/5402061/rosa-weber-tera-voto-decisivo-no-julgamento-de-hoje-diz-jurista Acesso em 10 mai. 2019.
  • 40
    A mensagem completa de 3 de abril de 2018 é: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.”
  • 41
    A reunião com a ministra Cármen Lúcia e a mudança de voto da ministra Rosa Weber sobre presunção de inocência, as duas únicas ministras do tribunal, sugerem que foram alvos de pressões específicas oriundas dos grupos interessados na execução de condenação penal em segunda instância.
  • 42
    Artigo completo disponível em: https://www.wsj.com/articles/lulas-conviction-is-a-win-for-brazil-1517776911 Acesso em 15 mar. 2019.
  • 43
    Em 17 de fevereiro de 2016, a Ajufe emitiu a seguinte nota de apoio à mudança na jurisprudência do STF: “A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) afirma que o julgamento do Supremo Tribunal Federal do HC 126292, ao permitir a prisão do réu após a condenação em 2º grau, é de extrema relevância para a sociedade e marca um avanço no processo penal brasileiro, uma vez que recursos por vezes protelatórios não terão mais o condão de fomentar a impunidade criminal. Mais que isso, a medida permite a efetividade da jurisdição criminal e valoriza a decisão dos magistrados de 1º e 2º graus, que efetivamente participam da instrução probatória criminal.” Disponível em https://www.ajufe.org.br/imprensa/notas-publicas/6337-nota-sobre-a-decisao-do-stf-que-permitira-a-prisao-apos-a-condenacao-em-2-instancia Acesso em 7 mai. 2019. No site da Ajufe existem diversos documentos em favor da prisão após decisão em segunda instância, como a “Nota Técnica n° 04/2015” e a “Nota Técnica 02/2016”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2020
  • Aceito
    15 Set 2020
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