Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento pós-menopausa reduz a atividade da catalase e atenua o risco cardiovascular

Resumos

FUNDAMENTO: A menopausa pode levar a alterações na saúde feminina, com mudanças no estado oxidativo de mulheres pós-menopausadas, para as quais são limitadas as informações relativas à influência da hormonioterapia (HT) sobre as atividades das enzimas antioxidantes. OBJETIVO: Avaliar a influência da HT sobre a atividade da catalase, concentrações de lipídeos e lipoproteínas, proteína de transferência de colesteril éster, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, nitratos, proteína C-reativa ultrassensível e espessura da carótida em mulheres pós-menopausadas. MÉTODOS: Foram alocadas 94 mulheres para um de quatro grupos com ou sem HT. O último grupo foi subdividido em mulheres sendo tratadas com estrógeno e outras com estrógeno mais progestágeno. Foram realizadas medidas de parâmetros bioquímicos plasmáticos e da espessura da íntima-média da carótida. RESULTADOS: A HT antagonizou a redução na atividade da catalase após a menopausa, mas não teve efeito sobre os níveis da proteína de transferência de colesteril éster, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, peróxido lipídico, nitrato e proteína C reativa ultrassensível, nem sobre a espessura da íntima-média da carótida. A análise multivariada mostrou que a HT baseada em estrógeno atenuou a relação entre os fatores de risco cardiovasculares e a espessura da íntima-média da carótida comum. CONCLUSÃO: Este estudo mostra que a HT em mulheres pós-menopausadas produz efeitos antioxidantes e antiateroscleróticos benéficos por melhorar as concentrações séricas de lipídios e lipoproteínas, aumentar a atividade da catalase sérica e atenuar a associação entre os fatores de risco cardiovasculares e a aterosclerose precoce.

Fatores de risco; doenças cardiovasculares; catalase; pós-menopausa


BACKGROUND: Menopause can lead to alterations in women's health, with changes in the oxidative status of postmenopausal women in whom information regarding the influence of hormone therapy (HT) on antioxidant enzyme activities is limited. OBJECTIVE: To evaluate the influence of HT on catalase activity; concentrations of lipids and lipoprotein, cholesteryl ester transfer protein, thiobarbituric acid-reactive substances, nitrates, high-sensitivity C-reactive protein and carotid thickness in postmenopausal women. METHODS: Ninety-four consecutive women were allocated to one of four groups, without HT and with HT. The latter group was subdivided into women using estrogen and those using estrogen plus progestogen therapy. Plasma biochemical parameters and common carotid intima-media thickness measurements were performed. RESULTS: HT antagonized the decrease in catalase activity after menopause, but had no effect on the levels of cholesteryl ester transfer protein, thiobarbituric acid-reactive substances, lipid peroxide, nitrate, high-sensitivity C-reactive protein, or on the common carotid intima-media thickness. Multivariate analysis showed that estrogen-based HT attenuated the relationship between cardiovascular risk factors and the intima-media thickness of the common carotid. CONCLUSION: This study indicates that HT in postmenopausal women produces beneficial antioxidant and anti-atherosclerotic effects by ameliorating the plasma lipid and lipoprotein profiles, increasing plasma catalase activity and attenuating the association between cardiovascular risk factors and early atherosclerosis.

Risk factors; cardiovascular diseases; catalase; postmenopause


Tratamento pós-menopausa reduz a atividade da catalase e atenua o risco cardiovascular

Vera S. CastanhoI; Rui Tsutomu NakamuraII; Aarão M. Pinto-NetoIII; Eliana Cotta De FariaI

IDepartamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP - Brasil

IIDepartamento de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP - Brasil

IIIDepartamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Eliana C de Faria Departamento de Patologia Clínica, FCM Universidade de Campinas Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Barão Geraldo CEP 13084-971, Campinas, SP - Brasil E-mail: cotta@fcm.unicamp.br, cottadefaria@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A menopausa pode levar a alterações na saúde feminina, com mudanças no estado oxidativo de mulheres pós-menopausadas, para as quais são limitadas as informações relativas à influência da hormonioterapia (HT) sobre as atividades das enzimas antioxidantes.

OBJETIVO: Avaliar a influência da HT sobre a atividade da catalase, concentrações de lipídeos e lipoproteínas, proteína de transferência de colesteril éster, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, nitratos, proteína C-reativa ultrassensível e espessura da carótida em mulheres pós-menopausadas.

MÉTODOS: Foram alocadas 94 mulheres para um de quatro grupos com ou sem HT. O último grupo foi subdividido em mulheres sendo tratadas com estrógeno e outras com estrógeno mais progestágeno. Foram realizadas medidas de parâmetros bioquímicos plasmáticos e da espessura da íntima-média da carótida.

RESULTADOS: A HT antagonizou a redução na atividade da catalase após a menopausa, mas não teve efeito sobre os níveis da proteína de transferência de colesteril éster, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, peróxido lipídico, nitrato e proteína C reativa ultrassensível, nem sobre a espessura da íntima-média da carótida. A análise multivariada mostrou que a HT baseada em estrógeno atenuou a relação entre os fatores de risco cardiovasculares e a espessura da íntima-média da carótida comum.

CONCLUSÃO: Este estudo mostra que a HT em mulheres pós-menopausadas produz efeitos antioxidantes e antiateroscleróticos benéficos por melhorar as concentrações séricas de lipídios e lipoproteínas, aumentar a atividade da catalase sérica e atenuar a associação entre os fatores de risco cardiovasculares e a aterosclerose precoce.

Palavras-chave: Fatores de risco; doenças cardiovasculares; catalase; pós-menopausa.

Introdução

O papel do estresse oxidativo na aterosclerose recebe atenção considerável, sendo a aterogênese desencadeada por inflamação focal e proliferação celular1. As enzimas antioxidantes como a catalase, superóxido dismutase e glutationa peroxidase protegem as células aeróbicas contra a lesão oxidativa causada por espécies reativas de oxigênio (ERO) geradas durante o metabolismo celular normal1. O estresse oxidativo resultante do excesso de produção de ERO ou uma deficiência nos sistemas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos podem levar a uma série de situações patológicas e contribuir para o envelhecimento1. A menopausa pode causar mudanças na saúde da mulher, com excesso de formação de ERO e alterações no status oxidativo de mulheres pós-menopausadas2-5. Entretanto, poucos estudos examinaram a influência da hormonioterapia (HT) na atividade das enzimas antioxidantes em mulheres pós-menopausadas e têm se concentrado no uso em curto prazo da HT.

Os efeitos cardiovasculares da HT são objeto de muito debate desde que os primeiros achados do Women's Health Initiative (WHI - Iniciativa sobre a Saúde da Mulher) foram divulgados. No entanto, análises posteriores dos resultados da WHI sugeriram que a associação entre o uso de HT e o risco cardiovascular é influenciada por vários fatores, entre os quais a idade e tempo desde a menopausa. Estudos observacionais e randomizados sugerem que a introdução da terapia de reposição hormonal (TH) logo no início da pós-menopausa pode ser benéfica sob o ponto de vista cardiovascular. Contrariamente, o envelhecimento, o tempo desde a menopausa e a presença de fatores de risco cardiovasculares ou de doença cardiovascular podem reduzir sua eficácia e aumentar o risco de eventos cardiovasculares6.

Nos últimos dez anos, a TH para o tratamento dos sintomas da menopausa é uma opção real que levou à publicação recente de estudos sobre os efeitos antioxidantes do estrógeno. Além de seus efeitos sobre os sintomas pós-menopausa, a estrogenioterapia vem sendo empregada para tratar a osteoporose7, e muitas mulheres pós-menopausadas a utilizam.

A espessura da íntima-média da artéria carótida comum (EIM da carótida), que é um desfecho intermediário adequado para se investigar os efeitos clinicamente relevantes sobre a aterogênese, pode ser utilizada para avaliar os estágios iniciais da aterosclerose, uma vez que esse parâmetro se correlaciona com fatores de risco que incluem a idade, dislipidemias e o estresse oxidativo8. Há poucas informações sobre a influência da HT sobre a aterosclerose de carótida; enquanto estudos experimentais e epidemiológicos relatam que a HT tem um efeito benéfico sobre a progressão da EIM da carótida em mulheres pós-menopausadas9, outros não observaram nenhum efeito significativo10. Em contraposição, relata-se que, embora a HT possa prevenir o desenvolvimento de placas ateroscleróticas em mulheres pós-menopausadas9, não há nenhuma diferença na EIM da carótida entre mulheres que receberam ou não HT11. O metabolismo dos lipídios e lipoproteínas altera-se acentuadamente após a menopausa12-14 com uma redução natural nos níveis de estrógeno.

No presente estudo, investigamos a atividade da catalase sérica, as concentrações séricas de lipídios, das lipoproteínas, da proteína de transferência de colesteril éster, de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS), do nitrato e os níveis plasmáticos de proteína C reativa ultrassensível (PCR-us) em mulheres pós-menopausadas recebendo ou não HT para determinar se este tratamento pós-menopausa influencia os níveis de estresse oxidativo (um marcador pró-inflamatório). A espessura da EIM da carótida comum foi usada como marcador precoce de aterosclerose.

Métodos

Participantes

Selecionamos 94 mulheres pós-menopausadas (MPM) com idade média de 59 anos, que foram distribuídas em um dos dois grupos seguintes: as sem HT (SHT, n = 63) e as com HT (CHT, n = 31). O grupo CHT foi subdividido entre as que usavam estrogenioterapia (ET, estrógeno equino conjugado, 0,625 mg/dia; n = 20) e as que usavam estrógeno mais progestágeno (EPT, acetato de medroxiprogesterona, 2,5-5 mg/dia; n = 11). As participantes foram recrutadas sequencialmente na clínica da universidade por um período de um ano, de acordo com os critérios apresentados a seguir.

As MPM foram avaliadas clinicamente no Ambulatório de Dislipidemia e Menopausa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. A presença de menopausa foi definida em mulheres ≥ 40 anos em menopausa natural há pelo menos um ano ou submetidas cirurgicamente a ooforectomia bilateral, de acordo com os critérios da Sociedade Norte-Americana de Menopausa14. Os critérios de exclusão para participação no estudo foram: dislipidemia grave (colesterol HDL ≤ 40 mg/L, colesterol LDL ≥ 190 mg/L e triglicérides ≥ 400 mg/L), tabagismo, etilismo, doença sistêmica grave incluindo nefropatias, endocrinopatias, hepatopatias e pneumopatias.

O critério para índice de massa corpórea (IMC) ≤ 27 kg/ m2 13 foi atingido por metade das mulheres estudadas.

Sintomas vasomotores (ondas de calor e sudorese noturna) foram as principais indicações para o uso de HT sistêmica14. Todas as MPM recebiam HT com estrógeno oral contínuo (0,625 mg/dia) ou estrógeno contínuo (0,625 mg/dia) mais acetato de medroxiprogesterona (2,5 ou 5 mg/dia) por pelo menos um ano (média de cinco anos). Todas as participantes assinaram o termo de consentimento antes de serem admitidas no estudo.

Esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (protocolo nº 314/2004).

Amostras

As amostras de sangue foram coletadas das pacientes por punção venosa em ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA), após 12 horas de jejum. O plasma foi obtido por centrifugação a 1.000 g por 10 minutos a 4 °C.

Métodos Analíticos Gerais

Determinou-se o nível de colesterol total e de triglicérides por método colorimétrico-enzimático (Hitachi 917, Roche, Mannheim, Alemanha). O colesterol de LDL e HDL plasmáticos foram analisados no sobrenadante da amostra por meio de método colorimétrico-enzimático direto homogêneo após precipitação das lipoproteínas contendo apo-B 100. As apolipoproteínas (AI e B 100) foram medidas por nefelometria.

O nitrato, metabólito estável do óxido nítrico, foi medido com reagente Greiss em kit comercial de ensaio nitrato/nitrito (Cayman Chemical Co, Ann Arbor, Michigan, EUA)15. Os ensaios em plasma da atividade da catalase e concentrações de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) e lipoperoxidases (LPO), foram realizados pelos métodos de Elisa e colorimétrico (Cayman Chemical Co, Ann Arbor, Michigan, EUA)16,17. A concentração de PCR ultrassensível foi medida por ensaio de PCR aumentada por látex da Behring e por sistema de analisador nefelométrico da Behring (Dade Behring, Tóquio, Japão).

A espessura da íntima-média da artéria carótida comum foi medida por sistema de ultrassom HDI 1500 (Ultrassom ATL, Botheli, WA, EUA) dotado de sonda Doppler colorido de 7-12 MHz. A EIM da carótida foi calculada como a média de cinco medidas tomadas na parede distal das artérias carótidas comuns direita e esquerda, de acordo com método padronizado9. Os resultados individuais (expressos em mm) foram a média da EIM das carótidas direita e esquerda.

Análise estatística

Os resultados estão expressos como médias ± desvio-padrão (DP). As análises estatísticas foram feitas por meio de Ancova com transformação de rank ajustada para idade e IMC ou do teste de Mann-Whitney. O teste de Spearman foi usado para analisar a correlação entre as variáveis nos grupos. Foi usada análise de regressão linear múltipla com critério passo a passo para a seleção de variáveis para avaliar a influência da concentração sérica de lipoproteínas, apolipoproteínas, proteína de transferência de colesterol esterificado (CETP), catalase, nitrato, TBARS, LPO e PCR-us na EIM da carótida. Os resultados foram expressos como coeficientes de determinação (R2) que representaram a porcentagem de variação na variável dependente explicada por variáveis independentes. Valores de p < 0,05 (teste bicaudal) foram considerados significativos. Todas as análises estatísticas e de dados foram realizadas com o pacote estatístico SAS (SAS Institute Inc, Cary, NC, EUA).

Resultados

As características clínicas e bioquímicas das participantes estão resumidas na Tabela 1. Não houve diferença na média de idade ou pressão arterial dos grupos SHT e CHT, mas observou-se diferença significativa no IMC (29 kg/m2 e 26 kg/ m2, respectivamente; p = 0,021) e circunferência da cintura (89 cm e 83 cm, respectivamente; p = 0,007) dos dois grupos. A EIM média da carótida variou de 0,83 mm a 0,91 mm, sem diferença entre os dois grupos pós-menopausa.

A concentração sérica média de colesterol total no MPM excedeu o valor máximo recomendado de 200 mg/dL (Tabela 2). Foram observados níveis mais altos de colesterol LDL e colesterol NHDL (colesterol não HDL) nas mulheres pós-menopausadas SHT em relação às CHT (p = 0,013 e 0,048 para colesterol LDL e NHDL, respectivamente - Tabela 2), ao passo que a lipoproteína (a) permaneceu inalterada. Foram observados níveis aumentados de colesterol HDL nas mulheres pós-menopausadas recebendo estrogenioterapia em comparação com aquelas tratadas com estrógeno mais progestágeno (p = 0,041). Os níveis de insulina foram idênticos em todos os grupos (não mostrados). O índice de Castelli II (colesterol LDL/colesterol HDL) diminuiu na HT com estrógeno. A atividade da CETP foi semelhante em todos os grupos.

A Tabela 3 mostra que, à exceção da catalase, que aumentou em aproximadamente 42% nos grupos CHT e EPT, não houve diferenças significativas entre os grupos quanto aos níveis dos outros biomarcadores de estresse oxidativo e inflamação.

Foram observadas correlações fortes entre três fatores de risco para aterosclerose (idade, PCR-us e circunferência da cintura) e a EIM da carótida no grupo SHT que, no entanto, foram abolidas pela TH no grupo EPT (Tabela 4). Entretanto, o grupo EPT ainda manteve correlações importantes entre a EIM da carótida e colesterol LDL e pressão arterial sistólica, dois bem conhecidos marcadores de aterosclerose.

A análise de regressão mostrou que, nas mulheres SHT, a EIM da carótida correlacionou-se positivamente com a idade e os níveis de nitrato e de PCR-us, mas negativamente com os níveis de Lp (a) (Tabela 5). Nas mulheres CHT, a EIM da carótida correlacionou-se positivamente com a idade e a circunferência da cintura, enquanto, nas mulheres ET, a EIM da carótida correlacionou-se negativamente com a idade e os níveis de lipoproteínas. O último achado sugere ação protetora do estrógeno.

Discussão

O estresse oxidativo tem um papel central na peroxidação lipídica e na inflamação associada à aterosclerose, sendo a inflamação particularmente importante na mediação de todos os estágios dessa doença18. Entretanto, a utilidade das medidas antioxidantes no tratamento de pacientes portadores de aterosclerose não foi conclusivamente provada.

A HT possui ações cardioprotetoras que podem estar associadas a alterações nos níveis de lipoproteínas circulantes19. Como mostrado aqui, mulheres em HT apresentaram níveis plasmáticos significativamente menores de colesterol LDL (p = 0,013) e colesterol NHDL (p = 0,048), e relação colesterol LDL/colesterol HDL mais baixa (p = 0,001), embora as mulheres ET apresentassem colesterol HDL mais alto que as EPT (p = 0,041).

As alterações no perfil das lipoproteínas plasmáticas, mediadas pela transferência de lipídios neutros tais como o colesteril éster e triglicéride, são a função mais bem conhecida do CETP20. Estudos experimentais e epidemiológicos indicam que o CETP pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento da aterosclerose20-21, embora os efeitos precisos da CETP na aterogênese ainda sejam controversos. Em humanos, associa-se o aumento na incidência de coronariopatias com a deficiência22 ou aumento23 de CETP. Embora a CETP seja um alvo terapêutico em potencial24, a utilidade das intervenções envolvendo essa proteína dependerá da elucidação de seu papel na aterogênese. Conforme mostramos, a CETP não se alterou com a HT, em concordância com um estudo anterior em mulheres pós-menopausadas5.

A peroxidação lipídica induzida por radicais livres é proposta como fator etiológico no envelhecimento após a menopausa e em várias doenças relacionadas à idade, incluindo a aterosclerose. No presente estudo, não houve diferenças nos níveis séricos de LPO e TBARS (indicadores, respectivamente, de peroxidação lipídica e produção de radicais livres) entre os grupos SHT e CHT. Esses dados diferem de achados anteriores25 e dos níveis significativamente mais altos de TBARS em mulheres pós-menopausadas recebendo HT26. A discrepância entre nosso estudo e o mencionado anteriormente pode estar relacionada a diferenças na idade média dos grupos estudados, ou seja, de 59 e 56 anos nas mulheres SHT e CHT de nosso estudo, respectivamente, em comparação a 47 e 52 anos para mulheres SHT e CHT, respectivamente no estudo de Kesim e cols.26.

A óxido nítrico sintetase (NOS) expressa na parede vascular é um alvo da ação estrogênica e produz uma série de efeitos benéficos na biologia vascular. Conforme a mulher envelhece, a NOS aumenta e passa a produzir superóxido, uma perigosa espécie reativa de oxigênio. É o ambiente bioquímico em torno da NOS que determinará se o estrógeno vai gerar um produto benéfico óxido nítrico ou deletério (superóxido), e que pode ser responsabilizado por essa natureza dupla e oposta da farmacologia do estrogênio27.

A ausência de diferença nos níveis séricos de nitrato/nitrito nas mulheres SHT e CHT foi concordante com os dados relatados por Kesim e cols.26, mas diferente dos de Bednarek-Tupikowska e cols.25 e Salhotra e cols.28, que encontraram níveis significativamente mais altos de nitrito em mulheres pós-menopausadas recebendo HT.

A deficiência, dependente da idade, de estradiol e do antioxidante glutationa no sangue de mulheres pós-menopausadas, causa uma atividade compensatória da catalase, o que nem sempre é suficiente para contrabalançar o estresse oxidativo.

Vários relatos têm sugerido uma conexão entre a exposição ao estrógeno e a atividade da catalase, que é um componente de defesa antioxidante primário que catalisa a decomposição do peróxido de hidrogênio em água29,30. A HT antagonizou a redução na atividade da catalase normalmente associada à menopausa (atividade da catalase: 22% em mulheres SHT, em comparação com 37% nas mulheres ET; p = 0,029).

Esses dados diferiram de outros estudos que não mostraram diferença na atividade da catalase em mulheres SHT e CHT27 ou níveis mais elevados em mulheres pós-menopausadas31-36.

Demonstrou-se que o tratamento de células epiteliais normais da mama humana em cultura com estradiol reduz a atividade da catalase celular37. Ademais, o tratamento de linhagens de células cancerígenas de mama com estradiol resultou na redução da atividade da catalase em linhagens celulares com receptor de estrógeno (RE) positivo, mas não nas de linhagem RE negativo37.

A discrepância entre nosso estudo e outros relatos pode estar relacionada ao pequeno número de pacientes em cada grupo estudado. A magnitude da redução na atividade de catalase pode depender de outros fatores como raça, alimentação, e da expressão individual das formas do polimorfismo da catalase, embora nosso estudo não tenha permitido análises de subgrupos detalhadas em relação a essas características38. Escalante Gómez e Quesada Mora39 estudaram o efeito sobre a oxidação do DNA como possível explicação para o processo de envelhecimento e as consequências que a HT tem sobre eles. Nesse estudo, eles não encontraram diferença estatística entre os grupos para oxidação proteica e atividade da catalase, concluindo que a HT reduz o dano oxidativo tanto no DNA quanto nos lipídios em mulheres pós-menopausadas, à semelhança de nosso estudo39.

Além disso, estavam disponíveis informações abrangentes sobre fatores confundidores em potencial. As informações sobre o uso de HT foram coletadas por meio de questionário detalhado, o que, embora sujeito a viés de recordação, referia-se a comportamento pregresso.

A HT não alterou a EIM da carótida em mulheres CHT, nem nos subgrupos ET e EPT. Entretanto, a média da EIM da carótida correlacionou-se positivamente com a idade, circunferência da cintura e níveis de PCR-us; essa correlação desapareceu com a HT. Além disso, a análise de regressão múltipla mostrou relações negativas para idade e LPO após HT com estrógeno, indicando efeito protetor do tratamento hormonal. Este pequeno estudo mostra a necessidade de pesquisas mais abrangentes para investigar os papéis diferenciais da HT e, se após a menopausa, ela pode influenciar os níveis de estresse oxidativo.

Conclusões

Este estudo mostra que a HT em mulheres pós-menopausadas produz efeitos antioxidantes e antiateroscleróticos benéficos por meio da melhora dos perfis plasmáticos de lipídios e lipoproteínas, do aumento da atividade da catalase plasmática e da atenuação da associação entre fatores de risco cardiovascular e aterosclerose precoce.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Vera Sylvia Castanho pela UNICAMP.

Artigo recebido em 21/12/11

Revisado em 03/01/12

Aceito em 06/07/12

  • 1. Fridovich I. The biology of oxygen radicals. Science. 1978;201(4359):875-80.
  • 2. Signorelli SS, Neri S, Sciacchitano S, Pino LD, Costa MP, Marchese G, et al. Behaviour of some indicators of oxidative stress in postmenopausal and fertile women. Maturitas. 2006;53(1):77-82.
  • 3. Miquel J, Ramírez-Boscá A, Ramírez-Bosca JV, Alperi JD. Menopause: a review on the role of oxygen stress and favorable effects of dietary antioxidants. Arch Gerontol Geriatr. 2006;42(3):289-306.
  • 4. Bednarek-Tupikowska G, Tworowska U, Jedrychowska I, Radomska B, Tupikowski K, Bidzinska-Speichert B, et al. Effects of oestradiol and oestroprogestin on erythrocyte antioxidative enzyme system activity in postmenopausal women. Clin Endocrinol (Oxf). 2006;64(4):463-8.
  • 5. Hodis HN, St John JA, Xiang M, Cushman M, Lobo RA, Mack WJ. Inflammatory markers and progression of subclinical atherosclerosis in healthy postmenopausal women (from the Estrogen in the Prevention of Atherosclerosis Trial). Am J Cardiol. 2008;101(8):1131-3.
  • 6. Rosano GM, Vitale C, Fini M. Cardiovascular aspects of menopausal hormone replacement therapy. Climacteric. 2009;12(Suppl. 1):41-6.
  • 7. Dick SE, DeWitt DE, Anawalt B. Postmenopausal hormone replacement therapy and mayor clinical outcomes: a focus on cardiovascular disease, osteoporosis, dementia and breast and endometrial neoplasia. Am J Manag Care. 2002;8(1):95-104.
  • 8. Hodis HN, Mack WJ, LaBree L, Selzer RH, Liu CR, Liu CH, et al. The role of carotid arterial intimae-media thickness in predicting clinical coronary events. Ann Intern Med. 1998;128(4):262-9.
  • 9. Karim R, Mack WJ, Lobo RA, Hwang J, Liu CR, Liu CH, et al. Determinants of the effects of estrogen on the progress of subclinical atherosclerosis: Estrogen in the Prevention of Atherosclerosis Trial. Menopause. 2005;12(4):357-78.
  • 10. Somunkiran A, Yazici B, Demirci F, Erdogmus B, Ozdemir I. Effects of tibolone on blood flow resistance and intimae-media thickness of the carotid arteries: effect of time since menopause. Climacteric. 2006;9(1):59-65.
  • 11. Hodis HN, Mack WJ. Atherosclerosis imaging methods: assessing cardiovascular disease and evaluating the role of estrogen in the prevention of atherosclerosis. Am J Cardiol. 2002;89(12A):19E-27E.
  • 12. Berg GA, Siseles N, Gonzales AI, Ortiz OC, Tempone A, Wikinski RW. Higher values of hepatic lipase activity in post menopause: relationship with atherogenic intermediate density and low density lipoproteins. Menopause. 2001;8(1):51-7.
  • 13. Herrera VM, Casas JP, Miranda JJ, Perel P, Pichardo R, Gonzalez A, et al. Interethnic differences in the accuracy of anthropometric indicators of obesity in screening for high risk of coronary heart disease. Int J Obes (Lond). 2009;33(5):568-76.
  • 14. Tikkanen MJ, Nikkila EA, Kuusi T, Sipinen S. Effects of oestradiol and levonorgestrol on lipoprotein lipids and post-heparin plasma lipase activities in normolipoproteinemic women. Acta Endocrinol (Copenh). 1982;99(4):630-5.
  • 15. Yatsuya H, Tamakoshi K, Hattori H, Otsuka R, Wada K, Zhang H, et al. Serum phospholipid transfer protein mass as a possible protective factor for coronary heart diseases. Circ J. 2004;68(1):11-6.
  • 16. Ettinger B, Woods NF, Barrett-Connor E, Pressman A. The North American Menopause Society 1998 menopause survey: Part II. Counseling about hormone replacement therapy: association with socioeconomic status and access to medical care. Menopause. 2000;7(3):143-8.
  • 17. Rosselli M, Imthurn B, Keller PJ, Jackson EK, Dubey RK. Circulating nitric oxide (nitrite/nitrate) levels in postmenopausal women substituted with 17 beta-estradiol and norethisterone acetate: a two-year follow-up study. Hypertension. 1995;25(4 Pt 2):848-53.
  • 18. Yagi K. Simple assay for the level of total lipid peroxides in serum or plasma. Methods Mol Biol. 1998;108:101-6.
  • 19. Walsh BW, Schiff I, Rosner B, Greenberg L, Ravnikar V, Sacks FM. Effects of postmenopausal estrogen replacement on the concentrations and metabolism of plasma lipoproteins. N Engl J Med. 1991;325(17):1196-204.
  • 20. Inazu AJ, Koizumi J, Mabuchi H. Cholesteryl ester transfer protein and atherosclerosis. Curr Opin Lipidol. 2000;11(4):389-96.
  • 21. Zhong S, Sharp DS, Grove JS, Bruce C, Yano K, Curb JD, et al. Increased coronary heart disease in Japanese-American men with mutation in the cholesteryl ester transfer protein gene despite increased HDL levels. J Clin Invest. 1996;97(12):2917-23.
  • 22. Bhatnagar D, Durrington PN, Channon KM, Prais H, Mackness MI. Increased transfer of cholesteryl esters from high density lipoproteins to low density and very low density lipoproteins in patients with angiographic evidence of coronary artery disease. Atherosclerosis. 1993;98(1):25-32.
  • 23. Sacks FM, Walsh BW. The effects of reproductive hormones on serum lipoproteins: unresolved issues in biology and clinical practice. Ann NY Acad Sci. 1990;592:272-85.
  • 24. Hirano K, Yamashita S, Matsuzawa Y. Pros and cons of inhibiting cholesteryl ester transfer protein. Curr Opin Lipidol. 2000;11(6):589-96.
  • 25. Bednarek-Tupikowska G, Tupikowski K, Bidzińska B, Bohdanowicz-Pawlak A, Antonowicz-Juchniewicz J, Kosowska B, et al. Serum lipid peroxides and total antioxidant status in postmenopausal women on hormone replacement therapy. Gynecol Endocrinol. 2004;19(2):57-63.
  • 26. Kesim MD, Aydin Y, Erdemir M, Atis A. Nitric oxide in postmenopausal women taking three different HT regimens. Maturitas. 2005;50(1):52-7.
  • 27. White RE, Gerrity R, Barman SA, Han G. Estrogen and oxidative stress: a novel mechanism that may increase the risk for cardiovascular disease in women. Steroids. 2010;75(11):788-93.
  • 28. Salhotra S, Arora S, Anubhuti, Trivedi SS, Bhattacharjee J. Influence of menopause on biochemical markers of endothelial dysfunction-A case-control pilot study in North Indian population. Maturitas. 2009;62(2):166-70.
  • 29. Baud O, Greene AE, Li J, Wang H, Volpe JJ, Rosenberg PA. Glutathione peroxidase-catalase cooperativity is required for resistence to hydrogen peroxide by mature rat oligodendrocytes. J Neurosci. 2004;24(7):1531-40.
  • 30. Cotgreave I, Moldedeus P, Orrenius S. Host biochemical defense mechanisms against prooxidants. Annu Rev Pharmacol Toxicol. 1988;28:189-212.
  • 31. Cagnacci A, Tarquini R, Perfetto F, Arangino S, Zanni AL, Cagnacci P, et al. Endothelin-1 and nitric oxide levels are related to cardiovascular risk factors but are not modified by estradiol replacement in healthy postmenopausal women. A cross-sectional and a randomized cross-over study. Maturitas. 2003;44(2):117-24.
  • 32. Park E, Kyoung Park Y, Kim SM, Lee HJ, Kang MH. Susceptibility to oxidative stress is greater in Korean Patients with Coronary Artery Disease than Healthy Subjects. J Clin Biochem Nutr. 2009;45(3):341-6.
  • 33. Borras C, Gambini J, Gomez-Cabrera MC, Sastre J, Pallardó FV, Mann GE, et al. 7 Beta-oestradiol up-regulates longevity-related, antioxidant enzyme expression via the ERK1 and ERK2[MAPK]/ NFkappaB cascade. Aging Cel. 2005;4(3):113-8.
  • 34. Mittal PC, Kant R. Role of free radicals in menopausal distress. J Clin Diagn Res. 2009;3:1900-2.
  • 35. Abbas AM, Elsamanoudy AZ. Effects of 17β-estradiol and antioxidant administration on oxidative stress and insulin resistance in ovariectomized rats. Can J Physiol Pharmacol. 2011;89(7):497-504.
  • 36. Dabrosin C, Hammar M, Ollinger K. Impact of oestradiol and progesterone on antioxidant activity in normal human breast epithelial cells in culture. Free Radic Res. 1998;28(3):241-9.
  • 37. Mobley JA, Bruegggemeler RW. Estrogen receptor-mediated regulation of oxidative stress and damage in breast cancer. Carcinogenisis. 2004;25(1):3-9.
  • 38. Ahn J, Nowell S, McCann SE, Yu J, Carter L, Lang NP, et al. Associations between catalase phenotype and genotype: modification by epidemiologic factors. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2006;15(6):1217-22.
  • 39. Escalante Gómez C, Quesada Mora S. HRT decreases DNA and lipid oxidation in postmenopausal women. Climacteric. 2012 Apr 24 [
  • Endereço para correspondência:
    Eliana C de Faria
    Departamento de Patologia Clínica, FCM
    Universidade de Campinas
    Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Barão Geraldo
    CEP 13084-971, Campinas, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      21 Dez 2011
    • Aceito
      06 Jul 2012
    • Revisado
      06 Jul 2012
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br