Acessibilidade / Reportar erro

Preditores de Mortalidade Hospitalar nos Pacientes Tratados por Angioplastia Primária: Um Estudo de Caso-Controle Multicêntrico

Resumo

Fundamento

A estratificação do risco de morte dos pacientes no contexto da angioplastia primária (ATC) é fundamental.

Objetivo

Identificar os fatores relacionados ao desfecho morte em pacientes submetidos a ATC.

Métodos

Estudo de caso-controle, utilizando como fonte de dados um registro brasileiro. A associação entre cada variável e o desfecho óbito foi avaliada via modelo de regressão logística binária. Consideramos significativo p<0,05.

Resultados

Foram analisados 26.990 registros, sendo 18.834 (69,8%) do sexo masculino, com idade mediana de 61 (17) anos. Na análise multivariada, as principais variáveis relacionadas ao desfecho óbito com seus respectivos odds ratio e intervalos de confiança (IC) com nível de significância de 95% foram a idade avançada 70 - 79 anos (2,46; 1,64 - 3,79) e ≥ 80 anos (3,68; 2,38 - 5,81), p<0,001, classificação de Killip II (2,71; 1,92 - 3,83), Killip III (8,14; 5,67 - 11,64), Killip IV (19,83; 14,85 - 26,69), p<0,001, disfunção global acentuada do ventrículo esquerdo (VE) (3,63; 2,39 - 5,68), p<0,001 e ocorrência de infarto após a intervenção (5,01; 2,57- 9,46), p<0,001. O principal fator protetor foi o fluxo TIMI III pós-intervenção (0,18; 0,13 - 0,24), p<0,001, seguido do TIMI II (0,59; 0,41 - 0,86), p=0,005, sexo masculino (0,79; 0,64 - 0,98), p= 0,032, dislipidemia (0,69; 0,59 - 0,85), p<0,001 e número de lesões tratadas (0,86; 0,9 - 0,94), p<0,001.

Conclusão

Os preditores de mortalidade nos pacientes submetidos a ATC foram: classificação de Killip, reinfarto, idade, disfunção global acentuada do VE, sexo feminino e fluxo TIMI 0/I pós-intervenção.

Infarto Agudo do Miocárdio; Banco de Dados; Reperfusão Miocárdica; Angioplastia Primária; Mortalidade

Abstract

Background

Identification of high-risk patients undergoing primary angioplasty (PCI) is essential.

Objective

Identify factors related to the causes of death in PCI patients.

Methods

This work consisted of a multicenter case-control study using a Brazilian registry of cardiovascular interventions as the data source. The association between each variable and death was assessed using a binary logistic regression model, p <0.05 was considered significant.

Results

A total of 26,990 records were analyzed, of which 18,834 (69.8%) were male patients, with a median age of 61 (±17) years. In the multivariate analysis, the main variables related to the causes of death with their respective odds ratios and 95%confidence intervals (CI) were advanced age, 70-79 years (2.46; 1.64-3.79) and ≥ 80 years (3.69; 2.38-5.81), p<0.001; the classification of Killip II (2.71; 1.92-3.83), Killip III (8.14; 5.67-11.64), and Killip IV (19.83; 14.85-26.69), p<0.001; accentuated global dysfunction (3.63; 2,39-5.68), p<0.001; and the occurrence of infarction after intervention (5.01; 2.57-9.46), p<0.001. The main protective factor was the post-intervention thrombolysis in myocardial infarction (TIMI) III flow (0.18; 0.13-0.24), p<0.001, followed by TIMI II (0.59; 0.41 -0.86), p=0.005, and male (0.79; 0.64-0.98), p = 0.032; dyslipidemia (0.69; 0.59-0.85), p<0.001; and number of lesions treated (0.86; 0.9-0.94), p<0.001.

Conclusion

The predictors of mortality in patients undergoing PCI were Killip’s classification, reinfarction, advanced age, severe left ventricular dysfunction, female gender, and post-intervention TIMI 0 / I flow.

Acute Myocardial Infarction; Database; Myocardial Reperfusion; Percutaneous Coronary Intervention; Mortality

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morbimortalidade no Brasil. Em termos relativos, as condições cardíacas representaram 8,3% de todas as internações e 18,6% de todo o reembolso de despesas hospitalares do sistema único de saúde (SUS). A doença isquêmica do coração é a que causa o maior número de mortes dentre as DCV.11. Ribeiro ALP, Duncan BB, Brant LC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto SM. Cardiovascular Health in Brazil: Trends and Perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.114.008727.

O acesso ao tratamento visando ao restabelecimento do fluxo coronariano é fundamental na redução da mortalidade por infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). Estudos com uso de aspirina, associada a medicações fibrinolíticas, mostraram significativa redução na mortalidade precoce.22. Maggioni AP, Franzosi MG, Fresco C, Turazza F, Tognoni G. GISSI Trials in Acute Myocardial Infarction. Rationale, Design, and Results. Chest. 1990;97(4 Suppl):146-150.

3. Randomised Trial of Intravenous Streptokinase, Oral Aspirin, Both, or Neither Among 17 187 Cases of Suspected Acute Myocardial Infarction: Isis-2. Lancet. 1988 13;332(8607):349–60.
- 44. Van de Werf F. The History of Coronary Reperfusion. Eur Heart J. 2014;35(37):2510-5. doi: 10.1093/eurheartj/ehu268.

Outro método de tratamento, a angioplastia primária (ATC) consiste na desobstrução mecânica da artéria relacionada ao IAMCSST, sendo esta a estratégia de tratamento preferencial, desde que possa ser realizada em tempo hábil, ou seja, até noventa minutos, por equipe experiente.55. Ibanez B, James S, Agewall S, Antunes MJ, Bucciarelli-Ducci C, Bueno H, et al. 2017 ESC Guidelines for the Management of Acute Myocardial Infarction in Patients Presenting with ST-segment Elevation: The Task Force for the Management of Acute Myocardial Infarction in Patients Presenting with ST-segment Elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2018;39(2):119-77. doi: 10.1093/eurheartj/ehx393.

6. Levine GN, Bates ER, Blankenship JC, Bailey SR, Bittl JA, Cercek B, et al. 2015 ACC/AHA/SCAI Focused Update on Primary Percutaneous Coronary Intervention for Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction: An Update of the 2011 ACCF/AHA/SCAI Guideline for Percutaneous Coronary Intervention and the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of ST-Elevation Myocardial Infarction: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions. Circulation. 2016;133(11):1135-47. doi: 10.1161/CIR.0000000000000336.
- 77. Avezum Á Jr, Feldman A, Carvalho AC, Sousa AC, Mansur AP, Bozza AE, et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2 Suppl 1):1-105. doi: 10.5935/abc.20150107. A ATC, quando comparada a fibrinólise química, é considerada o tratamento mais efetivo, podendo reduzir as taxas de mortalidade, recorrência do infarto não fatal e acidente vascular cerebral.88. Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary Angioplasty Versus Intravenous Thrombolytic Therapy for Acute Myocardial Infarction: A Quantitative Review of 23 Randomised Trials. Lancet. 2003;361(9351):13-20. doi: 10.1016/S0140-6736(03)12113-7.

A identificação dos pacientes de maior risco é fundamental para informações prognósticas, auxiliando no processo de decisão médica. O conhecimento dessas variáveis, marcadoras de pior prognóstico, pode ajudar na seleção de grupos de pacientes com maior taxa de eventos para futuros estudos, ajustar as características basais da população em estudos epidemiológicos e gerar hipóteses para outros estudos.99. Shah PP, Gupta N, Sharma A, Bhargava RK, Bajaj S, Mittal V, et al. Chest Pain Unit using Thrombolysis in Myocardial Infarction Score Risk Stratification: An Impact on the Length of Stay and Cost Savings. Crit Pathw Cardiol. 2012;11(4):206-10. doi: 10.1097/HPC.0b013e31826cc254. , 1010. Morrow DA, Antman EM, Charlesworth A, Cairns R, Murphy SA, Lemos JA, et al. TIMI Risk Score for ST-elevation Myocardial Infarction: A Convenient, Bedside, Clinical Score for Risk Assessment at Presentation: An Intravenous nPA for Treatment of Infarcting Myocardium Early II Trial Substudy. Circulation. 2000;102(17):2031-7. doi: 10.1161/01.cir.102.17.2031.

Existem várias publicações com modelos para estratificação de risco, porém são poucos os dados na população brasileira.1111. Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI Risk Score for STEMI. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. doi: 10.1161/JAHA.112.003269.

12. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Predictors of Hospital Mortality in the Global Registry of Acute Coronary Events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. doi: 10.1001/archinte.163.19.2345.

13. Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of Mortality After Primary Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction: The CADILLAC Risk Score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. doi: 10.1016/j.jacc.2005.01.041.

14. Addala S, Grines CL, Dixon SR, Stone GW, Boura JA, Ochoa AB, et al. Predicting Mortality in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction Treated with Primary Percutaneous Coronary Intervention (PAMI Risk Score). Am J Cardiol. 2004;93(5):629-32. doi: 10.1016/j.amjcard.2003.11.036.

15. Peterson ED, Dai D, DeLong ER, Brennan JM, Singh M, Rao SV, et al. Contemporary Mortality Risk Prediction for Percutaneous Coronary Intervention: Results from 588,398 Procedures in the National Cardiovascular Data Registry. J Am Coll Cardiol. 2010;55(18):1923-32. doi: 10.1016/j.jacc.2010.02.005.
- 1616. McNamara RL, Kennedy KF, Cohen DJ, Diercks DB, Moscucci M, Ramee S, et al. Predicting In-Hospital Mortality in Patients With Acute Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol. 2016;68(6):626-35. doi: 10.1016/j.jacc.2016.05.049. Em 1991, foi criada a Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), um banco de dados oficial da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI). Esse banco de dados traz informações que são provenientes da contribuição espontânea dos seus associados. O registro já foi caracterizado previamente e utilizado em outras publicações.1717. Nascimento G, Castro M, Castro P. Time profile of percutaneous coronary interventions in calcified lesions. J Transcatheter Interv. 2019;27:1–7. doi: 10.31160/JOTCI2019;27A0002.

18. Andrade PB, Tebet MA, Andrade MV, Labrunie A, Mattos LA. Radial Approach in Percutaneous Coronary Interventions: Current Status in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2011;96(4):312-6. doi: 10.1590/s0066-782x2011005000026.
- 1919. Osugue RK, Esteves V, Pipolo A, Ramos DS, Massih CA, Solorzono UA, et al. Resultados hospitalares das intervenções coronárias percutâneas em lesões tipo C: registro CENIC. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2012;20(1): 53–7.

O objetivo do presente estudo é identificar os fatores de risco para morte nos pacientes submetidos a ATC.

Métodos

Estudo de caso-controle, multicêntrico. Utilizamos uma fonte de dados secundária (CENIC). Os pacientes foram divididos em dois grupos, no primeiro (casos) foram alocados os dados dos pacientes que evoluíram a óbito (por qualquer causa) e no segundo grupo (controle), os pacientes submetidos ao procedimento e que sobreviveram. Os dados foram coletados durante o período de hospitalização.

População

Foram selecionados registros de pacientes submetidos a ATC primária, no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2018. Foram excluídas as informações de pacientes com idade inferior a 18 anos ou não informada, com falta de dados sobre óbito hospitalar e relato de uso prévio de trombolíticos ou ausência dessa informação.

Excluímos também registros de procedimentos que não são aprovados para angioplastia primária de acordo com a Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia,77. Avezum Á Jr, Feldman A, Carvalho AC, Sousa AC, Mansur AP, Bozza AE, et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2 Suppl 1):1-105. doi: 10.5935/abc.20150107. sendo excluídos casos que utilizaram dispositivos de aterectomia rotacional, direcional, cutting balloon e excimer lazer . Ao todo, 109 registros relataram pelo menos uma dessas técnicas.

De um total de 29.003 registros originais, foram incluídos na análise 26.990. O fluxograma com a população do estudo, os critérios de exclusão e a distribuição de casos e controles é apresentado na Figura 1 .

Figura 1
População, critérios de exclusão e distribuição de casos e controles. ATC: angioplastia primária; SBC: Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Definições

Foram incluídos pacientes com critérios clínicos e eletrocardiográficos compatíveis com o diagnóstico de IAMCSST, selecionados para uma estratégia de angioplastia primária. O diagnóstico foi confirmado pela angiografia em todos os casos. A decisão de inclusão dos pacientes no registro foi a critério do cardiologista intervencionista.

A análise referente às variáveis angiográficas, incluindo a função ventricular foi realizada pela estimativa visual dos operadores, e as definições utilizadas seguiram a Diretriz de Intervenção Coronária Percutânea e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia Intervencionista da SBHCI.2020. Feres F, Costa RA, Siqueira D, Ribamar Costa J, Chamié D, Staico R, et al. Diretriz da sociedade brasileira de cardiologia e da sociedade brasileira de hemodinâmica e cardiologia intervencionista sobre intervenção coronária percutânea. Arq Bras Cardiol. 2017;109(1):2541–619. doi: 10.5935/abc.20170111.

A escolha do acesso vascular, uso de medicações adjuvantes e das técnicas do procedimento foi de livre escolha dos operadores.

O registro CENIC é gerido pela empresa Coreware (www.coreware.com.br), que realizou a extração dos dados para a pesquisa, sem identificação dos participantes e respectivos hospitais de origem, visando à preservação do sigilo.

As variáveis foram selecionadas baseando-se em publicações prévias.1010. Morrow DA, Antman EM, Charlesworth A, Cairns R, Murphy SA, Lemos JA, et al. TIMI Risk Score for ST-elevation Myocardial Infarction: A Convenient, Bedside, Clinical Score for Risk Assessment at Presentation: An Intravenous nPA for Treatment of Infarcting Myocardium Early II Trial Substudy. Circulation. 2000;102(17):2031-7. doi: 10.1161/01.cir.102.17.2031.

11. Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI Risk Score for STEMI. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. doi: 10.1161/JAHA.112.003269.

12. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Predictors of Hospital Mortality in the Global Registry of Acute Coronary Events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. doi: 10.1001/archinte.163.19.2345.

13. Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of Mortality After Primary Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction: The CADILLAC Risk Score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. doi: 10.1016/j.jacc.2005.01.041.

14. Addala S, Grines CL, Dixon SR, Stone GW, Boura JA, Ochoa AB, et al. Predicting Mortality in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction Treated with Primary Percutaneous Coronary Intervention (PAMI Risk Score). Am J Cardiol. 2004;93(5):629-32. doi: 10.1016/j.amjcard.2003.11.036.

15. Peterson ED, Dai D, DeLong ER, Brennan JM, Singh M, Rao SV, et al. Contemporary Mortality Risk Prediction for Percutaneous Coronary Intervention: Results from 588,398 Procedures in the National Cardiovascular Data Registry. J Am Coll Cardiol. 2010;55(18):1923-32. doi: 10.1016/j.jacc.2010.02.005.
- 1616. McNamara RL, Kennedy KF, Cohen DJ, Diercks DB, Moscucci M, Ramee S, et al. Predicting In-Hospital Mortality in Patients With Acute Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol. 2016;68(6):626-35. doi: 10.1016/j.jacc.2016.05.049.

Análise estatística

As variáveis qualitativas foram apresentadas como frequências, e as quantitativas, como mediana (distância interquartílica). As variáveis quantitativas foram submetidas ao teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. A comparação das taxas de mortalidade entre sexos foi avaliada via teste Qui-Quadrado. A associação entre cada uma das variáveis preditoras e o desfecho óbito foi avaliada via modelo de regressão logística simples. A análise univariada foi feita com todas as variáveis apresentadas na Tabela 1 . Essas variáveis foram selecionadas com base em estudos prévios. As variáveis com p<0,20 na análise univariada foram incluídas em um modelo de regressão logística binária multivariado. A partir da estratégia stepwise chegou-se ao modelo final, e a qualidade do ajuste foi avaliada utilizando-se o teste de Hosmer-Lemeshow. Todos os dados faltantes foram excluídos da análise estatística.

Tabela 1
Características da amostra e associação com o desfecho óbito

Os resultados foram apresentados como odds ratio (OR) com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC 95%). As análises foram realizadas no programa gratuito R versão 4.0.0, e foi considerado significativo p<0,05.

Aspectos éticos

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, protocolo número 3.502.883. Houve dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Todos os procedimentos realizados neste estudo estão em conformidade com o descrito na resolução 466/2012.

Resultados

Foram analisados 26990 registros provenientes de todas as regiões brasileiras, a distribuição de casos é apresentada na Figura 2 . A maioria dos registros, 1883 (69,8%) foram do sexo masculino, a idade mediana encontrada foi 61 (DI 17) anos e o fator de risco mais frequente foi a hipertensão arterial sistêmica, sendo relatada por 19045 (70,6%) dos participantes.

Figura 2
Distribuição de casos por região.

A maioria dos pacientes, 20560 (76,2%) apresentava classificação de Killip classe I com predomínio de doença acometendo um único vaso, 12699 (47,5%) e apresentando disfunção ventricular leve, 6167 (36,5%).

O número total de óbitos foi de 904 pacientes e a taxa de mortalidade geral foi 3,3%. A taxa de mortalidade foi menor nos homens em relação às mulheres (2,7% e 4,8% respectivamente, p<0,001, teste Qui-Quadrado).

A Tabela 1 mostra as características da amostra, a associação com o desfecho óbito e os resultados do teste de associação e as estimativas do odds ratio (OR) com intervalo de confiança (IC) de 95%, com seus respectivos valores p, obtidos por meio do ajuste de modelos logísticos univariados. Nesta análise, as variáveis com p <0,20 utilizadas na modelo múltiplo foram gênero, idade, classificação de Killip, localização da lesões, extensão da doença coronariana, tempo porta-balão, histórico de cirurgia de revascularização do miocárdio, relato de infarto prévio, diabetes, tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, histórico familiar de doença coronariana precoce, classificação do fluxo TIMI antes e após a intervenção, diâmetro do vaso, desenvolvimento de complicações vasculares maiores, insuficiência renal, acidente vascular encefálico isquêmico ou hemorrágico, novo infarto pós intervenção, acesso vascular, número de lesões tratadas e presença de calcificação e trombo.

A Tabela 2 apresenta os fatores relacionados ao desfecho óbito, com respectivos resultados das estimativas da OR, intervalos de 95% de confiança e valores p, obtidos por meio do ajuste pelo modelo de regressão logística binária multivariado.

Tabela 2
Variáveis que se correlacionaram de forma significativa e independente com óbito intra-hospitalar

Discussão

Os principais indicadores de mortalidade nos pacientes submetidos a ATC primária encontrados no nosso estudo, além da idade e sexo feminino, foram relacionados ao impacto do infarto na função ventricular, como a classificação de Killip e a presença de disfunção global acentuada do VE analisada pela angiografia. Por outro lado, a presença de fluxo TIMI II/III após a intervenção, refletiu o sucesso do tratamento, que visa justamente à manutenção da função ventricular e a prevenção de outras complicações cardiovasculares. A ocorrência de reinfarto foi infrequente, mas mostrou-se como um indicador independente de mortalidade nesses pacientes.

As taxas de mortalidade nos pacientes submetidos a ATC variam de 2,3% a 11,9% de acordo com diferentes fontes.1515. Peterson ED, Dai D, DeLong ER, Brennan JM, Singh M, Rao SV, et al. Contemporary Mortality Risk Prediction for Percutaneous Coronary Intervention: Results from 588,398 Procedures in the National Cardiovascular Data Registry. J Am Coll Cardiol. 2010;55(18):1923-32. doi: 10.1016/j.jacc.2010.02.005. , 2121. Oliveira JC, Almeida-Santos MA, Cunha-Oliveira J, Oliveira LCS, Barreto IDC, Lima TCRM, et al. Disparities in Access and Mortality of Patients With ST-Segment-Elevation Myocardial Infarction Using the Brazilian Public Healthcare System: VICTIM Register. J Am Heart Assoc. 2019;8(20):e013057. doi: 10.1161/JAHA.119.013057.

22. Barreto R, Cantarelli MJ de C, Castello HJ, Gonçalves R, Gioppato S, Guimarães JB de F, et al. Resultados da intervenção coronária percutânea primária em pacientes do sistema único de saúde e da saúde suplementar. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):279–85.

23. Widimsky P, Wijns W, Fajadet J, Belder M, Knot J, Aaberge L, et al. Reperfusion Therapy for ST Elevation Acute Myocardial Infarction in Europe: Description of the Current Situation in 30 Countries. Eur Heart J. 2010;31(8):943-57. doi: 10.1093/eurheartj/ehp492.
- 2424. Brasil. Ministério da Saúde. TabNet Win32 3.0: Procedimentos hospitalares do SUS - por local de residência - Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2020 Jun 14]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/qruf.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
No registro CENIC, encontramos uma taxa de óbitos de 3,4%. Esse achado pode ser relativo à subnotificação e ao menor risco da amostra. Na Tabela 3 , demonstramos comparação entre as variáveis correlacionadas ao desfecho morte, estabelecidas no nosso estudo, em relação a outros já publicados na literatura.1111. Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI Risk Score for STEMI. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. doi: 10.1161/JAHA.112.003269.

12. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Predictors of Hospital Mortality in the Global Registry of Acute Coronary Events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. doi: 10.1001/archinte.163.19.2345.

13. Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of Mortality After Primary Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction: The CADILLAC Risk Score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. doi: 10.1016/j.jacc.2005.01.041.
- 1414. Addala S, Grines CL, Dixon SR, Stone GW, Boura JA, Ochoa AB, et al. Predicting Mortality in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction Treated with Primary Percutaneous Coronary Intervention (PAMI Risk Score). Am J Cardiol. 2004;93(5):629-32. doi: 10.1016/j.amjcard.2003.11.036. , 2525. Hizoh I, Gulyas Z, Domokos D, Banhegyi G, Majoros Z, Major L, et al. A Novel Risk Model Including Vascular Access Site for Predicting 30-day Mortality After Primary PCI: The ALPHA Score. Cardiovasc Revasc Med. 2017;18(1):33-9. doi: 10.1016/j.carrev.2016.10.002. , 2626. Kul S, Uyarel H, Turfan M, Ertas G, Vatankulu MA, Kucukdagli OT, et al. A New Prognostic Evaluation of Patients with Acute ST-elevation Myocardial Infarction Undergoing Primary Angioplasty: Combined Zwolle and Syntax Score. Kardiol Pol. 2014;72(2):146-54. doi: 10.5603/KP.a2013.0183.

Tabela 3
Comparativo de variáveis relacionadas ao desfecho óbito

Observa-se que o único indicador do estudo CENIC divergente dos demais modelos de risco apresentados na Tabela 3 foi o sexo feminino, porém, esse achado já foi relatado por outras publicações.2727. Pancholy SB, Shantha GP, Patel T, Cheskin LJ. Sex Differences in Short-term and Long-term All-cause Mortality Among Patients with ST-segment Elevation Myocardial Infarction Treated by Primary Percutaneous Intervention: A Meta-analysis. JAMA Intern Med. 2014;174(11):1822-30. doi: 10.1001/jamainternmed.2014.4762. , 2828. D’Ascenzo F, Gonella A, Quadri G, Longo G, Biondi-Zoccai G, Moretti C, et al. Comparison of Mortality Rates in Women Versus Men Presenting with ST-segment Elevation Myocardial Infarction. Am J Cardiol. 2011;107(5):651-4. doi: 10.1016/j.amjcard.2010.10.038.

Alguns autores relacionam a maior presença de sintomas atípicos nas mulheres com atrasos no tratamento, a chamada síndrome de Yentl. A angioplastia também pode ser mais desafiadora, levando a uma menor taxa de sucesso.2929. Barbash IM, Ben-Dor I, Torguson R, Maluenda G, Xue Z, Gaglia MA Jr, Sardi G, Satler LF, Pichard AD, Waksman R. Clinical predictors for failure of percutaneous coronary intervention in ST-elevation myocardial infarction. J Interv Cardiol. 2012 Apr;25(2):111-7. doi: 10.1111/j.1540-8183.2011.00707.x. Dados ausentes no nosso banco de dados, como o tempo total de isquemia, a ocorrência de sangramento fora do sítio de acesso e peso poderiam explicar em parte a pior evolução no sexo feminino.

A classificação de Killip e Kimball, foi a variável que se mostrou como melhor indicador de prognóstico, fato corroborado por outros estudos.1010. Morrow DA, Antman EM, Charlesworth A, Cairns R, Murphy SA, Lemos JA, et al. TIMI Risk Score for ST-elevation Myocardial Infarction: A Convenient, Bedside, Clinical Score for Risk Assessment at Presentation: An Intravenous nPA for Treatment of Infarcting Myocardium Early II Trial Substudy. Circulation. 2000;102(17):2031-7. doi: 10.1161/01.cir.102.17.2031. , 1212. Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Predictors of Hospital Mortality in the Global Registry of Acute Coronary Events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. doi: 10.1001/archinte.163.19.2345. , 1313. Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of Mortality After Primary Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction: The CADILLAC Risk Score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. doi: 10.1016/j.jacc.2005.01.041. No registro Grace, a chance óbito aumentava cerca de 3 vezes a cada incremento na classificação de Killip 3,30 (3,00-3,60) p <0.001. Na nossa casuística tivemos 1790 casos (6,6% do total) com choque cardiogênico (classe IV de Killip), semelhante à incidência descrita na literatura (5 a 10%).3030. Kolte D, Khera S, Aronow WS, Mujib M, Palaniswamy C, Sule S, et al. Trends in Incidence, Management, and Outcomes of Cardiogenic Shock Complicating ST-elevation Myocardial Infarction in the United States. J Am Heart Assoc. 2014;3(1):e000590. doi: 10.1161/JAHA.113.000590.

A falência ventricular é a principal causa de morte nesses pacientes e o único tratamento que tem mostrado efetividade é a reperfusão precoce. O uso de dispositivos de assistência ventricular, como o balão intra-aórtico, apresenta resultados conflitantes.3131. Sjauw KD, Engström AE, Vis MM, van der Schaaf RJ, Baan J Jr, Koch KT, et al. A Systematic Review and Meta-analysis of Intra-aortic Balloon Pump Therapy in ST-elevation Myocardial Infarction: Should We Change the Guidelines? Eur Heart J. 2009;30(4):459-68. doi: 10.1093/eurheartj/ehn602. Outros dispositivos têm sido testados e até utilizados na prática clínica, porém ainda sem estudos conclusivos publicados.3232. Schrage B, Ibrahim K, Loehn T, Werner N, Sinning JM, Pappalardo F, et al. Impella Support for Acute Myocardial Infarction Complicated by Cardiogenic Shock. Circulation. 2019;139(10):1249-58. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.118.036614.

O objetivo da intervenção é a obtenção do fluxo final TIMI III. Esse resultado relacionou-se fortemente com a redução nas chances de óbito OR 0,18 (IC 0,13-0,23 p<0,001). Esse achado é corroborado por outros estudos.3333. Caixeta A, Lansky AJ, Mehran R, Brener SJ, Claessen B, Généreux P, Palmerini T, et al. Predictors of Suboptimal TIMI Flow After Primary Angioplasty for Acute Myocardial Infarction: Results from the HORIZONS-AMI Trial. EuroIntervention. 2013;9(2):220-7. doi: 10.4244/EIJV9I2A37. Outros indicadores que refletem a lesão da microcirculação, como, por exemplo, a resolução da elevação do segmento ST e quantificação do blush miocárdico, poderiam melhorar o nosso modelo.3434. Kampinga MA, Nijsten MW, Gu YL, Dijk WA, de Smet BJ, van den Heuvel AF, et al. Is the Myocardial Blush Grade Scored by the Operator During Primary Percutaneous Coronary Intervention of Prognostic Value in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction in Routine Clinical Practice? Circ Cardiovasc Interv. 2010;3(3):216-23. doi: 10.1161/CIRCINTERVENTIONS.109.916247.

De acordo com dados publicados na literatura, a taxa de reinfarto nos pacientes tratados com ATC é menor do que nos pacientes tratados por fibrinólise.88. Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary Angioplasty Versus Intravenous Thrombolytic Therapy for Acute Myocardial Infarction: A Quantitative Review of 23 Randomised Trials. Lancet. 2003;361(9351):13-20. doi: 10.1016/S0140-6736(03)12113-7. , 3535. Hudson MP, Granger CB, Topol EJ, Pieper KS, Armstrong PW, Barbash GI, et al. Early Reinfarction After Fibrinolysis: Experience from the Global Utilization of Streptokinase and Tissue Plasminogen Activator (alteplase) for Occluded Coronary Arteries (GUSTO I) and Global Use of Strategies to Open Occluded Coronary Arteries (GUSTO III) Trials. Circulation. 2001;104(11):1229-35. doi: 10.1161/hc3601.095717. Na nossa casuística a taxa foi de 0,5%. Esse achado é compatível com estudos randomizados, comparando a ATC com fibrinólise.88. Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary Angioplasty Versus Intravenous Thrombolytic Therapy for Acute Myocardial Infarction: A Quantitative Review of 23 Randomised Trials. Lancet. 2003;361(9351):13-20. doi: 10.1016/S0140-6736(03)12113-7. Apesar da incidência de reinfarto ter sido relativamente baixa, a chance de óbito foi cerca de cinco vezes maior nos pacientes que tiveram este evento.

Em nosso estudo, encontramos correlação inversa entre o número de lesões tratadas e a chance de morte. Estudos prévios sugerem que a revascularização de outros vasos além daquele diretamente relacionado ao IAM não parece interferir de forma significativa nas chances de morte e reinfarto.3636. Elgendy IY, Mahmoud AN, Kumbhani DJ, Bhatt DL, Bavry AA. Complete or Culprit-Only Revascularization for Patients With Multivessel Coronary Artery Disease Undergoing Percutaneous Coronary Intervention: A Pairwise and Network Meta-Analysis of Randomized Trials. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(4):315-24. doi: 10.1016/j.jcin.2016.11.047. Portanto, especulamos que o motivo mais provável, seria um viés de seleção, em que pacientes de menor risco teriam sido selecionados para o tratamento intervencionista adicional. Entretanto, não podemos excluir a hipótese de que a intervenção seletiva em obstruções de alto risco possa ter melhorado o prognóstico.

Outro achado inesperado foi o potencial efeito protetor da dislipidemia. No estudo TIMI, o uso de drogas hipolipemiantes também foi associado a melhor evolução.1010. Morrow DA, Antman EM, Charlesworth A, Cairns R, Murphy SA, Lemos JA, et al. TIMI Risk Score for ST-elevation Myocardial Infarction: A Convenient, Bedside, Clinical Score for Risk Assessment at Presentation: An Intravenous nPA for Treatment of Infarcting Myocardium Early II Trial Substudy. Circulation. 2000;102(17):2031-7. doi: 10.1161/01.cir.102.17.2031. A explicação para esta descoberta conhecida como “paradoxo lipídico” não é completamente conhecida. Supõe-se que pacientes que referem dislipidemia, tem maior probabilidade de usar medicações, bem como ter mais cuidado com a própria saúde. Por outro lado, o achado de baixos níveis de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pode levar a uma menor prescrição de estatinas.3737. Sia CH, Zheng H, Ho AF, Bulluck H, Chong J, Foo D, et al. The Lipid Paradox is Present in ST-elevation but not in non-ST-elevation Myocardial Infarction Patients: Insights from the Singapore Myocardial Infarction Registry. Sci Rep. 2020;10(1):6799. doi: 10.1038/s41598-020-63825-8. , 3838. Cho KH, Jeong MH, Ahn Y, Kim YJ, Chae SC, Hong TJ, et al. Low-density Lipoprotein Cholesterol Level in Patients with Acute Myocardial Infarction having Percutaneous Coronary Intervention (the cholesterol paradox). Am J Cardiol. 2010;106(8):1061-8. doi: 10.1016/j.amjcard.2010.06.009.

Outros trabalhos, incluindo uma meta-análise de estudos randomizados3939. Ferrante G, Rao SV, Jüni P, Da Costa BR, Reimers B, Condorelli G, et al. Radial Versus Femoral Access for Coronary Interventions Across the Entire Spectrum of Patients With Coronary Artery Disease: A Meta-Analysis of Randomized Trials. JACC Cardiovasc Interv. 2016;9(14):1419-34. doi: 10.1016/j.jcin.2016.04.014. e um modelo de risco,2525. Hizoh I, Gulyas Z, Domokos D, Banhegyi G, Majoros Z, Major L, et al. A Novel Risk Model Including Vascular Access Site for Predicting 30-day Mortality After Primary PCI: The ALPHA Score. Cardiovasc Revasc Med. 2017;18(1):33-9. doi: 10.1016/j.carrev.2016.10.002. demonstraram o impacto do acesso radial na redução da mortalidade. Nosso modelo não corroborou esses achados. Uma possível explicação é a característica da nossa amostra. Nós excluímos pacientes tratados previamente com fibrinolíticos e tivemos uma baixa utilização de inibidores da glicoproteína IIb/IIa. Além disso, nossos operadores selecionaram o acesso baseado nas características clínicas do paciente e na sua própria expertise, levando a melhores resultados.

Dentre os modelos de risco apresentados na Tabela 3 , nosso trabalho foi um dos poucos a mencionar o sexo feminino como fator de risco ao óbito em pacientes tratados por ATC. Esse achado reforça a necessidade de um diagnóstico mais rápido e preciso e a adoção de estratégias de tratamento diferenciadas para as mulheres. Outro achado interessante, foi o pseudoefeito “protetor” da dislipidemia, como discutido, este achado sugere fortemente que os pacientes sem dislipidemia devem receber estatinas, nas mesmas doses preconizadas, independentemente do nível de colesterol, conforme indicado nas diretrizes.

Medidas com o objetivo de atenuar a lesão de reperfusão, podem diminuir ainda mais a taxa de mortalidade, pois, como demonstrado, além do fluxo TIMI III a função ventricular foi um importante marcador de bom prognóstico. Finalmente, o uso dos novos antiagregantes, associado a novos materiais e técnicas de intervenção podem reduzir a trombose do stent e consequentemente diminuir a letalidade.

Limitações do estudo

Nosso estudo apresenta algumas limitações: trata-se de um estudo observacional, não randomizado, portanto avaliamos a associação entre o óbito e variáveis clínicas, angiográficas e complicações e não causalidade. Além disso, as variáveis foram coletadas de uma fonte secundária, fruto de contribuição espontânea, portanto, não foi possível a adjudicação dos dados. Finalmente o estudo apresenta falta de uniformidade em algumas definições e ausência de variáveis importantes relacionadas ao IAM, observa-se que o registro CENIC é rico em variáveis angiográficas e relativamente pobre em variáveis clínicas, justamente por ter sido concebido por intervencionistas.

Encontramos ainda uma baixa taxa de mortalidade hospitalar, o que sugere subnotificação, situação comumente encontrada em registros não mandatórios e não ligados a reembolso o que pode ter gerado viés de inclusão.

Outra limitação foi a presença de dados faltantes. Na tabela 1 variáveis com n diferente da amostra são assinaladas com asterisco. Observamos baixa perda de dados na maioria das variáveis. A variável função ventricular pela angiografia, apresentou elevado missing , porém a ventriculografia tem sido cada vez menos empregada na prática clínica e nosso estudo é reflexo do “mundo real”. Outra variável com perda significativa foi o diâmetro do vaso, que, talvez, tenha ocorrido por dificuldade de medida relacionada ao fato de o vaso estar ocluído na grande maioria dos casos.

Conclusão

Os preditores de mortalidade nos pacientes submetidos a ATC primária catalogados no registro CENIC foram: classificação de Killip, reinfarto, idade avançada, disfunção global acentuada do VE, sexo feminino e fluxo TIMI 0/I pós-intervenção. Essa identificação dos elementos associados ao pior prognóstico, pode ser útil na estratificação e cuidados ao paciente coronariopata.

Referências

  • 1
    Ribeiro ALP, Duncan BB, Brant LC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto SM. Cardiovascular Health in Brazil: Trends and Perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.114.008727.
  • 2
    Maggioni AP, Franzosi MG, Fresco C, Turazza F, Tognoni G. GISSI Trials in Acute Myocardial Infarction. Rationale, Design, and Results. Chest. 1990;97(4 Suppl):146-150.
  • 3
    Randomised Trial of Intravenous Streptokinase, Oral Aspirin, Both, or Neither Among 17 187 Cases of Suspected Acute Myocardial Infarction: Isis-2. Lancet. 1988 13;332(8607):349–60.
  • 4
    Van de Werf F. The History of Coronary Reperfusion. Eur Heart J. 2014;35(37):2510-5. doi: 10.1093/eurheartj/ehu268.
  • 5
    Ibanez B, James S, Agewall S, Antunes MJ, Bucciarelli-Ducci C, Bueno H, et al. 2017 ESC Guidelines for the Management of Acute Myocardial Infarction in Patients Presenting with ST-segment Elevation: The Task Force for the Management of Acute Myocardial Infarction in Patients Presenting with ST-segment Elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2018;39(2):119-77. doi: 10.1093/eurheartj/ehx393.
  • 6
    Levine GN, Bates ER, Blankenship JC, Bailey SR, Bittl JA, Cercek B, et al. 2015 ACC/AHA/SCAI Focused Update on Primary Percutaneous Coronary Intervention for Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction: An Update of the 2011 ACCF/AHA/SCAI Guideline for Percutaneous Coronary Intervention and the 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of ST-Elevation Myocardial Infarction: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions. Circulation. 2016;133(11):1135-47. doi: 10.1161/CIR.0000000000000336.
  • 7
    Avezum Á Jr, Feldman A, Carvalho AC, Sousa AC, Mansur AP, Bozza AE, et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2015;105(2 Suppl 1):1-105. doi: 10.5935/abc.20150107.
  • 8
    Keeley EC, Boura JA, Grines CL. Primary Angioplasty Versus Intravenous Thrombolytic Therapy for Acute Myocardial Infarction: A Quantitative Review of 23 Randomised Trials. Lancet. 2003;361(9351):13-20. doi: 10.1016/S0140-6736(03)12113-7.
  • 9
    Shah PP, Gupta N, Sharma A, Bhargava RK, Bajaj S, Mittal V, et al. Chest Pain Unit using Thrombolysis in Myocardial Infarction Score Risk Stratification: An Impact on the Length of Stay and Cost Savings. Crit Pathw Cardiol. 2012;11(4):206-10. doi: 10.1097/HPC.0b013e31826cc254.
  • 10
    Morrow DA, Antman EM, Charlesworth A, Cairns R, Murphy SA, Lemos JA, et al. TIMI Risk Score for ST-elevation Myocardial Infarction: A Convenient, Bedside, Clinical Score for Risk Assessment at Presentation: An Intravenous nPA for Treatment of Infarcting Myocardium Early II Trial Substudy. Circulation. 2000;102(17):2031-7. doi: 10.1161/01.cir.102.17.2031.
  • 11
    Amin ST, Morrow DA, Braunwald E, Sloan S, Contant C, Murphy S, et al. Dynamic TIMI Risk Score for STEMI. J Am Heart Assoc. 2013;2(1):e003269. doi: 10.1161/JAHA.112.003269.
  • 12
    Granger CB, Goldberg RJ, Dabbous O, Pieper KS, Eagle KA, Cannon CP, et al. Predictors of Hospital Mortality in the Global Registry of Acute Coronary Events. Arch Intern Med. 2003;163(19):2345-53. doi: 10.1001/archinte.163.19.2345.
  • 13
    Halkin A, Singh M, Nikolsky E, Grines CL, Tcheng JE, Garcia E, et al. Prediction of Mortality After Primary Percutaneous Coronary Intervention for Acute Myocardial Infarction: The CADILLAC Risk Score. J Am Coll Cardiol. 2005;45(9):1397-405. doi: 10.1016/j.jacc.2005.01.041.
  • 14
    Addala S, Grines CL, Dixon SR, Stone GW, Boura JA, Ochoa AB, et al. Predicting Mortality in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction Treated with Primary Percutaneous Coronary Intervention (PAMI Risk Score). Am J Cardiol. 2004;93(5):629-32. doi: 10.1016/j.amjcard.2003.11.036.
  • 15
    Peterson ED, Dai D, DeLong ER, Brennan JM, Singh M, Rao SV, et al. Contemporary Mortality Risk Prediction for Percutaneous Coronary Intervention: Results from 588,398 Procedures in the National Cardiovascular Data Registry. J Am Coll Cardiol. 2010;55(18):1923-32. doi: 10.1016/j.jacc.2010.02.005.
  • 16
    McNamara RL, Kennedy KF, Cohen DJ, Diercks DB, Moscucci M, Ramee S, et al. Predicting In-Hospital Mortality in Patients With Acute Myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol. 2016;68(6):626-35. doi: 10.1016/j.jacc.2016.05.049.
  • 17
    Nascimento G, Castro M, Castro P. Time profile of percutaneous coronary interventions in calcified lesions. J Transcatheter Interv. 2019;27:1–7. doi: 10.31160/JOTCI2019;27A0002.
  • 18
    Andrade PB, Tebet MA, Andrade MV, Labrunie A, Mattos LA. Radial Approach in Percutaneous Coronary Interventions: Current Status in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2011;96(4):312-6. doi: 10.1590/s0066-782x2011005000026.
  • 19
    Osugue RK, Esteves V, Pipolo A, Ramos DS, Massih CA, Solorzono UA, et al. Resultados hospitalares das intervenções coronárias percutâneas em lesões tipo C: registro CENIC. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2012;20(1): 53–7.
  • 20
    Feres F, Costa RA, Siqueira D, Ribamar Costa J, Chamié D, Staico R, et al. Diretriz da sociedade brasileira de cardiologia e da sociedade brasileira de hemodinâmica e cardiologia intervencionista sobre intervenção coronária percutânea. Arq Bras Cardiol. 2017;109(1):2541–619. doi: 10.5935/abc.20170111.
  • 21
    Oliveira JC, Almeida-Santos MA, Cunha-Oliveira J, Oliveira LCS, Barreto IDC, Lima TCRM, et al. Disparities in Access and Mortality of Patients With ST-Segment-Elevation Myocardial Infarction Using the Brazilian Public Healthcare System: VICTIM Register. J Am Heart Assoc. 2019;8(20):e013057. doi: 10.1161/JAHA.119.013057.
  • 22
    Barreto R, Cantarelli MJ de C, Castello HJ, Gonçalves R, Gioppato S, Guimarães JB de F, et al. Resultados da intervenção coronária percutânea primária em pacientes do sistema único de saúde e da saúde suplementar. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):279–85.
  • 23
    Widimsky P, Wijns W, Fajadet J, Belder M, Knot J, Aaberge L, et al. Reperfusion Therapy for ST Elevation Acute Myocardial Infarction in Europe: Description of the Current Situation in 30 Countries. Eur Heart J. 2010;31(8):943-57. doi: 10.1093/eurheartj/ehp492.
  • 24
    Brasil. Ministério da Saúde. TabNet Win32 3.0: Procedimentos hospitalares do SUS - por local de residência - Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2020 Jun 14]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/qruf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/qruf.def
  • 25
    Hizoh I, Gulyas Z, Domokos D, Banhegyi G, Majoros Z, Major L, et al. A Novel Risk Model Including Vascular Access Site for Predicting 30-day Mortality After Primary PCI: The ALPHA Score. Cardiovasc Revasc Med. 2017;18(1):33-9. doi: 10.1016/j.carrev.2016.10.002.
  • 26
    Kul S, Uyarel H, Turfan M, Ertas G, Vatankulu MA, Kucukdagli OT, et al. A New Prognostic Evaluation of Patients with Acute ST-elevation Myocardial Infarction Undergoing Primary Angioplasty: Combined Zwolle and Syntax Score. Kardiol Pol. 2014;72(2):146-54. doi: 10.5603/KP.a2013.0183.
  • 27
    Pancholy SB, Shantha GP, Patel T, Cheskin LJ. Sex Differences in Short-term and Long-term All-cause Mortality Among Patients with ST-segment Elevation Myocardial Infarction Treated by Primary Percutaneous Intervention: A Meta-analysis. JAMA Intern Med. 2014;174(11):1822-30. doi: 10.1001/jamainternmed.2014.4762.
  • 28
    D’Ascenzo F, Gonella A, Quadri G, Longo G, Biondi-Zoccai G, Moretti C, et al. Comparison of Mortality Rates in Women Versus Men Presenting with ST-segment Elevation Myocardial Infarction. Am J Cardiol. 2011;107(5):651-4. doi: 10.1016/j.amjcard.2010.10.038.
  • 29
    Barbash IM, Ben-Dor I, Torguson R, Maluenda G, Xue Z, Gaglia MA Jr, Sardi G, Satler LF, Pichard AD, Waksman R. Clinical predictors for failure of percutaneous coronary intervention in ST-elevation myocardial infarction. J Interv Cardiol. 2012 Apr;25(2):111-7. doi: 10.1111/j.1540-8183.2011.00707.x.
  • 30
    Kolte D, Khera S, Aronow WS, Mujib M, Palaniswamy C, Sule S, et al. Trends in Incidence, Management, and Outcomes of Cardiogenic Shock Complicating ST-elevation Myocardial Infarction in the United States. J Am Heart Assoc. 2014;3(1):e000590. doi: 10.1161/JAHA.113.000590.
  • 31
    Sjauw KD, Engström AE, Vis MM, van der Schaaf RJ, Baan J Jr, Koch KT, et al. A Systematic Review and Meta-analysis of Intra-aortic Balloon Pump Therapy in ST-elevation Myocardial Infarction: Should We Change the Guidelines? Eur Heart J. 2009;30(4):459-68. doi: 10.1093/eurheartj/ehn602.
  • 32
    Schrage B, Ibrahim K, Loehn T, Werner N, Sinning JM, Pappalardo F, et al. Impella Support for Acute Myocardial Infarction Complicated by Cardiogenic Shock. Circulation. 2019;139(10):1249-58. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.118.036614.
  • 33
    Caixeta A, Lansky AJ, Mehran R, Brener SJ, Claessen B, Généreux P, Palmerini T, et al. Predictors of Suboptimal TIMI Flow After Primary Angioplasty for Acute Myocardial Infarction: Results from the HORIZONS-AMI Trial. EuroIntervention. 2013;9(2):220-7. doi: 10.4244/EIJV9I2A37.
  • 34
    Kampinga MA, Nijsten MW, Gu YL, Dijk WA, de Smet BJ, van den Heuvel AF, et al. Is the Myocardial Blush Grade Scored by the Operator During Primary Percutaneous Coronary Intervention of Prognostic Value in Patients with ST-elevation Myocardial Infarction in Routine Clinical Practice? Circ Cardiovasc Interv. 2010;3(3):216-23. doi: 10.1161/CIRCINTERVENTIONS.109.916247.
  • 35
    Hudson MP, Granger CB, Topol EJ, Pieper KS, Armstrong PW, Barbash GI, et al. Early Reinfarction After Fibrinolysis: Experience from the Global Utilization of Streptokinase and Tissue Plasminogen Activator (alteplase) for Occluded Coronary Arteries (GUSTO I) and Global Use of Strategies to Open Occluded Coronary Arteries (GUSTO III) Trials. Circulation. 2001;104(11):1229-35. doi: 10.1161/hc3601.095717.
  • 36
    Elgendy IY, Mahmoud AN, Kumbhani DJ, Bhatt DL, Bavry AA. Complete or Culprit-Only Revascularization for Patients With Multivessel Coronary Artery Disease Undergoing Percutaneous Coronary Intervention: A Pairwise and Network Meta-Analysis of Randomized Trials. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(4):315-24. doi: 10.1016/j.jcin.2016.11.047.
  • 37
    Sia CH, Zheng H, Ho AF, Bulluck H, Chong J, Foo D, et al. The Lipid Paradox is Present in ST-elevation but not in non-ST-elevation Myocardial Infarction Patients: Insights from the Singapore Myocardial Infarction Registry. Sci Rep. 2020;10(1):6799. doi: 10.1038/s41598-020-63825-8.
  • 38
    Cho KH, Jeong MH, Ahn Y, Kim YJ, Chae SC, Hong TJ, et al. Low-density Lipoprotein Cholesterol Level in Patients with Acute Myocardial Infarction having Percutaneous Coronary Intervention (the cholesterol paradox). Am J Cardiol. 2010;106(8):1061-8. doi: 10.1016/j.amjcard.2010.06.009.
  • 39
    Ferrante G, Rao SV, Jüni P, Da Costa BR, Reimers B, Condorelli G, et al. Radial Versus Femoral Access for Coronary Interventions Across the Entire Spectrum of Patients With Coronary Artery Disease: A Meta-Analysis of Randomized Trials. JACC Cardiovasc Interv. 2016;9(14):1419-34. doi: 10.1016/j.jcin.2016.04.014.
  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte de dissertação de mestrado de Pedro Paulo Neves de Castro pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
  • Fontes de financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

* Material suplementar

Para informação adicional, por favor, clique aqui .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2021
  • Revisado
    24 Set 2021
  • Aceito
    19 Jan 2022
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br