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Um Stent Mal Colocado na Artéria Septal Perfurante: Fístula Ventricular Direita, Hematoma do Septo Interventricular e Obstrução da Via de Saída do Ventrículo Direito

Resumo

As fístulas coronário-camerais, embora consideradas em sua maioria como entidades congênitas, também têm sido encontradas como complicações de grandes traumas e intervenções coronárias percutâneas (ICPs).11 Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
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Por outro lado, o hematoma do septo interventricular (SIV) pode potencialmente surgir principalmente durante intervenções de oclusão total crônica retrógrada (OTC) e tem um curso benigno nesse contexto.22 Abdel-Karim AR, Vo M, Main ML, Grantham JA. Interventricular Septal Hematoma and Coronary-VentricularFistula: A Complication of Retrograde Chronic Total Occlusion Intervention. Case Rep Cardiol. 2016;2016:8750603. doi: 10.1155/2016/8750603.
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Aqui, descrevemos uma complicação desafiadora da ICP (e sua estratégia de manejo) apresentando hematoma do SIV, fístula ventricular direita e obstrução da via de saída do ventrículo direito (VSVD) devido a um stent coronário mal implantado na artéria septal perfurante (ASP).

Palavras-chave
Stents; Pontuação de Propensão; Comunicação interventricular/complicações; Fistula Vascular; Obstrução do Fluxo Ventricular; Embolização Terapêutica

Abstract

Coronary-cameral fistulas, though mostly regarded as congenital entities, have also been encountered as complications of major traumas and percutaneous coronary interventions (PCIs).11 Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
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On the other hand, interventricular septal (IVS) hematoma might potentially arise mostly during retrograde chronic total occlusion (CTO) interventions and has a benign course in this context.22 Abdel-Karim AR, Vo M, Main ML, Grantham JA. Interventricular Septal Hematoma and Coronary-VentricularFistula: A Complication of Retrograde Chronic Total Occlusion Intervention. Case Rep Cardiol. 2016;2016:8750603. doi: 10.1155/2016/8750603.
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Herein, we describe a challenging PCI complication (and its management strategy) presenting with IVS hematoma, right ventricular fistula, and right ventricular outflow tract (RVOT) obstruction due to a misimplanted coronary stent in the septal perforating artery (SPA).

Keywords
Stents; Propensity Score; Heart Septal Ventricular/complications; Vascular Foistula; Ventricular Outflow Obstruction; Embolization Therapeutc

Caso Clínico

Um homem de 71 anos foi encaminhado para nossas clínicas de outro centro após uma ICP complicada da artéria descendente anterior (ADA). Registros angiográficos coronarianos (CAG) demonstraram uma má colocação de stent farmacológico (ST) estendendo-se do meio da ADA a uma ASP no SIV. Isso levou a uma grande fístula drenando para o ventrículo direito (VD), possivelmente devido à perfuração da ASP (Figura 1). Também foi implantado enxerto de stent (3,0 X 20 mm), com seu segmento distal sobreposto ao segmento proximal do SF. No entanto, as imagens CAG subsequentes demonstraram a persistência de uma conexão fistulosa.

Figura 1
Uma grande fístula drenando para o ventrículo direito.

O ecocardiograma transtorácico (ETT) também demonstrou turbulência colorida contínua que se estendia desde o meio do SIV até a câmara do VD (consistente com fístula). Além disso, uma massa SIV de 50 X 40 mm foi encontrada impactando na via de saída do ventrículo direito (VSVD), levando a um gradiente de pico de 50 mmHg (Figura 2). A tomografia computadorizada (TC) também exibiu sinais de compressão grave da VSVD por uma massa SIV compatível com hematoma (medindo 57 X 40 X 58 mm) (Figura 3).

Figura 2
Hematoma subepicárdico comprimindo a via de saída do ventrículo direito na área marcada pela seta e levando a via de saída do ventrículo direito a um gradiente máximo de 50 mmHg.
Figura 3
A reconstrução multiplanar da tomografia computadorizada cardíaca representa hematoma subepicárdico, comprimindo e deslocando a via de saída do ventrículo direito. (Seta vermelha: hematoma subepicárdico / Seta amarela: via de saída do ventrículo direito com compressão e estenose).

A conexão fistulosa foi realizada com embolização de molas: 2 molas (Concerto 4x10 cm e 4x8 cm) foram transportadas através de um microcateter (0,18 Asahi) colocado no meio da ADA. A Figura 4 demonstra a imagem final das bobinas na ADA (a perfusão distal da ADA foi mantida por meio de colaterais retrógradas) juntamente com o fechamento completo da drenagem fistulosa (Figura 4). O hematoma SIV e o gradiente VSVD regrediram significativamente no ETT (no seguimento) (Figura 5).

Figura 4
Imagem final das bobinas na artéria descendente anterior (a perfusão distal da artéria descendente anterior foi mantida por colaterais retrógradas).
Figura 5
Hematoma septo interventricular e gradiente via de saída do ventrículo direito regrediram significativamente na repetição do ecocardiograma transtorácico.

Discussão

A perfuração iatrogênica da artéria coronária no cenário de ICP tem sido um fenômeno raro.33 Abdalwahab A, Farag M, Brilakis ES, Galassi AR, Egred M,. Management of Coronary Artery Perforation. Cardiovasc Revasc Med. 2021;26:55-60. doi: 10.1016/j.carrev.2020.11.013.
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No entanto, a incidência dessa complicação pode ser relativamente maior na presença de certas características demográficas (idade avançada, sexo feminino) e de procedimento, incluindo morfologia da lesão (lesões calcificadas e tortuosas), intervenções específicas (ICPs para lesões da veia safena e OTCs, uso de dispositivo de aterectomia rotacional) e algumas armadilhas técnicas (relação balão/artéria > 1,2, altas pressões de insuflação, uso de fios-guia rígidos e hidrofílicos).33 Abdalwahab A, Farag M, Brilakis ES, Galassi AR, Egred M,. Management of Coronary Artery Perforation. Cardiovasc Revasc Med. 2021;26:55-60. doi: 10.1016/j.carrev.2020.11.013.
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55 Kinnaird T, Kwok CS, Kontopantelis E. Incidence, Determinants, andOutcomes of Coronary Perforation During Percutaneous Coronary Intervention in the United Kingdom Between 2006 and 2013: An Analysis of 527 121 CasesFromthe British Cardiovascular Intervention Society Database. Circ Cardiovasc Interv. 2016 Aug;9(8):e003449. doi: 10.1161/CIRCINTERVENTIONS.115.003449.
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Como esperado, a gravidade da perfuração coronária e o local de drenagem determinam fortemente os desfechos clínicos, inclusive a instabilidade hemodinâmica. Felizmente, as perfurações que se manifestam como fístulas coronário-camerais (em oposição àquelas que drenam para o espaço pericárdico) geralmente são bem toleradas clinicamente. No entanto, não existe consenso sobre o manejo de fístulas coronário-camerais iatrogênicas. Várias estratégias, incluindo insuflação prolongada do balão, embolização de bobina ou tecido adiposo, implante de stent de enxerto e intervenção cirúrgica, foram tentadas,11 Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
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44 Danek BA, Karatasakis A, Tajti P, Sandoval Y, Karmpaliotis D, Alaswa D. Incidence, Treatment, and Outcomes of Coronary Perforation During Chronic Total Occlusion PercutaneousCoronary Intervention. Am J Cardiol. 2017;120(8):1285-92. doi: 10.1016/j.amjcard.2017.07.010.
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o que pode ser preferido de acordo com as características do paciente e as viabilidades institucionais.

Nesse contexto, uma fístula iatrogênica entre a ADA e a cavidade ventricular esquerda foi relatada anteriormente devido a um fio-guia mal colocado na artéria septal perfurante durante uma ICP anterior e foi tratada com sucesso com implante de stent de enxerto por meio de uma abordagem retrógrada.11 Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
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Em outro estudo anterior, caso submetido a intervenção OTC retrógrada, hematoma do SIV emergente e fístula de VD foram manejados com implante de stent de enxerto e embolização de molas.22 Abdel-Karim AR, Vo M, Main ML, Grantham JA. Interventricular Septal Hematoma and Coronary-VentricularFistula: A Complication of Retrograde Chronic Total Occlusion Intervention. Case Rep Cardiol. 2016;2016:8750603. doi: 10.1155/2016/8750603.
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No presente caso, o implante de stent foi a estratégia de conduta inicial. No entanto, o stent do enxerto não conseguiu terminar a conexão fistulosa, possivelmente devido a fatores como falha geográfica, múltiplos locais de perfuração ou perfuração na ponta distal do ASP. Portanto, usamos a embolização da bobina como o próximo passo e terminamos com sucesso a conexão fistulosa à cavidade do VD.

Outro aspecto particular do presente caso foi o hematoma SIV emergente (associado a um gradiente significativo da VSVD) que regrediu no seguimento. Com base no consenso geral,22 Abdel-Karim AR, Vo M, Main ML, Grantham JA. Interventricular Septal Hematoma and Coronary-VentricularFistula: A Complication of Retrograde Chronic Total Occlusion Intervention. Case Rep Cardiol. 2016;2016:8750603. doi: 10.1155/2016/8750603.
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,33 Abdalwahab A, Farag M, Brilakis ES, Galassi AR, Egred M,. Management of Coronary Artery Perforation. Cardiovasc Revasc Med. 2021;26:55-60. doi: 10.1016/j.carrev.2020.11.013.
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não realizamos nenhuma intervenção cirúrgica como estratégia inicial para esse hematoma devido à ausência de características de alto risco, incluindo comprometimento hemodinâmico e aumento progressivo. Tomados em conjunto, o principal fator associado a essas complicações parece ser o mau posicionamento do fio-guia no paciente. Portanto, a avaliação de múltiplas imagens angiográficas (e injeção de ponta por meio de um microcateter) parece ser uma estratégia razoável para a colocação adequada do fio-guia11 Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
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e posterior implantação do stent, principalmente durante a ICP de oclusões coronárias totais.

Conclusão

Fístulas coronário-camerais iatrogênicas e hematomas SIV raramente foram encontrados em pacientes submetidos a ICP, particularmente aqueles com características anatômicas e de procedimentos de alto risco. No entanto, o surgimento dessas complicações também pode ser possível mesmo no cenário de intervenções coronarianas relativamente simples (nas configurações de OTC anterógrada ou mesmo sem OTC). Portanto, todos os esforços devem ser feitos para prevenir e gerenciar oportunamente essas complicações. Notavelmente, as estratégias de manejo devem ser implementadas caso a caso.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

Referências

  • 1
    Ohayon P, Matta A, Boudou N. A case report of an iatrogenic coronary cameral fistula treated by retrograde percutaneous coronary intervention. Eur Heart J Case Rep. 2020;4:1-6. doi: 10.1093/ehjcr/ytaa094.
    » https://doi.org/10.1093/ehjcr/ytaa094
  • 2
    Abdel-Karim AR, Vo M, Main ML, Grantham JA. Interventricular Septal Hematoma and Coronary-VentricularFistula: A Complication of Retrograde Chronic Total Occlusion Intervention. Case Rep Cardiol. 2016;2016:8750603. doi: 10.1155/2016/8750603.
    » https://doi.org/10.1155/2016/8750603
  • 3
    Abdalwahab A, Farag M, Brilakis ES, Galassi AR, Egred M,. Management of Coronary Artery Perforation. Cardiovasc Revasc Med. 2021;26:55-60. doi: 10.1016/j.carrev.2020.11.013.
    » https://doi.org/10.1016/j.carrev.2020.11.013
  • 4
    Danek BA, Karatasakis A, Tajti P, Sandoval Y, Karmpaliotis D, Alaswa D. Incidence, Treatment, and Outcomes of Coronary Perforation During Chronic Total Occlusion PercutaneousCoronary Intervention. Am J Cardiol. 2017;120(8):1285-92. doi: 10.1016/j.amjcard.2017.07.010.
    » https://doi.org/10.1016/j.amjcard.2017.07.010
  • 5
    Kinnaird T, Kwok CS, Kontopantelis E. Incidence, Determinants, andOutcomes of Coronary Perforation During Percutaneous Coronary Intervention in the United Kingdom Between 2006 and 2013: An Analysis of 527 121 CasesFromthe British Cardiovascular Intervention Society Database. Circ Cardiovasc Interv. 2016 Aug;9(8):e003449. doi: 10.1161/CIRCINTERVENTIONS.115.003449.
    » https://doi.org/10.1161/CIRCINTERVENTIONS.115.003449

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2022
  • Revisado
    31 Mar 2023
  • Aceito
    17 Maio 2023
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