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AJUSTAMENTOS À LOUCURA: A DINÂMICA DOS AJUSTAMENTOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS NO COTIDIANO DE UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

ADJUSTMENTS TO MADNESS: THE DYNAMICS OF PRIMARY AND SECONDARY ADJUSTMENTS IN THE DAILY LIFE OF A PSYCHOSOCIAL CARE CENTER

Resumo

Resultado direto da Reforma Psiquiátrica no Brasil, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde de caráter comunitário destinados a indivíduos diagnosticados com transtornos mentais severos e/ou persistentes. Partindo da abordagem de Erving Goffman, o objetivo deste artigo é analisar os efeitos práticos do modo de funcionamento dos CAPS, mais especificamente da eliminação do caráter compulsório do tratamento e da afirmação da participação voluntária na dinâmica dos ajustamentos primários e secundários dos usuários à instituição. A análise parte de uma pesquisa realizada em um CAPS da cidade de São Paulo entre 2014 e 2016 e indica que o caráter voluntário da participação no CAPS não se traduz necessariamente em adesão à instituição e não elimina o caráter problemático da cooperação dos usuários com a rotina proposta. O ajustamento à concepção de si vinculada aos sintomas mentais permanece um processo conflitivo.

Palavras-chave:
Ajustamentos primários; Ajustamentos secundários; Centro de Atenção Psicossocial; Erving Goffman; Loucura

Abstract

A direct result of the Psychiatric Reform in Brazil, Psychosocial Care Centers (CAPS) are community-based health services for individuals diagnosed with severe and/or persistent mental disorders. Based on Erving Goffman’s approach, this study aims to analyze the practical effects of the CAPS mode of operation, more specifically the elimination of the compulsory nature of treatment and the affirmation of voluntary participation in the dynamics of users’ primary and secondary adjustments to the institution. Our analysis concerned data collected in a research conducted at a CAPS in the municipality of São Paulo from 2014 to 2016. The analysis indicates that the voluntary nature of participation at the CAPS neither necessarily translates into adherence to the institution nor eliminates the problematic character of users’ cooperation with the proposed routine. Adjustment to the concept of self, linked to mental symptoms, remains a conflictive process.

Keywords:
Primary adjustments; Secondary adjustments; Psychosocial Care Center; Erving Goffman; Madness

INTRODUÇÃO

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde de caráter comunitário, constituídos por equipe multiprofissional e destinados a indivíduos diagnosticados com transtornos mentais severos e/ou persistentes, e têm como objetivo oficial a criação de um projeto terapêutico para cada usuário (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.; Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). Considerados a “principal estratégia do processo de reforma psiquiátrica” (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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: 9) no Brasil, os CAPS são o produto de um projeto que se propõe como alternativa à forma de tratamento asilar, predominante por muito tempo na saúde mental.

As críticas feitas ao modelo dos hospitais psiquiátricos pelo movimento antimanicomial denunciavam não só as graves e frequentes violações de direitos humanos nessas instituições, mas também a baixa eficácia do tratamento concedido aos internos (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.; Sartori, 2010Sartori, Lecy. (2010). O manejo da cidadania em um Centro de Atenção Psicossocial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos.). A própria institucionalização participaria fortemente do agravamento dos sintomas mentais manifestados pelos pacientes. Seguindo um movimento que ocorre também em outros países (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.) e em outras áreas, a saúde mental passa por um processo de desinstitucionalização, adotando preferencialmente o modelo “ambulatorial”, ou seja, o acolhimento de pacientes em instituições “de portas abertas”, integradas à comunidade (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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, 2013Ministério da Saúde. (2013). Manual de estrutura física dos centros de atenção psicossocial e unidades de acolhimento: orientações para elaboração de projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de UA como lugares da atenção psicossocial nos territórios. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Disponível em <Disponível em http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/sismob/manual_ambientes_caps_ua.pdf >. Acesso em 16 jul 2023.
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). É possível dizer que as principais alterações promovidas por esse modelo de tratamento dizem respeito (i) à recusa ao fechamento institucional e ao isolamento com relação ao mundo exterior e (ii) ao tratamento dos usuários desse serviço de saúde como sujeitos de direitos. Enfatiza-se, nesse modelo, a “participação” e a “autonomia” dos usuários diante do que propõe a instituição, uma concepção do portador de transtornos mentais absolutamente distante daquela que vigia nos hospitais psiquiátricos.

Estudos recentes sobre os CAPS enfatizam as novas tensões envolvidas nas alterações práticas e discursivas dos modos de gestão não asilar da loucura e da nova forma de atribuir responsabilidade pela assistência e cuidado do usuário, que agora é distribuída e administrada entre profissionais, a comunidade, os familiares e o próprio usuário (Silva 2005aSilva, Martinho Braga Batista. (2005a). Atenção psicossocial e gestão de populações: sobre os discursos e as práticas em torno da responsabilidade no campo da saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, XV/1, p. 127-150. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000100008 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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, 2005bSilva, Martinho Braga Batista. (2005b). Responsabilidade e Reforma Psiquiátrica Brasileira: sobre a relação entre saberes e políticas no campo da saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII/2, p. 303-321. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/1415-47142005002008 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). O “protagonismo” dos usuários na instituição é também abordado em trabalhos que discutem os efeitos disso para a participação em outros espaços da sociedade (Silva et al., 2018Silva, Tays Aparecida da et al. (2018). Centro de Atenção Psicossocial (CAPS): Ações desenvolvidas em município de Minas Gerais, Brasil. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, XXI/2, p. 346-363. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/1415-4714.2018v21n2p346.8 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). De acordo com esses autores, o serviço oferecido pelo CAPS teria um papel no empoderamento dos usuários do serviço (Figueiró, 2009Figueiró, Rafael. (2009). Ajuda mútua nos CAPS: o papel dos serviços no empoderamento dos usuários. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.). Esse empoderamento seria possível, por exemplo, pelo fato de o cuidado da crise1 1 Uma crise pode ser psicótica, depressiva, entre outros tipos. No que diz respeito exclusivamente ao cuidado da crise no CAPS, sobretudo ao uso do acolhimento diurno e noturno, segundo Silva et al. (2020), esse serviço varia consideravelmente de um CAPS a outro. ser realizado na própria instituição, mas também pela criação de projetos terapêuticos individualizados (Surjus & Campos, 2011Surjus, Luciana Togni de Lima e Silva & Campos, Rosana Onocko. (2011). A avaliação dos usuários sobre os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Campinas, SP. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, XIV/1, p. 122-133. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/S1415-47142011000100009 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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) e de atividades diversas de cunho terapêutico, como ateliês e oficinas de arte (Cavallini, 2020Cavallini, Flávia de Macedo. (2020). CAPS, ateliês e oficinas: Artes no mundo, mundos na arte. Fractal: Revista de Psicologia, XXXII/1, p. 40-45. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i1/5671 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). O conceito de empoderamento está diretamente ligado ao de autonomia, pois diz respeito ao poder de escolha e de tomada de decisão com relação ao tratamento psicossocial (Alves et al., 2013Alves, Tarcísia Castro et al. (2013). A visão de usuários, familiares e profissionais acerca do empoderamento em saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, XXIII/1, p. 51-71. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000100004 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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).

Os CAPS são o resultado, assim, de uma alteração significativa no modo de tratamento da loucura, tanto do ponto de vista de sua ideologia oficial quanto de seu funcionamento prático. Essa alteração, no entanto, não acontece sem resistências e desafios. Algumas pesquisas têm demonstrado que apesar da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica internacional que influenciaram o Brasil até a criação do CAPS, a psiquiatrização continua presente, inclusive nos CAPS (Prado Filho & Lemos, 2012Prado Filho, Kleber & Lemos, Flavia. (2012). Uma breve cartografia da luta antimanicomial no Brasil. Contemporânea, II/1, p. 45-63.). Os hospitais psiquiátricos continuam a existir, até mesmo hospitais destinados a crianças e adolescentes (Blikstein, 2012Blikstein, Flávia. (2012). Destinos de crianças: estudo sobre as internações de crianças e adolescentes em hospital público. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.). Além disso, alguns autores argumentam que um processo de psiquiatrização do CAPS estaria em curso, indicando em certos casos uma postura clara de contrarreforma psiquiátrica através do retorno ao modelo hospitalocêntrico (Souza, 2012Souza, Vinícius Rauber e. (2012). Contrarreforma psiquiátrica: o modelo hospitalocêntrico nas políticas públicas em saúde mental no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.). Para Amaral (2006Amaral, Marcela Corrêa Martins. (2006). Narrativas de reforma psiquiátrica e cidadania no Distrito Federal. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília.), o processo de reforma psiquiátrica e de desinstitucionalização avançou pouco, e os usuários continuaram a ter direitos limitados à cidadania2 2 Estudos recentes sobre os CAPS também têm chamado a atenção para o papel da família. Por um lado, a família tem papel de acompanhamento da pessoa com transtorno mental, e por outro lado os serviços de saúde mental precisam oferecer apoio às famílias desses indivíduos (Martins & Guanaes-Lorenzi, 2016). Embora a maior parte dos familiares de pacientes contribua com o cuidado dispensado ao portador de transtornos mentais, as famílias tendem a se sentir sobrecarregadas; por isso, os serviços de saúde mental precisariam oferecer ainda mais apoio e orientação às famílias dos pacientes (Delgado, 2014). . Há também trabalhos que argumentam que os serviços comunitários foram acompanhados de aumento da distribuição de medicamentos, e que a medicalização é o dispositivo de gestão e controle que substitui a institucionalização (Sartori, 2010Sartori, Lecy. (2010). O manejo da cidadania em um Centro de Atenção Psicossocial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos.).

Ainda que as pesquisas sobre os CAPS tenham avançado em diversas frentes, em especial na análise sobre os avanços e persistências presentes nessas instituições com relação à pauta dos direitos dos usuários e ao projeto da reforma psiquiátrica, inúmeras questões sobre as alterações promovidas pelos CAPS permanecem abertas a investigação. Muitos aspectos do modo de funcionamento prático desses espaços e os possíveis efeitos desse novo enquadramento institucional para as relações e interações que organizam essas instituições ainda precisam ser pesquisados e aprofundados.

Nesse sentido, cabe ressaltar que os dois aspectos destacados anteriormente como típicos do modelo de tratamento psiquiátrico - o fechamento e a concepção do usuário - são centrais na proposta desenvolvida por Erving Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.) para pensar as instituições totais, de maneira geral, e os hospitais psiquiátricos, em particular. Como se sabe, a proposta do autor envolve considerar o modo de funcionamento dos hospitais psiquiátricos a partir do tipo de instituição ao qual esses estabelecimentos pertencem, e não de seus objetivos oficiais e declarados. Para o autor, os hospitais psiquiátricos poderiam ser analisados como um tipo de instituição total que compartilharia com outras instituições totais (por exemplo, prisões, monastérios, colégios internos) características típicas, sendo atributos centrais o “fechamento” institucional, as barreiras à saída e a impossibilidade de os internos sustentarem uma vida doméstica e privada significativa3 3 Além do fechamento, as instituições totais seriam caracterizadas também pela quebra da barreira entre as esferas da vida (dormir, trabalhar e se divertir); pela divisão entre um grande número de pessoas manejadas (internos) e um pequeno grupo de supervisão (equipe dirigente); e pela descaracterização da significância estrutural do trabalho. .

Goffman enfatiza também a existência de uma rica e ativa “vida íntima” institucional, formada pela grande quantidade de práticas realizadas pelos diferentes participantes da instituição visando objetivos não autorizados ou utilizando meios não autorizados. Esse submundo é interpretado por Goffman a partir do conceito de ajustamentos primários e secundários, que diria respeito ao modo como os membros de uma organização ou coletividade lidam com as concepções do seu self pressupostas na participação nessa coletividade. Ainda que, de acordo com o autor, essa dinâmica dos ajustamentos seja comum a todas as organizações sociais, ela seria particularmente intensa em instituições totais porque os internos passam todo o seu tempo na instituição, fazendo com que a amplitude do que é programado e exigido deles seja muito grande, o que, por sua vez, aumenta a probabilidade de que essa programação não seja totalmente eficiente. Além disso, no caso de instituições de recrutamento involuntário (como o caso dos hospitais psiquiátricos), haveria maior probabilidade de que o participante discorde das definições de si propostas pela instituição e se oriente por atividades não legitimadas da instituição. Os ajustamentos secundários proporcionariam ao interno a evidência de que ele ainda possui algum controle sobre o ambiente e sobre si, funcionando como uma espécie de “abrigo” para o self.

Como é possível observar, assim, o fechamento da instituição com relação ao mundo exterior e o caráter não voluntário do recrutamento são aspectos importantes na proposta de Goffman para a compreensão da dinâmica de funcionamento, das relações e das interações em um hospital psiquiátrico. Esses dois atributos são radicalmente alterados em um modelo de tratamento ambulatorial como o existente no CAPS. Essa instituição propõe manter suas “portas abertas”, oferecer acolhimento, evitar internações e promover a autonomia e a participação dos usuários (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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, 2013Ministério da Saúde. (2013). Manual de estrutura física dos centros de atenção psicossocial e unidades de acolhimento: orientações para elaboração de projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de UA como lugares da atenção psicossocial nos territórios. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Disponível em <Disponível em http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/sismob/manual_ambientes_caps_ua.pdf >. Acesso em 16 jul 2023.
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). Considerando o exposto, o objetivo deste artigo é analisar os efeitos práticos do modo de funcionamento dos CAPS, mais especificamente da eliminação do caráter compulsório do tratamento e da afirmação da participação voluntária dos usuários, na dinâmica dos ajustamentos primários e secundários à instituição. A análise desse problema será realizada a partir dos dados coletados por uma das autoras entre 2014 e 2016 em um CAPS localizado na cidade de São Paulo (SP). Como será detalhado adiante, a pesquisa consistiu na observação e em conversas informais com usuários e membros da equipe.

CONTEXTO

A maneira de entender e vivenciar a loucura variou no tempo e no espaço. A loucura já foi sátira, mistério, não razão e tornou-se doença. Foi somente a partir do século XVII que se iniciou a construção dos asilos onde os “loucos” passaram a ser segregados juntamente com outros excluídos, como criminosos e pobres. No século XVIII, com o nascimento da medicina social e a junção do hospital e da medicina, os “loucos” passaram a ser enviados aos asilos sob cuidados médicos com os objetivos de assistência e tratamento moral. No século XIX, o “louco” se tornou “anormal”, visto como uma ameaça às regras que precisava ser controlada e tratada. A partir de Pinel, os “loucos” foram desacorrentados, mas não desinstitucionalizados, pois o tratamento era asilar (Foucault, 2012Foucault, Michel. (2012). História da loucura: na idade clássica (9 ed.). São Paulo: Perspectiva.).

No século XX, em diversos países, incluindo o Brasil, houve um processo de mobilização coletiva para contestar o modelo asilar - a chamada “Luta Antimanicomial” - em nome dos direitos humanos dos indivíduos diagnosticados como portadores de transtornos mentais severos e/ou persistentes (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). Esse processo resultou em reformas psiquiátricas por vários pontos do mundo. O caso brasileiro foi influenciado sobretudo pela Reforma Psiquiátrica italiana, representada por Franco Basaglia (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.). Em 1978, iniciou-se o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental e houve o primeiro Congresso Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições, que contou com a presença de Basaglia e Goffman, entre outros (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.). Outro marco importante nesse processo foi a realização da primeira Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987. Como resultado desse processo, em 2001, foi aprovada a Lei nº 10.216, que defende o tratamento não asilar por meio dos Centros de Atenção Psicossocial, instituição que já existia desde 1986 e se tornaria o modelo de tratamento de saúde mental adotado nacionalmente (Amarante, 2010Amarante, Paulo. (2010). Saúde mental e atenção psicossocial (2 ed.). Rio de Janeiro: Fiocruz.; Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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).

AJUSTAMENTOS À LOUCURA

O conceito de ajustamentos primários e secundários é desenvolvido por Goffman para analisar os vínculos que unem os indivíduos a diferentes tipos de entidades sociais e as restrições a esse vínculo e às exigências envolvidas na participação. O autor demonstra que, além do que é explicitamente estabelecido como obrigações vinculadas à participação em entidades sociais (seja uma organização formal, uma nação, uma relação de amizade), todo vínculo social pressupõe uma concepção das pessoas ligadas por ele. Quando uma instituição oferece oficialmente incentivos à participação e admite limites ao que exige do indivíduo em termos de tempo e lealdade e esse indivíduo aceita tudo isso, ele está tacitamente aceitando uma visão sobre o que o motiva e, assim, uma visão sobre sua identidade. O autor propõe, portanto, analisar as organizações sociais como espaços que geram concepções sobre identidade (Goffman, 1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.).

Nessa perspectiva, os ajustamentos seriam as formas por meio das quais o indivíduo lida com essas definições de si pressupostas na participação em coletividades e organizações. Os ajustamentos primários traduziriam a atitude do indivíduo “colaborador”, que coopera com as atividades exigidas pela organização sob as condições oficialmente impostas, se adequa ao que é esperado dele, dando e recebendo o que foi planejado pela organização. Já os ajustamentos secundários seriam as atitudes do indivíduo cujos meios ou fins não são autorizados na instituição e, portanto, questionam o que a instituição entende que o indivíduo possa fazer ou mesmo ser. Assim, se a adesão explícita às atividades da organização expressa a aceitação da definição de si que a organização propõe, da mesma forma, a orientação dos participantes por atividades não legítimas manifestaria um conflito com a autodefinição oficialmente disponível.

No caso específico dos hospitais psiquiátricos, além do caráter total da instituição, a ideologia oficial teria ainda outras implicações para a dinâmica dos ajustamentos primários e secundários. Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.) ressalta que, do ponto de vista da doutrina psiquiátrica, não haveria possibilidade de ajustamentos secundários para os internos, pois tudo o que eles fazem pode ser interpretado como sintoma de sua perturbação e tudo o que são levados a fazer pode ser descrito como parte de seu tratamento. Os pacientes seriam pessoas que no mundo externo provocaram um tipo de ofensa contra a adequação social que gera a rejeição moral da comunidade e das relações que podem exigir lealdade da pessoa. Uma vez que o paciente entra no hospital, no entanto, a manifestação de sintomas não pode mais servir para expressar a rejeição da interpretação que a instituição fornece sobre ele, pois todas as suas ações podem ser vistas como expressão de sua doença, tornando-o adequado à instituição.

O paciente psiquiátrico não teria, assim, instrumentos para contradizer a concepção institucional sobre seu self com suas ações. Em princípio, portanto, a definição como paciente psiquiátrico impediria a existência de ajustamentos secundários. De alguma forma, a doutrina psiquiátrica retiraria do paciente a capacidade de direcionar o seu comportamento adequadamente e, como consequência, a responsabilidade moral por suas ações. Como se explicaria então a intensa vida íntima dessas instituições? Goffman argumenta que, para que a instituição funcione e a rotina se realize, os internos precisam ser vistos como capazes de direcionar sua conduta, fazendo com que os atos desejáveis e indesejáveis sejam interpretados como resultantes de sua vontade pessoal. Na prática, os hospitais psiquiátricos, assim como outras instituições totais, funcionariam cotidianamente com base no sistema de prêmios e sanções, que cria a possibilidade efetiva de atividades lícitas e ilícitas. Esse sistema, principal recurso utilizado para controlar os internos e garantir a adesão às regras institucionais, seria parafraseado nos termos da ideologia oficial, como uma justificativa para sua aplicação, mas abre necessariamente a possibilidade de ajustamentos secundários.

O que essa discussão demonstra é que a questão dos ajustamentos primários e secundários em instituições psiquiátricas tem um interesse específico relacionado às implicações da definição do participante como “doente mental”, “louco”. No modelo asilar dos hospitais, o que concederia ao interno alguma possibilidade de se separar da definição de si implicada em seu pertencimento àquele espaço é a necessidade da instituição de obter cooperação dos internos para manutenção de sua ordem interna. A necessidade de cooperação cria como condição prática a concepção do interno como alguém que é capaz de direcionar e alterar sua conduta. O que acontece com esses processos quando o caráter compulsório do recrutamento é eliminado? O tipo de tratamento ambulatorial, como o realizado nos CAPS, altera a dinâmica dos ajustamentos?

Pesquisas recentes têm mobilizado a noção de ajustamentos secundários para refletir sobre a dinâmica de controle de instituições contemporâneas no que tange às reações dos participantes às concepções de self impostas. Os estudos envolvem instituições totais no sentido proposto por Goffman (cf. Halnon, 2012Halnon, Karen Bettez. (2012). Defending the Self in a Total Institution: Staff Prompting and Patient Burlesque. Sociology Mind, II/4, p. 465-476. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.4236/sm.2012.24060 >. Acesso em 16 jul. 2023
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; McCorkel, 1998McCorkel, Jill. (1998). Going to the Crackhouse: Critical Space as a Form of Resistance in Total Institutions and Everyday Life. Symbolic Interaction, XXI/3, p. 227-252. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1525/si.1998.21.3.227 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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), instituições totais menos “duras” no que diz respeito aos ataques ao self (cf. Odrowaz-Coates, 2015Odrowaz-Coates, Anna. (2015). A gated community as a ‘soft’ and gendered total institution: International Sociology, XXX/3, p. 233-249. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1177/0268580915578759 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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; Scott, 2010Scott, Susie. (2010). Revisiting the Total Institution: Performative Regulation in the Reinventive Institution: Sociology, XLIV44/2, p. 213-231. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1177/0038038509357198 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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) e em contextos não institucionais (cf. Renshaw, 2006Renshaw, Scott. (2006). Postmodern Swing Dance and Secondary Adjustment: Identity as Process. Symbolic Interaction, XXIX/1, p. 83-94. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1525/si.2006.29.1.83 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). Por exemplo, a partir da análise de um programa de tratamento de drogas para mulheres encarceradas, McCorkel (1998McCorkel, Jill. (1998). Going to the Crackhouse: Critical Space as a Form of Resistance in Total Institutions and Everyday Life. Symbolic Interaction, XXI/3, p. 227-252. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1525/si.1998.21.3.227 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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) utiliza o conceito para analisar como os internos se afastam do rótulo de “viciado” e criam um espaço de articulação e definição do próprio self, se afastando das definições impostas pela equipe. Já Scott (2010Scott, Susie. (2010). Revisiting the Total Institution: Performative Regulation in the Reinventive Institution: Sociology, XLIV44/2, p. 213-231. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1177/0038038509357198 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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) investiga uma “instituição reinventiva”, instituição total de participação voluntária em prol do auto melhoramento, e demonstra que existe um controle social que toma forma em uma vigilância mútua, uma “regulação performativa”. No que diz respeito às pesquisas em contextos não institucionais, Renshaw (2006Renshaw, Scott. (2006). Postmodern Swing Dance and Secondary Adjustment: Identity as Process. Symbolic Interaction, XXIX/1, p. 83-94. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1525/si.2006.29.1.83 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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) analisa uma aula de swing e utiliza o conceito de ajustamentos secundários para mostrar a resistência dos dançarinos às restrições à identidade e, mais especificamente, ao selves esperados. Este artigo busca ir em direção semelhante e analisar os processos de ajustamento em contextos diversos do estudado por Goffman.

ACESSO À UNIDADE PESQUISADA

A unidade do CAPS pesquisada está localizada na cidade de São Paulo (SP), atende exclusivamente adultos e, sendo do tipo III, permanece aberta 24 horas por dia, todos os dias da semana. A unidade atende atualmente cerca de 300 pacientes, sendo que aproximadamente 50 usuários a frequentam diariamente, de segunda à sexta, no período diurno, pois a frequência de atendimento de cada indivíduo varia conforme a indicação de tratamento para cada caso. A unidade possui uma equipe técnica multiprofissional4 4 A equipe técnica é composta de psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem e assistentes sociais. de cerca de 50 pessoas em revezamento, sendo cerca de 15 técnicos por turno. Enfatiza-se que os usuários utilizam a instituição no período noturno e nos finais de semana somente quando a equipe julga necessário.

Esta unidade do CAPS foi escolhida para a pesquisa devido à possibilidade de acesso e por se tratar de um CAPS do tipo III. Existem vários tipos de CAPS: o CAPSi atende crianças e adolescentes, enquanto o CAPSad atende usuários de álcool e/ou drogas. Os CAPS I, II e III são voltados para adultos. Os CAPS I e II são diurnos e funcionam de segunda a sexta-feira, sendo o primeiro menor que o segundo. Os CAPS III estão localizados em municípios com população de mais de 200 mil habitantes e funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). Os CAPS III, por possuírem vagas para acolhimento integral, dispõem de uma gama mais ampla de serviços5 5 Segundo os técnicos da unidade, a qualidade de serviço prestado pode variar de uma unidade para outra, embora o modelo CAPS seja o mesmo. Acredita-se que isso ocorra tanto devido aos recursos públicos, que são distribuídos de forma diferenciada, quanto ao nível de ativismo na luta antimanicomial por parte dos técnicos. Além disso, segundo testemunhos, há diversos CAPS que ainda funcionam “dentro de uma lógica manicomial”. .

O acesso ao campo se deu a partir dos vínculos de pesquisadora e de voluntária a partir de um pedido formal de autorização e houve necessidade de aprovação da pesquisa por um Comitê de Ética. O trabalho de campo foi realizado entre 2014 e 2016 e consistiu na presença da pesquisadora na unidade pelo período de 6 horas semanais, em média.

As interações no campo se deram, sobretudo, com os usuários que costumam frequentar o CAPS durante a semana e durante o dia e com os técnicos que formam a equipe multiprofissional da instituição. Durante quase todo o período, a equipe só liberou o acesso às chamadas “atividades abertas”. Próximo ao fim de 2016, a equipe permitiu o acesso da pesquisadora a uma das atividades fechadas.

As atividades fechadas são de cunho administrativo ou terapêutico, por exemplo, reuniões de equipe em que são discutidos os casos dos usuários e as questões administrativas da instituição, além de reuniões de membros da equipe com usuários e/ou familiares, podendo se tratar de terapia em grupo, acolhimento ao entrar na instituição, visitas domiciliares, entre outros. Isso significa que uma atividade fechada é aquela em que, para participar, é preciso ser membro ou convidado.

A justificativa da equipe para não permitir acesso às atividades fechadas foi a de que seria invasivo para os usuários e desnecessário para a formação da pesquisadora (seria aceito se fosse uma profissional da área da saúde e precisasse realizar residência ou estágio na instituição). Certa vez, um técnico afirmou a respeito da possibilidade da presença em atividades fechadas: “Ali não é para observar, não tem o que observar” (Trecho do caderno de campo). Ainda assim, após novos pedidos de esclarecimentos para a pesquisa, foi permitido o acompanhamento da “passagem de coordenação”, uma reunião diária da equipe.

Quanto às atividades abertas, havia acesso livre e foi também possível participar de alguns eventos festivos pontuais, como a Festa Junina. Situações que ofereciam mais oportunidades de interação com os usuários e com os técnicos e de observação das interações entre técnicos e usuários foram privilegiadas. Interessava acompanhar conversas e mesmo discussões ou conflitos e observar não só a fala, mas também tom de voz, expressões faciais e gestos corporais. A atividade aberta que mais permitia a participação dos usuários no cotidiano da instituição era a Assembleia. Dos espaços abertos, foram considerados mais relevantes os corredores e o espaço em frente à porta da sala de equipe.

Com relação à forma como a pesquisadora era vista em campo, foi possível notar sobretudo duas características que mais pareceram influenciar o campo: (i) ser considerada “normal”, do ponto de vista da oposição normalidade/loucura; e (ii) ser da área de ciências humanas, logo, leiga na área da saúde, o que impediu acessos comuns a especialistas da área da saúde. Esses atributos tornavam a pesquisadora diferente dos usuários e dos membros da equipe técnica.

Quanto à postura em campo, a pesquisadora procurou ser discreta no que diz respeito à linguagem verbal e não verbal, isto é, utilizar tom de voz baixo, aproximar-se mantendo certa distância, manter um sorriso, não ficar com braços e pernas cruzados, observar sem encarar e apenas conversar quando havia abertura para tal, mais ouvindo do que falando. Não foi possível carregar um caderno para anotações de campo, pois o caderno parecia deixar alguns usuários desconfortáveis quando eles reparavam que a pesquisadora fazia observações e escrevia. As anotações de campo eram realizadas após sair da instituição.

A ROTINA INSTITUCIONAL

Conforme detalhado anteriormente, os CAPS são instituições que resultam da reforma psiquiátrica no Brasil, expressão da proposta de um tratamento ambulatorial e não hospitalar da saúde mental. De maneira semelhante ao discutido em outros estudos sobre instituições de atenção psicossocial não asilares (Magaldi, 2020Magaldi, Felipe. (2020). O Hotel da Loucura: etnografia de uma política pública de saúde mental no município do Rio de Janeiro Anuário. Antropológico, XLV/2, p. 109-125.; Sartori, 2010Sartori, Lecy. (2010). O manejo da cidadania em um Centro de Atenção Psicossocial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos.), não só no projeto oficial, mas na formulação dos profissionais da área, o CAPS é uma instituição que se constrói em oposição a outra, como sua alternativa. O hospital psiquiátrico é tomado como contraexemplo, um referencial negativo contra o qual a rotina institucional é justificada. A perspectiva associada à chamada “luta antimanicomial” estava muito presente na unidade pesquisada. Os profissionais da equipe demonstravam ter os princípios do projeto institucional do CAPS como referências importantes e preocupação em garantir a melhoria das condições de tratamento para os usuários de serviços de saúde mental. Assim, em oposição ao modelo asilar que retira dos pacientes os recursos da existência autônoma, que “mortifica seu self” (Goffman, 1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.), a equipe demonstrava preocupação em garantir a participação dos usuários nos processos institucionais.

Um dos principais instrumentos que demonstram essa preocupação com a participação do usuário nas decisões é o “projeto terapêutico”. Assim que o usuário ingressa no CAPS, uma das primeiras atividades realizadas é uma reunião entre membros da equipe, a família e o usuário para a construção de seu projeto terapêutico. Nessa reunião, a equipe explica o funcionamento e as regras da instituição e se decide a frequência do tratamento, a indicação do terapeuta de referência6 6 O terapeuta de referência é o principal responsável por acompanhar o tratamento terapêutico de determinado usuário. e as atividades que o usuário irá frequentar, além da terapia em grupo. Na unidade, há atividades corporais, artísticas, saídas em grupo pela cidade, discussões em grupo sobre loucura e a Assembleia, que será detalhada adiante.

O projeto terapêutico é voluntário e funciona como uma espécie de contrato, em que idealmente o usuário participa da elaboração e aceita as decisões sobre o seu tratamento. Diferentemente dos hospitais psiquiátricos, aqui, a necessidade de cooperação por parte dos usuários é admitida como parte dos objetivos oficiais, consequência da afirmação de sua autonomia. Conforme destacado, Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.) demonstra que as instituições totais, por precisarem da cooperação dos internos para fazer a rotina funcionar, operam a partir do sistema de prêmios e sanções que, na prática (diferente do que diz a doutrina psiquiátrica), pressupõe e afirma que os internos são capazes de direcionar seu comportamento. No caso do CAPS, essa afirmação de capacidade e de responsabilidade pela ação se encontra também no discurso oficial. Conforme destaca Silva (2005aSilva, Martinho Braga Batista. (2005a). Atenção psicossocial e gestão de populações: sobre os discursos e as práticas em torno da responsabilidade no campo da saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, XV/1, p. 127-150. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000100008 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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, 2005bSilva, Martinho Braga Batista. (2005b). Responsabilidade e Reforma Psiquiátrica Brasileira: sobre a relação entre saberes e políticas no campo da saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII/2, p. 303-321. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/1415-47142005002008 >. Acesso em 16 jul. 2023.
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), a questão das responsabilidades é reconfigurada no CAPS, e a necessidade de atribuir competências aos envolvidos com o cuidado e a assistência do usuário (além de outros serviços do estado, a família e o próprio usuário) torna-se parte da rotina. Assim, a aceitação do que a instituição propõe passa pelo incentivo ou convencimento dos usuários. Quando estes se recusam a aceitar o que a instituição propõe, a equipe precisa continuamente (muitas vezes com a ajuda da família) encontrar meios de convencê-los a aceitar desde o projeto terapêutico até a participação nas atividades propostas, o comparecimento na instituição em dias e horários combinados ou mesmo seguir as prescrições de medicamentos.

Como o CAPS não pode funcionar como habitação, os usuários costumam frequentar o CAPS no período diurno, retornando no final de cada dia para suas casas com suas famílias, para Residências Terapêuticas ou mesmo para abrigos. Como se trata de um CAPS III, em casos especiais, os usuários podem pernoitar na instituição. No período em que estão no CAPS, os usuários tomam a medicação, participam das atividades e da terapia em grupo e interagem com a equipe quando necessário. Como não há atividades o tempo todo na instituição, os usuários passam um período do dia em ócio, comumente sentados nos bancos ou sofás disponíveis, além de fazerem as refeições no local. Os períodos entre as atividades são denominados espaços de convivência ou ambiência, e apresentados pela equipe como espaços livres que fazem parte do projeto terapêutico do CAPS e têm a função de possibilitar “reflexão” e interação entre usuários.

Conforme destacado, uma das principais atividades do CAPS é a terapia em grupo. A equipe tem a expectativa de que todos os usuários participem dessa atividade, considerada central para o tratamento. Nessa atividade psicoterapêutica, os usuários são convidados a discutir seus desafios para lidar com seus transtornos mentais e questões relacionadas à medicação. A frequência das sessões pode variar, mas usualmente ocorrem semanalmente.

Reações dos usuários - recusa à participação

Embora a rotina institucional de cada usuário seja, em parte, determinada de modo voluntário pelo projeto terapêutico, a necessidade de cooperação permanece um problema cotidiano no CAPS, pois com frequência os usuários não seguem o que é esperado pela instituição. Os comportamentos de recusa dos acordos e regras envolvem: não comparecer à instituição nos dias e horários combinados, não participar das atividades propostas, não tomar as medicações conforme prescrito ou não se comportar de modo apropriado nas diferentes situações. Os ajustamentos secundários são, assim, frequentes e parecem refletir a recusa do que a instituição demanda. De alguma maneira, o caráter voluntário não parece se traduzir em adesão à instituição por parte dos usuários.

No que diz respeito às formas de cooperação, foi possível identificar três tipos de atitude: (i) os pacientes que aceitavam as regras e acordos e participavam das atividades; (ii) os usuários que seguiam algumas regras e quebravam outras ou que às vezes as seguiam e às vezes não; e (iii) os usuários que resistiam de maneira mais conflitiva e se recusavam a aceitar a maior parte dos acordos e regras. A atitude dos usuários variava entre esses três tipos ainda que o segundo tipo fosse um pouco mais frequente.

As recusas à participação assumem diferentes formas, indo desde não aceitar participar das atividades, resistir à participação a cada encontro até aceitar participar, mas quebrar as regras de conduta esperadas. A recusa era também observada no uso das atividades para finalidades não oficialmente previstas pela instituição. Por exemplo, alguns usuários que aceitavam participar, justificavam a participação dizendo que as atividades “servem para passar o tempo”. Quanto à medicação, há usuários que preferem não tomar a medicação, enquanto outros afirmam “usar” a instituição porque só frequentam o CAPS para isso. Com relação às terapias em grupo, certa vez um usuário respondeu, quando chamado por uma técnica: “As pessoas ficam falando de doenças. Isso não é bom. Dói minha cabeça. Eu não gosto de ouvir os problemas dos outros. Não posso, fico doente, louco” (Trecho do caderno de campo); mesmo assim ele aceitou participar. Porém, após alguns minutos ele estava deitado em um banco no corredor.

Outras formas de ajustamentos secundários na instituição envolviam dormir ou cochilar em local não apropriado; tentar adentrar a sala de equipe sem permissão; tomar café fora do horário permitido; usar o telefone da sala da equipe; recusar-se a entrar ou a sair da instituição nos períodos combinados. Ainda que raros, foi possível presenciar alguns comportamentos mais violentos de confronto com a equipe: (i) ameaçar os técnicos com uma pedra para conseguir tomar café fora do horário; (ii) trazer objetos que não são seus para a instituição; (iii) pegar um prato com comida e jogá-lo no chão em vez de comer; (iv) gritar, chorar em frente à porta da sala de equipe e ficar andando no corredor de um lado para outro até conseguir o que queria; (v) insistir em dormir no chão do banheiro, apesar de ter disponível a cama do dormitório, levando a equipe a trancar os banheiros à noite para impedir que isso acontecesse; (vi) recusar-se a tomar banho.

Tal como os ajustamentos secundários analisados por Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.), os comportamentos que vão contra o que é esperado pela instituição não se articulam como uma revolta fundamentada que quer alterar as regras ou o funcionamento da instituição. Não se trata de uma discordância elaborada que pensa construtivamente uma forma de funcionamento alternativa, mas atos de recusa daquilo que se propõe que podem ser interpretados como um modo de marcar alguma distância com relação ao que a instituição espera que os participantes sejam.

Assembleia

Ainda no que diz respeito às respostas que os usuários expressam com relação ao que é estabelecido no CAPS, existe uma atividade que é particularmente interessante: a Assembleia. A Assembleia é uma atividade semanal, administrada por alguns membros da equipe técnica, em que todos os usuários são convidados a participar. Esta atividade tem como objetivo discutir em grupo questões sobre o cotidiano da instituição. Essas questões passam tanto por informes quanto por assuntos internos - como o cardápio das refeições - e assuntos externos - como os benefícios previdenciários que os usuários recebem. Espera-se que os usuários compareçam, demonstrem interesse pelas discussões, tragam questões para a discussão e escutem uns aos outros. Há, assim, a expectativa de que os usuários participem de maneira organizada e engajada.

Diversos usuários resistiam a participar da Assembleia e muitos dos que participavam não o faziam da forma esperada. A expectativa era que a participação ocorresse de modo “organizado”, isto é, que os usuários tratassem de um assunto por vez, com uma pessoa falando por vez, e sobretudo abordando um assunto que fosse adequado à atividade, mas usualmente as Assembleias não ocorriam dessa maneira. Era frequente que usuários entrassem e saíssem durante a atividade, interrompessem uns aos outros, mudassem de assunto ou tentassem discutir assuntos considerados não pertinentes para a atividade. Além da organização, espera-se decoro, isto é, que os usuários se comportem adequadamente quando interagem ativamente com outras pessoas (Goffman, 1959Goffman, Erving. (1959). The presentation of self in everyday life. New York: Anchor books.). No entanto, esse decoro não costumava ocorrer frequentemente.

As interações entre técnicos e usuários e entre os usuários nessa atividade sempre pareceram um pouco caóticas. Era comum a conversa dispersar porque usuários interrompiam a discussão com outros assuntos, inclusive assuntos pessoais. Além disso, por se tratar de uma atividade que contemplava muitas pessoas dando suas opiniões, nem sempre em concordância, apareciam dificuldades de comunicação. Os técnicos se esforçavam continuamente para conduzir os encontros de modo a manter a discussão em um mesmo assunto que estivesse dentro do propósito mais geral de discutir questões relacionadas ao cotidiano do CAPS ou, de forma mais ampla, à saúde mental. Desse modo, nem todas as reclamações e outras formas de expressar descontentamento eram toleradas na Assembleia. Os usuários tendiam a confundir os objetivos da Assembleia com os da terapia em grupo e solicitavam, por exemplo, discutir questões relacionadas à medicação. Era comum que os membros da equipe interrompessem falas de usuários relembrando o objetivo da atividade em questão. Quando não era possível controlar a dispersão de assuntos e prosseguir, acontecia também de a Assembleia ser finalizada pelos técnicos antes do horário previsto.

De alguma forma, ao instituir a Assembleia, assim como o projeto terapêutico, o CAPS coloca a participação dos usuários nas decisões institucionais como uma expectativa oficial. Espera-se que os usuários queiram participar das decisões e participem da forma correta. Assim, é possível entender a dimensão paradoxal da recusa dos usuários em participar desses espaços, ainda que o objetivo último seja incluí-los nos processos decisórios reconhecendo sua autonomia. Uma vez que essas atividades passam a fazer parte das demandas oficiais da instituição, cooperar com elas tem a mesma implicação que aceitar qualquer outra regra.

Convencimento e negociação

As diferentes formas de recusa expressas pelos usuários fazem com que a cooperação permaneça um problema para a equipe técnica. Conforme indicado, a equipe precisava continuamente trabalhar para convencer parte dos usuários a seguir os acordos e regras estabelecidos. A negociação presumida no sistema de prêmios e sanções identificada por Goffman nas instituições totais também está presente na rotina do CAPS. O acordo prévio, definido no projeto terapêutico, precisava ser negociado continuamente e era sempre acrescido de “combinados”.

Além das estratégias de negociação das demandas, os técnicos também ajudam os usuários a acompanharem as atividades de forma adequada. Por exemplo, um técnico pode se sentar intencionalmente ao lado de um usuário que esteja mais agitado para acalmá-lo - ou controlá-lo -, solicitando ao usuário atitudes como: falar mais baixo, ouvir o que o colega está dizendo, permanecer sentado, não interromper quando outra pessoa estiver falando etc., e o técnico faz isso conversando com o usuário em tom baixo e, às vezes, tocando em seu ombro ou em sua mão, como forma de reforçar o que está sendo dito. Muitas vezes isso era feito diversas vezes durante a atividade. Às vezes um usuário podia também se irritar e sair da atividade em silêncio, ou se exaltar, e um técnico se retirava junto com o usuário para conversar com o mesmo e para que a atividade pudesse continuar. Segue trecho do caderno de campo:

Certa vez, em uma atividade, havia uma técnica sentada ao lado de um usuário. Este último pediu à técnica para ir embora da atividade, e a técnica disse não. Ele insistiu algumas vezes e a resposta continuou sendo não. Tudo isso enquanto a atividade acontecia. Ela falava em tom baixo, mas não ele. Depois ele passou a pedir para ir ao banheiro, algo que ela também negou, imagino que por acreditar que ele não retornaria à atividade e pediu para ele esperar. Ele permaneceu em silêncio por alguns instantes e depois soltou um pum alto, longo e fedido. Em um primeiro momento, isso gerou um silêncio total na sala. Em seguida, uma das técnicas presentes começou a rir e, então, todos começaram a rir, e saíram todos da sala por causa do odor. Alguns minutos depois, todos voltaram à sala, e antes de continuar a atividade, aquela mesma técnica solicitou que o usuário pedisse desculpas a todos pelo que tinha feito, ele o fez, e a atividade continuou com todos os presentes, incluindo este usuário.

Além das recusas à participação, a equipe precisa lidar também com as demandas apresentadas pelos usuários fora dos espaços e do formato esperado. Os “combinados” e as estratégias de convencimento e negociação precisam ser mobilizados não só para estimular os usuários a realizarem as atividades programadas, mas também para lidar com seus pedidos.

Nos momentos em que os usuários não participam de nenhuma atividade, eles costumam ficar sentados nos bancos ou sofás disponíveis. Quando os técnicos passam pelos corredores, é comum serem interpelados por usuários que querem conversar, e muitos usuários se deslocam até à porta da sala da equipe técnica. Esses locais se tornam pontos de potenciais conflitos entre técnicos e usuários, pois os usuários costumam pedir coisas que foram negadas anteriormente, por exemplo, tomar café fora do horário permitido, ou que deveriam ser discutidas nas atividades, por exemplo, modificar uma medicação. Além disso, sobretudo os usuários que evitam participar das atividades são os que procuram os técnicos e, principalmente, os psiquiatras para conversar nos corredores.

Um usuário, quando não se sentia satisfeito com a resposta de um técnico, voltava a se posicionar em frente à porta da sala de equipe para insistir em seu pedido. Muitas vezes, os técnicos negavam os pedidos de forma enfática - “Agora não!” -, mas às vezes a persistência dos usuários parecia funcionar. Certa vez uma usuária chorou até conseguir acesso à internet na sala dos técnicos. Uma técnica pediu que a pesquisadora ajudasse e disse a ela, pausadamente, ao lado da usuária em questão: “A X precisa de ajuda e agora que [ela] se acalmou e veio conversar com a gente como adulta, nós abrimos uma exceção” e continuou: “hoje ela estava fazendo o que ela sempre faz: dando ataques histéricos para conseguir o que ela quer. Ela precisa aprender a esperar. Isso é uma exceção”, então virou para a usuária e finalizou: “Você está entendendo?” e a usuária confirmou que sim com a cabeça (Trecho do caderno de campo).

A crise e os limites do voluntário

No CAPS, a possibilidade de negociar a cooperação dos usuários faz parte do enquadramento oficial da instituição, que busca respeitar a autonomia e garantir a participação dos usuários. Eles são, assim, oficialmente definidos como capazes de direcionar suas ações e se responsabilizar por suas escolhas. Existem, no entanto, situações limite nas quais essa capacidade atribuída aos usuários é suspensa e a equipe técnica pode atuar contra a sua vontade. Embora incomum, às vezes a equipe agia “em nome do bem dos usuários” mesmo contra a vontade deles, quando entendia que não estavam em condições de escolher o que era melhor para eles. Ainda que se tratasse de uma situação rara, houve, por exemplo, o caso de uma usuária que foi obrigada a tomar banho. Essa usuária também foi segurada por membros da equipe técnica para receber medicação injetável, uma vez que se recusava a tomar a medicação por via oral. Segue um trecho do caderno de campo de quando questionei uma técnica a respeito dessa situação:

Têm situações, por exemplo, a medicação, em que a pessoa não tem condições de escolher. Então, pelo cuidado, a gente vai medicar. Mas se um usuário tem condições de escolher e escolhe não tomar a medicação, a equipe aceita. A gente fala qual é nossa indicação e quais as consequências possíveis de não tomar a medicação. Mais tarde, a gente retoma a discussão, renegocia para voltar a tomar a medicação. A negociação é pela conversa, mas tem gente que precisa de ações mais concretas.

É possível verificar na fala da técnica que a equipe utiliza a noção de cuidado para justificar suas ações em relação aos usuários, e que ela toma decisões levando em consideração o comportamento dos usuários, isto é, os membros da equipe técnica julgam em que situações eles têm ou não condições de fazer as próprias escolhas. Nem sempre os usuários concordavam com as análises realizadas pela equipe, o que tendia a gerar conflitos.

Essas situações limite que representam algum risco ou prejuízo para o usuário ou para os demais são com frequência denominadas crises. A pesquisadora questionou alguns usuários e membros da equipe sobre como eles conseguem identificar uma crise e a resposta de todos foi mais ou menos a mesma. Eles disseram que o comportamento durante uma crise é fácil de identificar porque não é assim que a pessoa normalmente age. Como é possível observar, a expectativa de consistência e constância no modo de se portar destacada por Goffman (1959Goffman, Erving. (1959). The presentation of self in everyday life. New York: Anchor books., 1982Goffman, Erving. (1982). Interaction ritual: Essays in face-to-face behavior. New York: Pantheon Books.) também parece operar como princípio organizador das interações sociais no caso do CAPS. Ainda que os usuários violem continuamente o que Goffman (1982Goffman, Erving. (1982). Interaction ritual: Essays in face-to-face behavior. New York: Pantheon Books.) chamou de regras cerimoniais da interação e expressem comportamento de porte não apropriado (são sinceros demais, falam alto, interrompem a fala do outro ou saem e retornam à sala durante uma atividade sem aviso etc.), há uma normalidade particular no comportamento esperado de cada um. Assim, durante uma crise, o comportamento de um determinado usuário é sempre diferente da forma como ele normalmente age. No entanto, o comportamento durante uma crise tende a variar de um usuário a outro. Por exemplo, alguns podem ter uma postura mais retraída, enquanto outros podem se tornam mais conflitivos e mesmo violentos.

A anormalidade no comportamento de um usuário pode ser, assim, indício do início de um período de crise que precisa ser administrado. É possível dizer que uma das principais diferenças entre o CAPS e o hospital psiquiátrico é a forma de lidar com a crise. De acordo com os documentos oficiais, a crise deve ser administrada de forma não asilar, seja pelo uso de leitos em hospitais gerais, no caso de CAPS I ou II, seja diretamente na instituição, no caso de CAPS III que possuem dormitórios para acolhimento integral (Ministério da Saúde, 2004Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, DF: Governo do Brasil. Disponível em <Disponível em http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf >. Acesso em 16 jul. 2023.
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). O caso de cada usuário que necessita de acolhimento à crise é avaliado pela equipe, isto é, discute-se a duração do acolhimento integral, além de medidas complementares, tais como adequação da medicação e terapia em grupo. Em uma conversa informal, uma técnica explicou sobre o objetivo do CAPS: “Aqui a gente tenta fazer um trabalho de humanização, de tratar a pessoa como sujeito de direitos e isso faz toda diferença. Não tem a ver só com medicamento, com crise” (Trecho do caderno de campo).

Nos períodos de crise, costumam acontecer conflitos entre o usuário e a equipe, pois é também um processo de aceitação da situação de crise e da necessidade de acolhimento integral pelo usuário. Aqui a proximidade e a comparação com a dinâmica hospitalar são centrais. Há usuários que consideram o acolhimento integral como uma internação, enquanto outros dizem que a qualidade de serviço no CAPS é melhor do que em um hospital psiquiátrico. Alguns afirmam que o acolhimento integral não lhes parece uma opção, pois ainda se trataria de internação, apesar do bom tratamento. Certa vez, um usuário disse que às vezes se confunde e chama o “acolhimento integral” de “internação”, porque, apesar do bom tratamento, se comparado a um hospital psiquiátrico, ele ainda se sente isolado e sem poder tomar as próprias decisões (Trecho do caderno de campo). Em geral, os usuários dizem preferir o acolhimento integral no CAPS à internação em uma clínica psiquiátrica.

Em situação de crise, a capacidade de um usuário de tomar as próprias decisões pode ser revista. A equipe pode avaliar que o usuário não está em condições de aceitar o acolhimento integral, tomar as medicações, participar da terapia em grupo e de outras atividades e de relacionar-se com a equipe, outros usuários, familiares e outros membros da sociedade. Por exemplo, o autocuidado - isto é, a higiene pessoal - de um usuário pode ser menor em situação de crise. Se a equipe julgar necessário, ela pode interferir em prol da “convivência em grupo”, estabelecendo limites. Isso significa que um usuário pode perder sua autonomia ao ultrapassar determinados limites esperados pela instituição.

A partir da avaliação do risco que o comportamento do usuário pode representar para ele próprio e para terceiros, a administração da crise é um aspecto decisivo da dinâmica institucional, pois opera de modo a suspender a possibilidade de cooperação pelo convencimento. A capacidade do usuário de direcionar o próprio comportamento, de seguir os acordos e regras fica suspensa e o caráter compulsório é retomado. A situação de crise retiraria também do indivíduo, em parte, a responsabilidade moral pelos seus atos. De modo semelhante ao que faz a doutrina psiquiátrica tal como analisada por Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.), tudo que o usuário faz é visto como sintoma de sua doença ou, aqui, como consequência de sua crise. Nessa chave, a dinâmica dos ajustamentos se torna impossível. Se, por um lado, o comportamento do usuário em crise viola as regras mais importantes da instituição, estar em crise é uma condição “esperada” - ainda que excepcional - do participante de um CAPS como sintoma de sua condição psiquiátrica. Suspendendo a autodeterminação, não é mais possível para o usuário se distanciar da concepção de si colocada pela instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Goffman (1961Goffman, Erving. (1961). Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Anchor books.), em sua discussão sobre a “carreira moral” de pacientes mentais, apresenta a hospitalização como um momento decisivo na alteração de destinos sociais promovida pelo rótulo de “doente mental”. As pessoas que se tornam pacientes de hospitais, apesar das diferenças em termos da condição psiquiátrica, passariam a enfrentar circunstâncias semelhantes e responderiam a essas circunstâncias de maneira semelhante.

Em uma perspectiva radicalmente sociológica da doença mental, Goffman argumenta que mesmo que as razões que efetivamente fazem alguém ser hospitalizado variem muito, o efeito de ser admitido no hospital é o que aproxima os pacientes. E um dos grandes efeitos teria relação justamente com a alteração profunda e negativa na concepção de si dos internos. Um dos meios de ataque ao self em hospitais psiquiátricos viria da doutrina psiquiátrica de acordo com a qual o indivíduo precisa aceitar que seu passado foi um fracasso e que a causa disso está nele, que sua atitude diante da vida está errada e que, se deseja ser uma pessoa, precisa mudar suas concepções de si mesmo. Goffman destaca que, do ponto de vista da pessoa, admitir que se está “perdendo a cabeça” e que precisa ser hospitalizada envolveria admitir uma visão de si mesmo que traduz a incapacidade fundamental de ser uma pessoa com atributos valorizados, o fracasso fundamental em sustentar um self viável para si.

O autor demonstra que parte importante do sofrimento vivido por internos de hospitais psiquiátricos no processo de redefinição de si tem a ver com os processos típicos das instituições totais que “mortificam o self” dos internos, também submetendo-os a situações de violação e humilhação. As condições de tratamento oferecidas no CAPS alteram significativamente esse cenário, sobretudo com relação à administração das situações de crise.

No que diz respeito à dinâmica dos ajustamentos, no entanto, observa-se uma situação peculiar. O caráter voluntário do CAPS e o estímulo à participação dos usuários na rotina e no processo terapêutico não se traduzem necessariamente e automaticamente em adesão à instituição. A espera de cooperação dos usuários com a instituição permanece um problema e envolve grande esforço de convencimento e negociação por parte da equipe. O exemplo da Assembleia é particularmente interessante para pensar sobre essa situação. Ainda que essa atividade seja a afirmação da autonomia dos usuários, na medida em que é apresentada como uma expectativa institucional, participar como se deve passa a ser uma ação sujeita a todas as contingências dos ajustamentos. Participar, nesse caso, é um ajustamento primário importante. É se comportar como esperado pela instituição e, portanto, aceitar o que está implícito nessa cooperação sobre a identidade do participante.

A persistência dos inúmeros ajustamentos secundários no CAPS e dos conflitos expressos pelos usuários parece indicar que um aspecto fundamental da dinâmica dos ajustamentos no caso da saúde mental permanece problemático. Ainda que a participação no CAPS não seja compulsória, parte da concepção de si implicada nessa participação envolve aceitar que se é doente mental, que se é “usuário”. A carga necessariamente negativa dessa concepção não pode ser eliminada porque reflete o caráter de ofensa social e de inadequação do comportamento lido como “louco”.

Ainda que o tratamento ambulatorial seja inquestionavelmente a melhor alternativa para o tratamento da saúde mental, há outros dilemas que não se resolvem facilmente. Quando olhamos para o CAPS, vemos que, para a equipe, o que se coloca como fato básico é a necessidade de administrar o conflito radical entre garantir o engajamento dos usuários como afirmação de sua condição de sujeitos em um espaço em que o pertencimento sinaliza precisamente uma incapacidade fundamental enquanto membro da comunidade. Assim, a análise buscou explorar, em sentido semelhante das discussões da literatura sobre o tema (Silva, 2005aSilva, Martinho Braga Batista. (2005b). Responsabilidade e Reforma Psiquiátrica Brasileira: sobre a relação entre saberes e políticas no campo da saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII/2, p. 303-321. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/1415-47142005002008 >. Acesso em 16 jul. 2023.
https://doi.org/10.1590/1415-47142005002...
; Sartori, 2010Sartori, Lecy. (2010). O manejo da cidadania em um Centro de Atenção Psicossocial. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos.), aspectos envolvidos nas tensões constitutivas da afirmação do “doente mental” como sujeito e como cidadão.

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    » https://doi.org/10.1590/S1415-47142011000100009
  • 1
    Uma crise pode ser psicótica, depressiva, entre outros tipos. No que diz respeito exclusivamente ao cuidado da crise no CAPS, sobretudo ao uso do acolhimento diurno e noturno, segundo Silva et al. (2020Silva, Thuany Cristine Santos da et al. (2020). Night Admission at a Psychosocial Care Center III. Revista Brasileira de Enfermagem, LXXIII/1, p. 1-6. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0964 >. Acesso em 16 jul. 2023.
    https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
    ), esse serviço varia consideravelmente de um CAPS a outro.
  • 2
    Estudos recentes sobre os CAPS também têm chamado a atenção para o papel da família. Por um lado, a família tem papel de acompanhamento da pessoa com transtorno mental, e por outro lado os serviços de saúde mental precisam oferecer apoio às famílias desses indivíduos (Martins & Guanaes-Lorenzi, 2016Martins, Pedro Pablo Sampaio & Guanaes-Lorenzi, Carla. (2016). Participação da Família no Tratamento em Saúde Mental como Prática no Cotidiano do Serviço. Psicologia: Teoria e Pesquisa, XXXII/4, p. 1-9. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216 >. Acesso em 16 jul. 2023.
    https://doi.org/10.1590/0102.3772e324216...
    ). Embora a maior parte dos familiares de pacientes contribua com o cuidado dispensado ao portador de transtornos mentais, as famílias tendem a se sentir sobrecarregadas; por isso, os serviços de saúde mental precisariam oferecer ainda mais apoio e orientação às famílias dos pacientes (Delgado, 2014Delgado, Pedro Gabriel. (2014). Sobrecarga do cuidado, solidariedade e estratégia de lida na experiência de familiares de Centros de Atenção Psicossocial. Physis: Revista de Saúde Coletiva, XXIV/4, p. 1103-1126. Disponível em <Disponível em https://doi.org/10.1590/S0103-73312014000400007 >. Acesso em 16 jul. 2023.
    https://doi.org/10.1590/S0103-7331201400...
    ).
  • 3
    Além do fechamento, as instituições totais seriam caracterizadas também pela quebra da barreira entre as esferas da vida (dormir, trabalhar e se divertir); pela divisão entre um grande número de pessoas manejadas (internos) e um pequeno grupo de supervisão (equipe dirigente); e pela descaracterização da significância estrutural do trabalho.
  • 4
    A equipe técnica é composta de psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem e assistentes sociais.
  • 5
    Segundo os técnicos da unidade, a qualidade de serviço prestado pode variar de uma unidade para outra, embora o modelo CAPS seja o mesmo. Acredita-se que isso ocorra tanto devido aos recursos públicos, que são distribuídos de forma diferenciada, quanto ao nível de ativismo na luta antimanicomial por parte dos técnicos. Além disso, segundo testemunhos, há diversos CAPS que ainda funcionam “dentro de uma lógica manicomial”.
  • 6
    O terapeuta de referência é o principal responsável por acompanhar o tratamento terapêutico de determinado usuário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2020
  • Revisado
    01 Jun 2022
  • Aceito
    28 Jun 2022
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