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O Arquivo de Rui Barbosa tem o selo “Memória Do Mundo” da UNESCO

Rui Barbosa’s archive has the “Memory of the World” UNESCO seal

Marta de Senna foi professora de Literatura Comparada na UFRJ entre 1983 e 1996 e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa entre 2002 e 2019. Doutorou-se em Literatura Brasileira pelo King's College da Universidade de Londres e realizou pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Oxford, sobre a Viagem sentimental, de Laurence Sterne, como prática ficcional da epistemologia de Hume. Especializa-se em Literatura Comparada, atuando principalmente nos temas: Machado de Assis, narrativa, ficção, literatura comparada, intertextualidade e conteúdos digitais na área de humanidades. Tem dois livros publicados sobre Machado de Assis, Alusão e zombaria: considerações sobre citações e referências na ficção de Machado de Assis (2008SENNA, Marta de. Alusão e zombaria: citações e referencias na ficção de Machado de Assis. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa : 2008. 130 p),O olhar oblíquo do Bruxo (1998SENNA, Marta de. O olhar oblíquo do Bruxo: Ensaios Machadianos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 168 p.), e organizou três outros, reunindo ensaios sobre a obra do autor, Machado de Assis - permanências (2018SENNA, Marta de; GUIMARÃES, Hélio de Seixas (org.). Machado de Assis - permanências. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. 320 p.) Machado de Assis: cinco contos comentados (2008SENNA, Marta de et al. (org.). Machado de Assis: cinco contos comentados. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. 246 p.), Machado de Assis e o outro - diálogos possíveis (2012SENNA, Marta de; GUIMARAES, Hélio de Seixas (org.). Machado de Assis e o outro: diálogos possíveis. Rio de Janeiro: Móbile Editorial, 2012. 160 p.). Em 2008 disponibilizou na internet um portal sobre as citações e alusões nos romances e contos do autor: www.machadodeassis.net. Também nesse portal, disponibilizou edições eletrônicas fidedignas e anotadas de todos os romances e contos de Machado de Assis. Com Hélio de Seixas Guimarães, criou a revista eletrônica Machado de Assis em linhSENNA, Marta de; GUIMARAES, Hélio de Seixas (ed.). Machado de Assis em linha. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021-. Disponível em: http://machadodeassis.fflch.usp.br/.
http://machadodeassis.fflch.usp.br/...
a (conceito Qualis A-1 da CAPES), acessível em http://machadodeassis.fflch.usp.br/, da qual é hoje editora sênior. Em fevereiro de 2019, disponibilizou o aplicativo Machado de Assis Ficção para celulares Android e iOS.

Na entrevista a seguir, realizada online no dia 31 de março de 2022, Marta de Senna apresenta a Fundação Casa de Rui Barbosa, sua constituição, suas coleções e arquivos e enfatiza sua importância entre as coleções bibliográficas e documentais brasileiras, com atenção especial aos websites dedicados a Machado de Assis e à escravidão, abolição e pós-abolição.

Revista Brasileira de Literatura Comparada (RBLC): Qual é o papel memorial da Casa de Rui Barbosa?

Marta de Senna (M.D.S): A Fundação Casa de Rui Barbosa tem um papel memorial inestimável, já que abriga o Museu Casa de Rui Barbosa, um prédio do século XIX, onde o patrono morou com a família desde que voltou do exílio, em 1894 (fim do governo de Floriano Peixoto) até a morte, em 1923, e onde está preservada a sua biblioteca, de mais de 50.000 volumes. Além disso, abriga o Arquivo Histórico e Institucional, com documentos não apenas do próprio Rui Barbosa, mas de eminentes figuras do Brasil do Segundo Império e da República, como Pandiá Calógeras, Eduardo Prado e Américo Jacobina Lacombe; e de pessoas comuns, cujos arquivos fornecem preciosas informações sobre a vida e os costumes no Brasil de suas respectivas épocas. Abriga ainda o Arquivo Museu de Literatura Brasileira, criado na década de 1970, por sugestão de Carlos Drummond de Andrade, e que tem sob sua guarda os arquivos de grandes escritores brasileiros, como Cornélio Pena, Pedro Nava, José Lins do Rego, Vinicius de Morais, Clarice Lispector e do próprio Drummond - entre outros.

(RBLC): Como os documentos são geridos e preservados? Há processos de digitalização em curso?

(M.D.S): Há vários setores, ou serviços, encarregados da guarda, gestão e preservação dos documentos (como o Arquivo Histórico e Institucional, o Arquivo Museu), em que trabalham servidores concursados (arquivistas e bibliotecários qualificados). Deixei a direção da casa no início de 2019, mas, quando saí, uma grande parte dos acervos já estava digitalizada, como as Obras Completas de Rui Barbosa (em torno de 150 tomos) e o arquivo de Rui Barbosa. Acredito (e espero!) que, decorridos três anos, essa digitalização tenha avançado.

(RBLC): E as coleções bibliográficas? Quais as suas subdivisões?

(M.D.S): Há uma grande divisão, em três bibliotecas: a biblioteca de Rui Barbosa (isto é, os livros que ele possuía em sua biblioteca pessoal, imensa); a biblioteca São Clemente, que conta com obras que foram chegando à Casa depois que ela foi adquirida pelo Governo Federal, no governo de Washington Luís, e que continuam chegando ou sendo adquiridos de acordo com critérios estabelecidos pelos pesquisadores e tecnologistas que compõem o corpo funcional da instituição; e a Biblioteca Infantil Maria Mazetti, que recebe visitantes mirins, em mais uma faceta do compromisso da Fundação Casa de Rui Barbosa com a difusão da cultura.

(RBLC): Quais são as possibilidades de acesso digital às coleções e arquivos?

(M.D.S): Até eu sair da Casa, no início de 2019, as solicitações de acesso a documentos digitalizados eram feitas através de e-mail dirigido aos diferentes setores (Arquivo Histórico, Biblioteca, Arquivo Museu de Literatura Brasileira). Uma consulta ao website da Fundação Casa de Rui Barbosa deve encontrar os endereços eletrônicos de cada setor.

(RBLC): Qual a frequência de consultas por ano e que tipos de documentos são procurados?

(M.D.S): Não saberia informar percentuais, mas posso afirmar que é bastante intensa, inclusive a partir do exterior, sobretudo ao Arquivo Museu de Literatura Brasileira, mas também aos demais. Historiadores se interessam muito por documentos de homens públicos brasileiros, como os já citados. Foi realizado um investimento no atendimento não presencial para promover a autonomia dos pesquisadores. Essa iniciativa ampliou ao longo dos anos o número de usuários atendidos. A cada ano, tínhamos por princípio publicar os números relativos às consultas presenciais e remotas.

(RBLC): Quais são as demandas dos pesquisadores que recorrem à Fundação Casa de Rui Barbosa?

(M.D.S): Depende do interesse de suas respectivas áreas de atuação acadêmica e profissional. Vão desde a necessidade de consultar documentos do próprio Rui Barbosa (manuscritos seus, como o rascunho da primeira Constituição republicana do Brasil, de 1891), até a correspondência de Clarice Lispector com Fernando Sabino, passando por documentos de “pessoas comuns”, que podem subsidiar até mesmo a escrita de obras de ficção.

(RBLC): Como a Casa se posiciona quanto ao descarte de documentos e livros em termos dos limites de espaço físico?

(M.D.S): Enquanto lá trabalhei, entre 2002 e 2019, havia, no contexto biblioteconômico, uma comissão de descarte encarregada do assunto, em conformidade com critérios rigorosos, estabelecidos colegiadamente. No contexto arquivístico existia uma comissão de avaliação de documentos, permanente, com perfil interdisciplinar e que atuava em conformidade com a legislação arquivística. Sobre os arquivos privados que ingressam na instituição, eles não são eliminados (descartados). Adotamos uma política de aquisição de acervos bem completa, novamente a partir de formação de grupo de trabalho e que contava com a atuação do procurador federal lotado na Casa.

(RBLC): Como se situa a Casa de Rui Barbosa com relação às Humanidades Digitais? Há projetos nessa área?

(M.D.S): Sim. Sem falsa modéstia, posso dizer que o meu projeto sobre citações e alusões na ficção de Machado de Assis, inicialmente desenvolvido na Casa entre de 2005 e 2019, é um dos exemplos bem-sucedidos de investimento na área de Humanidades Digitais: trata-se de um website acessível em www.machadodeassis.net, no qual, além dos romances e contos do autor, o usuário encontra informações sobre referências que ele faz a outros autores, obras de arte, personagens históricas etc. Outro projeto que me parece digno de nota é o website "Escravidão, abolição e pós-abolição", desenvolvido pelo Arquivo Histórico e Institucional da Casa, o qual foi inaugurado em 2015 e apresenta como novidades a disponibilização de fontes primárias para download, além de uma área voltada para jovens de 14 a 18 anos, com jogos educativos online (quiz, caça-palavras, jogo da memória e desafio da transcrição paleográfica). Essa iniciativa pretende dar amplo acesso ao acervo custodiado pela FCRB e aproximar, de maneira lúdica, os jovens dos documentos arquivísticos. Deve também ser destacado o Repositório Rui Barbosa de Informações Culturais - RUBI, que tem por objetivo possibilitar, integradamente, a gestão, visualização e divulgação dos acervos digitais produzidos na Casa ou por ela custodiados, e representa o compromisso institucional com a política de livre acesso à informação científica entre pesquisadores, educadores, gestores, bem como à sociedade em geral. O RUBI também permite a interoperabilidade dos sistemas, tendo sido utilizado no Portal de Crônicas Brasileiras, em parceria com o Instituto Moreira Salles, disponibilizado há cerca de quatro anos.

(RBLC): Que dotações públicas ou privadas possibilitam as atividades da Casa de Rui Barbosa? Há prospecção de dotações levadas a efeito?

(M.D.S): A Fundação Casa de Rui Barbosa era, até 2019, uma instituição vinculada ao Ministério da Cultura e, como tal, seu orçamento anual era provido por esse Ministério. Criou-se também um programa de bolsas em vários níveis (de Iniciação Científica até Pós-Doutorado), como incentivo à produção científica, cultural e tecnológica na instituição. Além disso, pesquisadores e tecnologistas tradicionalmente contavam com o apoio de agências de fomento, notadamente a FAPERJ e o CNPq. Hoje, tendo em vista a extinção do Ministério da Cultura e o desmanche a que vêm sendo sistematicamente submetidas as instituições de educação e cultura no Brasil, realmente não sei a quantas andam as finanças da FCRB.

(RBLC): O que a Casa de Rui Barbosa representa entre as coleções bibliográficas e documentais no Brasil?

(M.D.S): Creio que representa muito: riqueza e amplitude de espectro dos acervos e arquivos, metodologia em consonância com o que há de mais atual nos campos da biblioteconomia e da arquivística em nosso país, além de pessoal extremamente qualificado e afável no atendimento ao público. E não podemos esquecer que o arquivo de Rui Barbosa recebeu da Unesco Brasil o selo “Memória do Mundo”.

REFERÊNCIAS

  • SENNA, Marta de et al (org.). Machado de Assis: cinco contos comentados. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. 246 p.
  • SENNA, Marta de. O olhar oblíquo do Bruxo: Ensaios Machadianos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. 168 p.
  • SENNA, Marta de; GUIMARAES, Hélio de Seixas (org.). Machado de Assis e o outro: diálogos possíveis. Rio de Janeiro: Móbile Editorial, 2012. 160 p.
  • SENNA, Marta de; GUIMARAES, Hélio de Seixas (ed.). Machado de Assis em linha São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021-. Disponível em: http://machadodeassis.fflch.usp.br/
    » http://machadodeassis.fflch.usp.br/
  • SENNA, Marta de; GUIMARÃES, Hélio de Seixas (org.). Machado de Assis - permanências Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; 7Letras, 2018. 320 p.
  • SENNA, Marta de. Alusão e zombaria: citações e referencias na ficção de Machado de Assis. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa : 2008. 130 p

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2022
  • Aceito
    09 Abr 2022
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