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AMILASE DO DRENO NO PRIMEIRO DIA DE PÓS-OPERATÓRIO DE OPERAÇAO DE WHIPPLE: QUAL VALOR É MELHOR PREDITOR PARA A RETIRADA PRECOCE DO DRENO?

RESUMO

Racional:

O valor da amilase do dreno no primeiro dia pós-operatório após ressecções pancreáticas é descrito como eficiente preditor de fístula pancreática. Entretanto, o valor abaixo do qual os drenos podem ser removidos precocemente permanece controverso.

Objetivo:

Validar o uso da amilase do primeiro dia pós-operatório na correlação com a fístula pancreática e definir o valor em que seja segura a retirada precoce do dreno.

Método:

Foram incluídos pacientes submetidos à operação de Whipple no período de 2007 a 2016. No grupo 1 entraram os que não desenvolveram fístula e os que desenvolveram fístula bioquímica por menos de sete dias de pós-operatório e no grupo 2 os que desenvolveram fístula bioquímica persistente entre 7 e 21 dias e aqueles com fístula grau B e C.

Resultados:

Sessenta e um pacientes foram incluídos, sendo 41 do grupo 1 e 20 do grupo 2. A incidência de coleções abdominais, necessidade de reoperação e tempo de internação foram para o grupo 1 e 2, respectivamente 17,1%, 17,1% e 9,5 dias, e 65%, 40% e 21,1 dias. A mediana da amilase no grupo 1 e 2, respectivamente foi de 175 U/l e 3172,5 U/l (p=0,001). Utilizando o ponto de corte de 180 para predizer o grupo a que o paciente pertenceria, obteve-se sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo de: 100%, 48,8%, 50% e 100% respectivamente.

Conclusão:

Esta amostra pôde validar o ponto de corte de 180 U/l como adequado para a retirada precoce do dreno.

DESCRITORES:
Amilase; Complicações pós-operatórias; Fístula pancreática; Pancreatoduodenectomia

ABSTRACT

Background:

The value of drain amylase on the first postoperative day after pancreatic resections has been described as an efficient predictor of pancreatic fistula. In spite of this, the cut-off point below which the drains can be removed early remains controversial.

Aim:

Validate the use of the amylase on the 1st postoperative day in the correlation with pancreatic fistula and define the value at which early drain removal is safe.

Method:

Were included patients undergoing Whipple surgery in the period of 2007 to 2016. Group 1 enrolled the ones who did not develop fistula and those who developed biochemical fistula for less than seven days postoperatively and group 2 included patients who developed persistent biochemical fistula between seven and 21 days and those with grade B and C fistula.

Results:

Sixty-one patients were included, 41 comprised group 1 and 20 group 2. The incidence of abdominal collections, need for reoperation and time of hospitalization were for group 1 and 2, respectively: 17.1%, 17.1% and 9.5 days, and 65%, 40% and 21.1 days. The median of the amylase from the drain at 1st postoperative day was in group 1 and 2, respectively: 175 U/l and 3172.5 U/l (p=0.001). Using a cut-off of 180 to predict the group to which the patient would belong there was obtained sensitivity, specificity, positive predictive value and negative predictive value of 100%, 48.8%, 50% and 100% respectively.

Conclusion:

It was validated the cut-off value of 180 U/l as appropriate to early drain removal.

HEADINGS:
Amylase; Postoperative complications; Pancreatic fistula; Pancreatoduodenectomy

INTRODUÇÃO

Historicamente o dreno abdominal tem sido usado ao final das operações gastrointestinais com o objetivo de remover sangue, suco pancreático, linfa e demais secreções que porventura possam existir no leito operatório. Além disso, é eficiente forma de identificar as fístulas pancreáticas (FP) e até tratá-las1616 Petrowsky H, Demartines N, Rousson V, Clavien PA. Evidence-based value of prophylactic drainage in gastrointestinal surgery: a systematic review and meta-analyses. Ann Surg 2004;240: 1074-1085.. Nos últimos 25 anos algumas publicações têm sugerido que o dreno abdominal após duodenopancreatectomia pode trazer malefício pelo risco de contaminação da cavidade abdominal ou mesmo pela lesão direta das alças intestinais ou anastomoses1111 Heslin MJ, Harrison LE, Brooks AD, et al. Is intra-abdominal drainage necessary after pancreaticoduodenectomy? J Gastrointest Surg. 1998;2:373-378.,1313 Jeekel J. No abdominal drainage after Whipple's procedure. Br J Surg. 1992;79:182.. Estudos que randomizaram o uso ou não do dreno profilático sistemático nas ressecções pancreáticas são poucos e têm demonstrado resultados conflitantes88 Conlon KC, Labow D, Leung D, et al. Prospective randomized clinical trial of the value of intraperitoneal drainage after pancreatic resection. Ann Surg. 2001;234:487-493.,1818 Van Buren G 2nd, Bloomston M, Hughes SJ, et al. A randomized prospective multicenter trial of pancreaticoduodenectomy with and without routine intra- peritoneal drainage. Ann Surg. 2014;259:605-612.,1919 Witzigmann H, Diener MK, Kißenkotter S, Rossion I, Bruckner T, Werner B. No Need for Routine Drainage After Pancreatic Head Resection: The Dual-Center, Randomized, Controlled PANDRA Trial. o que tem sido um limitante na prática de não usá-los nesse tipo de procedimento.

A descrição da correlação entre a amilase do dreno no 1º dia de pós-operatório (AD1PO) após as ressecções pancreáticas e o desenvolvimento da FP tem estimulado nova abordagem na condução desses pacientes. A ideia é substituir a não inserção do dreno de forma sistemática à sua retirada precoce naqueles casos em que a dosagem da AD1PO for considerada baixa. Muitos estudos têm tentado definir qual o ponto de corte ideal nesse cenário e variações tão amplas quanto 5.000 U/l66 Bassi C, Molinari E, Malleo G, Crippa S, Butturini G, Salvia R, Talamini G, Pederzoli P. Early Versus Late Drain Removal After Standard Pancreatic Resections. Results of a Prospective Randomized Trial. Ann Surg. 2010 Aug;252(2):207-14. e 90 U/l1414 Lee CW, Pitt HA, Riall TS, Ronnekleiv-Kelly SS, Israel JS, Leverson GE. Low drain fluid amylase predicts absence of pancreatic fistula following pancreatectomy. J Gastrointest Surg, 2014. têm sido sugeridas.

O objetivo do presente estudo foi, a partir de uma coorte de pacientes submetidos prospectivamente à duodenopancreatectomia, validar o uso da AD1PO na correlação com a FP e definir qual o ponto de corte mais adequado em selecionar um grupo de pacientes em que a retirada precoce do dreno seja segura.

MÉTODOS

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o número 59716616.9.0000.5292 na Plataforma Brasil.

Foram analisados a partir de uma base de dados prospectiva 63 pacientes submetidos consecutivamente pelo primeiro autor (ECA) à operação de Kausch-Whipple para o tratamento de doenças pancreáticas ou peripancreáticas entre junho de 2007 à setembro de 2016 nos seguintes hospitais: Hospital Universitário Onofre Lopes, Liga Norte Riograndense contra o Câncer, Casa de Saúde São Lucas e Natal Hospital Center, todos em Natal, RN, Brasil.

Os passos técnicos da operação de Whipple encontra-se descrita em publicações prévias11 Amico Enio Campos, Alves José Roberto, João Samir Assi, Guimarães Priscila Luana Franco Costa, Barreto Élio José Silveira da Silva, Barreto Leonardo Silveira da Silva et al . Complications after pancreatectomies: prospective study after ISGFP and ISGPS new classifications. ABCD, arq. bras. cir. dig. [Internet]. 2013 Sep [cited 2016 Sep 17] ; 26( 3 ): 213-218.,22 Amico EC, José &, Barreto SS, José, Alves R, João SA, et al. Cinquenta pancreatectomias consecutivas sem mortalidade. Rev. Col. Bras. Cir.2016;43(1):6-11.. Três técnicas para a anastomose pancreatojejunal foram utilizadas. Para o pâncreas com ducto pancreático principal >ou=5 mm foi realizada anastomose pancreatojejunal terminolateral ductomucosa em dois planos. Para o pâncreas com ducto pancreático principal normal ou discretamente aumentado (diâmetro até <5 mm) foi empregada anastomose pancreatojejunal terminoterminal (tipo telescopagem) ou anastomose pancreatojejunal terminolateral (invaginação), esta última realizada sistematicamente a partir do 33º paciente da casuística. Ao final da operação dois drenos, preferencialmente laminares de silicone, eram colocados na cavidade e exteriorizados em cada flanco.

Na maioria dos pacientes utilizou-se octreotide subcutâneo como profilaxia para prevenção de FP, na dose de 0,3 mg/dia, fracionada em intervalos de oito horas durante sete dias. Diariamente foi anotado o débito e realizadas dosagens da amilase do líquido dos drenos no 1º, 3º, 5º, 7º e por vezes, no 9º dia de pós-operatório. O valor da AD1PO foi definido a partir do maior valor de amilase entre os dois drenos, medido a partir de uma amostra de líquido obtida no primeiro dia de pós-operatório.

Para o diagnóstico de FP foi utilizado o critério revisado em 2016 do GIEDFP33 Bassi, Claudio et al. The 2016 update of the International Study Group (ISGPS) definition and grading of postoperative pancreatic fistula: 11 Years After. Surgery , 2017 Mar;161(3):584-591.. Desta forma a FP foi definida quando no 3º dia de pós-operatório o valor da amilase do líquido dos drenos era maior que três vezes o limite superior normal da amilase sérica. Os pacientes que não desenvolveram fístula ou aqueles com fístula bioquímica fugaz (<7 dias) foram caracterizados como grupo 1 e os com fístula bioquímica persistente (entre 7-21 dias) e fístula grau B, C e foram caracterizados como grupo 2. Na maioria dos casos, no 9º dia após a operação, foram realizados exames ultrassonográficos ou tomográficos de controle. A retirada dos drenos ocorreu em casos com valores baixos de amilase do líquido dos drenos (menor que três vezes o limite superior normal da amilase sérica) e exame de imagem sem coleções abdominais. Definiu-se mortalidade intra-hospitalar como aquela ocorrida dentro dos primeiros 90 dias de pós-operatório.

Buscando um ponto de corte ideal da AD1PO para verificar sua característica preditiva para pacientes de ambos os grupos, utilizou-se a Curva de Características de Operação do Receptor (Curva ROC - Receiver Operating Characteristic), cujo valor foi gerado pelo cálculo da sensibilidade, especificidade e acurácia. Adicionalmente, escolheu-se também o ponto de corte de 578 por ser muito aproximado ao utilizado em publicação prévia de Fong e cols99 Fong ZV, Correa-Gallego C, Ferrone CR, Veillette GR, Warshaw AL, Lillemoe KD et al. Early drain removal - the middle ground between the drain versus no drain debate in patients undergoing pancreaticoduodenectomy. A prospective validation study. Ann Surg 262:378 - 383. 2015. a fim de que os resultados fossem comparados entre ambos os estudos.

Análise estatística

Após a determinação do ponto de corte, verificou-se a associação pelo teste exato de Fisher, bem como calculou-se a Razão de Chance (odds ratio-OR). Testou-se a hipótese do nível de AD1PO ser diferente entre os grupos 1 e 2, através do teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Para verificar associação entre variáveis demográficas e clínicas com os grupos, foram utilizados os testes de qui-quadrado e Fisher. Foi utilizado o pacote estatístico SPSS®21. Para todos os testes adotou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Da amostra inicial de 63 pacientes, dois foram excluídos. O primeiro em que o valor da AD1PO de forma errônea foi coletado apenas no 2º dia de pós-operatório, e o segundo por ter falecido na primeira semana de pós-operatório. Desta forma, 61 pacientes foram incluídos para esta análise. O grupo 1 foi composto de 41 pacientes, sendo 36 que não fistulizaram e cinco que desenvolveram fístula bioquímica (grau A) fugaz. O grupo 2 foi composto de 20 pacientes dos quais seis foram caracterizados como fístula bioquímica (grau A) persistente, oito grau B e seis grau C. O índice de fístula clínica (graus B+C) para amostra total foi de 22,9%.

As características demográficas e clínicas dos pacientes, bem como os respectivos testes estão demonstradas na Tabela 1. Não houve diferença estatística entre os grupos quanto à idade, gênero e tipo de doença, enquanto que em relação ao tamanho do ducto pancreático principal e tipo de anastomose tal diferença foi observada. Todos os pacientes com ducto pancreático principal dilatado assim como todos aqueles submetidos à anastomose ductomucosa pertenciam ao grupo 1.

TABELA 1
Associações das características demográficas e clínicas com o grupo a que pertencia o paciente

Com relação à evolução pós-operatória, o grupo 2 esteve associado a um maior índice de complicações gerais, à coleções pós-operatórias, ao tempo de permanência do dreno abdominal e tempo de internação. Houve também tendência à associação do índice de reoperação quando os pacientes pertenciam ao grupo 2. A despeito de todos esses fatores de pior resultado relacionados ao grupo 2 não houve diferença estatística na comparação entre os grupos quanto à mortalidade (Tabela 2).

TABELA 2
Associações dos achados clínicos pós-operatórios com o grupo a que pertencia o paciente e resultados de tempo de dreno e internação por grupo

A mortalidade da série foi de 8,19%, sendo quatro pacientes no grupo 1 e um no grupo 2. As causas de mortalidade no grupo 1 foram: insuficiência renal associado à coagulopatia; deiscência de anastomose gastrojejunal e sepse; pneumonia por broncoaspiração e necrose da alça da pancreatojejunostomia associado à sepse. No único paciente do grupo 2 a causa foi pancreatite necrótica associada à fístula pancreática e sepse.

Com relação ao valor da AD1PO, a mediana foi de 175 U/l (48,5-954) no grupo 1 e 3172,5 U/l (833,5-6421,0) no grupo 2. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p=0,001).

A área sob a curva característica de operação do receptor (ROC) apresentou índice exatidão de 83,0% (p=0,001). Com um ponto de corte de 180 U/l da AD1PO obteve-se os seguintes resultado: sensibilidade - 100%; especificidade - 48,8%; valor preditivo positivo - 50,0% e valor preditivo negativo de 100%. Existiu associação entre o valor da AD1PO arbitrado através da Curva ROC (>180 U/l) com os grupos 1 ou 2 (p<0,001). Com um ponto de corte de 578 U/l da AD1PO observou-se sensibilidade - 80%; especificidade - 39%; valor preditivo positivo - 50,0% e valor preditivo negativo de 86,2%. Houve igualmente associação entre o valor da AD1PO arbitrado através da Curva ROC (>578 U/l) com os grupos 1 ou 2 (p<0,003). O paciente que apresentou valor de AD1PO maior que 180 Ul e maior que 578 U/l teve probabilidade de pertencer ao grupo 2 e, portanto, de necessitar do dreno no pós-operatório, respectivamente de 2 e 6,25 vezes. Na Tabela 3 encontra-se o comparativo entre os dois valores de AD1PO.

TABELA 3
Medidas de precisão e exatidão por ponto de corte de AD1PO

DISCUSSÃO

A AD1PO como fator preditor da FP pós-pancreatectomia foi descrita por Yamaguchi e cols em 20032020 Yamaguchi M, Nakano H, Midorikawa T, Yoshizawa Y, Sanada Y, Kumada K. Prediction of pancreatic fistula by amylase levels of drainage fluid on the first day after pancreatectomy. Hepatogastroenterology. 2003 Jul-Aug;50(52):1155-8..Os autores analisaram os valores de amilase medidos no dreno abdominal de 26 pacientes submetidos à pancreatectomia, e observaram que tais valores eram maiores já no 1º dia de pós-operatório naqueles que viriam a desenvolver FP clínica. A partir daí pelo menos três metanálises10,15,21 têm validado a correlação entre altos valores de AD1PO e o desenvolvimento da FP. A despeito disso muita controvérsia existe sobre o ponto de corte ideal da AD1PO para predizer a FP e sobre também a sua aplicabilidade na retirada do dreno profilático inserido no intraoperatório das ressecções pancreáticas. O grupo de Verona foi o primeiro a traçar a estratégia de retirar precocemente o dreno abdominal na dependência dos valores de AD1PO66 Bassi C, Molinari E, Malleo G, Crippa S, Butturini G, Salvia R, Talamini G, Pederzoli P. Early Versus Late Drain Removal After Standard Pancreatic Resections. Results of a Prospective Randomized Trial. Ann Surg. 2010 Aug;252(2):207-14.. Os autores estudaram prospectivamente 114 pacientes submetidos à ressecção pancreática e randomizaram aqueles com AD1PO <5000 U/l a retirarem o dreno no 3º ou 5º dia de pós-operatório. A retirada precoce do dreno esteve associada à menor taxa de FP (1,8% vs. 26%), menor taxa de complicações abdominais (12,2% vs. 52,6%), menor taxa de complicações pulmonares (26,3% vs. 52,6%), menor tempo de internação (8,7 (±4) vs. 10,8 (±6,9) e menor taxa de readmissão hospitalar (0% vs. 8,8%). Embora o estudo tenha sugerido ser seguro remover precocemente os drenos abdominais com altas AD1PO apenas inferiores a 5000 U/l, outros autores relatam índices hipotéticos de FP entre 25% e até 48%, caso os drenos em suas séries fossem removidos segundo essa mesma orientação77 Bertens KA, Crown A, Clanton J, Alemi F, Alseidi AA, Biehl T, Helton WS, Rocha FG. What is a better predictor of clinically relevant postoperative pancreatic fistula (CR-POPF) following pancreaticoduodenectomy (PD): postoperative day one drain amylase (POD1DA) or the fistula risk score (FRS)? HPB 2016, 1-7,1212 Israel JS, Rettammel RJ, Leverson GE, Hanks LR, Cho CS, Winslow ER. Does postoperative drain amylase predict pancreatic fistula after pancreatectomy? J Am Coll Surg. Vol. 218, No. 5, May 2014..

Para os pacientes submetidos à duodenopancreatectomia e nos quais os drenos profiláticos são inseridos, a questão mais importante é saber quais pacientes não desenvolverão FP ao invés do contrário. Isso ocorre por uma questão de utilidade da informação. Saber quais pacientes não desenvolverão FP é útil porque permite mais rápida retirada do dreno o que pode levar a menor tempo de internação hospitalar. Por outro lado, saber prever quais pacientes apresentarão FP no pós-operatório quando a cavidade abdominal está drenada nada acrescenta de relevante uma vez que o diagnóstico da FP é facilmente obtido pela medida da amilase do dreno e o tratamento na maioria das vezes é feito pela simples manutenção do próprio dreno associado ao jejum e suporte nutricional. Por esse motivo para o presente trabalho, foram analisados dois pontos de corte baixos (180 e 578) de AD1PO que estão associados à maior especificidade e consequente alto fator preditivo negativo, em detrimento a um ponto de corte alto relacionado com maior sensibilidade para o diagnóstico da FP. Outra justificativa pertinente para essa escolha está relacionada a não ser possível dispor no hospital público - onde a maioria dos pacientes da presente série foi operada - de serviço de radiologia intervencionista em regime de plantão diário para proceder a drenagem percutânea de coleções/abscessos abdominais, o que estaria indicado em caráter de urgência no caso de complicações abdominais consequentes ao vazamento anastomótico não drenado.

Na metodologia do presente estudo foi utilizada a definição de FP com base na classificação revisada da ISGPS55 Bassi C, Marchegiani G, Dervenis C, Sarr M, Hilal MA, Adam M et all. The 2016 update of the International Study Group (ISGPS) definition and grading of postoperative pancreatic fistula: 11 Years After. Surgery 2016. que não considera mais como FP verdadeira o grau A da antiga classificação44 Bassi C, Dervenis C, Butturini G, et al. Postoperative pancre- atic fistula: an international study group (ISGPF) definition. Surgery 2005;138:8-13.. A despeito disso, uma vez que este trabalho objetiva identificar um grupo de pacientes em que a remoção precoce do dreno pudesse ser benéfica, considerou-se importante incluir ao conceito de FP, além dos graus B e C, aqueles pacientes com fístula bioquímica que persistissem com débito rico em amilase entre sete e 21 dias de pós-operatório. Nesses pacientes a remoção precoce do dreno aumentaria a susceptibilidade às coleções abdominais ou abscessos. Utilizando o ponto de corte de 180 U/l foi encontrada excelente correlação entre a AD1PO e a ausência de fístula. Desta forma foi possível identificar 1/3 dos pacientes que teriam sido beneficiados pela retirada precoce do dreno. Além disso, com o mesmo ponto de corte, em nenhum dos pacientes que desenvolveu fístula clinicamente relevante ou mesmo fístula bioquímica persistente, o dreno teria sido retirado precocemente.

Os dados encontrados no presente trabalho foram capazes de validar publicações prévias que utilizaram pontos de corte baixos 77 Bertens KA, Crown A, Clanton J, Alemi F, Alseidi AA, Biehl T, Helton WS, Rocha FG. What is a better predictor of clinically relevant postoperative pancreatic fistula (CR-POPF) following pancreaticoduodenectomy (PD): postoperative day one drain amylase (POD1DA) or the fistula risk score (FRS)? HPB 2016, 1-7,1212 Israel JS, Rettammel RJ, Leverson GE, Hanks LR, Cho CS, Winslow ER. Does postoperative drain amylase predict pancreatic fistula after pancreatectomy? J Am Coll Surg. Vol. 218, No. 5, May 2014.,1414 Lee CW, Pitt HA, Riall TS, Ronnekleiv-Kelly SS, Israel JS, Leverson GE. Low drain fluid amylase predicts absence of pancreatic fistula following pancreatectomy. J Gastrointest Surg, 2014.,1717 Sutcliffe RP, Battula N, Haque A, Ali A, Srinivasan P, Atkinson SW et all. Utility of drain fluid amylase measurement on the first postoperative day after pancreaticoduodenectomy. World J Surg (2012) 36:879-883.. Diferente desses estudos, no entanto, a presente série foi inteiramente prospectiva, incluindo apenas pacientes submetidos consecutivamente à duodenopancreatectomia por uma única equipe de cirurgiões e em que a definição de FP obedeceu aos critérios do ISGPS. O ponto de corte de 180 U/l encontrado no estudo foi, entretanto, menor do que o encontrado por Fong et al99 Fong ZV, Correa-Gallego C, Ferrone CR, Veillette GR, Warshaw AL, Lillemoe KD et al. Early drain removal - the middle ground between the drain versus no drain debate in patients undergoing pancreaticoduodenectomy. A prospective validation study. Ann Surg 262:378 - 383. 2015. no Massachusetts General Hospital. Eles dividiram seu estudo em dois cohorts. No primeiro, que envolveu 126 pacientes, o ponto de corte de 612 U/l foi definido como o de melhor acurácia, sensibilidade e especificidade. No segundo, com intenção de validar o ponto de corte de 600 U/l, 369 pacientes submetidos à duodenopancreatectomia foram incluídos no período entre janeiro/2009 e dezembro/2012. Quase dois terços deles (62,1%) tiveram AD1PO inferior à 600 U/l e apenas em dois casos (0,9%) a FP foi diagnosticada, diferentemente para os demais pacientes com AD1PO de 600 U/l ou maior, a incidência de FP foi de 31,4%. Quando analisado na presente análise um ponto de corte próximo ao dos autores (578 U/l) ter-se-ia 13,8% dos pacientes com diagnóstico de FP prejudicados pela retirada precoce dos drenos (valor preditivo negativo de 86,2%). Na realidade, já descrita, por não contar com tratamento não invasivo para as coleções/abscessos intracavitários disponível a qualquer momento, elevar o ponto de corte teria alto preço a pagar.

Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira delas diz respeito ao pequeno número de pacientes incluídos, o que, no entanto, não inviabilizou a análise estatística. A segunda está relacionada a não comprovação do real benefício do dreno nos pacientes que desenvolveram a FP, uma vez que todos os pacientes estavam drenados. O alto índice de coleções abdominais (65%) e necessidade de reoperação (40%) no grupo 2 sugerem que em uma parte dos pacientes o dreno não foi totalmente eficiente. De qualquer forma o objetivo do estudo foi encontrar um grupo de pacientes em que o dreno pudesse ser retirado precocemente e não a eficiência do dreno no grupo que viesse a desenvolver FP.

CONCLUSÃO

Este estudo validou o ponto de corte de 180 U/l como o adequado em definir aqueles pacientes em que o dreno abdominal pode ser retirado precocemente após duodenopancreatectomia. Ao mesmo tempo, reconhece-se que não existe um ponto de corte ideal a ser utilizado em todos os serviços uniformemente.Ele deve variar de acordo com as especificações do serviço e balancear o risco da FP não drenada com o benefício de mais rápida recuperação.

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  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2017
  • Aceito
    30 Jan 2018
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