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NÃO HÁ VANTAGENS ENTRE AS RESSECÇÕES HEPÁTICAS LAPAROSCÓPICAS E ABERTAS DENTRO DE UM PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO AVANÇADA (ERAS/ACERTO)

RESUMO

Racional:

O uso do protocolo Recuperação Otimizada Após Cirurgia (ERAS/ACERTO) com sucesso na cirurgia colorretal favoreceu a aplicação dele em outros órgãos; as ressecções hepáticas não foram excluídas dessa tendência. Alguns autores sugerem que a abordagem laparoscópica é elemento central para a obtenção de melhores resultados.

Objetivo:

Comparar as ressecções hepáticas laparoscópicas e abertas dentro de um ACERTO para avaliar se existem diferenças entre as duas técnicas.

Métodos:

Estudo descritivo comparando 80 ressecções hepáticas divididas em dois grupos, as realizadas por laparoscopia e aquelas por laparotomia. Foram analisados dados demográficos, referentes à hepatectomia e ao ACERTO.

Resultados:

Foram realizadas 47 ressecções por laparotomia e o restante por laparoscopia; houve apenas uma conversão para laparotomia no grupo da laparoscopia. Do total, 17 ressecções foram hepatectomias maiores e em 18 ressecções simultâneas. Não houve diferenças entre os procedimentos quanto ao tempo de internação e número de complicações. Houve maior adesão ao ACERTO (p=0,046) e deambulação mais rápida (p=0,001) na operação aberta.

Conclusão:

O procedimento, seja laparotômico ou laparoscópico nas ressecções hepáticas, não parece mostrar diferenças em uma avaliação ERAS/ACERTO.

DESCRITORES:
Hepatectomia; Laparoscopia; Recuperação pós-cirúrgica melhorada

ABSTRACT

Background:

The use of a successful Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) in colorectal surgery favored its application in other organs, and hepatic resections were not excluded from this tendency. Some authors suggest that the laparoscopic approach is a central element to obtain better results.

Aim:

To compare the laparoscopic vs. open hepatic resections within an ERAS to evaluate if there are any differences between them.

Methods:

In a descriptive study 80 hepatic resections that were divided into two groups, regarding to whether they were submitted to laparoscopy or open surgery. Demographic data, those referring to the hepatectomy and the ERAS was analyzed.

Results:

Forty-seven resections were carried out in open surgery and the rest laparoscopically; in the first group there was only one conversion to open surgery. Of the total, 17 resections were major hepatectomies and in 18 simultaneous resections. There were no differences between procedures regarding hospital stay and number of complications. There was a greater adherence to the ERAS (p=0.046) and a faster ambulation (p=0.001) in the open surgery.

Conclusion:

The procedure, whether open or laparoscopically done in hepatic resections, does not seem to show differences in an ERAS evaluation.

HEADINGS:
Hepatectomy; Laparoscopy; Enhanced recovery after surgery

INTRODUÇÃO

Os programas de uso de protocolos de Recuperação Otimizada Após Cirurgia (ERAS ou ACERTO) foram introduzidos por Kehlet e Wilmore1010 Kehlet H, Wilmore D. "Multimodal strategies to improve surgical outcome". Am J Surg 2002, 183:630-41. na cirurgia colorretal, sendo posteriormente utilizados em diversas doenças e vísceras44 Dai J, Jiang Y, Fu D. "Reducing postoperative complications and improving clinical outcome:Enhanced recovery after surgery in pancreatticoduodenectomy. A retrospective cohort study". Int J Surg 2017, 39:176-81. A maioria dos autores concorda que a redução do tempo de internação, custos e complicações são as principais vantagens de seu uso88 Jones C, Kelliher L, Dickinson M, Riga A, Worthinton T, Scott M, Vandrevala T, Fry C, Karanjia N, Quiney N. "Randomized clinical trial on enhanced recovery versus standard care following open liver resection". Br J Surg 2013, 100:1015-24.,1111 Le L, Jinming C, Zhonghua L, Qiang L, Ying S. "Enhanced recovery program versus traditional care after hepatectomy": Medicine 2017, 96: 38-44.,1313 Muller S, Zalunardo M, Hubner M, Clavien P, Demartines N, Zurich fast track Study Group . "A fast track program reduces complications and lenght of hospital stay after open colonic surgery". Gastroenterology 2009, 136:942-47.,2020 Roulin D, Donadini A, Gander S, Griesser A, Blanc C, Hubner M, Schafer M, Demartines N. "Cost-effectiveness of the implementation of an enhanced recovery protocol for colorectal surgery" Br J Surg 2014, 100:1108-14.,2323 Teixeira UF, Fontes PRO, Conceição CWN, Farias CAT, Fernandes D, Ewald IP, Vitola L, Mendes FF. Implementation of enhanced recovery after colorectal surgery (ERAS) protocol: initial results of the first brazilian experience. Arq Bras Cir Dig. 2019 Feb 7;32(1):e1419. doi: 10.1590/0102-672020180001e1419. PMID: 30758467; PMCID: PMC6368157.
https://doi.org/10.1590/0102-67202018000...
,2424 Teixeira UF, Goldoni MB, Waechter FL, Sampaio JA, Mendes FF, Fontes PRO. Enhanced recovery (ERAS) after liver surgery:comparative study in a brazilian terciary center. Arq Bras Cir Dig. 2019 Feb 7;32(1):e1424. doi: 10.1590/0102-672020180001e1424. PMID: 30758472; PMCID: PMC6368150.
https://doi.org/10.1590/0102-67202018000...
,2525 Thornblade L, Seo Y, Kwan T, Cardoso J, Pan E, Dembo G et al. "Enhanced recovery via peripheral nerve block for open hepatectomy". J Gastrointest Surg 2018, 22;981-88.. As hepatectomias não foram excluídas dessa tendência e múltiplos estudos, às vezes com programas heterogêneos, têm sido publicados relatando resultados animadores, notando diminuição importante na permanência hospitalar e com isso redução de custos de US$ 2.00033 Connor S, Cross A, Sakowska M, Linscott D, Woods J. "Effects of introducing an enhanced recovery after surgery programme for patients undergoing open hepatic resection". HPB 2013, 15:294-301.,1212 Liang X, Ying H, Wang H, Xu H, Yu H, Cai L, Wang Y, Tong Y, Ji L, Luo R, Cai X . "Enhanced recovery program versus traditional care in laparoscopic hepatectomy". Medicine 2016, 95 (8): e2835. DOI 10.1097/MD.0000000000002835.
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000002...
ou até mais2525 Thornblade L, Seo Y, Kwan T, Cardoso J, Pan E, Dembo G et al. "Enhanced recovery via peripheral nerve block for open hepatectomy". J Gastrointest Surg 2018, 22;981-88.. Outro ponto que alguns autores mencionam é a diminuição do número de complicações, embora a literatura seja bastante contraditória neste assunto55 Dasari B, Rahman R, Shakeeb K, Bennett D, Hodson J, Isaac J, Marudanayagan J, Mirza D, Muiesan P, Roberts K, Sutcliffe R. "Safety and feasibility of an enhanced recovery pathway after a liver resection: prospective cohort study." HPB 2015, 17:700-706.. Em estudo publicado anteriormente onde comparamos hepatectomias abertas por metástases de origem colorretal dentro e fora de um ACERTO, observamos que houve redução de até 50% no tempo de internação, mas sem diferença no percentual de complicações1414 Nari G, Molina L, Gil F, Viotto L, Layun J, Mariot D et al. Enhanced recovery after surgery (ERAS) in open liver resections of hepatic colorectal metastasis. Initial experience. Rev Argent Cirug 2016, 108:9-13..

A abordagem minimamente invasiva é considerada por alguns autores fundamental para o sucesso de um ACERTO33 Connor S, Cross A, Sakowska M, Linscott D, Woods J. "Effects of introducing an enhanced recovery after surgery programme for patients undergoing open hepatic resection". HPB 2013, 15:294-301.. Trabalhos comparando ressecções hepáticas abertas vs. laparoscópicas dentro deste programa são escassos.

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados entre hepatectomias abertas e laparoscópicas em um ACERTO idêntico por duas equipes cirúrgicas.

MÉTODO

Desenho do estudo

Esta é uma análise transversal, observacional e descritiva de pacientes tratados por duas equipes cirúrgicas em três instituições diferentes com a aplicação de um ACERTO comparando os resultados de hepatectomias abertas vs. laparoscópicas em três anos. As laparoscópicas foram realizadas em sua totalidade pela equipe cirúrgica do Hospital Josep Trueta, Girona, Espanha, enquanto a maioria das hepatectomias abertas foram realizadas nas outras duas instituições.

Protocolo de Recuperação Otimizada Após Cirurgia (ACERTO)

Um ACERTO com pontos básicos com um nível de evidência mais alto recomendado pela sociedade ERAS foi acordado por ambas as equipes e aplicado a todos os pacientes no estudo com consentimento informado previamente assinado.

Pré-operatório

Informações completas sobre o procedimento, vantagens e sua abrangência total, envolvendo ativamente o paciente em seu desenvolvimento.

Dia da operação

Dieta da noite antes da operação: ingestão de líquidos com alto teor de carboidratos até 2 h antes do ato operatório; uso de heparina de baixo peso molecular 12 h antes do procedimento.

Intraoperatório

Controle de fluidoterapia (equilíbrio próximo a zero); restrição, quando possível, do uso de drenos por escolha de cada cirurgião; intubação nasogástrica com retirada no final da operação; cateter peridural ou morfina intratecal.

Pós-operatório

Retirada da fluidoterapia nas primeiras 48 h; uso regulamentado de procinéticos; iniciar a ingestão de líquido oral nas primeiras 24 h; início de dieta regular em até 48 h; remoção do cateter vesical nas primeiras 24 h; início precoce da deambulação.

Critérios para considerar a recuperação funcional total

Controle da dor com analgésicos orais; nenhum uso de fluidos intravenosos; mobilização por meios próprios no nível pré-operatório ou similar; ingestão de alimentos sólidos; níveis normais de bilirrubina ou começando a diminuir para a normalidade; recuperação funcional total avaliada no momento da alta do paciente.

A adesão ao ACERTO foi feita por meio de um checklist com os pontos do programa previamente descritos em que cada cirurgião assinalava “sim” ou “não” de acordo com o cumprimento de cada um dos itens da lista.

Foram avaliados dados demográficos, referentes à etiologia e hepatectomias, evolução pós-operatória e dados do ACERTO. As hepatectomias foram classificadas segundo a classificação de Brisbane; o extravasamento de bile segundo a proposta do International Study Group of Liver Surgery; a insuficiência hepática segundo o critério 50/50%; e as complicações segundo a classificação de Dindo-Clavien.

Foi realizada operação com redução controlada da pressão venosa central em todos os pacientes e a pressão arterial média foi medida em todos eles. Bandagem de membro inferior foi usada em todos os pacientes como medida de profilaxia antitrombótica. Profilaxia antibiótica foi usada em todos os pacientes. A ultrassonografia intraoperatória foi usada em todos os pacientes para investigar lesões e reconhecer a anatomia intra-hepática.

Análise estatística

Variáveis ​​categóricas foram descritas usando proporções, variáveis ​​contínuas simétricas média e desvio-padrão e variáveis ​​contínuas assimétricas usando mediana e intervalo. O teste qui-quadrado foi utilizado para comparar proporções entre os grupos, bem como o teste exato de Fisher quando apropriado. Para as comparações de média entre os grupos, foi aplicado o teste U de Mann-Whitney, considerado mais adequado que o T-Student devido ao tamanho reduzido da amostra. Em todos os casos, um erro alfa bilateral de <5% foi considerado. Os dados foram analisados ​​com o software PASW 18

RESULTADOS

Oitenta ressecções hepáticas foram incorporadas ao estudo, 47 ressecções (58,7%) com a abordagem aberta e o restante laparoscopicamente realizadas; houve apenas uma conversão (3,03%). Do total, 17 (21,2%) foram hepatectomias maiores (ressecção de três ou mais segmentos consecutivos do fígado segundo Couinaud) e em 18 (22,5%) foram realizadas ressecções simultâneas de metástases hepáticas e câncer colorretal primário. 85% das ressecções foram indicadas por doença maligna e, destas, a grande maioria por metástases de câncer colorretal. O período de internação de toda a série teve em média 3,9 dias, a adesão ao protocolo foi de 72,5% e a recuperação total de 85%. O restante dos dados gerais da série pode ser visto na Tabela 1.

A Tabela 2 mostra os dados demográficos dos dois grupos onde não foram observadas diferenças em relação à idade, gênero ou IMC, destacando-se maior número de pacientes com menor risco cirúrgico nos pacientes submetidos à laparotomia e maior consumo de álcool no grupo de pacientes submetidos à laparoscopia.

A Tabela 3 mostra os dados referentes às hepatectomias. Embora não tenha havido significância estatística, no grupo laparotômico houve maior número de ressecções hepáticas importantes (12-25,5% vs. 4-15,1%) e ressecções simultâneas de ambas as metástases hepáticas e do tumor colorretal primário (14-29,7 % vs. 1-12,1%).

TABELA 1
Dados gerais da série em 80 ressecções hepáticas

TABELA 2
Dados demográficos

TABELA 3
Dados das ressecções hepáticas

Em ambos os grupos não houve diferenças em termos de complicações (n=7, 14,8% vs. n=6, 18,1%), no grupo laparotomia houve cinco complicações tipo I e uma tipo 5 que representa a única causa de morte da série, enquanto na abordagem laparoscópica houve mais complicações do tipo II e III. A permanência hospitalar não apresentou diferenças significativas entre os dois grupos, com e sem readmissão, a média de dias no grupo de cirurgia laparoscópica, quando as reinternações foram contadas, foi de sete dias, em parte devido ao fato das complicações neste grupo serem mais sérias. Houve diferença significativa (p=0,019) em relação à colocação dos drenos na cavidade abdominal; foram usados ​​22 vezes (46,8%) na operação aberta e sete (21,2%) na laparoscópica. O maior número de ressecções simultâneas e maiores no grupo laparotômico condicionou essa diferença. Por outro lado, o tempo operatório foi menor na laparotomia do que na laparoscopia (p=0,001).

Houve um único óbito por insuficiência respiratória no pós-operatório imediato após trissegmentectomia direita (2,12%), enquanto na via laparoscópica não houve mortalidade.

TABELA 4
Resultados do ACERTO

A Tabela 4 mostra os resultados do ACERTO implementado, onde os dados marcantes e a diferença mais significativa observável foram devidos à maior adesão ao programa (p=0,046), ao início da deambulação (p=0,001) e à retirada do cateter vesical (p=0,022) que aponta a favor da operação aberta. Enquanto isso, embora não tenha havido diferença significativa em termos de recuperação total, melhor desempenho foi observado no grupo de operação laparoscópica

DISCUSSÃO

O sucesso da aplicação de um ACERTO em grandes operações de cólon e reto estimulou sua aplicação em outros órgãos. O uso dele em procedimentos hepáticas tem sido cada vez mais indicado em diversos serviços cirúrgicos. Sabe-se que a aplicação do ACERTO tem sido benéfica devido à diminuição do tempo de internação e, consequentemente, dos custos1717 Page A, Ejaz A, Spolverato G, Zavadsky T, Grant M, Galante D, Wick E, Weiss M, MaKary M, Wu C, Pawilk T. "Enhanced recovery after surgery protocols for open hepatectomy physiology, immunomodulation and implementation." J Gastrointest Surg 2015, 19:387-99.,2222 Savikko J, Vikatmaa L, Hiltunen AM, Mallat N, Tukiainen E. "Enhanced recovery in laparoscopic liver surgery". Surgical Endoscopy 2020 https://doi.org/10.1007/s00464-020-07470-2.
https://doi.org/10.1007/s00464-020-07470...
. Poucos estudos compararam os resultados desses programas em hepatectomias abertas e laparoscópicas. A abordagem minimamente invasiva tem sido considerada um dos principais pontos para se obter recuperação funcional mais rápida e de melhor qualidade quando comparada à abordagem aberta em pacientes submetidos a ressecções hepáticas1616 Nguyen K, Marsh J, Tsung A, Steel M, Gamblin T, Geller D. "Comparative benefits of laparoscopic vs open hepatic resection: a critical appraisal". Arch Surg 2011, 146:348-56,1818 Parks K, Kuo Y, Davis J, O´Brien B, Hagopian E. "Laparoscopic versus open liver resection :meta-analysis of long term outcome". HPB 2014, 16:109-18,1919 Rao A, Ahmed I. "Laparoscopic versus open liver resection for benign and malignant hepatic lesions in adult". Cochrane database Syst Rev (5):CD1016. Doi.10.1002/14651858.CD010162.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01016...
. Esses estudos indicam grande melhora em termos de permanência hospitalar, diminuição de complicações e menor perda sanguínea com a consequente diminuição da necessidade de transfusão quando comparadas às ressecções hepáticas com abordagem aberta, além de que a abordagem laparoscópica diminuiria o tempo de íleo pós-operatório. Outros autores afirmam que a abordagem laparoscópica favorece início precoce da ingestão oral e menor necessidade de analgésicos intravenosos; todos esses estudos foram realizados fora de um ACERTO 1616 Nguyen K, Marsh J, Tsung A, Steel M, Gamblin T, Geller D. "Comparative benefits of laparoscopic vs open hepatic resection: a critical appraisal". Arch Surg 2011, 146:348-56,1818 Parks K, Kuo Y, Davis J, O´Brien B, Hagopian E. "Laparoscopic versus open liver resection :meta-analysis of long term outcome". HPB 2014, 16:109-18,1919 Rao A, Ahmed I. "Laparoscopic versus open liver resection for benign and malignant hepatic lesions in adult". Cochrane database Syst Rev (5):CD1016. Doi.10.1002/14651858.CD010162.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01016...
e nosso estudo teve como objetivo principal comparar as duas abordagens dentro de uma.

Para este estudo, um ACERTO foi acordado entre duas equipes cirúrgicas, levando em consideração os pontos com o maior nível de evidência recomendado e sugerido pela ERAS Society.

A partir da análise dos resultados e do atendimento aos objetivos primordiais do nosso trabalho, notamos que o período de internação não apresentou diferenças significativas entre os dois grupos. A maioria das séries relatam permanência hospitalar entre 3-7 dias47,53, confirmando diminuição de até 50% nos dias de hospital quando comparada ao manejo convencional fora de um ACERTO.

A diminuição da permanência hospitalar produz redução significativa de custos2424 Teixeira UF, Goldoni MB, Waechter FL, Sampaio JA, Mendes FF, Fontes PRO. Enhanced recovery (ERAS) after liver surgery:comparative study in a brazilian terciary center. Arq Bras Cir Dig. 2019 Feb 7;32(1):e1424. doi: 10.1590/0102-672020180001e1424. PMID: 30758472; PMCID: PMC6368150.
https://doi.org/10.1590/0102-67202018000...
,46. No entanto, houve pacientes que foram submetidos a diferentes ressecções simultâneas que podem ter prolongado o tempo de internação. Isso não aconteceu quando consideramos os resultados relatados em outros estudos2626 Van Dam R, Hendry P, Coolsen M, Bemelmans M, Lassen K, Revhaug A, Fearon KC, Garden OJ, Dejong CH; Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) Group. "Initial experience with a multimodal enhanced recovery after surgery programme in patients undergoing liver resection". Br J Surg 2008, 95:969-75.,3030 Yip V, Dunne D, Samuels S, Tan C, Lacasia C, Tang J, Burston C, Malik H, Poston G, Fenwick S. "Adherence to early mobilization: key for successful enhanced recovery after liver re-section". Eur J Surg Oncol 2016, 42:1561-67..

Quando comparamos as complicações entre a abordagem aberta e laparoscópica, também não houve diferenças, esse percentual de complicações é semelhante a publicação anterior1515 Nari G, Castro-Gutierrez E, Layún J, Falgueras-Verdaguer L, Mariot D, Albiol-Quer M et al. "Open versus Laparoscopic hepatectomies within an ERAS (Enhanced Recovery after Surgery) program. Are there differences?" Cir Ciruj 2020, 88:49-55. No grupo aberto, houve maior número de complicações Dindo-Clavien tipo I e foram mais relacionadas às complicações da ferida operatória e uma complicação grave que desencadeou o único óbito da série. Na abordagem laparoscópica, houve maior número de complicações do tipo II e III, o que favoreceu maior número de dias de permanência durante as reinternações neste grupo. A esta altura, pode-se questionar se o maior uso de drenos na cirurgia laparoscópica não teria reduzido significativamente o número de complicações e, portanto, o tempo de internação. O percentual de complicações relatadas em outras séries é em torno de 30%2626 Van Dam R, Hendry P, Coolsen M, Bemelmans M, Lassen K, Revhaug A, Fearon KC, Garden OJ, Dejong CH; Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) Group. "Initial experience with a multimodal enhanced recovery after surgery programme in patients undergoing liver resection". Br J Surg 2008, 95:969-75.; uma provável explicação para baixo número de complicações em nossos grupos seria elevado número de pequenas ressecções hepáticas, o que também coincidiria com alguns autores que observaram resultados diferentes na permanência e a morbidade quando foi comparada hepatectomias menores e maiores; por outro lado, alguns autores relatam percentual semelhante ao nosso nas ressecções laparoscópicas, embora o número de hepatectomias menores nessas séries tenha sido predominante, chegando a 91% na série de Savikko2222 Savikko J, Vikatmaa L, Hiltunen AM, Mallat N, Tukiainen E. "Enhanced recovery in laparoscopic liver surgery". Surgical Endoscopy 2020 https://doi.org/10.1007/s00464-020-07470-2.
https://doi.org/10.1007/s00464-020-07470...
.

A adesão ao ACERTO mostrou diferença a favor da operação aberta (p=0,046), da mesma forma que o início da deambulação (p=0,001). Uma possível explicação para essa diferença no início da deambulação pode estar em dois pontos: por um lado, que a operação laparoscópica requer o uso de pneumoperitônio, o que pode favorecer o aparecimento de ombralgia e outras disfunções que retardariam o início da mobilização; e por outro, que quando comparados os tempos cirúrgicos, houve diferenças a favor da técnica aberta (p=0,001); sabe-se que tempos anestésicos e cirúrgicos mais longos impactam no tempo de recuperação e, portanto, no início da deambulação e a diminuição da complexidade dos pacientes. Alguns autores relatam informações muito detalhadas sobre o que se espera do paciente no pós-operatório em abordagem multidisciplinar e início escalonado da mobilização, indicando que ele permaneça sentado na cama ou em uma cadeira nas primeiras 24 h para posteriormente progredir para a deambulação, e isto favorece maior aderência2727 Wong-Lun-Hing E, van Dam R, van Breukelen G, Tanis P, Ratti F, van Hillegersberg R, Slooter GD9, de Wilt JH10, Liem MS11, de Boer MT12, Klaase JM13, Neumann UP1,3, Aldrighetti LA7, Dejong CH1,2,14,3; ORANGE II Collaborative Group. "Randomized clinical trial of open vs laparoscopic left lateral hepatic sectionectomy within an enhanced recovery after surgery programme". Br J Surg 2017, 104:525-35.. Neste ponto, concordamos plenamente que a informação ao paciente e à família é essencial para receber colaboração, a fim de alcançar uma maior adesão.

A perda sanguínea também é um fator que pode afetar a adesão pós-operatória, desempenhando papel importante na diminuição da complexidade dos pacientes; diferentes autores afirmam que a abordagem laparoscópica apresenta menor taxa de sangramento quando comparada às abertas. Na comparação dos dois grupos. não houve diferenças em relação à perda de sangue3030 Yip V, Dunne D, Samuels S, Tan C, Lacasia C, Tang J, Burston C, Malik H, Poston G, Fenwick S. "Adherence to early mobilization: key for successful enhanced recovery after liver re-section". Eur J Surg Oncol 2016, 42:1561-67..

A recuperação completa na alta também não mostrou diferenças significativas (p=0,215), embora na cirurgia laparoscópica tenha havido um maior percentual de pacientes que atingiram esse estado. Observamos na operação aberta que o controle da dor pós-operatória na alta foi menos satisfatório. É provável que, assim como o uso de pneumoperitônio e tempo operatório maior possa afetar negativamente o início da deambulação; procedimentos invasivos mínimos alcançam melhor controle da dor pós-operatória na alta, favorecendo maior recuperação total. Outro ponto que analisamos e que embora não tenha apresentado diferença significativa, mas poderia ter papel importante no controle da dor, é que no grupo laparotômico houve maior número de ressecções simultâneas. Wong Lun Hing e cols.2828 Wong Lun Hing E, van Dam R, Heijnen L, Busch O, Terkivatan T, van Hilleegersberg R et al "Is current perioperative practice in hepatic surgery based on enhanced recovery after surgery (ERAS) principles?". World J Surg 2014, 38:1127-1140. obtiveram recuperação total na maioria de seus pacientes no 5º dia de pós-operatório, o que coincide com nossos resultados.

Outro dado comparado foi o uso de drenos cavitários, que foi maior na laparotomia; explicação para essa diferença está no maior número de ressecções simultâneas. No grupo de operação aberta, a drenagem foi realizada em 46,8%, algumas séries relatam o uso de drenos em cerca de 20% com a técnica aberta33 Connor S, Cross A, Sakowska M, Linscott D, Woods J. "Effects of introducing an enhanced recovery after surgery programme for patients undergoing open hepatic resection". HPB 2013, 15:294-301.. Concordamos com os autores que relatam que o uso de drenos é desnecessário em um número significativo de pacientes2929 Wong Lun Hing E, van Woerden V, Lodewick T, Bermelmans M, Olde Damink S, Dejong C, Van Dam R. "Abandoning prophylactic abdominal drainage after hepatic surgery: a 10 years of non-drain policy in an enhanced recovery after surgery environment". Dig Surg 2017, doi:10.1159/000455246.
https://doi.org/10.1159/000455246....
; para tanto, seria correto protocolar em quais pacientes eles deveriam ser colocados. Alguns autores sugerem que a colocação de drenos nas hepatectomias deve ser realizada naqueles cuja operação dure mais de 350 min, com sangramento superior a 650 ml ou com extravasamento de bile ou dúvida durante a operação.

Podemos expressar que nosso estudo apresenta várias fragilidades: não houve distribuição aleatória dos pacientes, o número de pacientes deveria ser maior e os pacientes operados por laparoscopia foram operados por um único centro. Por outro lado, ACERTO em cirurgia hepática traz benefícios aos pacientes em termos de permanência hospitalar, em coincidência com outros autores. Talvez em um número maior de casos, a divisão entre hepatectomias maiores e menores e a exclusão das ressecções simultâneas nos permitiriam produzir resultado mais correto.

CONCLUSÃO

O procedimento, seja laparotômico ou laparoscópico, nas ressecções hepáticas não parece mostrar diferenças em uma avaliação ERAS/ACERTO.

AGRADECIMENTOS

À Srta. Lucia Barquin pela tradução do texto

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  • Fonte de financiamento:

    não há
  • Mensagem central

    Os programas ERAS/ACERTO são seguros e viáveis para ressecções hepáticas. Não foram observadas diferenças entre a abordagem aberta e laparoscópica.
  • Perspectiva

    Este trabalho demonstra que as hepatectomias abertas ou laparoscópicas não apresentam diferenças quando realizadas dentro de um programa ERAS/ACERTO, apoiando o desempenho aberto em centros com experiência em cirurgia hepática que não possuem a tecnologia para a abordagem minimamente invasiva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2020
  • Aceito
    23 Fev 2021
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