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Variações fenotípicas em subpopulações de Davilla elliptica A. St.-Hil. (Dilleniaceae) e Byrsonima intermedia A. Juss. (Malpighiaceae) em uma área de transição cerrado-vereda

Phenotypic variation in Davilla elliptica A. St.-Hil. (Dilleniaceae) and Byrsonima intermedia A. Juss. (Malpighiaceae) subpopulations in a savanna/"vereda" transitional area

Resumos

Foram descritas variações morfológicas em duas espécies de plantas arbustivas do cerrado. Para D. elliptica, a biomassa dos frutos e a altura das plantas foram maiores na borda da vereda. Contrariamente, verificouse que o comprimento e a largura das folhas foram maiores na área de cerrado. Não houve diferenças entre as áreas com relação ao número de frutos por planta e formato do limbo foliar. Subpopulações de B. intermedia foram diferenciadas pela altura dos indivíduos, biomassa dos frutos e índice foliar, todos apresentando maiores valores no cerrado. Não foram constatadas diferenças entre as áreas no número de frutos por planta, comprimento das inflorescências, largura e comprimento da folhas. D. elliptica mostrou maior sucesso reprodutivo na área de vereda, onde ocorria com maior densidade, enquanto que B. intermedia apresentou melhor desempenho no ambiente do cerrado, embora diferenças nas densidades de ocorrência não tenham sido verificadas. Em comum, as espécies apresentaram padrões assincrônicos nos estádios de floração, iniciada mais tardiamente nas áreas de cerrado. Os dados obtidos confirmam a importância da heterogeneidade ambiental como fonte geradora de variabilidade fenotípica em caracteres ligados à história de vida das plantas.

plasticidade fenotípica; vereda; cerrado


Morphological variations of two shrub species of the Brazilian savanna were described. For D. elliptica, fruit biomass and plant height were significantly larger in the "vereda" area, although leaf width, leaf length and leaf shape did not differ between areas. Subpopulations of B. intermedia differed in fruit biomass, plant height and leaf area index, all larger in the savanna area. No significant differences were detected between areas for number of fruits per plant, length of leaves and inflorescences and leaf width. D. elliptica showed better reproductive success in the "vereda" area, where it has greater density, whereas B. intermedia demonstrated better performance in the savanna area, although no difference was found in density between areas. On the other hand, both species presented a similar pattern of asynchronism of the flowering period, which began later in the savanna area. The data confirm the importance of phenotypic plasticity as a source of variability in plant life-history characters.

phenotypic plasticity; savanna; palm swamp


Variações fenotípicas em subpopulações de Davilla elliptica A. St.-Hil. (Dilleniaceae) e Byrsonima intermedia A. Juss. (Malpighiaceae) em uma área de transição cerrado-vereda

Phenotypic variation in Davilla elliptica A. St.-Hil. (Dilleniaceae) and Byrsonima intermedia A. Juss. (Malpighiaceae) subpopulations in a savanna/"vereda" transitional area

Léo Correia da Rocha FilhoI; Cecília LomônacoII, 1 1 Autor para correspondência: lomonaco@ufu.br

IUniversidade Federal do Paraná, Departamento de Zoologia, C. Postal 19020, 81531-980 Curitiba, PR, Brasil

IIUniversidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, C. Postal 593, 38400-902 Uberlândia, MG, Brasil

RESUMO

Foram descritas variações morfológicas em duas espécies de plantas arbustivas do cerrado. Para D. elliptica, a biomassa dos frutos e a altura das plantas foram maiores na borda da vereda. Contrariamente, verificouse que o comprimento e a largura das folhas foram maiores na área de cerrado. Não houve diferenças entre as áreas com relação ao número de frutos por planta e formato do limbo foliar. Subpopulações de B. intermedia foram diferenciadas pela altura dos indivíduos, biomassa dos frutos e índice foliar, todos apresentando maiores valores no cerrado. Não foram constatadas diferenças entre as áreas no número de frutos por planta, comprimento das inflorescências, largura e comprimento da folhas. D. elliptica mostrou maior sucesso reprodutivo na área de vereda, onde ocorria com maior densidade, enquanto que B. intermedia apresentou melhor desempenho no ambiente do cerrado, embora diferenças nas densidades de ocorrência não tenham sido verificadas. Em comum, as espécies apresentaram padrões assincrônicos nos estádios de floração, iniciada mais tardiamente nas áreas de cerrado. Os dados obtidos confirmam a importância da heterogeneidade ambiental como fonte geradora de variabilidade fenotípica em caracteres ligados à história de vida das plantas.

Palavras-chave: plasticidade fenotípica, vereda, cerrado

ABSTRACT

Morphological variations of two shrub species of the Brazilian savanna were described. For D. elliptica, fruit biomass and plant height were significantly larger in the "vereda" area, although leaf width, leaf length and leaf shape did not differ between areas. Subpopulations of B. intermedia differed in fruit biomass, plant height and leaf area index, all larger in the savanna area. No significant differences were detected between areas for number of fruits per plant, length of leaves and inflorescences and leaf width. D. elliptica showed better reproductive success in the "vereda" area, where it has greater density, whereas B. intermedia demonstrated better performance in the savanna area, although no difference was found in density between areas. On the other hand, both species presented a similar pattern of asynchronism of the flowering period, which began later in the savanna area. The data confirm the importance of phenotypic plasticity as a source of variability in plant life-history characters.

Key words: phenotypic plasticity, savanna, palm swamp

Introdução

A variabilidade fenotípica total (Vf) de um caráter em uma população é resultante não somente da variabilidade genotípica (Vg) de seus membros, mas também da influência exercida pelo meio ambiente na determinação dos caracteres fenotípicos (Va). Assim, a variância total de um grupo populacional representa a soma de seus componentes genéticos e ambientais de variação, de modo que Vf = Vg + Va (Falconer 1989). O componente ambiental de variação, também denominado plasticidade fenotípica, é descrito como sendo a habilidade de ajuste morfológico e/ou fisiológico ao ambiente, sem que mudanças genéticas sejam necessárias (Bradshaw 1965; Price et al. 2003). Uma vez que a seleção natural atua sobre os fenótipos, e não diretamente sobre os genótipos, conhecer os componentes ambientais de variação, (i.e. as respostas plásticas de determinada população sob influências ambientais), é fundamental para a compreensão de como a população se estrutura no tempo e no espaço. Respostas plásticas podem ser adaptativas e, em ambientes heterogêneos, onde a população está sujeita à seleção disruptiva, há potencialidades para a formação de subpopulações (Thompson 1991). Assim, mesmo havendo plena possibilidade de fluxo gênico entre as subpopulações, por estas estarem muito próximas, diferenças morfológicas são geradas e mantidas ao longo do tempo entre as distintas áreas, por indução do ambiente, mesmo não ocorrendo modificações genotípicas.

O cerrado, dada sua complexidade vegetacional (Mares 1986) e diversidade de fisionomias, incluindo o cerrado sensu stricto, cerradão, campo cerrado, campo sujo e campo limpo (Coutinho 1978), é um ambiente propício para o estudo de componentes ambientais de variação em populações de plantas. O aumento ou manutenção da variabilidade de um grupo populacional é uma ferramenta importante para sua preservação, por torná-lo mais apto a sobreviver e reproduzir quando submetido a fortes pressões seletivas. Deste modo, saber como as plantas nativas do cerrado respondem à heterogeneidade ambiental por meio de respostas plásticas poderia ser muito útil para que programas de manejo e conservação de reservas ecológicas possam ser elaborados com maior eficiência. Isto porque espera-se que áreas com maior heterogeneidade ambiental possuam maior expressividade na variabilidade fenotípica em decorrência de componentes ambientais de variação.

Diferenças fenotípicas caracterizando subpopulações adjacentes foram registradas para algumas espécies vegetais em distintos ambientes do cerrado: Cabralea canjerana subsp. polytricha (A.Juss.) T.D. Penn. (Meliaceae), Eugenia calycina Cambess. (Myrtaceae) Acosmium dasycarpum (Vogel) Yakovlev (Fabaceae), Byrsonima crassa Nied. (Malpighiaceae), Caryocar brasiliense Cambess (Caryocaraceae), Matayba guianensis Aubl. (Sapindaceae), Miconia fallax DC. (Melastomataceae), Qualea parviflora Mart. (Vochysiaceae) e Roupala montana Aubl. (Proteaceae) (Fuzeto & Lomônaco 2000; Cardoso & Lomônaco 2003; N.S. Reis, dados não publicados). Esses trabalhos demonstraram que a heterogeneidade ambiental está, de fato, associada a uma grande variabilidade nos caracteres somáticos e reprodutivos, que muitas vezes possuem caráter adaptativo, visto que aumentam a sobrevivência e/ou potencial reprodutivo (Donohue 2003). Outra questão apontada pelos estudos mencionados é que diferentes espécies podem apresentar respostas plásticas distintas a um mesmo fator ambiental. Compreende-se, em decorrência disso, que um determinado fator ambiental (ou conjunto de fatores) interage de modo bastante peculiar com as distintas espécies vegetais, gerando diferentes respostas plásticas e que as implicações ecológicas e evolutivas desse fenômeno podem ser bastante relevantes para se compreender a dinâmica de estruturação das comunidades vegetais. Entretanto, para que padrões de repostas plásticas possam ser reconhecidos e descritos, dentro de diferentes níveis taxonômicos, são necessários dados adicionais, incluindo o estudo de novas espécies.

Assim, com o objetivo de ampliar o banco de dados sobre este assunto, o presente estudo trata das variações fenotípicas em Davilla elliptica A. St.-Hil. (Dilleniaceae) e Byrsonima intermedia A.Juss. (Malpighiaceae) em uma área heterogênea que apresenta gradiente de transição cerrado-vereda, no município de Uberlândia, MG.

Material e métodos

Área de Estudo – O estudo foi desenvolvido na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do Clube Caça & Pesca Itororó de Uberlândia, MG (18º55'S e 48º17'O). A reserva apresenta áreas de cerrado (sensu lato), que se divide entre as fisionomias de campo sujo e cerrado sensu stricto, sendo ainda entrecortadas por uma vereda. Esta última constitui-se de vegetação predominantemente herbácea, que se estabelece em áreas de nascentes (Castro 1980; Appolinário & Schiavini 2002). As veredas possuem solos hidromórficos, mal drenados e com espessa camada de matéria orgânica mal decomposta sobre uma camada acinzentada (gleizada), resultante de ambiente de oxirredução (Sano & Almeida 1998). Nas áreas de cerrado sensu-stricto que circunvizinham a vereda, predominam os Latossolos Vermelho Distróficos, moderadamente ácidos (Embrapa 1982; Cardoso & Lomônaco 2003). O ecótono de transição cerrado sensu-stricto/vereda pode ser caracterizado visualmente pela gradativa redução da cobertura vegetal arbóreo-arbustiva e sombreamento, maiores no ambiente do cerrado sensu-stricto (20 a 50%) do que na vereda (5 a 10%) (Sano & Almeida 1998). O clima da região caracteriza-se por duas estações bem definidas: uma seca e outra úmida, sendo comum a ocorrência de geadas durante o inverno. Os índices pluviométricos oscilam anualmente em torno de 1.550 mm. A temperatura média anual é de 22 ºC (Nimer & Brandão 1989).

Espécies estudadas – D. elliptica é uma planta de porte arbustivo, intensamente ramificada, conhecida popularmente como "lixeirinha", "lixeira-rasteira" e "lixinha", por apresentar a face superior de suas folhas bastante áspera, conferindo-lhe um aspecto de lixa. Possui folhas inteiras, alternas, elípticas e pecioladas e é amplamente encontrada no bioma Cerrado, preferindo solos arenosos (Pott & Pott 1994). Suas flores são amarelas e efêmeras (duram apenas meio dia), com antese diurna. Seus frutos são envoltos por sépalas grandes e persistentes (Joly 1987).

Byrsonima intermedia apresenta porte arbustivo, e é popularmente conhecida como "muricizeiro", "murici", "muruci", "murici-do-campo" e "baga-de-tucano" (Lorenzi & Matos 2002), ocorrendo principalmente em solos arenosos (Panizza 1998; Lorenzi 2000). Apresenta folhas inteiras, de disposição oposta, com estípulas intrapeciolares. As flores são vistosas, amarelas, hermafroditas, zigomorfas e reunidas em racemos terminais. A antese é diurna e as flores duram em média 48 h. Os frutos são globosos, amarelos quando maduros e portam apenas uma semente (Joly 1987).

Exemplares das plantas estudadas foram depositados como material testemunho no Herbarium Uberlandensis, sob os números 32.195 e 29.995, para D. elliptica e B. intermedia, respectivamente.

Caracteres morfológicos analisados – Indivíduos adultos de D. elliptica e B. intermedia foram aleatoriamente identificados nas áreas adjacentes de cerrado sensu stricto (n = 22) e vereda (n = 22). Esses indivíduos foram medidos quanto à altura, utilizando-se fita métrica, e, em cada planta, foi contado o número de frutos. Cerca de 170 frutos de ambas as espécies, provenientes de diferentes indivíduos de cada área, foram pesados com o uso de balança analítica. Para ambas as espécies foram coletadas, em 20 plantas, escolhidas de forma aleatória, as cinco folhas inteiras mais próximas à base dos ramos. O comprimento (C) de cada folha foi medido com o uso de paquímetro e, no ponto médio, aferiu-se a medida da largura (L). Para a caracterização do formato da folha, calculouse um índice foliar (IF), utilizando-se a seguinte fórmula IF = L.C-1. Em B. intermedia foi medido, com auxílio de paquímetro, o comprimento de 200 inflorescências, oriundas de 40 indivíduos sorteados aleatoriamente, sendo 100 delas provenientes de cada área (cinco inflorescências de cada planta selecionada).

Foi determinado se havia sincronização no período de floração entre as subpopulações nas duas espécies, acompanhando-se em ambas as áreas o processo de produção e desenvolvimento de estruturas reprodutivas. Para registro e comparação, foi realizada a categorização dos estádios de floração durante o período da manhã, em um único dia. Em D. elliptica, as fenofases foram caracterizadas em botão, botão em pré-antese, flor aberta e flor senescente. Para B. intermedia, os estádios considerados foram: botão fase I (de cor verde, de 1,06 a 1,91 mm), botão fase II (de cor verde-amarelada, de 2,10 a 4,22 mm), botão fase III (de cor amarela e em pré-antese), flor aberta, flor senescente, fruto verde e fruto maduro (coloração amarela). Foram consideradas nessa análise 22 inflorescências em cada área, uma por planta, para ambas as espécies.

A densidade de ocorrência das plantas, nas duas áreas, foi estimada estabelecendo-se 20 parcelas de 10×10 m em cada área. Nessas parcelas foram contados todos os indivíduos reprodutivos presentes. A densidade foi obtida a partir da média dos valores de densidade (expressos em indivíduos m-2) entre as parcelas de cada área.

Análises estatísticas – Para verificar se as distribuições dos dados eram normais, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Uma vez constatada a não normalidade dos dados, testes não paramétricos foram utilizados. Assim, diferenças significativas das variáveis obtidas entre as áreas de estudo foram verificadas pelo teste de Mann-Whitney. Uma tabela de contingência foi construída para averiguar se havia sincronia de floração entre as áreas de coleta (Zar 1984).

Resultados

Para D. elliptica, diferenças significativas entre as áreas foram obtidas quanto à altura dos indivíduos, biomassa dos frutos, largura e comprimento das folhas (Tab. 1). Na região de borda de vereda, a altura das plantas (U = 120; P = 0,004) e a biomassa dos frutos (U = 1652; P < 0,001) foram maiores quando comparadas aos valores encontrados na área de cerrado sensu stricto. Já o comprimento e a largura das folhas foram maiores na área de cerrado do que na borda de vereda (U = 6774,5; P < 0,001 e U = 6863; P < 0,001, respectivamente). Não houve diferenças significativas entre as áreas estudadas com relação ao número de frutos por planta (U = 26; P = 0,795) e índice foliar (U = 5143; P = 0,727). Além disso, foi constatada assincronia no período de floração entre as áreas estudadas (c2 = 14,5; P < 0,05), sendo que a região de borda de vereda apresentou estádios de floração antecipados em relação à área de cerrado (Fig. 1). A densidade da população de D. alliptica na área de borda de vereda foi significativamente maior que a densidade desta espécie no cerrado (U = 48,50; P < 0,001).


Com relação a B. intermedia, foram verificadas diferenças fenotípicas entre as áreas para altura dos indivíduos, biomassa dos frutos e índice foliar (Tab. 2). Na área de cerrado, os valores encontrados na altura dos indivíduos (U = 340,5; P = 0,021), biomassa dos frutos (U = 6090,5; P < 0,001) e índice foliar (U = 6171; P = 0,004) foram maiores em comparação com os valores aferidos na região de borda de vereda. Houve assincronia nos estádios de floração entre as áreas de coleta (c2 = 52,3; P < 0,001), sendo que, também para essa espécie, o ambiente de borda de vereda apresentou uma antecipação nos estádios de floração (Fig. 2). Não foram constatadas diferenças significativas entre as áreas de estudo no número de frutos por planta (U = 261; P = 0,099), tamanho das inflorescências (U = 5364,5; P = 0,373), largura (U = 5537; P = 0,189) e comprimento da folhas (U = 4769; P = 0,572). A densidade de ocorrência desta espécie também não diferiu entre as áreas (U = 246,5; P = 0,373).


Discussão

A heterogeneidade ambiental encontrada na área de transição cerrado-vereda atua na determinação de algumas características morfológicas de D. elliptica. O ambiente de borda de vereda parece ser mais favorável para essa espécie, considerando sua maior densidade de ocorrência, o maior porte (altura) dos indivíduos e os frutos com maior biomassa ali coletados. N.S. Reis (dados não publicados) já havia notado o aspecto raquítico de D. elliptica em área de cerradão, o que sinalizava estreita tolerância à baixa luminosidade e conseqüente sucesso em ambientes mais abertos, como é o caso da borda de vereda. Corroborando essa observação, pode ser ainda mencionada a redução nas dimensões do limbo foliar dessa espécie na área de borda de vereda, que apresenta maior exposição à luz solar e menor cobertura vegetal. Assim, o adensamento da vegetação nas áreas ocupadas pelo cerrado sensu stricto poderia estar reduzindo a luminosidade que chega às camadas mais próximas do solo, o que estaria sendo compensado pelo aumento no tamanho das folhas, (Pigliucci et al. 1995; Niinemets 1999; Pons et al. 2001; Hoffmann & Franco 2003). Ressalta-se, ainda, que nem o número de frutos produzidos por planta nem o índice foliar (que descreve o formato da folha) apresentaram diferenças significativas entre as áreas estudadas, o que sugere maior herdabilidade ou canalização desses caracteres (Stearns 1989).

B. intermedia também expressou características morfológicas distintas em resposta à heterogeneidade ambiental. Mas, se por um lado D. elliptica mostrou maior sucesso reprodutivo na área de borda de vereda, B. intermedia apresentou maior porte e produziu frutos maiores na área de cerrado sensu stricto. Comparativamente, variações morfológicas em B. intermedia foram observadas em menor número que em D. elliptica. Como não houve diferenças na densidade de ocorrência, pode-se supor que esta seja uma espécie com maior tolerância às variações ambientais entre cerrado e vereda.

Respostas plásticas distintas à heterogeneidade ambiental, como as observadas neste trabalho, já foram descritas inclusive para espécies de mesmo gênero (Sands et al. 2003) e, em certos casos, a expressão substancial de plasticidade em determinados caracteres resultou em confusões na identificação de espécies, que somente puderam ser confirmadas com uso de técnicas de biologia molecular (Sundarasan et al. 2003).

Em comum, D. elliptica e B. intermedia apresentaram padrões assincrônicos de floração, iniciada mais tardiamente nas áreas de cerrado sensu stricto. Berg et al. (1987) e Lima et al. (1989) explicaram padrões similares de floração como resultantes da variação sazonal no nível de umidade do solo. Como as veredas se localizam nas porções mais baixas das vertentes, concentrariam maior teor de umidade ao longo do ano, dada a sua proximidade com o lençol freático e a tendência para o aporte de água pluviométrica por escoamento superficial. Além disto, análises físico-químicas de solo realizadas por Cardoso & Lomônaco (2003) indicaram maior percentagem de argila nas amostras obtidas na borda da vereda, o que contribuiria para aumento da umidade do solo, considerando a sua grande capacidade de retenção de água. As espécies C. canjerana subsp. polytricha e E. calycina, estudadas quanto à sincronia de floração nesta mesma área, também apresentaram etapas do processo de floração adiantadas em áreas de borda de vereda em relação às regiões ocupadas por cerrado sensu stricto (Fuzeto & Lomônaco 2000; Cardoso & Lomônaco 2003).

Assim, considerando-se a pequena divergência climática entre as áreas amostradas, visto serem estas adjacentes, padrões edáficos (umidade e percentagem de argila) poderiam ser indicados como os fatores geradores das respostas plásticas observadas.

A literatura especializada tem registrado muitos eventos de variação causados por indução ambiental, como a observada neste trabalho. A rosácea Rubus alceifolius Poir., por exemplo, introduzida em uma ilha do oceano Índico, teve grande sucesso adaptativo em uma grande variedade de hábitats, o que foi atribuído ao seu grande potencial plástico, considerando-se a pequena variabilidade genética do pequeno número de indivíduos fundadores desta população (Baret et al. 2004). O mesmo estudo apontou que o crescimento vegetativo e a produção de frutos correlacionaram-se com os valores de temperatura dos distintos ambientes ocupados por R. alceifolius. No estudo de Mueckschel & Otte (2003), a relação entre características morfológicas e fisiológicas de Plantago media L. (Plantaginaceae) e Scabiosa columbaria L. (Droseraceae) e os fatores que determinaram as condições dos ambientes onde as plântulas se desenvolveram foram tão aparentes que diferentes condições ambientais puderam ser monitoradas com acurácia, por meio da análise de seu sucesso de crescimento.

Em áreas de cerrado e mata tropical, Hoffman & Franco (2003) compararam espécies de plantas nativas que co-ocorrem em ambientes com fitofisionomias variadas e observaram marcantes diferenças nas respostas fenotípicas à intensidade da luz, particularmente no que se refere às dimensões foliares. Embora o componente genético de variabilidade não tenha sido estimado, os resultados apontam para a importância dos fatores ambientais na seleção de caracteres adaptativos em diversas estruturas morfológicas (Hoffman & Franco 2003).

Os dados obtidos pelo presente estudo confirmam a hipótese de que a heterogeneidade ambiental é uma importante fonte geradora de variações morfológicas de inúmeros caracteres ligados à história de vida das plantas, como salientado por Ungerer et al. (2003) e True et al. (2004). Variações dessa natureza precisam ser consideradas na elaboração de programas de manejo e conservação de áreas protegidas, uma vez que, além de áreas heterogêneas possuírem maior diversidade de nichos, contribuindo para aumento da riqueza de espécies, também promovem aumento da variabilidade fenotípica populacional gerada por indução ambiental. Em termos evolutivos, respostas plásticas à heterogeneidade ambiental representam também modificações adaptativas que alteram padrões da comunidade, expandindo o potencial evolutivo das espécies por meio do aumento da variabilidade fenotípica que, por sua vez, aumenta as possibilidades de sobrevivência e reprodução diante de pressões seletivas (Sultan 2000; Agrawal 2001).

Agradecimentos

A Thaissa Lopes de Melo e Meyr Pereira Cruz, pelo apoio nas coletas de campo; à Profa. Dra. Ana Angélica Almeida Barbosa, pelo auxílio na identificação das plantas; ao Dr. Heraldo Luís de Vasconcelos, pelas sugestões dadas na elaboração do texto.

Recebido em 31/10/2005. Aceito em 10/04/2006

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  • 1
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      10 Abr 2006
    • Recebido
      31 Out 2005
    Sociedade Botânica do Brasil SCLN 307 - Bloco B - Sala 218 - Ed. Constrol Center Asa Norte CEP: 70746-520 Brasília/DF. - Alta Floresta - MT - Brazil
    E-mail: acta@botanica.org.br