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Podemos acreditar na levosimendana?

EDITORIAL

Podemos acreditar na levosimendana?

Ferenc Follath, MD, FESC

FESC University Hospital Zürich – Suíça

Correspondência Correspondência: Ferenc Follath Steering Group for Drug Therapy University Hospital Office HAL 16/18, D2, Raemistr. 100 CH 8091 Zürich – Switzerland E-mail: ferenc.follath@usz.ch

Palavras-chave: Levosimendana, beta-agonistas adrenérgicos, débito cardíaco, insuficiência cardíaca congestiva.

Embora seja comum a ocorrência de descompensação aguda em pacientes com insuficiência cardíaca crônica preexistente, ainda existem controvérsias quanto ao melhor tratamento para esse quadro. O tratamento depende do fator desencadeante, como isquemia miocárdica, arritmias, não-utilização dos medicamentos prescritos ou problemas não-cardíacos concomitantes. Uma adaptação da dosagem de medicamentos tradicionais para insuficiência cardíaca, particularmente dos diuréticos de alça e vasodilatadores, muitas vezes representa uma primeira etapa bem-sucedida. Os problemas começam quando os sintomas persistem e surgem sinais de deterioração hemodinâmica. Nesses casos, o médico responsável se vê diante do seguinte dilema: será que deve administrar um agente inotrópico para aumentar o débito cardíaco e a perfusão orgânica? Em caso afirmativo, qual seria a melhor opção de agente inotrópico? Vários estudos clínicos indicam que a dobutamina, ainda considerado o fármaco de primeira linha em muitas unidades de terapia intensiva, a dopamina e os inibidores da fosfodiesterase (milrinona, enoximona) podem piorar a sobrevida, apesar da melhora hemodinâmica inicial1-5. Em geral, os desfechos desfavoráveis são atribuídos à demanda crescente de oxigênio pelo miocárdio e às arritmias cardíacas. Em vista desses possíveis eventos adversos, muitos cardiologistas são contrários ao uso de medicamentos inotrópicos na insuficiência cardíaca aguda.

Entretanto, a introdução da levosimendana, um sensibilizador de cálcio, pode mudar essa atitude negativa. Esse novo agente combina uma ação inotrópica com vasodilatação periférica e coronariana sem aumentar as concentrações intracelulares de cálcio e AMP cíclico. Portanto, ele não tem algumas das desvantagens dos medicamentos simpatomiméticos. Em um estudo duplo-cego (LIDO) que comparou os efeitos da levosimendana e da dobutamina em pacientes com grave quadro de insuficiência cardíaca e baixo débito cardíaco, o sensibilizador de cálcio mostrou maior eficácia hemodinâmica e foi associado com melhor evolução clínica em até seis meses6. O medicamento também foi eficaz e bem tolerado em pacientes com insuficiência ventricular esquerda após infarto agudo do miocárdio7.

O estudo BELIEF publicado nesta edição da revista8, que incluiu pacientes com insuficiência cardíaca descompensada tratados em centros cardiológicos brasileiros, parece confirmar a experiência positiva européia, mesmo no caso de pacientes que não respondem a infusões de dobutamina.

Podemos afirmar que 76,4% dos pacientes responderam ao tratamento, de acordo com critérios clínicos predefinidos. O medicamento também foi bem tolerado: não houve tendência para hipotensão grave durante a infusão de levosimendana, tampouco aumento de arritmias ventriculares ou supraventriculares. Todavia, está claro que a levosimendana não salvará todos os pacientes com descompensação aguda. Dos 182 pacientes incluídos no estudo, 27 (14,8%) morreram durante o período de hospitalização, principalmente em decorrência de choque cardiogênico ou hipotensão grave na época da internação. Assim como em outros estudos, a taxa de mortalidade dessas complicações agudas de insuficiência cardíaca ainda é alta apesar de todas as possibilidades terapêuticas modernas9.

Uma limitação do estudo BELIEF8 é sua natureza observacional e a falta de um grupo de tratamento comparativo sem levosimendana. Embora um estudo multicêntrico de farmacovigilância realizado em Portugal tenha relatado resultados positivos semelhantes com o uso rotineiro do medicamento10, o resultado decepcionante do estudo SURVIVE11, publicado recentemente, reduzirá a aceitação da levosimendana nos centros que têm pouca ou nenhuma experiência com o medicamento. Convém salientar, porém, que vários aspectos importantes relacionados com a segurança de uma administração otimizada de levosimendana não foram observados no SURVIVE: doses altas e uniformes de ataque e manutenção foram administradas a todos os pacientes gravemente enfermos e intensamente pré-tratados, sem monitoramento hemodinâmico. Portanto, a superdose aliada à hipovolemia não-diagnosticada ou não-corrigida provavelmente contribuiu para a elevada incidência de hipotensão e arritmias supraventriculares, bem como para a ausência de redução na taxa de mortalidade, em comparação com a dobutamina. Em contrapartida, no estudo BELIEF8 a velocidade inicial de infusão foi de somente 0,1 mcg/kg/min, e cerca de 20% dos pacientes não receberam dose de ataque. Além disso, a existência de hipovolemia e hipopotassemia foi descartada antes da infusão de levosimendana.

A experiência brasileira confirma que, em condições adequadas, a levosimendana é um acréscimo valioso ao arsenal terapêutico em pacientes com descompensação aguda de insuficiência cardíaca congestiva. Os cardiologistas e intensivistas que sabem como e quando usar a levosimendana continuarão a acreditar nesse novo medicamento.

  • 1. Packer M. The search for the ideal positive inotropic agent. N Engl J Med. 1993; 329: 201-2.
  • 2. Dies F, Krell MJ, Whitlow P, Liang C, Goldenberg I, Applefeld MM, et al : Intermittent dobutamine infusion in ambulatory outpatients with chronic cardiac failure. Circulation. 1986, 74 (Suppl II): II-38.
  • 3. Oliva F, Latini R, Politi A, Staszewsky A. Intermittent 6 months low dose dobutamine infusion in severe heart failure: the DICE multicenter trial. Am Heart J. 1999, 138: 247-53.
  • 4. Hatzizacharias A, Makris T, Krespi P, Triposkladis F, Voayatzi P, Dallanis N, et al. Intermittent milrinone effect on long-term hemodynamic profile in patients with severe congestive heart failure. Am. Heart J. 1999, 138:241-246
  • 5. Cuffe MS, Califf RM, Adams KF Jr, Benza R, Bourge R, Colucci WS, et al. Short-term intravenous milrinone for acute exacerbation of chronic heart failure: a randomised controlled trial. JAMA. 2002, 287: 1541-7.
  • 6. Follath F, Cleland JG, Just H, Papp JGY; Scholz H, Peurkurinen K, et al. Efficacy and safety of intravenous levosimendan compared with dobutamine in severe low-output heart failure ( the LIDO study): a randomised double-blind trial. Lancet. 2002, 360: 196-202.
  • 7. Moiseyev VS, Poder P, Andrejevs N, Ruda MY, Golikov AP, Lazebnik LB, et al. Safety and efficacy of a novel calcium sensitizer, levosimendan, in patients with left ventricular failure due to an acute myocardial infarction: a randomised, placebo controlled, double-blind study (RUSSLAN). Eur Heart J. 2002, 23: 1422-32.
  • 8. Bocchi EA, Vilas-Boas F, Moreira MC, Pereira Barretto AC, Lage S, Albuquerque D, et al. Levosimendana em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada: eficácia em uma coorte brasileira: resultados do estudo BELIEF. Arq Bras Cardiol. 2008; 90(3):
  • 9. Nieminen MS, Brutsaert D, Dickstein K, Drexler H, Follath F, Harjola VP, et al. EuroHeart Failure Survey II (EHFSII): a survey on hospitalized acute heart failure patients: description of the population. Eur Heart J. 2006, 27: 2725-36.
  • 10. Silva-Cardoso J, Ferreira J, Prazeres de Sá E, Martins de Campos J, Fonseca C, Lousada N, et al. Levosimendan in daily intensive care practice- the experienc e of 15 centres. Background, methods and organisation of the PORTLAND study. Rev Port Cardiol. 2004, 23 (11): 1431-43.
  • 11. Mebazaa A, Nieminen MS,Packer M, Cohen-Solal A, Kleber FX, Pocock SJ, et al. Levosimendan vs dobutamine for patients with acute decompensated heart failure. JAMA. 2007, 297: 1883-91.
  • Correspondência:
    Ferenc Follath
    Steering Group for Drug Therapy University Hospital
    Office HAL 16/18, D2, Raemistr. 100
    CH 8091 Zürich – Switzerland
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008
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