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Aneurisma de artéria coronária um ano e cinco meses pós-implante de stent com eluição de sirolimus

Resumos

Paciente de 52 anos de idade, do sexo masculino, com diagnóstico de angina instável pós-infarto. A angiografia coronariana revelou obstrução luminal de 90% no terço médio da artéria coronária direita e de 90% no ramo marginal da artéria circunflexa. Após o uso de clopidogrel 300 mg associado ao ácido acetilsalicílico, o paciente foi submetido a implante de stent com eluição de sirolimus (CYPHER; Johnson&Johnson-Cordis) 2,5 x 18 mm, na lesão do ramo marginal esquerdo. Após um ano e cinco meses do implante do stent CYPHER, foi observada em nova angiografia a presença de aneurisma coronariano intra-stent, no ramo marginal esquerdo. O presente relato sugere que o implante de stent coronariano revestido com sirolimus pode ocasionar, tardiamente, a formação de aneurisma da artéria coronária.


A 52-year-old man with diagnosis of post-infarction unstable angina. Coronary angiography revealed 90% luminal obstruction in the middle third of the right coronary artery and 90% in the marginal branch of the circumflex artery. After the administration of clopidogrel 300 mg associated with acetylsalicylic acid, the patient underwent the implantation of a sirolimus-eluting stent (CYPHER; Johnson & Johnson Cordis) 2.5 x 1.8 mm in the lesion located at the left marginal branch. One year and five months after the CYPHER stent implantation, a new angiography showed intrastent coronary aneurysm at the left marginal branch. This case report suggests that the implantation of a sirolimus-coated coronary stent may cause late formation of coronary artery aneurysm.


RELATO DE CASO

Aneurisma de artéria coronária um ano e cinco meses pós-implante de stent com eluição de sirolimus

Luciano Abreu; George César Ximenes Meireles; Antonio Artur Forte; Marcos Sumita; Jorge Hayashi; José Solano

Departamento de Cardiologia do Hospital Stella Maris - São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência George Ximenes Meireles Rua Sena Madureira, 1265/102 04021-051 - São Paulo, SP E-mail: gcxm@cardiol.br

RESUMO

Paciente de 52 anos de idade, do sexo masculino, com diagnóstico de angina instável pós-infarto. A angiografia coronariana revelou obstrução luminal de 90% no terço médio da artéria coronária direita e de 90% no ramo marginal da artéria circunflexa. Após o uso de clopidogrel 300 mg associado ao ácido acetilsalicílico, o paciente foi submetido a implante de stent com eluição de sirolimus (CYPHER; Johnson&Johnson-Cordis) 2,5 x 18 mm, na lesão do ramo marginal esquerdo. Após um ano e cinco meses do implante do stent CYPHER, foi observada em nova angiografia a presença de aneurisma coronariano intra-stent, no ramo marginal esquerdo. O presente relato sugere que o implante de stent coronariano revestido com sirolimus pode ocasionar, tardiamente, a formação de aneurisma da artéria coronária.

Os estudos randomizados com o uso de stents com eluição de drogas demonstraram inibição da hiperplasia neointimal na grande maioria dos pacientes1,2. Com o crescente uso desses stents, informações sobre os efeitos dos mesmos em longo prazo são de extrema importância. A presença de aneurisma coronariano um ano e cinco meses pós-implante de stent com eluição de sirolimus suscita grande interesse pela ausência de relato de caso anterior.

RELATO DO CASO

Paciente de 52 anos de idade do sexo masculino foi admitido com história de dor precordial opressiva de forte intensidade, em repouso. Apresentava como fatores de risco para doença coronariana hipertensão arterial sistêmica e tabagismo, e fazia uso de captopril 12,5 mg duas vezes ao dia. Foram realizados eletrocardiograma e dosagem de enzimas, diagnosticando-se infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST. Durante a evolução hospitalar, apresentou dor precordial e diagnosticou-se angina pós-infarto. Ao exame físico, apresentava pressão arterial de 120/70 mmHg e freqüência cardíaca de 80 bpm. A ausculta cardiopulmonar era normal.

O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal, sem anormalidades. A radiografia do tórax mostrou índice cardiotorácico de 0,5, aorta alongada e campos pleuro-pulmonares normais.

O paciente foi submetido a angiografia coronariana pela técnica de Sones que revelou obstrução luminal de 90% no terço médio da artéria coronária direita (ACD) e de 90% no primeiro ramo marginal da artéria circunflexa (MG) (fig. 1). A ventriculografia esquerda mostrou hipocontratilidade ínfero-lateral discreta.


O paciente foi medicado, no mesmo dia da angiografia, com clopidogrel 300 mg e ácido acetilsalicílico (AAS) 200 mg, e no dia seguinte, após pré-dilatação com cateter-balão Wordpass (Johnson&Johnson-Cordis) 2,0 x 20 mm, foi submetido a implante de stent com eluição de sirolimus (CYPHER; Johnson&Johnson-Cordis) 2,5 x 18 mm na lesão do ramo MG com sucesso (fig. 2). O stent foi liberado com pressão de 12 atm e a via utilizada foi a artéria femoral direita (AFD).


A análise angiográfica quantitativa pelo Sistema Phyllips das medidas do ramo marginal esquerdo revelou, no pré-implante, diâmetro de referência 2,50 mm, porcentual da estenose em diâmetro 81,01%, diâmetro luminal mínimo 0,47 mm e extensão da lesão 8,21 mm. Após o implante, obteve-se diâmetro de referência 2,50 mm e diâmetro luminal mínimo 2,54 mm (fig. 3).


Os exames laboratoriais pós-procedimento revelaram creatinofosfoquinase de 60U/l com fração MB 5U/l e desidrogenase láctica 227 U/ml. O introdutor da AFD foi retirado após 4 horas do procedimento e foi realizada compressão manual local por 15 minutos. Não ocorreu sangramento ou hematoma após a compressão.

Durante a internação, o paciente evoluiu sem precordialgia, sem alterações eletrocardiográficas ou enzimáticas. Após dois dias do implante de stent, recebeu alta hospitalar com prescrição de clopidrogel 75 mg/dia até completar sessenta dias e AAS 200 mg indefinidamente.

Após 36 dias do implante do primeiro stent, foi realizado o implante de stent Bx Velocity (Johnson&Johnson-Cordis) 4,0 x 23 mm com sucesso na lesão da ACD.

O paciente apresentou novo episódio de dor precordial um ano e cinco meses pós-implante do stent com eluição de sirolimus. Foi então submetido a nova angiografia coronariana, que revelou a presença de aneurisma coronariano no ramo marginal, na porção proximal intra-stent, sem obstrução luminal em ambos os stents (fig. 4).


DISCUSSÃO

A formação de aneurisma da artéria coronária, definida como uma dilatação na artéria coronária que excede 1,5 vez o diâmetro de referência dos segmentos coronários adjacentes angiograficamente normais3, foi relatada após angioplastia coronariana, aterectomia coronariana direcionada e angioplastia por laser com uma freqüência que varia de 2% a 10%4. No estudo STRESS3 foi observada a presença de aneurisma da artéria coronária em 3,9% dos pacientes submetidos a implante de stent de Palmaz-Schatz.

O implante de stent associado a agentes anti-inflamatórios foi relacionado a aumento da freqüência de aneurismas coronarianos. Rab e cols.5 relataram a ocorrência de aneurisma da artéria coronária em 32% dos pacientes pós-implante de stent, quando corticóide e colchicina foram administrados após o procedimento. Esses investigadores concluíram que a formação de aneurisma estava provavelmente aumentada pelo uso concomitante de agentes anti-inflamatórios.

Os novos stents com eluição de drogas aprovados para a prática clínica, tais como o paclitaxel6 e o sirolimus1,2, são capazes de inibir a hiperplasia neointimal. O sirolimus age especificamente na fase G1 do ciclo celular. Por sua ação precoce no ciclo celular, o sirolimus pode bloquear a proliferação celular, com potencial seqüela vascular tardia2. Em adição, o sirolimus estimula a apoptose e reduz a inflamação7. Assim, os stents com eluição de drogas podem levar à formação de aneurisma coronariano e dentre os achados tardios pós-implante, a aposição incompleta das hastes do stent poderia ser o mecanismo responsável.

A aposição incompleta tardia das hastes do stent, observada durante o seguimento com ultra-som intracoronariano em pacientes que receberam stents com eluição de sirolimus, é um fenômeno local, definida como a separação de uma ou mais hastes do stent da intima, não sobrepondo ramo lateral e com evidência de fluxo sangüíneo atrás da haste. Ocorre em 4% a 5% dos stents não revestidos com drogas e em número desconhecido nos revestidos. Muitas hipóteses foram formuladas para explicar sua origem, tais como remodelamento vascular regional positivo, regressão da placa, dissolução tardia do material trombótico aprisionado pelas hastes do stent, necrose celular, apoptose e reação alérgica ao sirolimus8.

Nos estudos RAVEL1 e SIRIUS2, E-SIRIUS3 e C-SIRIUS4, a presença de aneurisma não foi relatada, nos pacientes avaliados pela angiografia e ultra-som intracoronariano, seis a oito meses pós-implante de stent revestido com sirolimus.

Recentemente, foram avaliados 13 pacientes com aposição incompleta, por meio do ultra-som intracoronariano seis e doze meses pós-implante de stent com eluição de sirolimus e observou-se que a área de aposição incompleta não se alterou nesse período, exceto para um paciente, em que se observou a presença de aneurisma coronariano no seguimento aos doze meses, provavelmente preexistente na época do implante e não observado por estar preenchido por trombo. Baseado no fato que a eluição de sirolimus das hastes do stent permanece por apenas seis semanas, com uma meia-vida do sirolimus no tecido de 60 horas, o sirolimus por si é improvável induzir alteração na parede do vaso a longo prazo. Foi então levantada a possibilidade de que esse aneurisma provavelmente estivesse presente desde a primeira avaliação, mascarado por um trombo9.

No presente caso, uma possível explicação para a formação do aneurisma, não relacionada ao uso do stent com eluição de sirolimus, é que, se tratando de infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST, tenha ocorrido uma dissecção espontânea, não visível pela angiografia, e que foi responsável pelo desencadeamento da síndrome coronariana aguda. A presença de dissecção já foi observada por ultra-som intracoronariano previamente ao implante de Palmaz-Schatz, e a imagem não desapareceu completamente logo após o implante. A angiografia foi repetida após seis meses e observou-se a presença de aneurisma intra-stent. O ultra-som coronariano revelou que a mesma dissecção apresentava continuidade com o aneurisma coronariano, sugerindo ser esta a responsável pela sua formação10.

Uma limitação no estudo do presente caso foi a não-realização do ultra-som intracoronariano, que é a única maneira de detectar aposição incompleta do stent.

Não foi realizada nenhuma outra terapêutica nesse caso, pois os pacientes com aneurisma da artéria coronária pós-intervenção coronariana percutânea têm mostrado curso clínico benigno, sem associação com aumento da mortalidade, infarto agudo do miocárdio ou ruptura arterial3.

Recebido em 07/12/04

Aceito em 04/05/05

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  • Endereço para correspondência

    George Ximenes Meireles
    Rua Sena Madureira, 1265/102
    04021-051 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Nov 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Maio 2005
    • Recebido
      07 Dez 2004
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