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Hematoma intramural da aorta descendente

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Hematoma intramural da aorta descendente

Bruno Botelho Pinheiro; Walter Vosgrau Fagundes; Rafael Haddad; Maria Cardoso Ramos

Goiânia, GO

Equipe Clinicord - Hospital Santa Genoveva - Goiânia - GO

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Bruno Botelho Pinheiro Rua 17-A, nº 1419/1600 Cep 74075-160 - Goiânia - GO E-mail: botelhop@cardiol.br

Mulher de 58 anos, com dor abdominal de forte intensidade há 3 anos, nas regiões epigástrica e umbilical, acompanhada de episódio de síncope, tendo sido internada em outro serviço com o diagnóstico provável de pancreatite aguda, não confirmado pelos exames complementares, recebeu alta hospitalar após 5 dias em uso de analgésicos. Há 1 ano, houve recorrência da dor abdominal acompanhada de lipotímia e sudorese e há 6 meses vinha apresentando quadro de dor precordial, torácica paravertebral esquerda e abdominal, não relacionadas ao esforço e de moderada intensidade. Negava passado de hipertensão arterial, alcoolismo, tabagismo, diabetes mellitus, dislipidemia, doenças infecciosas e trauma. Não estava em uso de nenhuma medicação.

Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, corada, hidratada, sem sinais de distúrbios vestibulares, bulhas normorrítmicas e normofonéticas, sem sopros cardíacos, PA = 130/80 mmHg, FC = 88 bpm, pulsos periféricos simétricos, ausência de edema em membros inferiores e turgência jugular, murmúrio vesicular fisiológico, FR = 13 ipm, abdome flácido e levemente doloroso à palpação profunda, sem visceromegalias.

O eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal, ÂQRS = 50º, sem sinais de isquemia miocárdica ou sobrecargas atriais e ventriculares. A radiografia de tórax evidenciou área cardíaca normal, campos pleuropulmonares sem anormalidades e aorta descendente levemente aumentada de diâmetro. Solicitada angiotomografia computadorizada helicoidal de tórax e abdome, que evidenciou presença de extenso hematoma intramural da aorta descendente, iniciando-se próximo a origem da artéria subclávia esquerda e estendendo-se até a bifurcação da aorta abdominal (fig. 1). A espessura da parede da aorta descendente ao nível de T-6 era de 8 mm. Introduzido atenolol na dose de 50 mg/dia e iniciado protocolo de reavaliação clínica mensal e angiotomográfica trimestral.


O hematoma intramural da aorta foi descrito em 1920 como "dissecção sem ruptura da íntima" e considerado uma entidade patológica distinta durante as necrópsias1. Com o surgimento dos modernos métodos de imagens, seu diagnóstico in vivo tornou-se possível2. Atualmente, o hematoma intramural da aorta é considerado um precursor das dissecções agudas da aorta, originando-se da ruptura dos vasa vasorum da camada média; ocasionalmente provoca ruptura secundária da íntima e comunicação da camada média com o lumem da aorta. Semelhante às dissecções clássicas, pode estender-se por toda aorta, progredir, regredir ou ser absorvido3.

O quadro clínico inicial não se diferencia na maioria das vezes das dissecções clássicas da aorta. A dor torácica anterior ou posterior, em paciente hipertenso, é o achado mais comum. Alterações no diâmetro ou no contorno da aorta torácica à radiografia de tórax acha-se presente em aproximadamente 90% dos pacientes4.

A exclusão de ruptura da íntima ou lâmina de dissecção é pré-requisito para o diagnóstico de hematoma intramural através de um método de imagem. O espessamento regional da parede da aorta > 7 mm, de forma circunferencial ou crescente, e/ou evidência de acúmulo de sangue na camada média é critério diagnóstico para hematoma intramural da aorta5,6. Na tomografia computadorizada, o hematoma recente é caracterizado por uma área de maior densidade em relação as camadas adjacentes da parede aórtica; contrariamente, a trombose parcial ou total é evidenciada como multiplas camadas de densidade crescente7. A sensibilidade diagnóstica parece não ser muito diferente entre a tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética e o ecocardiograma transesofágico. A escolha de uma modalidade específica depende de algumas variáveis, incluindo a condição clínica do paciente, a preferência do médico e a disponibilidade do método8.

No caso relatado, a presença de espessamento da parede aórtica de 8 mm e de alta densidade, sugere hematoma intramural recente. Portanto, acreditamos que o início do evento ocorreu nos últimos 6 meses, coincidindo com o quadro clínico de dor torácica e abdominal persistente.

O hematoma intramural é mais freqüente em pessoas idosas e hipertensas, nas quais espessamento da parede aórtica secundário à doença aterosclerótica e dilatação aneurismática com trombo mural são comuns, podendo constituir-se num desafio diagnóstico. A identificação da íntima e a observação criteriosa da superfície interna da parede aórtica espessada são fundamentais para o diagnóstico diferencial8.

Estima-se que o hematoma intramural possa provocar dissecção aguda em 28% a 47% dos pacientes e em 10%, pode regredir espontaneamente3. Nienaber e cols2. demonstraram que a mortalidade hospitalar, para os pacientes que apresentavam comprometimento da porção ascendente da aorta, era de 80% no grupo tratado clinicamente e 0% no grupo submetido à cirurgia. Aqueles com comprometimento da aorta descendente, não apresentaram diferença significativa de mortalidade entre os grupos clínico e cirúrgico.

A classificação de Stanford para as dissecções agudas da aorta parece também válida para os hematomas intramurais. Pacientes com hematoma intramural tipo A (envolvimento da aorta ascendente), com dor persistente ou recorrente devem ser tratados cirurgicamente com substituição do segmento afetado, devido ao risco de ruptura, tamponamento e compressão dos óstios coronarianos2. Pacientes com hematoma intramural tipo B (envolvimento da aorta descendente) são conduzidos clinicamente2 e, eventualmente, com colocação de endoprótese vascular9. No manuseio clínico, estudos com métodos de imagens seriados são necessários para avaliar a progressão ou regressão do hematoma intramural da aorta.

Referências

1. Krukenberg E. Beiträge zur Frage des Aneurysma dissecans. Beitr Pathol Anat Allg Pathol 1920; 67: 329-51.

2. Nienaber CA, von Kodolitsch Y, Petersen B, et al. Intramural hemorrhage of the thoracic aorta. Diagnostic and therapeutic implications. Circulation 1995; 92: 1465-72.

3. Nienaber CA, Eagle KA. Aortic dissection: new frontiers in diagnosis and management: Part I: from etiology to diagnostic strategies. Circulation 2003; 108: 628-35.

4. O'Gara PT, De Sanctis RW. Acute aortic dissection and its variants. Toward a common diagnostic and therapeutic approach. Circulation 1995; 92: 1376-8.

5. Yamada T, Tada S, Harada J. Aortic dissection without intimal rupture: diagnosis with MR imaging and CT. Radiology 1988; 168: 347-52.

6. Stanson AW, Welch TJ, Ehman RL, Sheedy PF II. A variant of aortic dissection: computer tomography and magnetic resonance findings. Cardiovasc Imaging 1989; 1: 55-9.

7. Wolverson MK, Crepps LF, Sundaram M, Heiberg E, Vas GW, Shields JB. Hyperdensity of recent hemorrhage at body computed tomography: incidence and morphologic variation. Radiology 1983; 148: 779-84.

8. Song JK. Diagnosis of aortic intramural haematoma. Heart 2004; 90: 368-71.

9. Nesser HJ, Eggebrecht H, Baumgart D, et al. Emergency stent-graft placement for impending rupture of the descending thoracic aorta. J Endovasc Ther 2002; 9 (suppl 2): II72-8.

Enviado em 27/04/2004 - Aceito em 06/10/2004

  • Endereço para correspondência

    Dr. Bruno Botelho Pinheiro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005
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