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O CARNAVAL E A PESQUISA UNIVERSITÁRIA: ANTROPOLOGIA, ARTES E LETRAS EM DIÁLOGO

CARNIVAL AND UNIVERSITY RESEARCH: ANTHROPOLOGY, ARTS, AND LITERATURE IN DIALOGUE

Resumo

A entrevista traz narrativas e experiências de pesquisas e estudos sobre o carnaval no ambiente acadêmico nas áreas da antropologia, artes e letras. As trajetórias dos professores Felipe Ferreira (Instituto de Artes/Uerj), Fred Góes (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura/UFRJ) e Maria Laura Cavalcanti (Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/UFRJ) abordam o potencial de inovação teórica trazido pela abordagem do carnaval no âmbito das ciências humanas e sociais, desdobrando um caminho aberto pela obra precursora do antropólogo Roberto DaMatta nos anos 1970. O diálogo entre distintas perspectivas disciplinares acerca do carnaval descortina seus múltiplos planos e amplos mundos sociais. Revelam-se ideologias, visões de mundo, formas de arte e cultura, redes de relações e trocas culturais nacionais e transnacionais que iluminam, de forma sempre surpreendente, a dinâmica social contemporânea. A entrevista tem por base os depoimentos trazidos pela frutífera conversa promovida em 2020 no podcast Museológicas da Ufpe. Nela reflete-se também sobre o impacto da pandemia da covid-19 nessa grande festa brasileira.

Palavras-chave:
Carnaval; Antropologia; Artes; Letras

Abstract

The interview brings narratives and experiences of research and studies on carnival in the academic environment in the areas of anthropology, arts, and literature. The trajectories of professors Felipe Ferreira (Arts Institute/UERJ), Fred Góes (Postgraduate Program in Literature Science/UFRJ), and Maria Laura Cavalcanti (Postgraduate Program in Sociology and Anthropology/UFRJ) address the potential for theoretical innovation brought by approaching carnival in the human and social sciences, unfolding a path opened by the pioneering work of anthropologist Roberto DaMatta in the 1970s. The dialogue between different disciplinary perspectives on carnival reveals its multiple planes and broad social worlds. It reveals ideologies, worldviews, forms of art and culture, networks of relationships and national and transnational cultural exchanges that illuminate, in an always surprising way, the contemporary social dynamics. The interview is based on the testimonials brought during the fruitful conversation promoted in 2020 by the UFPE’s Museológicas podcast. It also reflects on the COVID-19 pandemic impact on this great Brazilian celebration.

Keywords:
Carnival; Anthropology; Arts; Literature

RICARDO JOSÉ BARBIERI, RENATA DE SÁ GONÇALVES E HUGO MENEZES NETO ENTREVISTAM MARIA LAURA CAVALCANTI E FELIPE FERREIRA E FRED GÓES

Carnaval é assunto instigante. A vitalidade, capilaridade e diversidade do carnaval brasileiro o tornam uma das festas mais notáveis do mundo. A pergunta sobre sua conformação, duração e capacidade de renovação e ressignificação conduz à questão mais ampla sobre expansão de expressões culturais capazes de se adaptarem a diferentes contextos sócio-históricos. Ao mesmo tempo, vale indagar sobre como o tema emergiu como relevante no ambiente das ciências sociais universitárias e sobre como se dá o diálogo interdisciplinar nesse campo de estudos para o qual convergem debates contemporâneos. Uma certa imagem de singularidade cultural brasileira associou-se ao carnaval ao longo do século XX e ainda perdura no atual cenário internacional. Ao mesmo tempo, situado entre tradições festivas forjadas no curso de formação da civilização ocidental, o carnaval diversificou-se e abriu-se para outras tradições culturais ao aninhar-se em cidades de diferentes países do mundo.

O carnaval das escolas de samba, em especial, destaca-se no contexto dos estudos sobre o carnaval por sua complexidade sociológica e expressiva. Fenômeno urbano por excelência, trata-se de uma expressão festiva que articula em sua formação diferentes tradições culturais. No Rio de Janeiro, as escolas de samba - híbridas e impulsionadas pelas tradições culturais da população negra, partilhadas com as das áreas periféricas, morros e regiões centrais - surgiram nos anos 1920. Logo se articularam em desfile competitivo, acompanharam o crescimento da cidade e espraiaram-se por outras localidades do país e do mundo. Tais agremiações são lugares onde diferentes camadas e segmentos sociais se articulam para criar, recriar, inovar e transmitir inúmeras habilidades e conhecimentos. Sua notável dimensão criativa e artística produziu ao longo do tempo desfiles espetaculares que combinam música, ritmo, dança, artes plásticas e visuais e constroem uma forma de celebrar o carnaval flexível, de forma adaptativa e comunicativa e, talvez por tudo isso, duradoura. Por sua vez, o samba - gênero musical que acompanhou o surgimento histórico das escolas de samba, bem como dos meios de comunicação que o difundiram - prossegue sua expansão em nossos dias.

A coletânea Carnaval sem fronteiras: as escolas de samba e suas artes mundo afora, organizada por Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti e Renata de Sá Gonçalves (2020Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro & Gonçalves, Renata de Sá (orgs.). (2020). Carnaval sem fronteiras: as escolas de samba e suas artes mundo afora. Rio de Janeiro: Mauad.), foi motivada pelas notáveis características do carnaval das escolas de samba que mencionamos acima. Às organizadoras, interessava lançar o olhar contemporâneo sobre a capacidade de expansão desse carnaval por diferentes cidades do país e mundo afora1 1 Carnaval sem fronteiras: as escolas de samba e suas artes mundo afora é uma coletânea que reúne as pesquisas de Claudia Palheta, Dana Monteiro, Felipe Barros, Fred Góes, Hugo Menezes Neto, João Gustavo Melo, Juliana Braz Dias, Leonardo Bora, Lucas Bártolo, Maria Laura Cavalcanti, Maximiliano Marques, Renata de Sá Gonçalves, Ricardo José Barbieri e Ulisses Duarte. Resulta de projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realizado entre setembro de 2017 e outubro de 2020 e coordenado pela Professora Maria Laura Cavalcanti. As demais entrevistas organizadas em conjunto com o Museológicas Podcast foram: “As escolas de samba no carnaval de outros países”, “A Percussão de samba em Nova Iorque”, “As escolas de samba entre o Recife e o Rio de Janeiro” e “O carnaval e a pesquisa universitária”. Felipe Ferreira, que participou dos seminários do projeto, contribuiu com a orelha do livro. . Junto a isso, cabia valorizar o lugar precursor da perspectiva socioantropológica nas pesquisas universitárias sobre o tema junto às relevantes contribuições trazidas por outros saberes das humanidades, em especial as letras e as artes.

Em plena pandemia de covid-19, o projeto Museológicas Podcast2 2 O Museológicas Podcast é um programa de extensão produzido por estudantes e professores da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), apoiado pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e mantido pelos grupos de pesquisa Museológicas e Curupiras e pelos Laboratórios de Expografia (Expolab), de Estudos Avançados em Cultura Contemporânea (LEC), de Multimídia e pelo Observatório de Museus e Patrimônio. Na ocasião da entrevista aqui transcrita contávamos com o apoio técnico de Luísa Nóbrega. , da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe) e coordenado por Hugo Menezes Neto, organizou no segundo semestre de 2020 uma série de depoimentos com participantes e autores das pesquisas reunidas na coletânea destinados à divulgação. No último episódio (gravado em 14 de setembro de 2020), Hugo Menezes Neto, da Ufpe, Renata de Sá Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Ricardo José Barbieri, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entrevistaram três pesquisadores, que, com diferentes formações acadêmicas, abriram espaço para a continuidade e expansão das pesquisas sobre o carnaval em suas respectivas áreas de atuação universitária: Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Fred Góes, professor emérito da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Maria Laura Cavalcanti, professora titular de antropologia também na UFRJ. A riqueza dos depoimentos para a constituição de uma memória acerca da pesquisa universitária sobre o carnaval veio alimentar o desejo de transpô-los para a linguagem escrita compondo a entrevista que apresentamos.

A entrada do carnaval como tema relevante no ambiente das ciências sociais no Brasil, entretanto, tem sua própria história, que vale retomar brevemente nesta apresentação.

Entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX, o carnaval brasileiro - celebrado de múltiplas maneiras país afora - era já foco de interesse de cronistas, jornalistas e folcloristas. Seu ingresso como tema de interesse nas ciências sociais, entretanto, ocorreu mais tardiamente, no início dos anos 1970, quando o antropólogo Roberto DaMatta escreveu “O carnaval como rito de passagem” (DaMatta, 1973DaMatta, Roberto. (1973). Ensaios de antropologia estrutural: o carnaval como rito de passagem. Petrópolis: Vozes.)3 3 O ensaio integra a coletânea autoral de DaMatta, Ensaios de antropologia estrutural. e, seis anos depois, o marcante Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema brasileiro4 4 Ver DaMatta (1979). . Por meio de teorias antropológicas dos rituais e das sociedades contemporâneas e em diálogo com autores do pensamento social, o autor desvendava a tensão entre os valores democráticos e hierárquicos que caracterizariam a dinâmica da sociedade brasileira ao longo de seu curso histórico. O tema do carnaval emergiu, então, trazendo consigo o potencial de recursos teóricos inovadores para a compreensão de ideologias, visões de mundo e valores dos mais diversos agrupamentos humanos. Ao enfocar o carnaval, DaMatta (1973DaMatta, Roberto. (1973). Ensaios de antropologia estrutural: o carnaval como rito de passagem. Petrópolis: Vozes., 1979DaMatta, Roberto. (1979). Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar .) desvendava “zonas de encontro e mediação” que traçavam os caminhos para uma sociologia do “dilema brasileiro”. Seu trabalho iluminou o potencial dos estudos sobre carnaval e sobre rituais e simbolismos de modo mais amplo para a compreensão dinâmica das sociedades contemporâneas.

Por sua vez, o lugar social e histórico das diversas formas carnavalescas que conformaram o chamado carnaval brasileiro, entre eles aquele das escolas de samba, recebeu atenção da socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz. Em 1978, seus artigos “Evolução do Carnaval Latino-americano” e “Da definição do carnaval” chamavam a atenção da sociologia para o tema. Seu livro Carnaval brasileiro: o vivido e o mito reuniu marcantes ensaios que elaboram sua abordagem sócio-histórica com dimensões interpretativas, insistindo na “crença de que um conjunto urbano, sua configuração, suas transformações exercem influências sobre a configuração e as transformações do carnaval” (Queiroz, 1999Queiroz, Maria Isaura Pereira de (1999). Carnaval brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense.: 218).

Nos anos 1970, pesquisas antropológicas impulsionadas pelo interesse nos estudos urbanos e nos rituais, orientadas por Gilberto Velho e Roberto DaMatta no Programa de Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, tomaram por foco as escolas de samba do Rio de Janeiro. Maria Julia Goldwasser iluminou a organização social, artística e ritual das escolas de samba no contexto dos estudos das sociabilidades urbanas em sua pesquisa de campo sobre a escola de samba Estação Primeira de Mangueira, publicada 19755 5 Ver Goldwasser (1975). . A autora indicou o papel de mediação com o mundo social mais amplo desempenhado por tais agremiações populares, bem como a dimensão artística do desfile festivo, composto pelo “tríplice fundamento de uma execução sambística completa, isto é, canto, dança e acompanhamento rítmico” (Goldwasser, 1975Goldwasser, Maria Julia. (1975). O palácio do samba: estudo antropológico da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Rio de Janeiro: Zahar .: 87). José Sávio Leopoldi, por sua vez, abordou o ciclo carnavalesco do desfile das escolas de samba, desdobrado no plano administrativo-formal e no plano festivo propriamente dito (Leopoldi, 1978Leopoldi, José Sávio. (1978). Escola de samba, ritual e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar .). Já nos anos 1990, Cavalcanti (2006Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (2006). Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: UFRJ.) reavivou o interesse pelo tema ao analisar o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro como a culminância de um complexo processo ritual que articulava grupos e segmentos sociais muito distintos, bem como diferentes bairros e regiões da grande metrópole e adjacências6 6 Ver Cavalcanti (2006). Diversos de seus ensaios sobre o carnaval foram reunidos em Carnaval, ritual e artes. . O trabalho etnográfico de fôlego acompanhou um ciclo anual completo de confecção e elaboração de um desfile, analisando suas dimensões plásticas e visuais e sonoro-musicais. Visto pela autora como uma forma ritual e estética elaborada, o desfile emerge nesse estudo como expressão de tensões, conflitos e redes de cooperação que atravessam toda a cidade. A forma espetacular e monumental do desfile das principais escolas de samba, realizado anualmente na Passarela do Samba, erguida na região urbana central nos anos 1980, resultaria, na visão da autora, de uma longa evolução que acompanhou as transformações da cidade do Rio de Janeiro em grande parte do século XX.

Com o desenvolvimento das pós-graduações e a crescente abertura das ciências sociais para o diálogo com áreas afins das humanidades, os estudos que tomam por tema o carnaval se ampliaram imensamente. Podemos dizer que a produção bibliográfica sobre o carnaval brasileiro - e, em nosso caso específico, sobre o carnaval das escolas de samba - vem crescendo exponencialmente, destacando os múltiplos planos e aspectos que a abordagem do tema permite.

Nesse amplo campo destacam-se também na área das letras os trabalhos de Fred Góis, pesquisador e letrista, estudioso do trio elétrico baiano, do carnaval de Nova Orleans, da poesia das canções de carnaval e da relação dos sambas-enredos com os diferentes gêneros literários7 7 Vale mencionar Antes do furacão: o Mardi Gras de um folião brasileiro em Nova Orleans e Cinquenta anos do trio elétrico. ; e, no campo das artes, as pesquisas de Felipe Ferreira, coordenador do Centro de Referência do Carnaval da Uerj, sobre os carnavais de Nice, de Paris, do Brasil e do Rio de Janeiro8 8 Entre seus livros, destacam-se O livro de Ouro do carnaval brasileiro, Inventando carnavais e Escritos carnavalescos. .

O podcast “A pesquisa universitária sobre o carnaval” registrou, assim, o encontro de três pesquisadores sêniores cujos caminhos se cruzaram pelo gosto pelo carnaval, para o qual fazem confluir o olhar literário, artístico e socioantropológico. Evidencia-se na conversa a riqueza das trocas interdisciplinares que se movimentam por meio da perspectiva dos estudos dos rituais e da análise sociológica das sociabilidades urbanas, até as perspectivas das artes plásticas e visuais, da musicologia e da literatura. Os três pesquisadores entrevistados destacam-se ainda não só por sua extensa experiência de pesquisa e produção bibliográfica sobre o carnaval, mas também pelo papel ativo que exercem na formação de novas gerações de pesquisadores.

A conversa aconteceu no primeiro ano da pandemia de covid-19, que interrompeu o ciclo festivo anual regular das festas carnavalescas em seus respectivos territórios urbanos. Por meio dela e de tantas conversas e iniciativas como esta que agora apresentamos, o carnaval se manteve vivo na luta pela continuidade de sua celebração.

Ao complementar inúmeras informações e referências surgidas na conversa do podcast e ao proceder às necessárias adaptações desta transposição, buscamos guardar a informalidade e o ambiente acolhedor do podcast de modo a somar este texto àquele episódio.

Desejamos que os leitores desfrutem do registro desta entrevista, que permite vislumbrar os cruzamentos entre os múltiplos planos de investigação dos estudos do carnaval e as narrativas e experiências dos pesquisadores em seus contextos de atuação. Fechamos esta edição com a certeza de que o carnaval das escolas de samba, junto com tantas festas da cultura popular, retornará vigoroso para abrir e festejar novos ciclos da vida social.

Hugo Menezes Neto: Queríamos demais reunir vocês que têm uma história de inserção e de produção do tema do carnaval nos estudos acadêmicos. Como vocês abriram espaços nas respectivas trajetórias e áreas de saberes para a pesquisa universitária sobre o carnaval?

Felipe Ferreira: É um prazer estar aqui, na companhia de amigos e pessoas de quem gosto tanto e que têm um trabalho tão relevante para o carnaval.

Respondendo à pergunta, minha carreira acadêmica é um pouco atípica. Um caminho sinuoso me levou aos estudos de carnaval. Após um ano cursando Biologia na Uerj, decidi fazer um novo vestibular e fui aprovado para o curso de Programação Visual da Escola de Belas Artes, da UFRJ. Dois anos depois, já no final dos anos 1970, fui convidado a trabalhar na Editora Rio Gráfica, futura Editora Globo. As possibilidades profissionais me atraíram de tal modo que optei por largar a faculdade e me dedicar totalmente ao trabalho na editora, onde acabei por ocupar o posto de Diretor Editorial da Divisão Infanto-juvenil9 9 A Divisão Infanto-juvenil da Editora Globo era responsável, na época, pelas áreas de livros infantis, histórias em quadrinhos, atividades e álbuns de figurinhas. . Com a transferência da sede da editora para São Paulo, optei por continuar vivendo no Rio de Janeiro, prestando serviços para a Editora Globo através de uma microempresa, a Felipe Ferreira Produções Culturais.

Essa mudança de perspectiva fez com que eu pudesse retornar à academia para recomeçar, um pouco tardiamente, a vida universitária. Nesse momento, tomei uma decisão importante que mudou o rumo da minha vida: deixar o curso de programação visual e me transferir para o curso de artes cênicas na Escola de Belas Artes (Eba) da UFRJ, com habilitação em indumentária, que, na época, dava grande importância aos estudos de carnaval, reunindo um grupo notável de carnavalescos entre seus professores (Fernando Pamplona, Rosa Magalhães, Maria Augusta, Lícia Lacerda e Adir Botelho, entre outros, todos com atuação artística notável nas escolas de samba e no carnaval carioca). Nessa época, pensei: “vou voltar para os bancos universitários dentro de um curso que privilegie isso de que gosto tanto, o carnaval”. Isso acabou sendo uma grande vantagem e uma experiência de vida sobre a qual converso com os meus alunos. Digo sempre: “faça, pesquise, estude aquilo que você gosta, é o que vai te dar ânimo, disposição”.

Quando terminei a graduação, decidi imediatamente seguir para o mestrado, ainda na Eba, me aproximando cada vez mais desse mundo carnavalesco. O tema da dissertação foi o trabalho da Rosa Magalhães que tinha, já na época, uns sete ou oito anos como carnavalesca da Imperatriz Leopoldinense10 10 Felipe Ferreira ingressou no curso de mestrado em Artes Visuais da UFRJ em 1994 defendendo em 1996 a dissertação “O marquês, o jegue, a princesa e o corta-jaca: um estudo sobre a expressão plástica da cultura popular e da cultura erudita nas fantasias de carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro” sob orientação de Liana Silveira. A dissertação foi publicada em 1999 pela editora Altos da Glória. . Pouco se havia escrito então sobre esse assunto. Anos depois, fiz meu doutorado na UFRJ em geografia. Na verdade, queria ter feito meu doutorado em antropologia com a orientação da Maria Laura, a primeira pessoa que procurei, mas entre 1998 e 2000 ela estava viajando para um pós-doutorado no exterior. Disse a ela então que nos encontraríamos mais à frente. Um amigo estava fazendo doutorado em geografia e me sugeriu a perspectiva da geografia cultural, ou seja, da relação do carnaval com o espaço urbano. Isso me interessou e me candidatei ao curso, onde fui orientado por Scott Hoefl e Maurício de Almeida Abreu, sendo a primeira pessoa a defender da minha turma e aprovado com o grau máximo. Aquilo abriu muitas perspectivas de ampliação da questão carnavalesca no ambiente universitário.

Em 2003, tornei-me professor adjunto no Instituto de Artes da Uerj e, logo depois, na pós-graduação em Artes na Uerj, o PPGARTES e, finalmente, também na pós-graduação em história da arte da Uerj. Nesse meio tempo, criei um núcleo de pesquisa no CNPq para reunir os pesquisadores de carnaval, o Laboratório da Arte Carnavalesca, um espaço acadêmico onde as pessoas pudessem se encontrar e debater carnaval. Até porque, vou confessar a vocês, São Paulo já estava muito ativo em iniciativas desse tipo, buscando para si a centralização dos estudos acadêmicos sobre o tema, e eu pensava na relevância do Rio de Janeiro, uma cidade tradicionalmente carnavalesca, como sede para estudos acadêmicos do carnaval. Consegui, também, com o apoio da prefeitura e da Uerj, criar o Centro de Referência do Carnaval e a revista Tecap11 11 A revista Textos Escolhidos em Cultura e Artes Populares publicou 14 volumes entre 2004 e 2017. , reunindo pesquisas acerca das artes e culturas populares e do carnaval. Buscamos criar eventos e formar uma biblioteca que temos lá até hoje e que se chama Biblioteca Fernando Pamplona.

[…]

Na pós-graduação, os meus trabalhos e orientações concentram-se no tema do carnaval no sentido bem amplo. O tema principal não precisa ser carnaval, mas o tema específico da pesquisa precisa relacionar-se com a questão carnavalesca. Um bom exemplo é a tese de Maximiliano Marques, professor de música do Colégio Dom Pedro II, que, aliás, tem um artigo no Carnaval sem fronteiras12 12 Trata-se do artigo “Tem bububu no bobobó: o diálogo entre o teatro de revista de Walter Pinto e as escolas de samba do Rio de Janeiro”, de Maximiliano Marques, publicado em Carnaval sem fronteiras. . Ele queria pesquisar o teatro de revista, me procurou e eu disse: “Adoro, bem bacana. Mas onde é que entra o carnaval?” Começamos a conversar e percebemos que, nas décadas de 1930, 1940 e até na de 1950, no Rio de Janeiro, havia uma relação muito forte entre teatro de revista e carnaval. Ele seguiu por esse caminho e sua pesquisa dialoga de modo relevante com o carnaval. Em suma, são muitas as questões que surgem a partir do carnaval, um tema que integra a ideia de constituição de nossa nacionalidade cultural.

Fred Góes: Quero agradecer este convite para conversar sobre nosso tema absolutamente fascinante. Muito bom ter esse ambiente na universidade com pessoas de escolas diferentes, de universidades diferentes, mas que se irmanam nessa ideia. Minha relação com o carnaval parece com a do Felipe. Sempre gostei de carnaval, sempre fui folião. Ouvia no rádio uma música de meio de ano e uma música de carnaval e eu decorava as músicas de carnaval que ouvia a partir de outubro. Também fui a muito baile de carnaval infantil etc. Sempre fui folião.

Fui jovem nos anos 1970, sou um representante da geração que viveu aquele momento famoso do “desbunde”, com o ar de liberdade que se respirava no Arembepe, na Bahia. A praça Castro Alves, naquele momento, era um lugar onde se reunia a maluquice toda, do Brasil inteiro. Era um tempo em que o trio elétrico não era essa indústria que se tornou. Volta e meia passava um trio elétrico e a gente ia atrás do trio e voltava para praça Castro Alves. Enlouquecia e ia atrás do trio. Um belo dia eu perguntei: “O que é isso? De onde vem isso? Por que carnaval na Bahia é assim?”. Ninguém sabia responder e eu literalmente fui atrás do trio elétrico. Minha dissertação de mestrado gerou o livro País do carnaval elétrico, que se tornou uma referência sobre esse carnaval.

Agora, o que isso tem a ver com a literatura e com o que acontecia na Bahia naqueles anos? Tudo a ver! Em 1974, Morais Moreira deixa os Novos Baianos e se junta ao trio elétrico do Osmar13 13 Osmar Álvares Macedo notabilizou-se junto a Adolfo Antônio do Nascimento, o “Dodô”, por criarem um carro de som onde desfilaram pelas ruas no carnaval de salvador com a alcunha da “Dupla Elétrica”. Daí a origem do hoje conhecido Trio Elétrico. . Havia ali uma narrativa sobre o carnaval com o Morais Moreira com suas composições falando todos os anos de aspectos do trio elétrico. O trio elétrico tem um repertório que conta a sua própria história. Isso me chamou a atenção. As escolas de samba também têm tudo a ver com a literatura, porque contam um enredo que é desfilado e essa história se conta de várias maneiras diferentes. O primeiro samba da Mangueira, que acho do Carlos Cachaça, fala sobre a literatura de uma forma muito curiosa. Ele usa os autores consagrados exatamente como aparecem em antologias de estudo de ensino médio, numa tentativa de criar uma aliança entre a cultura popular e a cultura erudita. E quantas vezes autores literários não foram tema das escolas de samba? Há um trabalho poético dos sambistas compositores e na maioria das vezes esses sambas são compostos por mais de uma pessoa ou mesmo muita gente. O que funciona e o que não funciona?

Há casos muitos interessantes, por exemplo, tema e enredo sobre literatura infantil, Monteiro Lobato. A obra do Monteiro Lobato propriamente só aparece visualmente no samba “O mundo encantado que o Monteiro Lobato criou14 14 Samba de Enredo da Estação Primeira de Mangueira no Carnaval de 1967 de autoria dos compositores Batista, Darcy da Mangueira, Hélio Turco, Jurandir, Luiz. ”, porque o resto, ou você assiste o desfile ou nada pode ser percebido. Há iniciativas ou tentativas muito curiosas. Por exemplo, se tentou apresentar Os sertões de Euclides da Cunha e não deu certo, porque afinal, o massacre de Canudos não é um bom tema para o carnaval! Mas esse samba15 15 Samba de Enredo da Em Cima da Hora no carnaval de 1976 de autoria do compositor Edeor de Paula. passa a ser um representante muito especial da forma poética do lamento no universo dos sambas enredos.

Outro exemplo: a “Aquarela Brasileira” do Silas de Oliveira16 16 Samba de Enredo do Império Serrano no carnaval de 1964. é uma obra prima. A cada região do Brasil mencionada há uma melodia diferente. Essa qualidade literária única dos sambas-enredos sempre me interessou nesse universo dos desfiles das escolas de samba junto de toda cultura que está em volta. Todas as críticas que se faz ao aceleramento do samba - que valorizou muito os refrões e não é mais lençol, i.e. que contava aquelas histórias imensas, que se acelerou e que ficou muito valorizado pelos seus refrões - não interessam. O samba evolui em função da mídia, do espetáculo em si. Está sempre mudando, criando coisas novas. Por exemplo, a Maria Augusta Rodrigues: quando ela entra na União da Ilha, ela traz a crônica, a fala sobre o cotidiano para o carnaval, o que não se fazia até então.

Voltando na minha formação. Em 2003, eu fui fazer um pós-doutorado na Universidade de Tulane, em Nova Orleans, nos Estados Unidos. Queria tratar do carnaval norte-americano, o carnaval dos índios, dos negros vestidos de índios, o carnaval negro de Nova Orleans, que é parte do calendário oficial. E o carnaval branco das Krewes, sobre o qual nosso mestre maior Roberto DaMatta já tinha chamado a atenção. Foi uma experiência absolutamente nova viver e experimentar tanto o carnaval branco quanto o carnaval negro. No carnaval branco, das Krewes, fui a bailes de casaca17 17 Góes refere-se ao livro Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta, e ao seu artigo intitulado “Entre reis e caciques no Mardi Gras de Nova Orleans” em Carnaval em Múltiplos Planos. . Ao carnaval negro, fui de bicicleta para onde se reuniam os índios vestidos de negros. Ouvi de um sujeito: “Mas o senhor vai lá?”. “Aquilo é cultura!”, eu disse. Era aquela que me interessava. Acho que vou morrer escrevendo sobre o carnaval, porque carnaval faz parte da minha vida. Não tem jeito!

Maria Laura Cavalcanti: Obrigada, Museológicas Podcast. É muito bom estar com vocês, com Hugo, Ricardo, com Renata, minha parceira na organização do livro, meus ex-alunos e hoje colegas e com os colegas queridos, Felipe e Fred.

Falamos muito da interdisciplinaridade no ambiente universitário, mas é um ideal difícil de se realizar, pois os enfoques conceituais são diversos e, por vezes, a falta de referências comuns para conversas acadêmicas dificulta o diálogo. O carnaval é uma felicidade sob esse aspecto. Traz uma multiplicidade de temas e possibilidades de abordagens e mesmo uma abertura de visão de mundo, porque já na partida percebemos que referências conceituais diversas se somam para compreender um fenômeno que nos ultrapassa.

No artigo que fiz para o livro, eu conto como, quando ainda menina, com dez anos de idade, vi a escola de samba Portela desfilando na Avenida Atlântica. A Portela tinha ganhado um campeonato acirradíssimo com o Salgueiro, em 1964, e eu escrevi no meu diário que eu tinha visto uma coisa linda. Eu, meu pai, minha mãe e minha irmã. E, assim como Fred e Felipe, eu sempre gostei de carnaval, mas nunca pertenci ao mundo social das escolas de samba, no qual ingressei já como pesquisadora. Mas sempre gostei de carnaval.

Fiz a graduação em história na PUC-Rio, e gosto muito até hoje de história. Meu mestrado cursado na pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional na UFRJ foi sobre espiritismo kardecista18 18 Ver Cavalcanti (1983). . No doutorado, eu queria trabalhar com religiões afro-brasileiras, com umbanda na região de Quissamã no Norte fluminense. Mas depois de um período de trancamento de dois anos - eu estava separada, tinha duas filhas, tinha que trabalhar, não consegui fazer o doutorado, aí tranquei - reingressei disposta a pesquisar o carnaval carioca das escolas de samba.

Fui aluna do Roberto DaMatta no mestrado, quando ele estava escrevendo Carnavais, malandros e heróis. Esse livro, que ele publicou em 1979, foi um livro marcante. Trouxe a perspectiva antropológica e, com isso, o carnaval como uma festa central para compreensão da dinâmica da vida social brasileira. Gilberto Velho, que era uma pessoa muito aberta e muito interessada nas sociabilidades urbanas com suas zonas de trânsitos e mediações foi, também, meu professor. Os dois foram influências duradouras. Entre o mestrado e o doutorado - naquela época um mestrado durava quatro anos, o equivalente ao doutorado atual -, eu fui trabalhar como pesquisadora no antigo Instituto Nacional do Folclore da Fundação Nacional de Artes, uma instituição cultural cheia de dinamismo e iniciativas muito importantes. Entrei em janeiro de 1984 e, logo no mês seguinte, a diretora Lélia Coelho Frota me chamou para fazer uma pesquisa sobre barracão de escola de samba. Quinze dias antes do carnaval de 1984, lá fui eu, com caderno de campo, gravador, em companhia de um ótimo fotógrafo da Funarte hoje já falecido, o Zeca Reis… Eu pisei no barracão da União da Ilha, que era ali na região do Porto, perto de onde era o antigo Jornal do Brasil19 19 Onde atualmente se localiza o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). . Foi amor à primeira vista. Entrei desavisada, porque naquela época ninguém falava de barracão de escola de samba. Não tinha esse interesse, não tinha essa visibilidade na mídia, e eu fiquei apaixonada. O carnavalesco era o Geraldo Cavalcante, que tinha sido bailarino do Teatro Municipal e entrara nas artes do carnaval com Joãozinho Trinta. Foi muito receptivo e lá fiquei todos os dias até o desfile. Era o primeiro desfile de escolas de samba no recém-construído Sambódromo.

O impacto da experiência resultou no meu primeiro artigo sobre carnaval, “Barracão de ala, barracão de escola: breve estudo dos bastidores do carnaval”. Na época, minha diretora Lélia Coelho Frota teve que defender o valor cultural do carnaval para o artigo sair na Revista do Patrimônio, pois o assunto não era visto com bons olhos20 20 O artigo, publicado na Revista do Iphan em 1984, foi incorporado ao livro Carnaval, ritual e arte. ! Lélia era muito aberta e tinha uma visão etnográfica e antropológica das artes e da cultura, que veio a prevalecer agora, depois dos anos 2000, com as políticas de patrimônio cultural imaterial. Desde aquele momento, eu compreendi a relevância de todo ciclo ritual da vida de uma escola de samba para a confecção de um desfile. Como era interessante esse fabrico constante do carnaval! Maria Augusta Rodrigues era muito próxima do Instituto Nacional do Folclore, fizemos exposições na Sala do Artista Popular com esse tema. Eu tive a oportunidade de fazer um pequeno documentário dos bastidores do carnaval com a Mocidade Independente, em 1986, com os carnavalescos já falecidos Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo, um casal espetacular. Fui convidada para júri de decoração da cidade, quando conheci a Lilian Rabello. Fui me enfronhando no assunto.

Em 1988, a Heloisa Buarque de Holanda, coordenadora do Centro de Estudos Contemporâneos da Escola de Comunicação/UFRJ, me convidou para participar de uma pesquisa sobre as comemorações do centenário da abolição. Ao mesmo tempo, fui convidada para ser júri de enredo no desfile das escolas de samba do grupo especial no Sambódromo. Aquilo estava ficando forte demais. O carnaval estava me abraçando. Escrevi outro artigo sobre a temática racial afro-brasileira no carnaval carioca21 21 Refere-se ao artigo “A temática racial no carnaval carioca ou o carnavalesco como mediador cultural”, então publicado na revista Estudos Afro-asiáticos, em 1990, também incluído em Carnaval, ritual e arte. . Quando pude retomar o doutorado em 1989, já reingressei com o tema do carnaval e com o desejo de acompanhar todo o processo de realização de um desfile carnavalesco. A ideia de processo ritual - um conceito importante de Victor Turner, um autor que conheci no mestrado via Roberto DaMatta - de que a festa era a culminância de um ano inteiro de fabrico me guiou.

Bem, chegamos a 1990, ano em que o então presidente Fernando Collor interveio na área federal da cultura. Foi aquela confusão, um verdadeiro desmonte das instituições da área cultural. O Instituto Nacional do Folclore, onde eu trabalhava, não foi extinto, mas ficou paralisado e eu já tinha reingressado no doutorado. Eu falo muito isso para os meus alunos: por vezes circunstâncias pouco auspiciosas quando encaradas com alguma determinação podem trazer coisa boa. Foi o meu caso. O Instituto Nacional de Fotografia - outro dos Institutos de Artes da antiga Funarte - tinha sido extinto (uma das muitas barbaridades da época), e o fotógrafo Décio Daniel veio trabalhar no Instituto Nacional de Folclore e ele adorava carnaval! Eu o convidei para acompanhar comigo todo o ciclo festivo da produção de um carnaval. A Lilian Rabello, que eu tinha conhecido no júri de decoração da cidade, compreendeu e acolheu de imediato o que eu queria fazer. Sou muito grata a ela, que estava casada na época com o Renato Lage. Eu já tinha assistido ao desfile de 1991, onde a Mocidade Independente de Padre Miguel - a escola em que os dois tinham atuado como carnavalescos - tinha vencido a disputa com o espetacular “Chuê… chuá… as águas vão rolar!”. Eu iria para onde a Lilian e o Renato fossem, e eles foram novamente para a Mocidade. A pesquisa resultou no Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile22 22 Ver Cavalcanti (2006). . Uma pesquisa feita em circunstâncias difíceis, mas eu aproveitei muito porque pude de fato ficar um ano inteiramente dedicada a uma pesquisa complexa, transitando entre espaços distintos: a quadra da escola, o barracão, as várias oficinas, as casas de chefes de alas, enfim. Até a culminância do desfile. Obtivemos fantasias para a exposição de longa duração do Museu de Folclore, muitas fotos documentais, e eu defendi a tese de doutorado em março de 1993.

No segundo semestre desse mesmo ano, fiz o concurso para professora de antropologia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Além da graduação em ciências sociais, havia também a pós-graduação em sociologia. Já tinha uma antropologia muito forte lá dentro, e a gente estava lutando para aumentar a visibilidade da antropologia na pós-graduação, que se tornou a pós-graduação em sociologia e antropologia. Com o trabalho de orientação no mestrado e no doutorado e com a iniciação científica na graduação, muita gente boa chegou - como a Renata, o Hugo, o Ricardo - para pesquisar o carnaval, um tema que integra o interesse antropológico amplo pelos símbolos e rituais em ação na vida social. É um assunto que transcende nossas atividades acadêmicas e nos une de uma forma muito especial, transforma ex-alunos em colegas e amigos! Pesquisando, nos apaixonamos cada vez mais pelo carnaval e construímos um diálogo que não é só intelectual, mas também afetivo. Esse é o espírito do carnaval, ele nos traz isso.

Ricardo José Barbieri: Desde a publicação de Carnavais, malandros e heróis de Roberto DaMatta em 1979DaMatta, Roberto. (1979). Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar ., o carnaval brasileiro ganhou a atenção das ciências sociais, e foram ressaltados diversos aspectos da festa carnavalesca, seus inúmeros formatos e expressões. DaMatta aborda, por exemplo, o ritual da festa carnavalesca, o tempo, as rotinas, os ritos, o espaço como a casa e a rua e a literatura. Pensando nesses grandes eixos - cultura, artes e letras -, como vocês percebem o carnaval das escolas de sambas como porta de entrada para a reflexão sobre múltiplos aspectos e planos da sociedade?

Felipe Ferreira: As escolas de samba ganharam uma prevalência muito grande em relação ao carnaval, principalmente pelo sucesso que elas fizeram partindo dos anos 1960, 1970… É difícil marcar datas… No Rio de Janeiro, elas se tornaram a cara do carnaval. Mas o carnaval é bem maior do que escola de samba, como a coletânea de vocês indica. As escolas de samba são uma forma de pensar o carnaval no geral e uma forma de pensar o país. Elas próprias estão pensando o país, como se estruturam, como se organizam, no sentido em que pensar não é só uma atividade mental, é uma atividade criativa, de produção de textos e objetos. A história do Brasil pode ser entendida a partir da história do seu carnaval, e a história do Rio de Janeiro a partir da história das escolas de samba, da maneira como elas vão se desenvolvendo, das relações de poder, dos seus diálogos com as diferentes instâncias da sociedade. Esse é o segredo do sucesso delas. Elas falam de nós de diversas maneiras.

A gente está vendo, agora, as notícias sobre essas relações nada republicanas entre o Município do Rio de Janeiro e as escolas de sambas23 23 Refere-se à negligência relativa ao carnaval das escolas de samba - não apenas em aporte de recursos, mas no abandono dos equipamentos urbanos dos desfiles, como o Sambódromo - que caracterizou a gestão municipal de Marcelo Crivella quando prefeito do Rio de Janeiro entre os anos de 2016 e 2020. . Isso é a história do Rio de Janeiro na sua essência. A gente está entendendo muitas questões desse mecanismo que funciona na nossa cidade, mas funciona no país também, nas suas dificuldades e nas suas maravilhas. É uma forma para a gente entender a complexidade da cultura, em seu sentido geral, e da cultura carioca mais especificamente. Às vezes brinco que uma escola de samba é quase uma representação em gráfico da sociedade brasileira, como num carro alegórico em que, no nível do chão, estão os empurradores trabalhando braçalmente para que o carro se mova, a chamada turma da força, os “formigões”. Conforme o olhar vai subindo vão aparecendo as fantasias das composições do carro: é a classe média com as fantasias mais elaboradas do que as fantasias das alas, mas menos elaboradas do que as fantasias dos grandes destaques no topo do carro alegórico. Isso tudo é uma construção que a sociedade faz de si mesma e que encontra na escola de samba esse espaço de reunião.

Essa sociedade que aparece não é somente um mal e nem é somente um bem. Ela nos mostra como somos em nossa complexidade. Muitas vezes a gente fica até um pouco chateado, envergonhado com o que está acontecendo com as escolas de samba, e que mostra o que está acontecendo para a sociedade e para o resto do mundo. E ao mesmo tempo as escolas de samba são razão de muito orgulho, também. Mas aquele esplendor, aquela maravilha da qual nos orgulhamos tanto também traz questões das quais a gente se envergonha. É a sociedade!

Não sei mais se era exatamente essa tua pergunta, Ricardo, mas é um pouco esse desabafo que eu quero fazer. É interessante a gente trabalhar o carnaval a partir desses diálogos entre as diferentes camadas e instâncias da sociedade. Quando me procuram para orientar, busco trazer essas questões. Por exemplo, se pesquisamos uma alegoria de carnaval, ou uma comissão de frente, ou um casal de mestre-sala e porta-bandeira, quais questões e tensões se traduzem em uma coreografia, em uma indumentária, na estrutura de uma alegoria, na encenação de uma comissão de frente? De que forma essas questões “falam” sobre nós? Enfim, o carnaval e as escolas de samba ajudam a entender quem somos nós.

Fred Góes: Eu não disse antes, mas é importante dizer que fui orientador de mestrado e doutorado do Milton Cunha, e o Milton estudou Joãozinho Trinta de uma forma muito interessante, muito afiada. João é quem conta os mistérios, os mitos do Maranhão, todas aquelas histórias sempre pelo seu ponto de vista. A escola de samba é exatamente isso, ela acaba nos representando em todas as suas lantejoulas. Fala da mulher, das relações sociais de modo muito evidente.

Outro dia me pediram para fazer a revisão de um texto que discutia um casal de mestre-sala e porta-bandeira. Seria possível uma pessoa trans, ou mesmo um homem vestido de mulher, ocupar o lugar de porta-bandeira? É uma questão que a escola de samba já pontua. Outra questão que a escola de samba nos faz pensar é o lugar das igrejas pentecostais, os representantes mais idosos, as mulheres, quando elas entram nessas igrejas, a primeira coisa que acontece é deixarem de sair no carnaval. O carnaval vai pontuando e trazendo essas questões para o nosso cotidiano. Foi o que o Felipe pontuou com muita propriedade. A literatura tem sua parte nisso tudo. O carnaval se faz representar na literatura e a literatura se faz representar no carnaval. A gente se vê nesse ritual, nessa festa brasileira plural. O Rio de Janeiro tem um lugar de muita importância nesse cenário por conta das escolas de samba, uma das mais geniais manifestações da nossa cultura e do nosso modo de ser.

Maria Laura Cavalcanti: A antropologia tem uma máxima dos estudos de rituais: rituais são portas de entrada para a compreensão da vida social. O caso do carnaval é maravilhoso. O Roberto DaMatta traz muito bem a ideia de que os rituais perspectivam a maneira como a própria sociedade se vê. O carnaval fornece muitos ângulos para olhar a sociedade. As escolas de samba com seu desfile festivo são um caso exemplar da eficácia dos rituais, que expressam questões sociais seríssimas, e os pesquisadores conseguem acessá-las de uma forma criativa, diferente do usual. Outra coisa importante é que estamos falando da cultura contemporânea, de coisas que estão acontecendo. São processos vivos. Os rituais são reflexivos, além de serem artísticos e expressivos. O carnaval comporta uma imensa heterogeneidade. Mas as escolas de samba são singulares nesse contexto, e por quê? No seu processo ritual anual elas articulam permanentemente grupos sociais distintos, grupos étnicos diversos em torno do objetivo comum de levar um enredo para a passarela e idealmente ganhar a disputa com as demais escolas. Um enredo é como uma moeda que permite uma troca cultural muito ampla que atravessa, no caso do Rio de Janeiro, a cidade inteira e que se espalha mesmo para várias cidades do país que respondem, também, de volta com as suas próprias trocas. É um diálogo ativo com muitos pontos de interlocução, que conseguem se espalhar mesmo para além das fronteiras nacionais.

O carnaval das escolas de samba é como um kula, para usar a expressão de Malinowski: promove trocas sociais amplas, trocas culturais extraordinárias e sempre surpreendentes do ponto de vista sociológico. Ele agrega grupos com interesses muito diversos que se associam em função daquele objetivo comum de levar um novo enredo à passarela. O Rio de Janeiro é o que é porque teve as escolas de samba em sua construção como metrópole ao longo do século XX. Isso favoreceu o intercâmbio cultural, com todas as dificuldades da cidade partida. Não estou querendo aqui dourar a pílula, mas efetivamente as escolas de samba traçam uma rede social que articula os grupos, os mais diversos, inclusive tráfico, milicianos e patronos do jogo do bicho. Então, é realmente um close up na vida e nos problemas da cidade. Como Felipe falava, os bons e os maus problemas do Rio de Janeiro e do nosso país. É uma fotografia, é só chegar perto que as coisas estão ali e se revelam num processo ritual complexo, tenso, conflitivo e, ao mesmo tempo, tão interessante.

E tão interessante por quê? As escolas de samba inventaram um carnaval muito elaborado artisticamente. Nem toda a forma de brincar o carnaval tem essa elaboração artística. Fred chama a atenção com muita pertinência para qualidade literária do enredo, para os gêneros literários que podem ser trabalhados no enredo e no samba-enredo. Como ele faz no artigo nesse livro, é genial! O enredo é a pérola primeira do carnaval das escolas de samba, pela densidade dele; as pessoas pesquisam, leem, há uma grande troca entre cultura erudita e cultura popular. Renovam-se sempre e se adaptam a contextos urbanos diversos. Um enredo em Manaus se adapta a assuntos relevantes para Manaus. Em Pernambuco, é um enredo de Pernambuco. Isso, junto com a capacidade de articulação social das escolas de samba, resulta numa atividade profundamente integradora. E o enredo se desdobra na parte musical e sonora, que é outro espetáculo. Há o trabalho artístico dos figurinos que o Felipe conhece bem, com a Rosa Magalhães. Eu particularmente acho as alegorias uma das mais expressivas manifestações da nossa vida artística no sentido amplo. O carnaval das escolas de samba tem grande capacidade de articulação social e muita sofisticação e elaboração artística, é uma fonte de saberes e de produção de artistas que se fazem e se refazem a cada ano.

Renata de Sá Gonçalves: Então, eu queria agora puxar para a temática do nosso livro. Da ideia do carnaval sem fronteiras. E aí trazer aqui uma lembrança… o Fred comentou o trabalho dele do carnaval de Nova Orleans; o Felipe Ferreira, conhecemos o trabalho dele sobre o carnaval de Nice; Maria Laura tem comparado o carnaval das escolas de samba e o Bumbá de Parintins, por exemplo. Como vocês entendem essas diferenças e esses contrastes e possíveis aproximações entre o carnaval brasileiro das escolas de samba e esses outros carnavais mundo afora, ou essas outras expressões festivas e culturais no Brasil e em outros países, no presente e em outros tempos?

Felipe Ferreira: Para mim, é muito simples de responder isso, porque todo o meu trabalho, toda a minha pesquisa sempre foi ligada à compreensão da cultura a partir dos diálogos e tensões entre múltiplos atores, interesses e instâncias. Em meu doutorado pude desfrutar de uma bolsa-sanduíche de um ano no Institut de Géographie da Université Sorbonne, Paris IV, sob orientação do Professor Paul Claval, e meu pós-doutorado foi realizado na Instituto de Letras da Université Sorbonne Nouvelle, Paris III, supervisionado pela Professora Jacqueline Penjon. Em ambos trabalhei exatamente com a questão da formação do carnaval brasileiro a partir de influências externas e centralizei essa ideia de influência externa no carnaval francês, mais especificamente no carnaval parisiense do século XIX, que veio influenciar o carnaval brasileiro, ajudando a construir nosso carnaval a partir da “importação” de um carnaval estrangeiro. É a partir da ideia de que o Brasil, no século XIX, sofreu uma enorme influência da cultura europeia e da cultura francesa que procurei investigar como se deu a junção daquilo que veio de fora, da França, com outras coisas que, em última instância, vieram de fora também, de Portugal e da África.

No Brasil, praticamente veio tudo de fora. A colonização portuguesa, a forte presença da africanidade, isso, junto com o que vem da França, vai formar a nossa civilização, nossa forma de pensar. E, no caso do carnaval, vai formar o carnaval, o carnaval brasileiro, que nos dá tanta identidade. Esse diálogo entre culturas vai acontecer no Rio de Janeiro, porque a cidade era a capital, e vai centralizar os encontros que vão formar o carnaval carioca. Isso se deu, principalmente, nas ruas do Rio de Janeiro, com o carnaval denominado “entrudo”. Muito mal denominado, na verdade, porque a palavra entrudo dá a impressão de que é uma forma única de carnaval, um jeito específico de brincar carnaval. Mas o “entrudo” é um monte de formas de brincar, todas elas chamadas, genericamente e preconceituosamente, de “entrudo”, visto de fora como se fosse uma bagunça um descontrole. Mas essa bagunça, na verdade, consistia em uma variedade enorme de brincadeiras provenientes de um carnaval popular trazido de Portugal, o carnaval lusitano, que era o que acontecia em resposta à semana santa e à quaresma. Junte-se a isso as manifestações de raiz africana que estavam acontecendo nas ruas também, em forma de cucumbis24 24 Segundo Felipe Ferreira (2005: 142) em Inventando Carnavais: O surgimento do carnaval Carioca no século XIX e outras questões carnavalescas, os cucumbis eram um tipo de Congada que “existiu no Rio de Janeiro até 1830 fazendo parte dos ritos fúnebres dos filhos de reis africanos falecidos na cidade […] alguns autores destacam a extinção dos cucumbis na década de 1830 e seu ressurgimento no carnaval da década de 1880 - no contexto abolicionista”. No período carnavalesco tais manifestações ocupavam certos espaços da cidade onde contavam com maior liberdade frente à costumeira repressão policial. , em formas de congadas, em formas de cortejos negros. Tudo isso que estava acontecendo nas ruas do Rio de Janeiro era reunido sob o conceito de “entrudo”. E aí você coloca tudo num grande saco, o que é muito ruim para entender o “entrudo” que acaba sendo visto como um problema.

Em resposta a isso, busca-se um carnaval que vem “de fora”, que vem da “civilização”, o carnaval francês, que é importado para “resolver o problema”. É verdade que o “problema” acaba por ser resolvido, só que não da forma que se esperava - que era acabando com o carnaval popular, com o “entrudo” -, mas se juntando nas ruas do Rio de Janeiro a esses mesmos carnavais e produzindo o que passou a ser conhecido como carnaval carioca, uma mistura disso tudo, da qual as escolas de samba são grandes expressões. Uma mistura do esplendor, da beleza, do luxo, do paetê e das plumas “francesas”, com os batuques, a animação, os cantos e os instrumentos do carnaval popular, ou seja, do “entrudo”. Isso é muito característico, aliás, da cidade do Rio de Janeiro.

A Maria Laura comentou a história da cidade partida, que eu questiono, e sei que ela também questiona isso, eu só quero puxar esse tema porque eu acho importante chamar atenção para ele. Eu não entendo o Rio de Janeiro como uma cidade partida. O que eu acho que acontece no Rio de Janeiro não é sintoma de uma cidade partida. É exatamente o sintoma de uma cidade que dialoga. Cidade partida é uma cidade que tem dois lados que não se falam. Numa maneira muito simplória, eu posso entender Nova Iorque como uma cidade partida. Do meio para o Sul é uma cidade e do meio para o Norte é uma outra cidade, em que vivem os negros, o Harlem. Isso é uma cidade partida. Uma turma lá e a outra aqui. O Rio de Janeiro é uma cidade problemática, mas não é partida. Ao contrário, ela reúne. A gente está vendo a favela. No núcleo do Rio de Janeiro, não existe, como em São Paulo, um bairro central fechado de alta classe média, os Jardins que se isolam e podem colocar uma cerca em torno e viver ali dentro para sempre e do lado de fora as enormes favelas paulistas. Isso é mais, muito mais partido do que, por exemplo, o bairro do Leblon no Rio de Janeiro, que tem a favela ali do lado, ou Ipanema, ou Copacabana onde moro, com uma favela depois do túnel. Eu não entendo isso como partido. Eu entendo isso como uma cidade em que as suas diversas partes se encontram. Às vezes não se encontram muito bem, não se encontram muito alegremente, mas se encontram. Essa é a característica do Rio de Janeiro que faz com que as pessoas se encontrem, até por uma questão física, geográfica que impõe esse encontro. A cidade é meio espremida, principalmente no século XIX, espremida entre o mar e a montanha, e está todo mundo ali junto e isso vira uma espécie de forma do Rio de Janeiro existir. É daí que sai o carnaval. É daí que saí a folia do Rio de Janeiro, que representa tão claramente a cidade e o que nós somos. É uma tensão às vezes problemática, às vezes violenta, mas uma tensão produtiva também, que produz a nossa forma de ser, o nosso jeito carioca de ser, de que às vezes a gente tem muita vergonha, mas outras vezes também tem muito orgulho. Essa coisa meio malandra, que no seu lado ruim quer passar a perna nos outros, mas que no seu lado bom estabelece o “papo”, a reunião de pessoas para “bater um papo”. É daí que sai o samba. O samba é um grande “papo” que as pessoas levam umas com as outras.

Noel Rosa, por exemplo, é um produto dessa cidade. Um intelectual formado, universitário que vai parar no Morro da Mangueira, vai conversar com o Cartola e disso aí sai a música popular brasileira, a música popular carioca, digamos assim, o samba malandro. É tudo isso que eu acho importante. As escolas de samba são uma expressão disso tudo, tem toda uma história muito longa sobre a qual a gente tem que pensar. Falar assim tão rápido sempre acaba pecando por simplificar, deixa a coisa simplória, mas tem toda essa história muito representativa do que é o carnaval. Estão nas escolas de samba todas essas questões que vêm desde o “entrudo”, passando pelo carnaval dos ranchos, dos cordões, dos blocos, que são o caldo de onde vai ser fermentada as escolas de samba, elas são isso tudo.

Fred Góes: Eu vou pegar o gancho do Felipe para lembrar o seguinte, você vê como é que o Rio de Janeiro é tão especial. Quando a gente pensa na crônica dos anos 30, ela está na música popular, não está na literatura. É Noel Rosa que vai mostrar que a cidade se verticaliza com “Três apitos”, é ele que vai falar da metrópole e da velocidade da metrópole em “Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa25 25 Trecho da música “Conversa de Botequim”, de Noel Rosa e Vadico. ”. Quer dizer, tem a alta literatura, e você tem essa literatura do cotidiano que fascina e o que essa toda literatura brasileira escreveu, porque é muito mais fácil você perguntar dessa literatura brasileira. Quem foi o escritor brasileiro que não fez crônica? Todos trabalhavam no jornal. Então eu queria pegar algo do outro gancho, que é a questão da escola de samba que Felipe falou e estabelecer uma relação com o que eu vi nos Estados Unidos.

Eu não posso falar sobre o carnaval de Cuba, apesar de ter já vivido algumas coisas dessas especificidades. Do carnaval colombiano também. Mas o carnaval brasileiro, com relação a essa origem, é o mesmo. O carnaval americano, que chamam de Mardi Gras ou chamam terça-feira gorda, é algo que começa exatamente quando começa o nosso: importando da França o carnaval que estava no auge em 1840, meados do século XIX. E aqueles americanos ricos, filhos dos donos de plantation, que tinham estudado na França, só vêm para levar para os Estados Unidos aquela forma de carnaval… É um carnaval muito diferente do nosso, que é um carnaval absolutamente evolutivo; esse Mardi Gras oficial, dos brancos, é uma celebração absolutamente social no sentido de que você tem ao mesmo tempo uma representação de um rei e de uma rainha, você tem a apresentação das moças da cidade. O que eles chamam de Gras, que são essas agremiações, você tem Gras sociais que são dos vários níveis sociais e oficiais que é uma coisa mais…enfim, não tem essa preocupação de quem você está se relacionando [ou] que tipo de grupo você está.

E [há], por outro lado, um carnaval que não tem nada a ver com o carnaval francês. É o carnaval dos homens negros se vestindo de índios e que acontece na periferia, dentro dos bairros negros, sem a licença da polícia. Porque [em] todas as outras manifestações você paga a polícia para tomar conta. Então, os funerais… E é uma cidade onde acontecem muitas festas e festas de ruas, nessas manifestações você precisa ter a licença da polícia. À saída dos homens vestidos de índios, dos negros vestindo de índios, se pede licença. Em 2004, antes do furacão [Katrina], o grande chefe dos índios negros de Montana, ele realmente teve que defender essa ideia de que realmente aquela tradição não precisava pedir licença à polícia, e ele foi ao tribunal e no tribunal ele teve um ataque cardíaco e morreu, que é a coisa mais carnavalesca.

O que é curioso é que a música dessa gente, em que aconteceu uma coisa incrível, porque eu tinha uma amiga que trabalhava na rádio comunitária de Nova Orleans e ela gravou para mim o repertório dos anos 1970, 1980. E eu fiquei… porque a rádio foi… a água chegou e levou tudo, e eu tenho esse material em casa e os cantos. São cantos de guerra. Eles dizem: “nós vamos nos encontrar no campo de guerra, vai ter briga”. Eles se matavam muito. Mas hoje a guerra é beleza. Se transformou. Mas é curioso isso, o carnaval das Américas é um carnaval eminentemente francês e que a gente foi adaptando de acordo com as nossas realidades. Mas como disse Felipe, como escola de samba não é em lugar nenhum. Como é no Rio de Janeiro nos representa e como representa! Uma forma de carnaval que foi buscando tudo de outras formas. Com os carros alegóricos da escola de samba, o mestre-sala e a porta-bandeira vieram do rancho, as passistas eram as pastoras. Enfim, a escola de samba é absolutamente antropofágica nesse sentido, no bom sentido antropofágico. É isso.

Maria Laura Cavalcanti: Elas conseguiram fazer um agregado que se articula dessa forma tão majestosa. Felipe, eu concordo. Não acho que o Rio de Janeiro seja uma cidade segregacionista. Não, não é! O Rio de Janeiro é a cidade que é por conta do lugar das escolas de samba na sua história. Quer dizer, as escolas de samba construíram também uma maneira de ser dessa cidade. Uma maneira que é um trunfo, que fala a favor da capacidade de trocas sociais positivas a atravessarem a cidade. Acho que a ideia da cidade partida chama a atenção para a existência de territórios dominados pelo tráfico ou pelas milícias, em que você não tem direito de cidadania plena, em que a troca social não pode acontecer livremente. Mas as escolas de samba, com certeza, são forças para estabelecer trocas positivas, articulando muitos bairros e regiões diversas.

Então, sobre a pergunta da Renata, tenho dois comentários. Um é sobre a heterogeneidade interna do carnaval das escolas de samba, onde cada aspecto, cada ângulo que escolhemos, é um mundo social próprio. É possível olhar o carnaval a partir da experiência do mestre-sala e da porta-bandeira, que é completamente diferente daquela dos artistas do barracão; que é completamente diferente do pessoal da coreografia da comissão de frente; que é completamente diferente do chefe de ala e dos componentes de ala; que é completamente diferente das composições de alegoria; que é completamente diferente da diretoria ou dos mecenas e patronos. Então, cada aspecto dessa forma cultural tão rica é um mundo social em si.

Lembro da conversa com Alexandre Salino, mestre-sala da Mocidade que dançava com Lucinha Nobre no carnaval da Mocidade de 1992. Ele me dizia que dançava, que era bailarino como mestre-sala e porta-bandeira, mas que ele dançava funk e outras danças também. Os sambistas, o pessoal das escolas de samba, têm redes de relações amplas e abertas e caminham no mundo contemporâneo das grandes cidades. Articulam várias esferas da realidade e transitam com liberdade entre elas. Esses mundos sociais distintos e articulados entre si que existem dentro de uma escola de samba são muito interessantes e complexos.

Na conversa do podcast com Felipe Barros e Dana Monteiro26 26 O segundo episódio da série de podcast Museológicas destinado à divulgação de Carnaval sem fronteiras, enfocou “Ritmos e ritmistas em trânsito: a percussão de samba em Nova York”, de Felipe Barros, e “Harlem do samba: senso de comunidade e participação no ensino de tambores”, de Dana Monteiro, e contou com a participação dos irmãos Gustavo e Guilherme, atuais mestres da bateria da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro. , vimos como as baterias e a sonoridade das baterias por si só são capazes de levar essa expressão cultural brasileira para terras estrangeiras, e as pessoas fazem contato com a cultura brasileira através dessa sonoridade poderosa. Isso é um aspecto. Outro aspecto o Fred trouxe.

E queria aproveitar para chamar a atenção para a relevância dessas formas culturais populares [que] trazem a disputa e a competição com elas. Às vezes os estudiosos de cultura popular têm certo preconceito com a disputa e a competição, mas disputa e competição são formas democráticas consensuais e muito associativas. As pessoas podem brigar e discutir muito, mas têm que acabar concordando com a maneira pela qual são julgadas e isso é muito inclusivo. Instaura um ambiente comum. É como Fred falou, antes tinha guerra, i.e. combates por vezes violentos mesmo, e agora a guerra é artística. Isso instaura um ambiente que favorece a troca cultural, porque é uma troca regulada, com as pessoas que concordam com as regras que norteiam o julgamento. A rivalidade organizada na competição faz com que, mal terminado o ano, tudo se reinstaure e quem perdeu possa querer novamente ganhar. Essa tensão é uma força de vida fenomenal. O campeão é o campeão da cidade inteira. No caso das escolas de samba, todo mundo sabe qual é aquele bairro, quem são aquelas pessoas, cada desfile lança luz para a dinâmica de vida da cidade.

Esse é um elemento que as escolas de samba têm, por exemplo, em comum com o festival dos Bois Bumbás de Parintins, que é um caso de competição acirradíssima, pois são só dois que compõem o festival. Lá é uma história fascinante, interessantíssima, onde a rivalidade é levada ao paroxismo por serem só dois. A expressividade artística nessa competição de dois cresceu imensamente, porque se compete através das linguagens artísticas e musicais, do ritmo, da dança, da beleza plástica da festa. A cada ano um tenta se sobressair ao outro e isso dá uma graça enorme, pois o seu competidor é o seu companheiro. Você precisa dele para existir. Quando as escolas de samba desfilam nos seis grupos hierárquicos que existem atualmente no Rio de Janeiro, elas entram num mundo de trocas sociais amplíssimo. Então a forma da disputa festiva como dispositivo ritual é um instrumento fascinante nas expressões de cultura popular. Ela é agregadora. Uma coisa importante que tem que prestar atenção.

Outro ponto é que as festas populares se relacionam entre si, não há fronteiras pré-estabelecidas entre elas. Então os artistas de carnaval, eles se interessam e circulam por outras festas. Tem alegoria em festas do Divino em Minas Gerais. Os artistas de carnaval fazem também os carros para a Festa da Uva no Rio Grande do Sul. Os artistas dos Bois de Parintins fazem construção de cenário na festa que comemora a Revolução da Laguna, em Santa Catarina. Eles vêm para o Rio de Janeiro, onde influenciaram a construção das alegorias com os mecanismos de movimento que sabem construir. Eles transitam por toda a região amazônica, assim como os compositores e intérpretes, que cantam vários gêneros além dos gêneros musicais cantados nessas expressões que estamos focalizando. Então, esse diálogo que existe entre as muitas festas populares, essas interinfluências, transcendem o próprio ciclo festivo do carnaval. O caso dos ranchos carnavalescos é um caso exemplar disso. Na segunda metade do século XIX - a Renata Gonçalves pesquisou os ranchos no mestrado27 27 Ver Gonçalves (2007). -, o Hilário Jovino deslocou o rancho baiano do ciclo natalino para o ciclo carnavalesco, e os ranchos fizeram história no carnaval da cidade. A gente precisa ter esse olhar aberto para as expressões do carnaval contemporâneo.

Hugo Menezes Neto: Então, pessoal, quero agradecer a vocês, agradecer a presença dessa coapresentação de minha querida colega Renata Gonçalves, de Ricardo Barbieri. Muito obrigado a nossos convidados de hoje. Conversamos com Maria Laura Cavalcanti, Felipe Ferreira e Fred Góes. Foi um prazer imenso estar com vocês.

Felipe Ferreira: O carnaval vai acontecer em 2021 viu, gente! Não tenham dúvidas! Carnaval é uma expressão muito moldável. Ele vai se adaptar a qualquer dificuldade que aconteça. Ele estará lá. Nem que seja todo mundo brincando pela internet, mas o carnaval vai acontecer. Encontro vocês lá.

REFERÊNCIAS

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  • Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro & Gonçalves, Renata de Sá (orgs.). (2020). Carnaval sem fronteiras: as escolas de samba e suas artes mundo afora. Rio de Janeiro: Mauad.
  • Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (1983). O mundo invisível: cosmologia, noção da pessoa e sistema ritual no espiritismo kardecista. Rio de Janeiro: Zahar.
  • DaMatta, Roberto. (1973). Ensaios de antropologia estrutural: o carnaval como rito de passagem. Petrópolis: Vozes.
  • DaMatta, Roberto. (1979). Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar .
  • Ferreira, Felipe. (2005). Inventando carnavais: o surgimento do carnaval carioca no século XIX e outras questões carnavalescas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
  • Goldwasser, Maria Julia. (1975). O palácio do samba: estudo antropológico da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Rio de Janeiro: Zahar .
  • Gonçalves, Renata de Sá. (2007). Os ranchos pedem passagem. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal.
  • Leopoldi, José Sávio. (1978). Escola de samba, ritual e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar .
  • Queiroz, Maria Isaura Pereira de (1999). Carnaval brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense.

NOTAS

  • 1
    Carnaval sem fronteiras: as escolas de samba e suas artes mundo afora é uma coletânea que reúne as pesquisas de Claudia Palheta, Dana Monteiro, Felipe Barros, Fred Góes, Hugo Menezes Neto, João Gustavo Melo, Juliana Braz Dias, Leonardo Bora, Lucas Bártolo, Maria Laura Cavalcanti, Maximiliano Marques, Renata de Sá Gonçalves, Ricardo José Barbieri e Ulisses Duarte. Resulta de projeto apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realizado entre setembro de 2017 e outubro de 2020 e coordenado pela Professora Maria Laura Cavalcanti. As demais entrevistas organizadas em conjunto com o Museológicas Podcast foram: “As escolas de samba no carnaval de outros países”, “A Percussão de samba em Nova Iorque”, “As escolas de samba entre o Recife e o Rio de Janeiro” e “O carnaval e a pesquisa universitária”. Felipe Ferreira, que participou dos seminários do projeto, contribuiu com a orelha do livro.
  • 2
    O Museológicas Podcast é um programa de extensão produzido por estudantes e professores da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), apoiado pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e mantido pelos grupos de pesquisa Museológicas e Curupiras e pelos Laboratórios de Expografia (Expolab), de Estudos Avançados em Cultura Contemporânea (LEC), de Multimídia e pelo Observatório de Museus e Patrimônio. Na ocasião da entrevista aqui transcrita contávamos com o apoio técnico de Luísa Nóbrega.
  • 3
    O ensaio integra a coletânea autoral de DaMatta, Ensaios de antropologia estrutural.
  • 4
    Ver DaMatta (1979DaMatta, Roberto. (1979). Carnavais, malandros e heróis: por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar .).
  • 5
    Ver Goldwasser (1975Goldwasser, Maria Julia. (1975). O palácio do samba: estudo antropológico da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Rio de Janeiro: Zahar .).
  • 6
    Ver Cavalcanti (2006Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (2006). Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: UFRJ.). Diversos de seus ensaios sobre o carnaval foram reunidos em Carnaval, ritual e artes.
  • 7
    Vale mencionar Antes do furacão: o Mardi Gras de um folião brasileiro em Nova Orleans e Cinquenta anos do trio elétrico.
  • 8
    Entre seus livros, destacam-se O livro de Ouro do carnaval brasileiro, Inventando carnavais e Escritos carnavalescos.
  • 9
    A Divisão Infanto-juvenil da Editora Globo era responsável, na época, pelas áreas de livros infantis, histórias em quadrinhos, atividades e álbuns de figurinhas.
  • 10
    Felipe Ferreira ingressou no curso de mestrado em Artes Visuais da UFRJ em 1994 defendendo em 1996 a dissertação “O marquês, o jegue, a princesa e o corta-jaca: um estudo sobre a expressão plástica da cultura popular e da cultura erudita nas fantasias de carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro” sob orientação de Liana Silveira. A dissertação foi publicada em 1999 pela editora Altos da Glória.
  • 11
    A revista Textos Escolhidos em Cultura e Artes Populares publicou 14 volumes entre 2004 e 2017.
  • 12
    Trata-se do artigo “Tem bububu no bobobó: o diálogo entre o teatro de revista de Walter Pinto e as escolas de samba do Rio de Janeiro”, de Maximiliano Marques, publicado em Carnaval sem fronteiras.
  • 13
    Osmar Álvares Macedo notabilizou-se junto a Adolfo Antônio do Nascimento, o “Dodô”, por criarem um carro de som onde desfilaram pelas ruas no carnaval de salvador com a alcunha da “Dupla Elétrica”. Daí a origem do hoje conhecido Trio Elétrico.
  • 14
    Samba de Enredo da Estação Primeira de Mangueira no Carnaval de 1967 de autoria dos compositores Batista, Darcy da Mangueira, Hélio Turco, Jurandir, Luiz.
  • 15
    Samba de Enredo da Em Cima da Hora no carnaval de 1976 de autoria do compositor Edeor de Paula.
  • 16
    Samba de Enredo do Império Serrano no carnaval de 1964.
  • 17
    Góes refere-se ao livro Carnavais, malandros e heróis, de Roberto DaMatta, e ao seu artigo intitulado “Entre reis e caciques no Mardi Gras de Nova Orleans” em Carnaval em Múltiplos Planos.
  • 18
    Ver Cavalcanti (1983Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (1983). O mundo invisível: cosmologia, noção da pessoa e sistema ritual no espiritismo kardecista. Rio de Janeiro: Zahar.).
  • 19
    Onde atualmente se localiza o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).
  • 20
    O artigo, publicado na Revista do Iphan em 1984, foi incorporado ao livro Carnaval, ritual e arte.
  • 21
    Refere-se ao artigo “A temática racial no carnaval carioca ou o carnavalesco como mediador cultural”, então publicado na revista Estudos Afro-asiáticos, em 1990, também incluído em Carnaval, ritual e arte.
  • 22
    Ver Cavalcanti (2006Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro. (2006). Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: UFRJ.).
  • 23
    Refere-se à negligência relativa ao carnaval das escolas de samba - não apenas em aporte de recursos, mas no abandono dos equipamentos urbanos dos desfiles, como o Sambódromo - que caracterizou a gestão municipal de Marcelo Crivella quando prefeito do Rio de Janeiro entre os anos de 2016 e 2020.
  • 24
    Segundo Felipe Ferreira (2005Ferreira, Felipe. (2005). Inventando carnavais: o surgimento do carnaval carioca no século XIX e outras questões carnavalescas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.: 142) em Inventando Carnavais: O surgimento do carnaval Carioca no século XIX e outras questões carnavalescas, os cucumbis eram um tipo de Congada que “existiu no Rio de Janeiro até 1830 fazendo parte dos ritos fúnebres dos filhos de reis africanos falecidos na cidade […] alguns autores destacam a extinção dos cucumbis na década de 1830 e seu ressurgimento no carnaval da década de 1880 - no contexto abolicionista”. No período carnavalesco tais manifestações ocupavam certos espaços da cidade onde contavam com maior liberdade frente à costumeira repressão policial.
  • 25
    Trecho da música “Conversa de Botequim”, de Noel Rosa e Vadico.
  • 26
    O segundo episódio da série de podcast Museológicas destinado à divulgação de Carnaval sem fronteiras, enfocou “Ritmos e ritmistas em trânsito: a percussão de samba em Nova York”, de Felipe Barros, e “Harlem do samba: senso de comunidade e participação no ensino de tambores”, de Dana Monteiro, e contou com a participação dos irmãos Gustavo e Guilherme, atuais mestres da bateria da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro.
  • 27
    Ver Gonçalves (2007Gonçalves, Renata de Sá. (2007). Os ranchos pedem passagem. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2021
  • Aceito
    18 Maio 2022
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