Ventilação e Parâmetros Respiratórios em RCP: Onde Estamos e Próximos Passos!

Reanimação Cardiopulmonar; Parada Cardíaca; Ventilação

“Então formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente”

Bíblia; Gênesis, 2:7.

A primeira menção de ressuscitação cardiopulmonar refere-se ao momento da criação de Adão, tendo Deus “soprado em sua boca, dando-lhe a vida”. Menos simbólica e mais precisa em seu detalhamento, e considerada por muitos historiadores como o primeiro relato de manobras de RCP, está também na bíblia a descrição no livro dos Reis sobre o profeta Eliseu, um discípulo de Elias, que reanimou um jovem filho de uma viúva sunamita. “...subiu à cama, deitou-se sobre o menino e, pondo a sua boca sobre a boca dele, os seus olhos sobre os olhos dele e suas mãos sobre as mãos dele, se estendeu sobre o menino; este espirrou sete vezes e abriu os olhos” manobra realizada por Eliseu, narrada no II Reis 4:34-35141.

Paracelsus avaliou, em 1530, uso de foles de lareira para introdução do ar nos pulmões de indivíduos aparentemente mortos, caracterizando as primeiras e rústicas tentativas de ventilação artificial, baseadas no princípio, até hoje utilizado, da ventilação sob pressão positiva, utilizando as unidades bolsa-valva-máscara.¹

Tais relatos históricos têm em comum, desde as primeiras tentativas de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), a preocupação em ventilar/promover a respiração, e não apenas a circulação, sempre foi fator de atenção para as manobras de suporte básico e avançado de vida.²

Após a fase inicial da RCP com prioridade de compressões utilizando a oxigenação residual sanguínea, a ventilação é essencial para garantir a oxigenação e eliminação de CO₂.²

De fato, a maioria dos estudos sobre ventilação durante a RCP avalia sua interação com a eficácia das compressões torácicas e consequências hemodinâmicas. Os efeitos fisiológicos da ventilação durante a RCP ainda demandam de adequada compreensão abrangente de seu papel.

Com o avanço de conhecimentos e diretrizes em RCP, a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) foi direcionada para a uma maior preocupação com qualidade de compressão, a despeito de que a ventilação adequada para evitar a hiperventilação continua sendo um problema comum, mesmo quando a RCP é realizada por equipes de ressuscitação adequadamente capacitadas. Isso faz com que o monitoramento da ventilação seja considerado um procedimento fundamental, a fim de evitar efeitos hemodinâmicos deletérios e o aumento das frequências respiratórias e dos volumes correntes causadores de barotrauma, volutrauma e atelectrauma, incorrendo em desfechos impactantes de morbidade e mortalidade nas síndromes pós RCP.²

Cordioli et al.³ registraram episódios de ventilação reduzida associada a compressões, retratando traçado de fluxo inspiratório limitado durante a descompressão torácica em PEEP zero. Estes autores justificam tal fato pela redução do volume pulmonar abaixo do volume torácico expiratório final induzido por compressões torácicas, podendo provocar o fechamento das vias aéreas distais e levar à limitação do fluxo.

Em modelos animais, o declínio ao longo do tempo de ventilação produzida apenas por compressões torácicas sozinhas levou a grandes áreas de atelectasias e menor PaO2 em comparação com animais ativamente ventilados precocemente durante a RCP. A via aérea mantida sobre pressão positiva permitiu a manutenção de uma ventilação eficiente e troca gasosa adequada apenas com compressões torácicas. A despeito disso, há um potencial efeito negativo da PEEP no fluxo sanguíneo durante a RCP que potencialmente prejudicaria o retorno venoso.⁴,⁵

Neste cenário, buscando estabelecer estratégias de ventilação prática e protetora durante a RCP, a ressuscitação cardiopulmonar e cerebral se apresenta como um desafio para os estudiosos.

Nesta edição, Palácio et al.⁶ avaliaram um ventilador mecânico portátil com pico de pressão inspiratória em modelo experimental com porcos com o intuito de avaliar a viabilidade da ventilação durante a RCP e comparar os parâmetros monitorados com a ventilação bolsa-válvula. Os autores demostraram taxas de retorno para circulação espontânea e saturação arterial de oxigênio semelhantes; com variações estatisticamente significativas de volume corrente, ETCO₂ e pico de fluxo inspiratório, sendo menor a complacência pulmonar dinâmica após RCE no grupo bolsa-válvula. O artigo conclui que a ventilação VLP2000E é viável durante a RCP e equivalente à ventilação bolsa-válvula quanto às taxas de RCE e à saturação arterial de oxigênio, porém com melhor perfil de parâmetros respiratórios e menor pressão nas vias aéreas e volume corrente.

Considerando futuros e distintos cenários como ambiente pré-hospitalar ou mesmo departamentos de emergência, dispositivos com esta performance podem otimizar a capacidade de ventilação durante a RCP, reduzindo a necessidade de membros adicionais na equipe com ênfase na ventilação e permitindo maior foco de atenção a compressões torácicas, sem a perda da qualidade de ventilação e oxigenação. Estudos de ressuscitação cardiopulmonar são muito bem-vindos à literatura científica brasileira e a translação dos estudos pré-clínicos para estudos de fase III, visando a adequada avaliação dos achados, confere o próximo importante passo, similar aos dispositivos de feedback e compressão torácica, para efetivamente recompor a qualidade da ventilação com menores impactos de lesão pulmonar e período pós-PCR.

Referências

• ¹
  Guimarães HP, Lane JC, Flato UAP, Ari T, Lopes RD. Uma Breve História da Ressuscitação Cardiopulmonary. Rev Bras Clin Med. 2009;7:177-87.
• ²
  Charbonney E, Grieco DL, Cordioli RL, Badat B, Savary D, Richard JM, et al. Ventilation During Cardiopulmonary Resuscitation: What Have We Learned From Models? Respir Care. 2019;64(9):1132-8. doi: 10.4187/respcare.06998.
  » https://doi.org/10.4187/respcare.06998
• ³
  Cordioli RL, Lyazidi A, Rey N, Granier JM, Savary D, Brochard L, et al. Impact of Ventilation Strategies During Chest Compression. An Experimental Study with Clinical Observations. J Appl Physiol. 2016;120(2):196-203. doi: 10.1152/japplphysiol.00632.2015.
  » https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00632.2015
• ⁴
  Markstaller K, Rudolph A, Karmrodt J, Gervais HW, Goetz R, Becher A, et al. Effect of Chest Compressions Only During Experimental Basic Life Support on Alveolar Collapse and Recruitment. Resuscitation. 2008;79(1):125-32. doi: 10.1016/j.resuscitation.2008.03.228.
  » https://doi.org/10.1016/j.resuscitation.2008.03.228
• ⁵
  Kern KB, Hilwig RW, Berg RA, Sanders AB, Ewy GA. Importance of Continuous Chest Compressions During Cardiopulmonary Resuscitation: Improved Outcome During a Simulated Single Lay-Rescuer Scenario. Circulation. 2002;105(5):645-9. doi: 10.1161/hc0502.102963.
  » https://doi.org/10.1161/hc0502.102963
• ⁶
  Palácio MAG, Paiva EF, Oliveira GBF, Azevedo LCP, Pedron BG, Santos ES et al. Use of Portable Mechanical Ventilator During CPR is Feasible, Improves Respiratory Parameters, and Prevents Decrease of Dynamic Lung Compliance. Arq Bras Cardiol. 2023;120(7):e20220564. doi: 10.36660/abc.20220564.
  » https://doi.org/10.36660/abc.20220564.

• Minieditorial referente ao artigo: O Uso de um Ventilador Mecânico Portátil na Ressuscitação Cardiopulmonar é Viável, Melhora os Parâmetros Respiratórios e Previne a Redução da Complacência Pulmonar Dinâmica

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Set 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  20 Jul 2023
• Revisado
  09 Ago 2023
• Aceito
  09 Ago 2023