Acessibilidade / Reportar erro

Prevenção e controle da dor crônica pós-amputação de extremidades: revisão sistemática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor pós-amputação tem alta prevalência, podendo tornar-se crônica em até 85% dos casos. O objetivo deste estudo foi analisar as evidências acerca de medidas para o controle ou remissão da dor crônica no coto ou membro fantasma em adultos e idosos com amputação de extremidades.

CONTEÚDO:

Realizaram-se buscas nas bases Pubmed, Mendeley, Livivo e Science Direct. Buscas adicionais foram realizadas na página eletrônica ClinicalTrial.gov, Google Scholar e listas de referências dos artigos selecionados. A triagem dos estudos, bem como a extração e síntese dos dados, foi realizada por dois revisores independentes. A análise do risco de viés foi feita pela Cochrane Collaboration Risk of Bias Tool, sendo identificados quatro estudos. Dois sobre estratégias de prevenção farmacológica, e dois sobre estratégias de tratamento não farmacológico. O risco de viés foi baixo para as abordagens farmacológicas, e incerto ou alto para as abordagens não farmacológicas.

CONCLUSÃO:

Os achados sugerem efeito protetor das terapias farmacológicas preventivas, por via peridural, em combinação de bupivacaína e fentanil ou somados à calcitonina, no período perioperatório. Dados promissores também são apresentados para as terapias não farmacológicas de controle da dor, execução motora fantasma e imagens motoras gradativas. Porém, é necessário prudência devido ao risco de viés e considerando a quantidade de estudos que respondem a pergunta de pesquisa. Sugerem-se estudos adicionais para fortalecer as evidências, especialmente com análise quantitativa.

Descritores:
Amputação; Dor pós-operatória; Membro fantasma; Período perioperatório; Terapêutica

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Post-amputation pain is very frequent and can become chronic in almost 85% of the cases. The objective of this study was to conduct a systematic review concerning the evidence about the measures for the control or remission of chronic pain in the stump or phantom limb in adults and the elderly after extremity amputation.

CONTENTS:

The search was conducted in the databases Pubmed, Mendeley, Livivo, and Science Direct. Additional searches were performed at ClinicalTrial.gov, Google Scholar, and in the references of the selected articles. Two independent reviewers performed the screening of the studies as well as the data extraction and synthesis. The Cochrane Collaboration Risk of Bias Tool was used to analyze the risk of bias, and four articles were identified. Two articles on pharmacological prevention strategies and two articles on non-pharmacological treatment. The risk of bias was low for the pharmacological approach, and uncertain or high for the non-pharmacological.

CONCLUSION:

The findings suggest a protective effect of preventive pharmacological therapies, epidurally, in combination with bupivacaine and fentanyl or added to calcitonin, in the perioperative period. Promising data are also presented for non-pharmacological therapies for pain control, phantom motor execution and gradual motor images. However, caution is necessary due to the risk of bias and considering the number of studies that answer the research question. Additional studies are suggested to strengthen the evidence, especially with quantitative analysis.

Keywords:
Amputation; Perioperative period; Phantom limb; Postoperative pain; Therapeutics

INTRODUÇÃO

A amputação é uma medida terapêutica que consiste na remoção de um membro ou parte dele. No Brasil, entre 2008 e 2015, foram registradas 361.585 amputações no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, o que significa aproximadamente 4.304 amputações por mês11 Peixoto AM, Zimpel SA, Oliveira ACA, Monteiro RLS, Carneiro TKG. Prevalence of upper and lower limb amputations of SUS patients in the state of Alagoas between 2008 and 2015. Fisioter Pesqui. 2017;24(4):378-84.. Nos Estados Unidos, estima-se que até 2050, aproximadamente 1,6 milhões de pessoas serão submetidas a esse procedimento22 Ahuja V, Thapa D, Ghai B. Strategies for prevention of lower limb post-amputation pain: a clinical narrative review. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2018;34(4):439-49.. Entre as causas mais comuns de amputação estão traumas, diabetes mellitus, doença vascular periférica e tumores33 Kumar GK, Souza CD, Diaz EA. Incidence and causes of lower-limb amputations in a tertiary care center: evaluation of the medical records in a period of 2 years. Int J Surg Sci. 2018;2(3):16-9.

4 International Association for the Study of Pain. Postamputation Pain. Global Year Against Neuropathic Pain. 2014-2015.
-55 Nikolajsen L. "Phantom limb," in Wall and Melzack's Textbook of Pain, SB. McMahon PD, Wall RM (Eds). Philadelphia: Elsevier, Saunders, PA, USA; 2013..

Os amputados são pacientes que apresentam elevada prevalência de dor pós-operatória, cerca de 70% experimentam algum tipo de dor, podendo ser intensa em até 15% dos casos44 International Association for the Study of Pain. Postamputation Pain. Global Year Against Neuropathic Pain. 2014-2015., e aguda ou crônica, dependendo do tempo de duração. A dor pós-amputação pode apresentar-se de duas formas, que muitas vezes coexistem no mesmo paciente: a dor no membro residual ou coto (DC) e a dor no membro fantasma (DMF), sensação dolorosa referida no membro ou parte dele, removido cirurgicamente55 Nikolajsen L. "Phantom limb," in Wall and Melzack's Textbook of Pain, SB. McMahon PD, Wall RM (Eds). Philadelphia: Elsevier, Saunders, PA, USA; 2013..

Estima-se que 50 a 85% das pessoas amputadas desenvolvem dor crônica pós-amputação (DCPA)66 Taylan A, Derya Ö. Chronic post-surgical pain. Agri. 2009;21(1):1-9.. Para seu diagnóstico, são utilizados quatro critérios principais: dor de início após o procedimento cirúrgico - porém, nos casos de amputação, a presença de dor no pré-operatório não é fator excludente, sendo característica da cronicidade que após a amputação a dor permaneça ou se agrave; persistente por um período variável de dois a seis meses ou mais; com fatores que levaram à amputação não mais atuantes no indivíduo e não estar relacionada ao curso natural da doença - como ocorre nos casos oncológicos55 Nikolajsen L. "Phantom limb," in Wall and Melzack's Textbook of Pain, SB. McMahon PD, Wall RM (Eds). Philadelphia: Elsevier, Saunders, PA, USA; 2013.,77 Posso IP, Romanek RM, Posso JP, Carvalho M. Dor Crônica Pós-Operatória. In: Posso IP, Grossmann E, Fonseca PRB, Perissinotti DMN, Oliveira Junior JO, Souza JB et al. Tratado de Dor: Publicação da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. 699p..

Por tratar-se de condição potencialmente incapacitante, com fisiopatologia não completamente esclarecida, estratégias eficazes para a prevenção e tratamento da dor pós-amputação são desafios a serem transpostos, não existindo consenso sobre a forma mais efetiva e eficaz de se manejar esse evento88 Yaputra F, Widyadharma IPE. Management of phantom limb pain: a review. Int J Med Rev Case Rep. 2018;2(2):29-32..

O objetivo deste estudo foi reunir as evidências sobre o controle ou remissão da dor crônica no coto ou membro fantasma, em adultos e idosos com amputação de extremidades.

CONTEÚDO

Esta revisão sistemática foi elaborada de acordo com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA checklist)99 Moher D, Shamseer L, Clarke M, Ghersi D, Liberati A, Petticrew M, et al. Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Syst Rev. 2015;4(1):1-9.) e do Synthesis Without Meta-analysis (SWiM) guideline1010 Campbell M, McKenzie JE, Sowden A, Katikireddi SV, Brennan SE, Ellis S, et al. Synthesis without meta-analysis (SWiM) in systematic reviews: reporting guideline. BMJ. 2020;368:l6890. O protocolo está registrado no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO 2020 CRD42020151543). A pergunta de pesquisa foi definida de acordo com o acrômio PICO1111 da Costa Santos CM, de Mattos Pimenta CA, Nobre MR. The PICO strategy for the research question construction and evidence search. Rev Lat Am Enfermagem. 2007;15(3):508-11.: "Quais são as evidências da literatura sobre medidas para controle da dor crônica (no coto ou membro fantasma) em pacientes adultos e idosos com amputação de extremidades"?

Foram incluídos ensaios clínicos de intervenção preventiva e/ou terapêutica realizados com seres humanos, sem restrição de idioma, que abordavam intervenções farmacológicas e não farmacológicas para prevenção e tratamento da dor pós-amputação em pacientes adultos ou idosos, com desfechos de interesse sobre dor crônica, dor no coto e dor fantasma publicados entre 2009 e 2019. Foram excluídos revisões, meta-análises, relatos de caso e séries de casos.

Fontes de informação e estratégia de busca

As bases de dados eletrônicas Livivo, Mendeley, Pubmed e Science Direct foram consultadas no dia 08/07/2019. A estratégia de busca foi estabelecida conforme estratégia PICO descritos acima, adaptada para cada base ("amputation" OR "amputation stumps" OR "extremities amputation" OR "amputees" OR "limb amputation") AND ("Drug therapy" OR "non-pharmacological therapy" OR "pharmacological therapy") AND ("chronic pain" OR "Pain" OR "Pain, intractable" OR "Phantom limb") (Apêndice 2). Além disso, foi realizada busca nos registros da página eletrônica ClinicalTrial.gov e na literatura cinzenta (Google Scholar). A busca manual nas listas de referências dos artigos selecionados não evidenciou artigos que pudessem ser analisados no escopo deste estudo.

Seleção de estudos

Na primeira fase, dois revisores realizaram a leitura independente de títulos e resumos dos estudos identificados na busca. Aqueles que atenderam aos critérios de inclusão foram lidos e analisados na íntegra por dois revisores. As discordâncias de seleção foram resolvidas pelo terceiro revisor, sendo excluídos os que não contemplavam os critérios de inclusão.

Processo de coleta de dados

Os dados foram coletados por dois revisores de maneira independente, sendo levantadas as características gerais do estudo incluindo autor, ano, local, objetivo, delineamento, características da terapia utilizada - se prevenção ou tratamento, se farmacológica ou não farmacológica, características da dor dos sujeitos da pesquisa, intensidade, local, tipo, se DC ou DMF, características da amputação, local do procedimento cirúrgico e causa, e desfecho com seu respectivo resultado. As discordâncias na coleta foram resolvidas pelo terceiro revisor.

Análise de risco de viés

O risco de viés dos estudos incluídos na revisão foi avaliado por meio do instrumento Cochrane - Risk of Bias Tools (ROB)®1212 Sterne JAC, Savovic J, Page MJ, Elbers RG, Blencowe NS, Boutron I, et al. RoB 2: a revised tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ. 2019;366:l4898.. É uma ferramenta de avaliação em duas etapas, em que sete domínios são avaliados, os quais se referem à geração da sequência aleatória, ocultação da alocação, cegamento de participantes e profissionais, cegamento de avaliadores de desfecho, desfechos incompletos, relato de desfecho seletivo e outras fontes de vieses. Na primeira etapa, foi avaliada a existência de detalhes suficientes para que o julgamento fosse feito com base nas informações fornecidas. Na segunda etapa, foi realizado o julgamento quanto ao risco de viés para cada um dos domínios e, então, classificados em três categorias: baixo risco de viés, alto risco de viés ou risco de viés incerto1313 Carvalho APV, SilvaII V, Grande AJ. Avaliação do risco de viés de ensaios clínicos randomizados pela ferramenta da colaboração Cochrane. Diagn Tratamento. 2013;18(1):38-44.,1414 Higgins JPT, Green S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. 2011. Disponível em www.handbook.cochrane.org.
www.handbook.cochrane.org...
.

Sumário das medidas e síntese dos resultados

O desfecho primário foi a prevenção, melhora ou remissão total da DCPA, sendo DC ou DMF. Os achados dos estudos incluídos foram reportados através da síntese descritiva dos resultados.

Foram identificados 11.527 registros nas bases de dados pesquisadas. Após a remoção das duplicatas, 3.273 referências seguiram para a fase de seleção, sendo realizada a leitura de títulos e resumos. Dezoito documentos foram adicionados, provenientes de listas de referências, busca exploratória e registros na página eletrônica ClinicalTrials.gov. Após a leitura de títulos e resumos, 35 estudos foram selecionados para leitura na íntegra e avaliação de elegibilidade, dos quais 31 foram excluídos (Figura 1) e 4 estudos compuseram a amostra final. O processo de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos estudos está descrito na figura 1.

Figura 1
Fluxograma da busca na literatura e processo de seleção. Brasília, DF, Brasil, 2019

Características gerais dos estudos

Os estudos selecionados para a revisão foram publicados entre 2011 e 2019, em língua inglesa, sendo dois estudos conduzidos no Continente Europeu e dois no Africano. Quanto às intervenções para DCPA, são reportadas estratégias de prevenção farmacológicas por dois estudos1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.,1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51. e estratégias não farmacológicas por dois estudos1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.,1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3. (Tabela 1).

Tabela 1
Sumário de características descritivas dos estudos incluídos na revisão (n=4). Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2019

Os dados extraídos estão apresentados na tabela 1. Foram classificados quanto à estratégia da intervenção aplicada, se preventiva ou de tratamento, e à sua modalidade, se farmacológica ou não farmacológica, além do desfecho. Foram relatadas amputações de membros inferiores e superiores causadas por doença vascular, diabetes mellitus, trauma, infecção e tumor. Todos os estudos apresentaram seguimento de pelo menos seis meses. Todos os estudos que avaliaram as estratégias de tratamento e controle da DCPA analisaram pacientes portadores de dor com duração superior a três meses1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.,1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3..

Risco de viés individual dos estudos

A análise do risco de viés mostrou que 50% dos artigos analisados1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.,1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51. apresentou baixo risco de viés em sua condução, sendo estes de prevenção e terapêutica farmacológica para a DCPA. Um dos estudos de tratamento e terapêutica não farmacológica foi classificado com alto risco de viés por não apresentar informações suficientes sobre a aleatoriedade da geração da sequência, alocação dos sujeitos da pesquisa e desfechos incompletos, e dados que negaram o cegamento de participantes/profissionais e avaliadores do desfecho1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.. Outro estudo foi classificado com risco incerto de viés devido a informações insuficientes sobre o processo de geração da sequência aleatória e para avaliar se um importante risco de viés existe1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3. (Figura 2).

Figura 2
Avaliação de risco de viés dos estudos incluídos na revisão. Brasília, DF, Brasil, 2019

Resultados dos estudos individuais

Um estudo1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54. analisou o impacto de diferentes regimes de tratamentos farmacológicos com foco na analgesia perioperatória para o desfecho de DCPA, incluindo a DC e a DMF em MMII. O período perioperatório foi entendido como 48h antes e 48h após a amputação. Foram alocados 65 pacientes em 5 grupos (Tabela 1). Entre os grupos 1 a 4 variaram a anestesia, se peridural ou geral, e a analgesia pré e pós-operatória com fentanil, se endovenosa e controlada pelo paciente ou se peridural em conjunto com bupivacaína, contínuos. O grupo 5, controle, recebeu o tratamento padronizado na instituição da pesquisa (Tabela 1). Os desfechos registrados na tabela 1 referem-se à análise, seis meses após a amputação. As comparações dos desfechos foram realizadas entre os grupos tratados e o grupo controle (Tabela 1). A intensidade da DMF foi significativamente diferente do controle apenas para o grupo 1 - bupivacaína + fentanil por via peridural (p=0,001). Já a prevalência de DMF foi significativamente diferente do grupo controle para os grupos 1, 2 e 4 (p=0,004) (Tabela 1). Diante desses dados, e para fins desta revisão, será considerado tratamento de sucesso aquele recebido pelo grupo 1. Para a DC não houve diferença entre os grupos tratados e o controle.

Estudo1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51. avaliou o valor preventivo da calcitonina combinada à bupivacaína e fentanil, administrados por via peridural para DC, analisando hiperalgesia e alodínia, e DMF em amputações de MMII. Os tratamentos foram realizados no intraoperatório, e a cada 24h, por dois dias de pós-operatório. Não foi realizado tratamento pré-operatório. Foram testados dois grupos com 30 pacientes cada. O grupo controle recebeu o mesmo protocolo de tratamento, sem calcitonina. Tanto a DC quanto a DMF foram significativamente menores no grupo tratado com calcitonina em combinação (p=0,013 para alodínia e p=0,025 para hiperalgesia em DC; e p=0,001 para DMF). A prevalência de DMF foi 100% em ambos os grupos.

O estudo1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94. analisou a efetividade da execução motora fantasma com auxílio de equipamento de reconhecimento de padrões mioelétricos, realidade virtual, realidade aumentada e jogo. A análise foi realizada comparando os valores basais aos valores após 12 sessões de intervenção. As amputações eram de MMSS e os indivíduos tinham dor intratável por tempo médio de 10,3 anos. Houve melhora significativa na DMF com redução de 47% (p=0,001) (Tabela 1).

Estudo1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3. investigou a efetividade de um programa de 6 semanas de terapia de imagem motora gradativa no tratamento da DMF em indivíduos majoritariamente com amputações de membros inferiores, divididos em grupo intervenção e grupo controle de fisioterapia convencional. O grupo que recebeu a intervenção apresentou redução significativa na DMF quando comparado ao controle (p=0,03). Além disso, a análise dos dados permitiu inferir que os indivíduos que receberam a intervenção teriam 15 vezes mais chances de apresentar redução significativa na DMF do que aqueles do grupo controle.

É válido ressaltar que nesta revisão não foi conduzida uma meta-análise, em virtude da quantidade de estudos elegíveis para análise e suas características heterogêneas.

Síntese dos resultados

Todos os trabalhos incluídos encontraram resultados significativamente diferentes dos grupos controle1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.,1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51.,1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3. ou da condição basal dos pacientes1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.. Em síntese, o tratamento farmacológico de controle da dor no perioperatório previne a DCPA (DC e/ou DMF), apresentando resultados promissores tanto na intensidade quanto na sua prevalência. Porém, há questões que permanecem e sugerem a necessidade de estudos adicionais: 1) o regime que inclua tratamento no pré-operatório parece ter impacto sobre a prevalência e intensidade da DMF, diminuindo-as1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.; 2) o regime que inclua calcitonina peridural parece ter impacto na frequência de DC e intensidade de DMF, porém não em sua prevalência1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51.. O tratamento não farmacológico envolvendo execução motora fantasma1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94. ou imagens motoras gradativas1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3., controla a DMF, diminuindo sua intensidade. Para essas abordagens, permanecem as questões: 1) não foi possível estabelecer o impacto desses tratamentos para a DC tendo em vista que ela não foi abordada nos estudos; 2) estudos adicionais com menor risco de viés podem ser úteis para o estabelecimento de evidências mais robustas.

DISCUSSÃO

Foram analisados 4 estudos que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão, agrupados em subgrupos de acordo com a estratégia terapêutica, se prevenção ou tratamento, e com a abordagem, se farmacológica ou não farmacológica. Para a prevenção da DCPA foram utilizadas abordagens farmacológicas e analisados os desfechos de DMF e DC. Para o tratamento da DCPA foram utilizadas abordagens não farmacológicas e o desfecho analisado foi a DMF, não sendo mencionada a DC. Apesar de haver diferenças nos efeitos observados, risco de viés para alguns estudos e a necessidade evidente de estudos adicionais, todas as abordagens propostas apresentaram benefícios estatisticamente significativos para o desfecho primário DCPA, seja para sua prevenção ou seu controle.

Quando aplicadas medidas de prevenção, bem como tratamento da dor aguda, a incidência, prevalência e intensidade de dor crônica podem ser substancialmente minimizadas. Nesse sentido, a promoção de analgesia farmacológica multimodal perioperatória pré, intra e pós-operatória, está entre as medidas mais eficazes descritas na literatura, destacando-se a via peridural para o controle da dor relacionada à amputação55 Nikolajsen L. "Phantom limb," in Wall and Melzack's Textbook of Pain, SB. McMahon PD, Wall RM (Eds). Philadelphia: Elsevier, Saunders, PA, USA; 2013.,1919 Subedi B, Grossberg GT. Phantom limb pain: mechanisms and treatment approaches. Pain Res Treat. 2011;2011:864605.

20 Flor H. Maladaptive plasticity, memory for pain and phantom limb pain: review and suggestions for new therapies. Expert Rev Neurother. 2008;8(5):809-18.

21 Collins KL, Russell HG, Schumacher PJ, Robinson-Freeman KE, O'Connor EC, Gibney KD, et al. A review of current theories and treatments for phantom limb pain. J Clin Invest. 2018;128(6):2168-76.
-2222 Bach S, Noreng MF, Tjhllden NU. Phantom limb pain in amputees during the first 12 months following limb amputation, after preoperative lumbar epidural blockade. Pain. 1988;33(3):297-301..

Encontrou-se neste estudo que os tratamentos farmacológicos de analgesia perioperatória contínua com bupivacaína mais fentanil e de analgesia em bolus intra e pós-operatória com bupivacaína, fentanil mais calcitonina, ambos por via peridural, preveniram o desenvolvimento de DMF em uma parcela significativa dos indivíduos1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54., e para aqueles que a desenvolveram, houve menor intensidade da dor1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.,1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51.. O protocolo que utilizou a calcitonina apresentou resultados significativos de diminuição da frequência de DC1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51..

Para o tratamento da dor, de uma forma geral, há evidências da eficácia e benefícios tanto dos fármacos quanto da via peridural utilizados nos estudos analisados nesta revisão. A bupivacaína bloqueia canais de sódio do tipo voltagem-dependente, estabiliza a membrana neuronal e diminui impulsos nervosos. Dependendo da dose, pode ter efeito anestésico local ou analgésico. Pode ser utilizada em todo o período perioperatório e no tratamento da dor crônica2323 Duarte LT, Fernandes Mdo C, Fernandes MJ, Saraiva RA. Continuous epidural analgesia: analysis of efficacy, side effects and risk factors. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(3):371-90.,2424 Deer TR, Serafini M, Buchser E, Ferrante FM, Hassenbusch SJ. Intrathecal bupivacaine for chronic pain: a review of current knowledge. neuromodulation: technology at the neural interface. Neurom Techonol Neural Interface. 2002;5(4):196-207.. A via peridural é bem estabelecida como segura, eficaz, além de possuir efeitos sinérgicos com opioides, incluindo fentanil, também por via peridural2424 Deer TR, Serafini M, Buchser E, Ferrante FM, Hassenbusch SJ. Intrathecal bupivacaine for chronic pain: a review of current knowledge. neuromodulation: technology at the neural interface. Neurom Techonol Neural Interface. 2002;5(4):196-207.. O fentanil é um opioide sintético, agonista em receptores µ com efeitos analgésicos de início rápido e intenso, porém de curta duração da ação. A associação de anestésicos locais com opioides por via peridural tem sido descrita como proporcionadora de analgesia de melhor qualidade comparada ao uso isolado, seja por via peridural ou por via sistêmica no caso dos opioides2323 Duarte LT, Fernandes Mdo C, Fernandes MJ, Saraiva RA. Continuous epidural analgesia: analysis of efficacy, side effects and risk factors. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(3):371-90.. Já a calcitonina é um hormônio produzido por células da glândula tireoide, responsável por regular a homeostase do cálcio corporal. Seu efeito no controle da dor tem sido relatado para diferentes tipos de dor neuropática, incluindo a DMF2525 Ito A, Yoshimura M. Mechanisms of the analgesic effect of calcitonin on chronic pain by alteration of receptor or channel expression. Mol Pain. 2017;13:1744806917720316.

26 McCormick Z, Chang-Chien G, Marshall B, Huang M, Harden RN. Phantom limb pain: a systematic neuroanatomical-based review of pharmacologic treatment. Pain Med. 2014;15(2):292-305.
-2727 Jaeger H, Maier C. Calcitonin in phantom limb pain: a double-blind study. Pain. 1992;48(1):21-7..

A prevalência de DMF observada nos estudos1515 Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.,1616 Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51. foi marcadamente diferente, no primeiro inferior a 10% e no segundo 100%. Em ambos, a causa da amputação foi doença vascular periférica, porém no segundo foi mencionado que todos os pacientes eram diabéticos, fato que pode ter contribuído para maior prevalência de DMF considerando que muitos poderiam já ter histórico de neuropatia de fibras sensoriais. Sob o ponto de vista de controle da dor, é relevante o fato de que no primeiro estudo houve analgesia pré-operatória e todo o regime analgésico foi contínuo. Já no segundo, a analgesia foi intra e pós-operatória, em bolus. Assim, a análise dos dados sugere a importância de considerar a analgesia pré-operatória - 48h previamente ao procedimento, além da analgesia intra e pós-operatória - por parecer ter impacto na prevalência da DMF. Essa questão pode guiar futuras pesquisas, mas também pode ser levada em conta na elaboração de protocolos clínicos.

No que diz respeito às abordagens não farmacológicas, as intervenções baseadas na Execução Motora Fantasma (EMF) e em Terapias de Imagens Motoras Gradativas (TIMG) mostraram resultados significativos para o tratamento da DMF, porém não foram apresentados dados acerca da DC e a análise revelou risco de viés para os estudos1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.,1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3..

A EMF proposta em estudo1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94. foi realizada com o auxílio de equipamento de realidade virtual e aumentada. O paciente fica em frente a uma tela, uma câmera capta e transmite a tela sua imagem real, acrescentada de imagem virtual do membro extraído. A partir de reconhecimento de padrões mioelétricos do coto através de eletrodos, o sistema prevê e projeta a imagem do membro fantasma em movimento. Durante as sessões, os pacientes realizaram movimentos com diferentes níveis de dificuldade, e um jogo em que um carro foi dirigido com o membro fantasma. Essa terapia é independente do lado contralateral e pode ser especialmente útil para indivíduos com amputação bilateral. Como limitação, a necessidade de reconhecimento de padrões mioelétricos exige que o paciente tenha uma porção controlável dos músculos bíceps ou tríceps.

A TIMG usou várias estratégias de imagens motoras, incluindo: julgamentos de direita/esquerda onde foram mostrados membros que representavam os membros amputados dos pacientes e solicitado que os indivíduos se imaginassem realizando o movimentos que a imagem supostamente estaria realizando; e terapia do espelho, na qual o paciente posicionou o coto do membro amputado atrás de um espelho e o membro intacto reflete sua imagem no mesmo espelho1818 Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3..

Mecanismos mal adaptativos de plasticidade do sistema nervoso central, especialmente córtex somatossensorial e motor e redução da conectividade inter-hemisférios são intimamente relacionados à DCPA e DMF2020 Flor H. Maladaptive plasticity, memory for pain and phantom limb pain: review and suggestions for new therapies. Expert Rev Neurother. 2008;8(5):809-18.,2121 Collins KL, Russell HG, Schumacher PJ, Robinson-Freeman KE, O'Connor EC, Gibney KD, et al. A review of current theories and treatments for phantom limb pain. J Clin Invest. 2018;128(6):2168-76.,2828 Coderre T, Katz J, Vaccarino A, Melzack R. Contribution of central neuroplasticity to pathological pain: review of clinical and experimental evidence. Pain. 1993;52(3):259-85.

29 Flor H, Elbert T, Knecht S, Wienbruch C, Pantev C, Birbaumer N, et al. Phantom-limb pain as a perceptual correlate of cortical reorganization following arm amputation. Nature. 1995;375(6531):482-4.
-3030 Flor H, Nikolajsen L, Staehelin Jensen T. Phantom limb pain: a case of maladaptive CNS plasticity? Nat Rev Neurosci. 2006;7(11):873-81.. Apesar de os mecanismos envolvidos na execução motora fantasma, terapia do espelho, imagens motoras e imagens motoras gradativas ainda precisarem de maior entendimento, certamente baseiam-se em fenômenos comuns de plasticidade cerebral1717 Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.,3131 Diers M, Christmann C, Koeppe C, Flor H. Mirrored, imagined and executed movements differentially activate sensorimotor cortex in amputees with and without phantom limb pain. Pain. 2010;149(2):296-304.. Como vantagens dessas abordagens pode-se citar a relativa baixa quantidade de efeitos indesejados - embora exacerbação transitória da DMF possa ocorrer durante o tratamento; baixo custo e independência para execução dos exercícios pelo paciente para algumas delas.

Embora alguns pacientes estivessem utilizando terapia farmacológica durante os protocolos, os benefícios destas terapias em combinação não foram investigados, deixando em aberto outra questão para estudos futuros.

A DCPA é condição complexa cujos mecanismos precisam ser mais bem elucidados. Embora a DC e a DMF sejam distintas, especialmente quanto às alterações sensoriais clinicamente detectáveis por meio do relato dos pacientes e do exame sensorial do coto, os mecanismos fisiopatológicos sobrepõem-se. O ponto comum parece ser a hiperexcitabilidade das aferências antes, durante e depois da amputação, induzindo a modificações plásticas e reorganização dos próprios aferentes periféricos, mas também dos gânglios das raízes dorsais, corno dorsal da medula espinhal, tronco cerebral, tálamo e estruturas corticais, além de ativação simpática66 Taylan A, Derya Ö. Chronic post-surgical pain. Agri. 2009;21(1):1-9.,2020 Flor H. Maladaptive plasticity, memory for pain and phantom limb pain: review and suggestions for new therapies. Expert Rev Neurother. 2008;8(5):809-18.,3030 Flor H, Nikolajsen L, Staehelin Jensen T. Phantom limb pain: a case of maladaptive CNS plasticity? Nat Rev Neurosci. 2006;7(11):873-81.. Assim, os resultados benéficos encontrados nesta revisão, tanto para os tratamentos farmacológicos quanto para os não farmacológicos e cujos mecanismos já foram discutidos, podem ser explicados, em última análise, por atuarem nesses diferentes níveis de organização das vias sensoriais, prevenindo ou revertendo as alterações em resposta à amputação. Seguindo essa linha de pensamento, as abordagens farmacológicas que promovam a diminuição da excitabilidade periférica e espinhal no período perioperatório possuem o benefício de prevenir tais alterações e reorganização do sistema sensorial no sentido mal adaptativo. Já as terapias de tratamento da DMF analisadas na amostra desta revisão têm impacto reconhecido sobre a reorganização cortical que ocorreu devido à amputação, contribuindo assim para sua reversão.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Entende-se que a condição da amputação é uma situação de alta vulnerabilidade para os indivíduos. Além disso, uma parte dos procedimentos se dá em situações de urgência ou emergência. A combinação desses fatos contribui para dificultar a realização e condução de estudos, influenciando no tamanho da amostra, aleatorização, encobrimento, medidas de desfechos e outras variáveis que impactam no maior risco de viés observado em metade dos estudos desta revisão.

Em nível da revisão, a amostra deste trabalho é uma limitação. O intervalo de tempo definido para a busca pode ter influenciado, tendo em vista que na busca exploratória em listas de referências há estudos anteriores ao período estabelecido, especialmente a partir da década de 90, sendo citados pela literatura, o que sugere sua importância e a escassez de estudos. A metodologia dos estudos igualmente pode ter tido impacto, sendo que 22 artigos foram excluídos por não atenderem ao critério de inclusão por ser estudo de caso ou série de casos. Outra limitação foi não terem sido encontrados estudos para DCPA, sejam eles farmacológicos com gabapentina, pregabalina, anticonvulsivantes, memantina e agonistas NMDA2323 Duarte LT, Fernandes Mdo C, Fernandes MJ, Saraiva RA. Continuous epidural analgesia: analysis of efficacy, side effects and risk factors. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(3):371-90., ou não farmacológicos como estimulação elétrica nervosa transcutânea, terapia de vibração, acupuntura, hipnose, biofeedback, terapia eletroconvulsivante, abordagem cognitivo-comportamental, fisioterapia, manipulação, ultrassom, estimulação magnética transcraniana repetitiva, estimulação espinhal e crioneurólise2222 Bach S, Noreng MF, Tjhllden NU. Phantom limb pain in amputees during the first 12 months following limb amputation, after preoperative lumbar epidural blockade. Pain. 1988;33(3):297-301.,2323 Duarte LT, Fernandes Mdo C, Fernandes MJ, Saraiva RA. Continuous epidural analgesia: analysis of efficacy, side effects and risk factors. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(3):371-90.,3232 Nikolajsen L, Jensen TS. Phantom limb pain. Br J Anaesth. 2001;87(1):107-16.,3333 Yaputra F, Widyadharma E. Management of phantom limb pain: a review. Int J Med Rev Case Reports. 2018;5:29-32..

CONCLUSÃO

A partir da análise dos estudos incluídos nesta revisão é possível sugerir efeito protetor das terapias farmacológicas preventivas para a DCPA, administradas por via peridural, em combinação de bupivacaína e fentanil ou os dois primeiros somados à calcitonina, em regime perioperatório. Apesar de o risco de viés individual dos estudos ter sido baixo, é recomendável mais estudos com o intuito de fortalecer as evidências. Para as terapias não farmacológicas de controle da DCPA, execução motora fantasma e imagens motoras gradativas, apesar de haver dados promissores com a perspectiva de impactar positivamente na vida dos indivíduos, é necessário maior cautela tendo em vista o risco de viés incerto e alto risco de viés observados. Embora o conjunto de dados apresentados seja promissor, é necessário prudência uma vez que não foi possível a análise quantitativa dos achados desta revisão. Os dados apresentados neste estudo podem ser úteis para auxiliar no estabelecimento ou ainda reforçar condutas já adotadas em protocolos assistenciais e na condução de novos estudos respondendo às lacunas que permanecem.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Peixoto AM, Zimpel SA, Oliveira ACA, Monteiro RLS, Carneiro TKG. Prevalence of upper and lower limb amputations of SUS patients in the state of Alagoas between 2008 and 2015. Fisioter Pesqui. 2017;24(4):378-84.
  • 2
    Ahuja V, Thapa D, Ghai B. Strategies for prevention of lower limb post-amputation pain: a clinical narrative review. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2018;34(4):439-49.
  • 3
    Kumar GK, Souza CD, Diaz EA. Incidence and causes of lower-limb amputations in a tertiary care center: evaluation of the medical records in a period of 2 years. Int J Surg Sci. 2018;2(3):16-9.
  • 4
    International Association for the Study of Pain. Postamputation Pain. Global Year Against Neuropathic Pain. 2014-2015.
  • 5
    Nikolajsen L. "Phantom limb," in Wall and Melzack's Textbook of Pain, SB. McMahon PD, Wall RM (Eds). Philadelphia: Elsevier, Saunders, PA, USA; 2013.
  • 6
    Taylan A, Derya Ö. Chronic post-surgical pain. Agri. 2009;21(1):1-9.
  • 7
    Posso IP, Romanek RM, Posso JP, Carvalho M. Dor Crônica Pós-Operatória. In: Posso IP, Grossmann E, Fonseca PRB, Perissinotti DMN, Oliveira Junior JO, Souza JB et al. Tratado de Dor: Publicação da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. 699p.
  • 8
    Yaputra F, Widyadharma IPE. Management of phantom limb pain: a review. Int J Med Rev Case Rep. 2018;2(2):29-32.
  • 9
    Moher D, Shamseer L, Clarke M, Ghersi D, Liberati A, Petticrew M, et al. Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Syst Rev. 2015;4(1):1-9.
  • 10
    Campbell M, McKenzie JE, Sowden A, Katikireddi SV, Brennan SE, Ellis S, et al. Synthesis without meta-analysis (SWiM) in systematic reviews: reporting guideline. BMJ. 2020;368:l6890
  • 11
    da Costa Santos CM, de Mattos Pimenta CA, Nobre MR. The PICO strategy for the research question construction and evidence search. Rev Lat Am Enfermagem. 2007;15(3):508-11.
  • 12
    Sterne JAC, Savovic J, Page MJ, Elbers RG, Blencowe NS, Boutron I, et al. RoB 2: a revised tool for assessing risk of bias in randomised trials. BMJ. 2019;366:l4898.
  • 13
    Carvalho APV, SilvaII V, Grande AJ. Avaliação do risco de viés de ensaios clínicos randomizados pela ferramenta da colaboração Cochrane. Diagn Tratamento. 2013;18(1):38-44.
  • 14
    Higgins JPT, Green S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration. 2011. Disponível em www.handbook.cochrane.org
    » www.handbook.cochrane.org
  • 15
    Karanikolas M, Aretha D, Tsolakis I, Monantera G, Kiekkas P, Papadoulas S, et al. Optimized perioperative analgesia reduces chronic phantom limb pain intensity, prevalence, and frequency: a prospective, randomized, clinical trial. Anesthesiology. 2011;114(5):1144-54.
  • 16
    Yousef AA, Aborahama AM. The preventive value of epidural calcitonin in patients with lower limb amputation. Pain Med. 2017;18(9):1745-51.
  • 17
    Ortiz-Catalan M, Guðmundsdóttir RA, Kristoffersen MB, Zepeda-Echavarria A, Caine-Winterberger K, Kulbacka-Ortiz K, et al. Phantom motor execution facilitated by machine learning and augmented reality as treatment for phantom limb pain: a single group, clinical trial in patients with chronic intractable phantom limb pain. Lancet. 2016;388(10062):2885-94.
  • 18
    Limakatso K, Madden VJ, Manie S, Parker R. The effectiveness of graded motor imagery for reducing phantom limb pain in amputees: a randomised controlled trial. Physiotherapy. 2019;28. S0031-9406(18)30188-3.
  • 19
    Subedi B, Grossberg GT. Phantom limb pain: mechanisms and treatment approaches. Pain Res Treat. 2011;2011:864605.
  • 20
    Flor H. Maladaptive plasticity, memory for pain and phantom limb pain: review and suggestions for new therapies. Expert Rev Neurother. 2008;8(5):809-18.
  • 21
    Collins KL, Russell HG, Schumacher PJ, Robinson-Freeman KE, O'Connor EC, Gibney KD, et al. A review of current theories and treatments for phantom limb pain. J Clin Invest. 2018;128(6):2168-76.
  • 22
    Bach S, Noreng MF, Tjhllden NU. Phantom limb pain in amputees during the first 12 months following limb amputation, after preoperative lumbar epidural blockade. Pain. 1988;33(3):297-301.
  • 23
    Duarte LT, Fernandes Mdo C, Fernandes MJ, Saraiva RA. Continuous epidural analgesia: analysis of efficacy, side effects and risk factors. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(3):371-90.
  • 24
    Deer TR, Serafini M, Buchser E, Ferrante FM, Hassenbusch SJ. Intrathecal bupivacaine for chronic pain: a review of current knowledge. neuromodulation: technology at the neural interface. Neurom Techonol Neural Interface. 2002;5(4):196-207.
  • 25
    Ito A, Yoshimura M. Mechanisms of the analgesic effect of calcitonin on chronic pain by alteration of receptor or channel expression. Mol Pain. 2017;13:1744806917720316.
  • 26
    McCormick Z, Chang-Chien G, Marshall B, Huang M, Harden RN. Phantom limb pain: a systematic neuroanatomical-based review of pharmacologic treatment. Pain Med. 2014;15(2):292-305.
  • 27
    Jaeger H, Maier C. Calcitonin in phantom limb pain: a double-blind study. Pain. 1992;48(1):21-7.
  • 28
    Coderre T, Katz J, Vaccarino A, Melzack R. Contribution of central neuroplasticity to pathological pain: review of clinical and experimental evidence. Pain. 1993;52(3):259-85.
  • 29
    Flor H, Elbert T, Knecht S, Wienbruch C, Pantev C, Birbaumer N, et al. Phantom-limb pain as a perceptual correlate of cortical reorganization following arm amputation. Nature. 1995;375(6531):482-4.
  • 30
    Flor H, Nikolajsen L, Staehelin Jensen T. Phantom limb pain: a case of maladaptive CNS plasticity? Nat Rev Neurosci. 2006;7(11):873-81.
  • 31
    Diers M, Christmann C, Koeppe C, Flor H. Mirrored, imagined and executed movements differentially activate sensorimotor cortex in amputees with and without phantom limb pain. Pain. 2010;149(2):296-304.
  • 32
    Nikolajsen L, Jensen TS. Phantom limb pain. Br J Anaesth. 2001;87(1):107-16.
  • 33
    Yaputra F, Widyadharma E. Management of phantom limb pain: a review. Int J Med Rev Case Reports. 2018;5:29-32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2020
  • Aceito
    21 Jul 2020
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br