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Resolução de Trombose Coronária Extensa com Tratamento com Rivaroxabana

Palavras-chave
Trombose Coronária / terapia; Anticoagulantes; Coagulação Sanguínea / genética

Introdução

Mutações genéticas que resultam em estado de hipercoagulabilidade são um fator de risco bem definido para trombose venosa. Na literatura, entretanto, são descritos poucos casos de trombose arterial, incluindo trombose coronária, em pacientes com tais mutações genéticas.

Relato do Caso

Paciente do sexo masculino, 26 anos de idade, admitido no pronto socorro com queixa de aparecimento de dor precordial há 2 dias. Ao exame físico, não havia nada digno de nota. O eletrocardiograma (ECG) mostrou alterações de onda T bifásica nas derivações V2-4 (Figura 1). O paciente tinha antecedente de uso de varfarina durante 6 meses por trombose venosa profunda (TVP) 2 anos antes. O ecocardiograma à beira do leito mostrou leve hipocinesia da parede anterior, com fração de ejeção de 52%. Os exames laboratoriais revelaram níveis de creatinoquinase-MB e troponina-I levemente aumentados (32 ng/ml e 0,44 ng/ml, respectivamente). O paciente foi transferido para a unidade coronariana com o diagnóstico de infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST. A coronariografia mostrou múltiplos focos trombóticos segmentares ao longo da artéria descendente anterior esquerda (DAE) com fluxo TIMI-III ( Thrombolysis in Myocardial Infarction ) e artérias circunflexa e coronária direita normais (Figura 2A, Vídeo 1). Não foram considerados aspiração manual dos trombos ou dispositivo de trombectomia por causa da natureza difusa da trombose por toda a DAE. Inicialmente, foi administrada tirofibana intracoronária na dose de 10 g/kg durante 3 minutos, seguida de infusão intravenosa a 0,15 µg/kg/min por 24 horas, associada a enoxaparina subcutânea. O angiograma de controle mostrou discreta melhora (Figura 2B, Vídeo 2). Foi introduzida rivaroxabana 20 mg por dia, por 8 semanas, e a coronariografia de controle mostrou resolução completa do trombo (Figura 2C, Vídeos 3 e 4). Paralelamente, a pesquisa de trombofilia mostrou mutação no gene da protrombina (homozigótica, G20210A) e mutação homozigótica no inibidor do ativador do plasminogênio tipo-1 (PAI-1) [4G/4G]. Nos exames iniciais o paciente também apresentou anticoagulante lúpico, mas não anticorpos anticardiolipina, nem anticorpos anti-beta-2-glicoproteína-I. Além disso, seu anticoagulante lúpico foi negativo.

Figura 1
Eletrocardiograma à admissão, mostrando alterações de onda T bifásicas nas derivações V22 Seguí R, Estellés A, Mira Y, España F, Villa P, Falcó C, et al. PAI-1 promoter 4G/5G genotype as an additional risk factor for venous thrombosis in subjects with genetic thrombophilic defects. Br J Haematol. 2000;111(1):122-8.

3 Bolan CD, Krishnamurti C, Tang DB, Carrington LR, Alving BM. Association of protein S deficiency with thrombosis in a kindred with increased levels of plasminogen activator inhibitor-1. Ann Intern Med. 1993;119(8):779-85.
-44 Poort SR, Rosendaal FR, Reitsma PH, Bertina RM. A common genetic variation in the 3'-untranslated region of the prothrombin gene is associated with elevated plasma prothrombin levels and an increase in venous thrombosis. Blood. 1996;88(10):3698-703..
Figura 2
Vista cranial anteroposterior, mostrando a artéria descendente anterior esquerda A. À admissão, com focos trombóticos difusos, B. Após infusão de tirofibana, com discreta regressão dos focos trombóticos e C. Resolução completa dos focos trombóticos após uso de rivaroxabana por 8 semanas.
Vídeo 1
Coronariografia inicial mostrando falhas de enchimento ao longo da artéria descendente anterior esquerda em projeção anteroposterior cranial. Acesse o vídeo através do link: http://www.arquivosonline.com.br/2015/10506/edicaoatual.asp
Vídeo 2
Observa-se ligeira regressão dos focos trombóticos em projeção anteroposterior da coronariografia após infusão de tirofibana. Acesse o vídeo através do link: http://www.arquivosonline.com.br/2015/10506/edicaoatual.asp
Vídeo 3
Coronarigrafias mostrando resolução de focos trombóticos extensos na artéria descendente anterior esquerda em projeção anteroposterior cranial após uso de rivaroxabana durante 8 semanas. Acesse o vídeo através do link: http://www.arquivosonline.com.br/2015/10506/edicaoatual.asp
Vídeo 4
Coronariografias mostando resolução de focos trombóticos extensos em artéria descendente anterior esquerda em projeção cranial direita após uso de rivaroxabana durante 8 semanas. Acesse o vídeo através do link: http://www.arquivosonline.com.br/2015/10506/edicaoatual.asp

Discussão

A questão clínica fundamental neste caso foi a identificação da causa da extensa trombose coronária em paciente tão jovem. A investigação concentrou-se em trombofilia devido ao fato de que o paciente apresentava antecedente de TVP sem fator predisponente.

O nível de inibidor do ativador de plasminogênio-1 (PAI-1) é crucial na regulação da atividade do plasminogênio, sendo que níveis elevados estão associados a estados pró-trombóticos. Um polimorfismo comum de inserção/deleção da guanosina do 4G/5G localizada no 675º par de bases acima do ponto de início da translação regula o nível de PAI-1. Demonstrou-se que a homozigozidade para o genótipo de deleção 4G/4G causa níveis mais altos de PAI-1 em comparação com o genótipo 4G/5G11 Khosravi F, Zarei S, Ahmadvand N, Akbarzadeh-Pasha Z, Savadi E, Zarnani AH, et al. Association between plasminogen activator inhibitor 1 gene mutation and different subgroups of recurrent miscarriage and implantation failure. J Assist Reprod Genet. 2014;31(1):121-4.. O significado clínico da mutação homozigótica de PAI-1, em si, não é claro, mas há relatos sugerindo maior frequência de eventos trombóticos quando associados a outras situações pró-trombóticas22 Seguí R, Estellés A, Mira Y, España F, Villa P, Falcó C, et al. PAI-1 promoter 4G/5G genotype as an additional risk factor for venous thrombosis in subjects with genetic thrombophilic defects. Br J Haematol. 2000;111(1):122-8.,33 Bolan CD, Krishnamurti C, Tang DB, Carrington LR, Alving BM. Association of protein S deficiency with thrombosis in a kindred with increased levels of plasminogen activator inhibitor-1. Ann Intern Med. 1993;119(8):779-85.. A associação entre mutação do gene da protrombina e trombose está bem estabelecida, sendo que esta mutação confere um aumento de 2,8 vezes no risco de trombose44 Poort SR, Rosendaal FR, Reitsma PH, Bertina RM. A common genetic variation in the 3'-untranslated region of the prothrombin gene is associated with elevated plasma prothrombin levels and an increase in venous thrombosis. Blood. 1996;88(10):3698-703.. O paciente tinha história de TVP 2 anos antes do atual quadro clínico, o que sugere que efe apresentava tendência a desenvolver trombose. Os resultados da pesquisa de hipercoagulabilidade mostraram ser imperativo tratar o paciente com anticoagulante na fase aguda e mantê-lo pelo resto da vida. Foi escolhida a rivaroxabana - um inibidor direto do fator-Xa aprovado para o tratamento / prevenção de tromboembolismo venoso, por sua facilidade de administração em comparação com derivados de heparina nas formas subcutânea e intravenosa e por sua rápida ação e menor interação com outras drogas em comparação com a varfarina.

Este é o primeiro relato de paciente apresentando síndrome coronária aguda por focos trombóticos não oclusivos em artéria coronária devido à mutação do gene da protrombina e/ou mutação de PAI-1. São bem conhecidos os efeitos aditivos dos estados de hipercoagulabilidade, e o presente caso ilustra esse fato através de um episódio de trombose venosa sem desencadeante e de um evento trombótico arterial difuso em paciente jovem sem nenhum outro fator de risco conhecido para trombose venosa ou arterial, além de ressaltar a importância da pesquisa de hipercoagulabilidade nesses pacientes.

Conclusão

Mostramos resolução bem sucedida de trombose coronária difusa com o uso de rivaroxabana 20 mg por dia, o que foi importante para confirmar a natureza não aterosclerótica da oclusão.

References

  • 1
    Khosravi F, Zarei S, Ahmadvand N, Akbarzadeh-Pasha Z, Savadi E, Zarnani AH, et al. Association between plasminogen activator inhibitor 1 gene mutation and different subgroups of recurrent miscarriage and implantation failure. J Assist Reprod Genet. 2014;31(1):121-4.
  • 2
    Seguí R, Estellés A, Mira Y, España F, Villa P, Falcó C, et al. PAI-1 promoter 4G/5G genotype as an additional risk factor for venous thrombosis in subjects with genetic thrombophilic defects. Br J Haematol. 2000;111(1):122-8.
  • 3
    Bolan CD, Krishnamurti C, Tang DB, Carrington LR, Alving BM. Association of protein S deficiency with thrombosis in a kindred with increased levels of plasminogen activator inhibitor-1. Ann Intern Med. 1993;119(8):779-85.
  • 4
    Poort SR, Rosendaal FR, Reitsma PH, Bertina RM. A common genetic variation in the 3'-untranslated region of the prothrombin gene is associated with elevated plasma prothrombin levels and an increase in venous thrombosis. Blood. 1996;88(10):3698-703.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015
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