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Troponina – Use com Sabedoria. E como mais um Instrumento na Clínica

Palavras-chave
Infarto do Miocárdio; Biomarcadores; Troponina; Mortalidade; Epidemiologia; Isquemia Miocárdica; Revascularização Miocárdica; Síndrome Coronariana Aguda; Prognóstico

O infarto agudo do miocárdio (IAM) junto com a doença coronariana crônica estável são as principais causas de mortalidade no Brasil.11 Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Malta AC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Estatística cardiovascular – Brasil 2021. Arq Bras Cardiol. 2022;118:115-373. doi: 10.36660/abc.20211012.
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Em 2019 foi responsável por mais de 170.000 óbitos no Brasil. Dado à sua gravidade, houve, na Cardiologia, grande empenho na melhoria constante das ferramentas para o diagnóstico correto, na tentativa de evitar a liberação de pacientes com Síndrome Coronariana Aguda (SCA), e suas consequências clínicas e jurídicas. São considerados pilares para o diagnóstico, além de uma boa anamnese com a caracterização do tipo da dor, as alterações eletrocardiográficas e os biomarcadores (principalmente a troponina).

Os biomarcadores têm um papel importante no reconhecimento da SCA, e os algorítmicos de diagnóstico foram se adaptando à medida que evoluíam. No início, eram marcadores inespecíficos (p.e.: desidrogenase lática, transaminase oxacética, creatinofosfoquinase total – CK). Depois evoluiram para um marcador um pouco mais específico (creatininofosfoquinase porção MB – e com ele seus difíceis critérios: p.e.: relações CK total/MB). Finalmente, temos um marcador extremamente específico da injúriamiocárdica como a troponina. A evolução dos biomarcadores permitiu a simplificação dos protocolos de dor torácica, e a redução de alta inapropriada de pacientes com SCA.22 Soeiro AM, Biselli B, Leal TCAT, Bossa AS, Serrano Jr CV, Jallad S, et al. Desempenho diagnóstico da angiotomografia computadorizada e da avaliação seriada de troponina cardíaca sensível em pacientes com dor torácica e risco intermediário para eventos cardiovasculares. Arq Bras Cardiol. 2022 Feb 07; S0066-782X2022005001216. Doi: 10.36660/abc.20210006.
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Devido à alta sensibilidade e especificidade da troponina, no quarto consenso sobre a definição universal de Infarto Miocárdico, se chegou à conclusão de que para estabelecer o diagnóstico clínico são necessários a elevação acima do percentil 99 deste biomarcador, associado a evidência clínica de isquemia miocárdica.33 Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Chaitman BR, Bax JJ, Morrow DA, et al. Fourth universal definition of myocardial infarction (2018). Eur Heart J.2019;40(3):237-69. doi:10.1093/eurheartj/ey462.
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Dado ao baixo corte da troponina, neste consenso há dúvidas em relação à relevância clínica.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Tapas-Filho et al.,44 Tapias-Filho AH, Oliveira G, França JÍD, Ramos RF, Troponina I por percentil 99 da definição universal de infarto do Miocárdio vesus ponto de corte de melhor acurácia em síndromes coronárias agudas. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(6):1006-1015. comparam o nível de corte percentil 99 versus o corte da bula do fabricante da troponina. Eles observaram que o valores utilizados de troponina elevados acima do percentil 99 pela 4a Definição Universal de Infarto foram uteis em relação ao prognóstico, ou seja, foram capazes de prever o desfecho composto de óbito e reinfarto em até 30 dias. Uma observação adicional é que níveis de troponina minimamente elevados possibilitaram estratificar melhor os pacientes e identificar aqueles com maior probabilidade de se beneficiarem da estratégia invasiva precoce e de procedimentos de revascularização coronária.

Em relação ao trabalho publicado, apesar de dar suporte às recomendações, há algumas questões a se analisar. Primeiramente, trata-se de um registro de um único centro, com uma amostra limitada (494 pacientes), dentre os quais, os pacientes com troponina entre 0,034 e 0,12ng/dL foram somente 39. Segundo, observamos que a mortalidade dos grupos é baixa (2,4% a 3,9%) no registro, o que pode ser explicado pela população de baixo risco (GRACE SCORE: 102 (trop > 0,034-0,12ng/dL) x 120 (trop >0,12 ng/dL)). Outra possível explicação para a baixa mortalidade mencionada pelos autores é a alta taxa de estratégia invasiva e revascularização coronária precoce. Os níveis mais elevados de troponina apresentaram maior incidência de reinfarto (16,2% versus 4,8%), e ocorreram principalmente nos primeiros 15 dias. No estudo não ficaram claras as causas desse aumento. Podemos especular: revascularização incompleta? Infarto relacionado a procedimento (IAM tipo IV ou V)? São questões a serem analisadas com cuidado.

Além da limitação quanto ao tamanho da amostra do estudo, outro ponto de atenção é o período de seguimento. Quando comparamos com o registro SWEDEHEART (com mais de 48.000 pacientes incluídos), e a análise deste subgrupo (9.800 pacientes), acompanhado por dez anos, observou-se aumento dos eventos cardiovasculares nesta população, na ordem de 15,4%.55 Eggers KM, Jernberg T, Lindahl B. Cardiac troponin elevation in patients without a specific diagnosis. J Am Coll Cardiol. 2019 Jan 8;73(1):1-9. doi: 10.1016/j.jacc.2018.09.082.
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Isto reforça a importância de pequenos aumentos da troponina como marcador de prognóstico a longo prazo.

Se por um lado, abaixar o ponto de corte dos biomarcadores é preditor de eventos, por outro lado há preocupação na redução da especificidade do teste, com aumento no número de falso positivos,66 Januzzi J L, McCarthy C P. Trivializing an elevated troponin. J Am Coll Cardiol.2019;73(1):10-2. doi: 10.1016/j.jacc.2018.10.042
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o que poderia levar a procedimentos desnecessários, e ao aumento, por exemplo, de coronariografias sem lesões coronarianas (os chamados “cates brancos”). O que pode estigmatizar o paciente e expor a complicações relacionados à assistência. No registro de Tapas-Filho,44 Tapias-Filho AH, Oliveira G, França JÍD, Ramos RF, Troponina I por percentil 99 da definição universal de infarto do Miocárdio vesus ponto de corte de melhor acurácia em síndromes coronárias agudas. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(6):1006-1015. observamos que em pacientes com níveis mais baixos de troponina, 92% foram submetidos a coronariografia e a taxa de revascularização foi de > 75% (semelhante ao grupo de troponina mais elevada). Mesmo assim, reforçamos que em geral 25% dos pacientes poderiam não ter sido submetidos a testes invasivos.

Sob nosso ponto de vista, o momento é de buscar marcadores, que evitem que pacientes sejam submetidos à estratégia invasiva desnecessariamente. Para termos a dimensão dos números, se considerarmos aproximadamente 110.000 revascularizações realizadas pelo sistema único de saúde (SUS) em 2019,11 Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Malta AC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Estatística cardiovascular – Brasil 2021. Arq Bras Cardiol. 2022;118:115-373. doi: 10.36660/abc.20211012.
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estaríamos falando aproximadamente de 35.000 pacientes submetidos a coronariografia desnecessariamente por ano! Avançamos muito com esses novos “super” marcadores, melhoramos nosso diagnóstico e capacidade de prever eventos, mas é a hora de saber a melhor maneira de utilizá-los na prática clínica e reduzir procedimentos desnecessários.

  • Minieditorial referente ao artigo: Troponina I por Percentil 99 da Definição Universal de Infarto do Miocárdio versus Ponto de Corte de Melhor Acurácia em Síndromes Coronárias Agudas

Referências

  • 1
    Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Malta AC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Estatística cardiovascular – Brasil 2021. Arq Bras Cardiol. 2022;118:115-373. doi: 10.36660/abc.20211012.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20211012
  • 2
    Soeiro AM, Biselli B, Leal TCAT, Bossa AS, Serrano Jr CV, Jallad S, et al. Desempenho diagnóstico da angiotomografia computadorizada e da avaliação seriada de troponina cardíaca sensível em pacientes com dor torácica e risco intermediário para eventos cardiovasculares. Arq Bras Cardiol. 2022 Feb 07; S0066-782X2022005001216. Doi: 10.36660/abc.20210006.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20210006
  • 3
    Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Chaitman BR, Bax JJ, Morrow DA, et al. Fourth universal definition of myocardial infarction (2018). Eur Heart J.2019;40(3):237-69. doi:10.1093/eurheartj/ey462.
    » https://doi.org/10.1093/eurheartj/ey462
  • 4
    Tapias-Filho AH, Oliveira G, França JÍD, Ramos RF, Troponina I por percentil 99 da definição universal de infarto do Miocárdio vesus ponto de corte de melhor acurácia em síndromes coronárias agudas. Arq Bras Cardiol. 2022; 118(6):1006-1015.
  • 5
    Eggers KM, Jernberg T, Lindahl B. Cardiac troponin elevation in patients without a specific diagnosis. J Am Coll Cardiol. 2019 Jan 8;73(1):1-9. doi: 10.1016/j.jacc.2018.09.082.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2018.09.082
  • 6
    Januzzi J L, McCarthy C P. Trivializing an elevated troponin. J Am Coll Cardiol.2019;73(1):10-2. doi: 10.1016/j.jacc.2018.10.042
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2018.10.042

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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