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II Consenso Brasileiro para o uso da monitorização ambulatorial da pressão arterial

II Consenso Brasileiro para o Uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial

Sociedade Brasileira de Cardiologia - Departamento de Hipertensão Arterial

Sociedade Brasileira de Hipertensão

Sociedade Brasileira de Nefrologia - Departamento de Hipertensão Arterial

Coordenadores

Celso Amodeo (SP)

Dante M. A. Giorgi (SP)

Décio Mion Jr (SP)

Fernando Nobre (SP)

Participantes:

Celso Amodeo (SP)

Cristina S. Atie (SP)

Dante Marcelo Giorgi (SP)

Décio Mion Jr (SP)

Eliudem G. Lima (ES)

Enilton Lima Jr (PR)

Fernando Nobre (SP)

Hilton Chaves Jr (PE)

Istênio J. F. Pascoal (DF)

Luis Carlos Passaro (SP)

José Luis Santelo (SP)

José Márcio Ribeiro (MG)

Luis Introcaso (DF)

Marco Antonio Mota Gomes (AL)

Marcos V. B. Malachias (MG)

Maria Tereza Zanela (SP)

Maurício Wajngarten (SP)

Paulo César V. B. Jardim (GO)

Raimundo Nascimento (MG)

Vera Koch (SP)

Correspondência: Celso Amodeo - Rua Charles S. Chaplin, 333/111 - 05642-011 - São Paulo, SP

Apresentação

Face ao desenvolvimento científico ocorrido desde o I Consenso Brasileiro para o uso da Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) 1-3 e a ampla utilização do método em nosso país, as Sociedades Brasileira de Cardiologia e Nefrologia, através de seus Departamentos de Hipertensão Arterial, e a Sociedade Brasileira de Hipertensão, reuniram, em São Roque (SP), 20 especialistas com larga experiência em MAPA, para, à luz de suas experiências pessoais e de profunda e completa revisão da atual e abrangente literatura, revisarem o documento anterior e redigirem o documento que ora apresentamos.

Os conceitos emanados dessa reunião de consenso estão contidos nesta publicação, que se almeja possa nortear a prática da MAPA em nosso país, consoante com o que se faz, atualmente, em todo o mundo.

Celso Amodeo
Sociedade Brasileira de Cardiologia Décio Mion Jr
Sociedade Brasileira de Nefrologia

Fernando Nobre

Sociedade Brasileira de Hipertensão

Comportamento da pressão arterial nas 24 horas

Apesar de existirem poderosos mecanismos de ajuste, a pressão arterial (PA) varia ao longo das 24h. Assim, a medida da PA, que habitualmente é feita no consultório, pode não ser representativa dos níveis pressóricos obtidos ao longo das 24h.

A medida intra-arterial da PA permite se obter valores contínuos. Entretanto, a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) propicia a avaliação não invasiva da PA durante as 24h, a intervalos muito curtos, no ambiente natural do indivíduo e durante a execução de suas atividades habituais (fig. 1). Observam-se níveis tensionais mais elevados durante as horas em vigília e menores durante o sono (fig. 2), tanto em normotensos como em hipertensos.



Além das variações vigília-sono, inúmeros estímulos físicos e mentais, como emoções, postura, exercício físico, atividade sexual, micção e ingestão de alimentos determinam o padrão da curva de PA 4 (tab. I).

Merece destaque a reação de alarme desencadeada pela presença do médico, determinando o que se denomina efeito e hipertensão do avental branco 5. Desta forma, estas variações da PA, que ocorrem em diferentes situações ou condições clínicas, podem trazer dificuldades no diagnóstico de anormalidades pressóricas.

A MAPA permite estimar não só o valor médio das pressões arteriais sistólicas (PAS) e diastólicas (PAD) durante a vigília e o sono, mas, também, calcular índices que avaliam o grau de flutuação da PA ao longo das 24h 6 (vide interpretação).

De acordo com as variações ocorridas nas 24h, podemos obter padrões definidos de algumas das principais curvas de PA (fig. 3) 7.


O método se reveste de importância uma vez que as medidas obtidas pela MAPA mostram-se mais preditivas do envolvimento de órgãos-alvo e das complicações cardiovasculares, decorrentes da hipertensão arterial (HA), que as medidas da PA de consultório 8.

Indicações, limitações e vantagens da MAPA

As principais indicações da MAPA são: hipertensão de consultório; HA limítrofe; hipertensão episódica; avaliação do efeito terapêutico anti-hipertensivo quando houver dúvidas do controle da PA em 24h. São consideradas outras indicações da MAPA, os sintomas sugestivos de hipotensão; a suspeita de disfunção autonômica; episódios de síncope; pesquisa clínica.

As limitações da MAPA são: distúrbios no trabalho e no sono; arritmias freqüentes; grandes obesos; síndromes hipercinéticas; presença de hiato auscultatório; Parkinsonismo; normatização de dados não completamente estabelecida até o presente; custos.

As principais vantagens da MAPA são: obtenção de múltiplas medidas nas 24h; avaliação da PA durante as atividades cotidianas; avaliação da PA durante o sono; avaliação do padrão circadiano da PA; avaliação- das médias, cargas e variabilidade da PA; identificação da reação de "alarme"; atenuação do efeito placebo; avaliação do efeito anti-hipertensivo nas 24h; possibilidade de estratificação de risco.

Vantagens da MAPA sobre a metodologia convencional no diagnóstico e prognóstico

Estudos têm demonstrado diferenças entre medidas tensionais realizadas no consultório médico e aquelas obtidas nas atividades diárias 9,10. A MAPA tem se correlacionado de forma mais estreita com as medidas intra-arteriais que as aferições casuais 11. A hipertensão de consultório ou do avental branco caracteriza-se pela elevação sistemática da PA em presença do médico, não reproduzida em outras situações 12. Achado que pode se correlacionar com uma reação de "alarme" no início da monitorização e normalização da PA no restante do período. Este tipo de hipertensão pode corresponder a cerca de 30% dos pacientes rotulados como hipertensos leves, podendo a MAPA discriminá-los 13.

Há evidências recentes de que a hipertensão de consultório possa não ser tão benigna como se pensava, ocorrendo maior possibilidade de acometimento de órgãos-alvo que em populações normotensas, porém, em menor escala que em hipertensos 14. Entretanto, outros autores demonstraram semelhante possibilidade de eventos cardiovasculares para esse grupo de indivíduos quando comparados com uma população de normotensos 15, contudo, não existem evidências de benefícios de intervenções medicamentosas nesse grupo de pacientes 16.

A MAPA tem se mostrado útil na avaliação da PA limítrofe e na hipertensão episódica, por analisar maior quantidade de parâmetros, como: cargas e médias pressóricas, variabilidade e outras variáveis, com conseqüente acréscimo de informações que auxiliarão na definição diagnóstica e decisão de condutas.

Em pacientes submetidos à terapêutica anti-hipertensiva, a MAPA contribui para a avaliação da eficácia terapêutica nas 24h, análise de escapes tensionais e/ou excessivo controle da pressão 17.

Medidas casuais da PA vêm sendo utilizadas há vários anos para avaliação e quantificação prognóstica da HA. O advento da MAPA trouxe, entretanto, melhores correlações entre os dados obtidos através deste método com lesões em órgãos-alvo e morbi-mortalidade cardiovascular 18.

A PA obtida com a MAPA apresenta, em geral, quando comparada com as pressões obtidas em consultório, uma melhor correlação com lesões de órgãos-alvo 19 e, particularmente, com marcadores individuais de hipertrofia ventricular esquerda 20 e função ventricular 21 (PAS e PAD), por exemplo.

Em relação às cargas pressóricas há evidências na literatura que em pacientes com cargas superiores a 50%, 93% apresentavam aumento do índice de massa do ventrículo esquerdo (VE). Por outro lado quando a carga pressórica era <40% a correlação com alterações funcionais do VE eram <17% 22.

A variabilidade da PA em 24h também se correlaciona fortemente com alterações em órgãos-alvo, apresentando pior prognóstico para eventos cardiovasculares 23, embora ainda não tenhamos valores referenciais, através da MAPA, para análise deste parâmetro.

Outro aspecto importante para estabelecimento prognóstico relaciona-se à queda da pressão verificada entre os períodos de vigília e sono 24. A intensidade da queda observada entre esses períodos relacionou-se inversamente com a massa do VE obtida pelo ecocardiograma 25. Outras evidências recentes nos dão conta da importância da queda da PA durante o sono, com relação a maior probabilidade de ocorrência de microalbuminúria 26 (marcador precoce de lesão renal), infartos lacunares 27, hipertrofia ventricular esquerda 28, alterações funcionais do VE 21.

Protocolos para realização do exame 22

Para realização da MAPA recomenda-se: a) escolha de um dia representativo das atividades habituais do paciente; b) manguito adequado colocado em braço não dominante; c) aparelho programado para leituras a intervalos de 10 a 15min para o período de vigília e 20 a 30min para o período de sono (tab. II); d) solicitar ao paciente que elabore durante o período de exame um relatório de suas principais atividades, contendo sintomas eventualmente ocorridos e os respectivos horários, momentos em que adormeceu e despertou, tipos de medicamentos utilizados, dosagens, e horários em que os utilizou. (vide modelo de diário e orientações indispensáveis ao paciente) (fig. 4 e 5); e) aferição de PA por meio de esfigmomanometria convencional previamente a instalação do equipamento para comparação de valores obtidos e aferição do monitor; f) realização de pelo menos duas medidas manuais, assegurando-se assim o adequado funcionamento do aparelho.



Tipos de equipamentos e métodos utilizados

Para a realização da MAPA podemos utilizar as seguintes formas e técnicas: 1) medidas diretas (intra-arteriais); 2) medidas indiretas: a) contínuas; b) intermitentes; b1) oscilométrico; b2) auscultatório; b3) outros.

Por motivos óbvios as técnicas não invasivas são as mais comumente utilizadas na prática clínica.

Os métodos de obtenção das medidas de PA através da MAPA podem ser basicamente auscultatório, oscilométrico ou a associação de ambos. Há vantagens e desvantagens na utilização deles, não se podendo estabelecer com clareza e segurança qual tem o melhor desempenho. Sabe-se, por exemplo que, com relação a técnica auscultatória, pode-se ter influências indesejáveis de ruídos, enquanto que, para a oscilométrica, tremores e vibrações externas.

As atividades físicas durante o tempo de medida da PA, por qualquer um dos dois métodos, constituem-se em importante limitação, devendo-se recomendar adequado posicionamento e repouso do membro que suporta o manguito durante o momento da leitura da pressão.

Menos utilizada, mas disponível em alguns equipamentos, a fotopletsmografia, mede a pulsação arterial na extremidade de um dedo por meio de um manguito específico. Este método oferece uma estimação da PAS e PAD podendo sub ou super estimá-las.

Alguns equipamentos podem realizar simultaneamente registro de outros parâmetros, como avaliação eletrocardiográfica.

Até o ano de 1995, 43 tipos diferentes de monitores, fabricados por 31 empresas diversas estavam disponíveis no mercado internacional para utilização 29, sendo que, apenas 18 deles foram avaliados pelos critérios, consensualmente aceitos, da Associação para Avanço dos Equipamentos Médicos (AAMI) e Sociedade Britânica de Hipertensão (BHS), sendo que dos avaliados apenas a metade (9 equipamentos) foi validada para uso clínico por ambas as instituições, cujas observações estão contidas nas tabelas III e IV. Os equipamentos não constantes destas tabelas, por não terem sido submetidos às validações dessas instituições, poderão eventualmente ser adequados ao uso. Como se observa, são referidos apenas àqueles validados para uso clínico, por ambas as instituições.

Interpretação

Critérios de normalidade - Os critérios de normalidade da PA casual (método convencional) são arbitrários existindo, porém, dados epidemiológicos que correlacionam as cifras tensionais medidas, por este método, com a mortalidade e morbidade cardiovascular. Consideram-se normotensos os indivíduos adultos que apresentam PA <140/90mmHg 30. Para a MAPA, os critérios de normalidade são igualmente arbitrários e ainda não estão bem definidos. Portanto, a MAPA não se presta ao diagnóstico de HA, que deve ser um procedimento clínico, baseado em detalhada anamnese e exame físico, mas sim, ao estudo do comportamento tensional nas 24h. Os dados de medição da PA pela MAPA, na sua maioria provenientes de estudos transversais em diversas populações, fornecem atualmente subsídios para uma melhor interpretação dos resultados 31,32. Na maior parte da população existem evidências de que: a) as médias da PA de 24h são menores do que às obtidas pelo método casual e semelhantes àqueles obtidos por medidas domiciliares; 2) as médias de PA no período de vigília são superiores às do período de sono; 3) as médias de PA no período de vigília e sono são inferiores às obtidas pelo método convencional (medida casual).

A PA é um parâmetro hemodinâmico que sofre inúmeras influências, exibindo grande variação ao longo do tempo. A MAPA veio permitir a obtenção de dados nas diversas atividades diárias do indivíduo.

Na interpretação da MAPA, deve-se considerar, os seguintes aspectos: 1) critérios de exclusão manual de medidas; 2) qualidade do procedimento; 3) médias pressóricas; 4) cargas pressóricas; 5) queda da PA durante o sono; 6) variabilidade pressórica; 7) picos tensionais; 8) hipotensão arterial; 9) diário.

1) Critérios de exclusão manual de medidas - Devem ser excluídas da análise as medidas de PA que apresentarem as características listadas na tabela V.

2) Qualidade do procedimento - Um exame adequado para interpretação deve observar os seguintes aspectos: a) duração mínima do exame - 21h; b) número mínimo de medidas válidas - 3 medidas/hora na vigília e 2 medidas/hora durante o período de sono. Obs.: exames nos quais ocorreram 20% ou mais de exclusões manuais e/ou automáticas de medidas são, provavelmente, resultantes de inadequação técnica referente ao aparelho ou inadequação comportamental do paciente (falta de observância das instruções).

3) Médias pressóricas - As médias obtidas deverão ser analisadas de acordo com os critérios estabelecidos na tabela VI.

4) Cargas pressóricas - Carga pressórica é definida como o percentual de leituras que supera determinados limites. Os limites utilizados atualmente são 140/90mmHg para as medidas realizadas na vigília e 120/80mmHg para as medidas realizadas durante o sono. A interpretação deste dado deve seguir os limites apresentados na tabela VII 32.

5) Queda da PA durante o sono - Deve-se levar em consideração as anotações contidas no diário do paciente para definição dos horários de vigília e sono. Alguns fatores como, por exemplo, a qualidade do sono, podem ser responsáveis pela baixa reprodutibilidade deste dado.

Considera-se o indivíduo com queda fisiológica da PA durante o sono aquele que apresentar uma redução de, no mínimo, 10% da PAS e PAD e/ou descenso sistólico, descenso diastólico, descenso sisto-diastólico observadas entre vigília e sono 33.

6) Variabilidade pressórica - A variabilidade da PA é mal estimada pelos desvios-padrão obtidos pela MAPA. Não existe, até o momento, um valor numérico que defina o limite normal. Dados obtidos por monitorização contínua intra-arterial da PA sugerem haver uma associação positiva entre o desvio-padrão da PA e a presença e gravidade de lesões em órgão-alvo.

7) Picos tensionais - Pico tensional pode ser definido como duas ou mais medidas consecutivas exageradamente elevadas em relação ao período precedente. Picos tensionais podem estar relacionados com hipertensão arterial primária ou secundária.

Medidas isoladas muito elevadas se devem, na maioria das vezes, a artefatos técnicos.

8) Hipotensão - Episódios sintomáticos de diminuição da PA podem ser importantes, especialmente nas seguintes situações: ação medicamentosa, síncope, hipotensão postural, disautonomia e diabetes mellitus entre outras.

Medidas isoladas assintomáticas de diminuição acentuada da PA também podem ser decorrentes de artefatos técnicos.

9) Diário - Para melhor interpretação dos dados, o diário deve conter, no mínimo, indicações sobre a qualidade e horários de sono, atividades durante a vigília (trabalho, refeições, casa, lazer) e horários de tomadas das medicações (veja sugestão de modelo de diário no item protocolos).

Obs.: os dados de freqüência cardíaca e de pressão de pulso existentes nas listagens emitidas pelos diversos aparelhos não têm, até o momento, critérios de interpretação definidos.

Emissão de relatório - Os valores de PA obtidos pela MAPA devem ser interpretados de acordo com os critérios mencionados. Deverão ser destacados em relatório os seguintes pontos: 1) qualidade técnica do procedimento e referência ao uso ou não de medicamentos; 2) análise das médias de PA obtidas para os períodos de vigília e sono; 3) comentários sobre as cargas pressóricas; 4) comentários sobre a presença ou não da queda fisiológica da PA durante o sono e sobre a sua qualidade; 5) comentários sobre eventuais picos tensionais e períodos de hipotensão arterial; 6) correlação de sintomas e/ ou atividades relatados no diário com a presença ou não de alterações da PA; 7) conclusão: deve ser baseada nas tabelas VI e VII na definição de exame provavelmente normal, limítrofe ou provavelmente anormal; 8) o resultado obtido deve ser interpretado à luz dos dados clínicos do paciente.

MAPA em situações especiais

Insuficiência renal crônica 32,33 -HA é de ocorrência freqüente na insuficiência renal crônica, acometendo até 70% dos pacientes que iniciam alguma terapia dialítica.

O padrão de comportamento da PA na insuficiência renal crônica sob tratamento dialítico apresenta, além das variações do ciclo vigília-sono, as variações de PA impostas pelo ciclo da diálise. A ocorrência destes dois ciclos pode ocasionar dificuldades para a avaliação das variações de pressão nas 24h e, também, no diagnóstico e no tratamento da HA nessa população. Assim, a MAPA no paciente hipertenso em diálise é útil no período interdialítico para: a) conhecer o tempo que o paciente leva para retornar aos níveis de PA pré-diálise; 2) avaliar o efeito de novos esquemas terapêuticos; 3) identificar hipertensão na qual a suspensão da medicação no período imediatamente antes da sessão de diálise deve ser realizada para minimizar a incidência de hipotensão durante a diálise.

Em pacientes renais crônicos, sob tratamento conservador, pré-dialítico e hemodiálise ocorre diminuição da queda da PA durante o sono, ao passo que a diálise peritonial ambulatorial contínua (CAPD) não determina alteração do padrão de comportamento de PA durante o sono, evidenciando que estas alterações dependem do tipo de terapia dialítica.

Em pacientes submetidos a transplante renal também se verifica redução da queda de pressão durante o sono, provavelmente relacionada ao uso de ciclosporina, com participação do sistema nervoso simpático.

Transplante cardíaco 35 - Os pacientes submetidos ao transplante cardíaco apresentam valores médios de PA de 24h (PAS e PAD) semelhantes aos observados em pacientes hipertensos essenciais. Atribui-se a elevação da PA aos efeitos das drogas imunossupressoras e de glicocorticóides. Por outro lado, observa-se que a maioria dos transplantados não apresenta queda durante o período de sono. Nesses pacientes a MAPA tem uma indicação mais precisa, na medida em que um melhor controle pressórico nas 24h, possa minimizar as complicações cardíacas e renais, relacionadas a hipertensão e ao uso de ciclosporina.

Crianças 36 - Não existem, até o momento, critérios estabelecidos na criança de normalidade para os índices obtidos com os registros de MAPA.

Em crianças normais, o valor de PAS e PAD de PA casual mostra-se geralmente inferior às médias sistólica e diastólica da vigília e superior às médias sistólica e diastólica de sono, ao contrário do observado nos adultos. Por outro lado, o descenso pressórico no sono assemelha-se ao observado em adultos. Para avaliação das cargas pressóricas sistólica e diastólica de vigília utiliza-se como limite superior de normalidade o percentil 95% para sexo e idade da curva de referência de PA casual e valores 10% mais baixos para as pressões de sono.

Ainda não há critérios definidos para se estabelecer o diagnóstico de HA na criança, utilizando-se os parâmetros da MAPA.

Diabetes 37 - Em diversos estudos epidemiológicos a prevalência de HA em diabéticos é maior que a população geral. Em pacientes com diabetes insulino dependente a HA pode ser um marcador da nefropatia diabética, que ocorre em até 40% desta população.

Nos pacientes com diabetes insulino dependente, a elevação da PA inicia-se em fases muito precoces do desenvolvimento da doença renal. O aparecimento da microalbuminúria persistente, que caracteriza a nefropatia diabética incipiente, associa-se à perda do descenso da PA durante o sono, enquanto os valores pressóricos da vigília podem não diferir daqueles observados em diabético normoalbuminúricos. Essa perda do descenso durante o sono nesses pacientes não se associa somente a nefropatia, mas também à maior prevalência de retinopatia diabética.

Nos pacientes não dependentes de insulina, a associação de hipertensão com nefropatia diabética não é tão evidente e a perda do descenso durante o sono associa-se a maiores valores do índice de massa ventricular esquerda e alterações da função diastólica. Embora as razões desta alteração não sejam totalmente conhecidas existem evidências de que dependam de um comprometimento do sistema nervoso autônomo pelo diabetes. Assim sendo, a MAPA pode auxiliar na detecção de pacientes com maior risco de desenvolverem complicações do diabetes.

A hipotensão postural afeta cerca de 10% da população diabética e constitui a mais freqüente manifestação clínica da neuropatia autonômica, envolvendo o sistema cardiovascular. A curva de PA difere do padrão normal e lembra a forma de uma tenda. Os níveis pressóricos pela manhã são mais baixos e vão se elevando ao longo do dia, atingindo níveis mais altos quando o paciente se deita. Valores baixos voltam a ser vistos pela manhã e podem se reduzir ainda mais no momento que o paciente se levanta.

Além desta alteração, uma grande variabilidade da PA pode ser observada durante o dia, decorrente da inabilidade do sistema nervoso simpático em manter a PA durante os períodos pós-prandiais e durante as mudanças posturais.

Em pacientes que fazem uso de insulina, a MAPA pode ainda auxiliar na diferenciação entre episódios de hipoglicemia e hipotensão postural. Enquanto na hipoglicemia a PA tende a se elevar, na hipotensão postural, observa-se queda dos níveis pressóricos no momento em que o paciente refere sintomas, que se assemelham a uma crise hipoglicêmica.

Idosos 38 - O enrijecimento arterial e a redução da eficácia dos mecanismos que regulam a PA promovem no idoso aumentos da PAS e da sua variabilidade. Assim, observam-se aumento da prevalência da HA, maior freqüência da hipertensão do avental branco e hipotensão ortostática. Conseqüentemente, há maior dificuldade na análise do comportamento da PA nessa faixa populacional.

Os estudos disponíveis sugerem que em indivíduos sadios o aumento da idade não modifica os valores médios da PA bem como a diferença vigília-sono. A variabilidade pressórica, porém, tende a se exacerbar. O idoso freqüentemente dorme durante o dia, podendo justificar o encontro de quedas da PA durante este período.

Nos idosos são comuns manifestações atípicas de doenças, presença concomitante de múltiplas afecções e uso simultâneo de vários fármacos. De fato, a MAPA pode trazer subsídios clínicos valiosos diante da suspeita de hipotensão ortostática e pós-prandial e na avaliação da síncope. Da mesma forma, o método pode auxiliar na avaliação de idosos hipertensos e normotensos, sob uso crônico de medicamentos que afetam o comportamento da PA, como os antiinflamatórios não hormonais, os corticoesteróides e os antidepressivos.

Gestantes 39 - Durante a gravidez, a PA diminui devido a intensa vasodilatação sistêmica. Comportamento que é observado tanto em gestantes normais quanto naquelas com HA pré-existente. Essa redução da PA, detectável no final do 1º trimestre, acentua-se até a metade da gravidez (20 semanas), quando passa a ocorrer o retorno progressivo aos níveis tensionais. Esta queda é estimada em cerca de 20mmHg na PAS e 8 a 10mmHg na PAD. Em decorrência deste perfil hemodinâmico peculiar, os critérios de diagnóstico da hipertensão na gravidez são também específicos e incluem aumento de pelo menos 30mmHg na PAS e/ou 15mmHg na PAD, em relação à média dos valores obtidos antes da 20ª semana. Conseqüentemente, níveis de PA de 120/80mmHg podem ser anormais em mulheres que apresentavam valores de 90/60mmHg no início da gestação. Quando a PA prévia não for conhecida, valores de 140/90mmHg ou mais são considerados anormais.

A MAPA confirma a diminuição da PA do 1º para o 2º trimestre e a habitual recuperação no final da gestação com preservação do padrão vigília-sono em todas as fases da gestação.

Na pré-eclampsia pode ser observado padrão normal, atenuação, abolição ou eventual inversão do padrão de comportamento vigília-sono, sendo que as alterações mais acentuadas do padrão associam-se freqüentemente à maior gravidade.

Considerações finais

A MAPA é um método que certamente está propiciando uma nova abordagem e visão da HA, quer no seu diagnóstico, quer na sua terapêutica e seguimento. A exemplo de qualquer método complementar não substitui, entretanto, uma correta e completa anamnese e um adequado exame físico. Deve ser utilizada e interpretada com equipamentos adequados e por médicos especificamente treinados.

Agradecimentos

As Sociedades Brasileira de Cardiologia, de Nefrologia e de Hipertensão agradecem aos Laboratórios Bristol-Myers-Squibb do Brasil pela realização do II Consenso Brasileiro para o Uso da MAPA e ao Sr Ademilson dos Santos pela colaboração prestada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Nov 1997
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