Acessibilidade / Reportar erro

Você conhece esta síndrome?

SÍNDROME EM QUESTÃO

Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil.

Giovana Tadéia FantinatoI; Silmara da Costa Pereira CestariII; João Paulo Junqueira Magalhães AfonsoIII; Letícia Siqueira SousaIII; Mílvia Maria Simões e Silva EnokiharaIV

IMédica dermatologista; especializanda em dermatologia pediátrica do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil

IIProfessora adjunta; responsável pelo ambulatório de dermatologia pediátrica do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil

IIIMédico(a) residente do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil

IVDoutora em patologia; médica do Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Endereço para Correspondência: Giovana Tadéia Fantinato Hospital São Paulo Vila Clementino 04024-900 São Paulo, SP. E-mail: giovanafantinato@uol.com.br

RESUMO

A síndrome de Chediak-Higashi é caracterizada por graus variados de albinismo oculocutâneo, infecções recorrentes, alterações de coagulação e envolvimento neurológico variado. O tratamento é o transplante de medula óssea, que corrige os defeitos imunológicos e hematológicos. Pacientes não tratados evoluem frequentemente a óbito por infecções bacterianas ou por desenvolverem a "fase acelerada" linfoproliferativa. Apresentamos um caso de síndrome de Chediak-Higashi e discutimos as características clínicas e laboratoriais que determinam seu diagnóstico.

Palavras-chave: Diagnóstico; Hipopigmentação; Lisossomos; Síndrome de Chediak-Higashi

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, natural de São Paulo, nascido de parto normal a termo, com pais saudáveis, primos em primeiro grau. Na primeira avaliação dermatológica, aos três meses de idade, o paciente apresentava cabelos de coloração prateada, sobrancelhas e cílios brancos e hipopigmentação cutânea quando comparado aos seus pais (Figura 1). No exame de microscopia óptica dos fios de cabelo, observaram-se pigmentos agrupados e salpicados ao longo do comprimento do eixo, em oposição ao padrão normal de pigmentação fina e difusa (Figura 2). Ao exame de fundo de olho, apresentava albinismo e hipoplasia da fóvea. Na análise de emissões otoacústicas, havia atraso no desenvolvimento auditivo de origem retrococlear bilateral. O esfregaço do sangue periférico demonstrou a presença de grânulos gigantes intracitoplasmáticos em leucócitos (Figura 3). O paciente evoluiu com internações por infecção pelo vírus H1N1 e por neutropenia febril; apresentou também quadros de impetigo e otites, tratados ambulatorialmente. Atualmente com um ano e seis meses de idade, apresenta desenvolvimento neuropsicomotor normal e é acompanhado nos setores de dermatologia, genética e imunologia, onde aguarda transplante de medula óssea.




DISCUSSÃO

A síndrome de Chediak-Higashi (SCH) é uma rara doença autossômica recessiva, caracterizada por albinismo oculocutâneo, imunodeficiência, alterações neurológicas progressivas, tendência a sangramentos e síndrome linfoproliferativa. O defeito primário da SCH é desconhecido, sendo os sintomas clínicos atribuídos a um defeito no tráfego vesicular secundário ao alargamento de grânulos nos lisossomas, melanossomas e grânulos densos plaquetários.1 A hipopigmentação cutânea é variável e, em alguns indivíduos, só é perceptível quando eles são comparados ao restante da família. Os cabelos são prateados ou apresentam brilho metálico. No exame microscópico da pele, observam-se melanossomas gigantes. O encontro de grandes grânulos de pigmentos agrupados na haste dos pelos tem sido usado para fazer diagnóstico pré-natal de SCH.2 Nos olhos também há diminuição do pigmento, podendo ocorrer nistagmo, fotofobia e diminuição da acuidade visual. A íris pode ser acinzentada, azulada ou acastanhada.3 Os pacientes evoluem com infecções recorrentes, principalmente na pele e nas vias aéreas. Há resposta à antibioticoterapia, porém de forma mais lenta quando comparada à dos indivíduos imunocompetentes. O defeito imune é atribuído à função citolítica prejudicada das células T e natural killer e ao atraso na quimiotaxia de neutrófilos e monócitos.4,5 Podem surgir sangramentos leves a moderados; sangramentos graves podem acontecer na fase acelerada, quando, além da disfunção plaquetária, há também plaquetopenia.6 As alterações neurológicas podem ocorrer no sistema nervoso central ou periférico, com neurodegeneração progressiva.7 Aproximadamente 85% dos pacientes evoluem para a fase acelerada, caracterizada por infiltração linfo-histiocitária de múltiplos órgãos, não maligna, porém semelhante ao linfoma, manifestada por febre, anemia, neutropenia, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, icterícia e coagulopatia. O diagnóstico da SCH é confirmado pelo encontro de grânulos citoplasmáticos gigantes, peroxidase-positivos, em polimorfonucleares e outras células, como leucócitos, plaquetas, melanócitos, hepatócitos, células tubulares renais, tecido neural e tireoidiano; ou por análise gênica, com mutação no gene LYST ou CHS1 no cromossomo 1.8 O óbito em geral ocorre na primeira década de vida por infecção ou sangramento, ou mais tardiamente, quando há evolução para a fase acelerada.9 O tratamento curativo é o transplante de medula óssea, que corrige o defeito imune e hematológico, porém persistem as alterações oculocutâneas e neurológicas. O principal diagnóstico diferencial é a síndrome de Griscelli, doença autossômica recessiva rara, causada pela mutação dos genes MYO5A ou RAB27A. Manifesta-se com albinismo parcial, cabelos prateados, acometimento neurológico variável, imunodeficiência e desenvolvimento de fase acelerada como na SCH; porém diferencia-se desta pela ausência de grânulos leucocitários gigantes intracitoplasmáticos no esfregaço de sangue periférico ou pela análise genética.10,11

Recebido em 04.11.2010

Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 24.03.2011.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
    Ward DM, Shiflett SL, Kaplan J. Chediak-Higashi syndrome: a clinical and molecular view of a rare lysosomal storage disorder. Curr Mol Med. 2002;2:469-77.
  • 2
    Durandy A, Breton-Gorius J, Gay-Grand D, Dumez C, Griscelli C. Prenatal diagnosis of syndromes associating albinism and immune deficiencies (Chediak-Higashi syndrome and variant). Prenat Diagn. 1993;13:13-20.
  • 3
    BenEzra D, Mengistu F, Cividalli G, Weizman Z, Merin S, Auerbach E. Chediak-Higashi syndrome: ocular findings. J Pediatr Ophthalmol Strabis. 1980;17:68-74.
  • 4
    Baetz K, Isaaz S, Griffiths GM. Loss of cytotoxic T lymphocyte function in Chediak-Higashi syndrome arises from a secretory defect that prevents lytic granule exocytosis. J Immunol. 1995;154:6122-31.
  • 5
    Abo T, Roder J C, Abo W, Cooper MD, Balch CM. Natural killer (HNK-1+) cells in Chediak-Higashi patients are present in normal numbers but are abnormal in function and morphology. J Clin Invest. 1982;70:193-7.
  • 6
    Buchanan GR, Handin RI. Platelet function in the Chediak-Higashi syndrome. Blood. 1976;47:941-8.
  • 7
    Sung JH, Meyers JP, Stadlan EM, Cowen D, Wolf A. Neuropathological changes in Chediak-Higashi disease. J Neuropathol Exp Neurol. 1969;28:86-118.
  • 8
    Barbosa MD, Nguyen QA, Tchernev VT, Ashley JA, Detter JC, Blaydes SM, et al. Identification of the homologous beige and Chediak-Higashi syndrome genes. Nature. 1996;382:262-5.
  • 9
    Seixas AM, Soria-Costales TA, Jabur R, Enokihara MMSS, Michalany NS, Cestari SCP, et al. Síndrome de Chediak-Higashi: relato de caso e revisão de literatura. An Bras Dermatol. 1999;74:605-9.
  • 10
    Mancini AJ, Chan LS, Paller AS. Partial albinism with immunodeficiency: Griscelli syndrome: report of a case and review of the literature. J Am Acad Dermatol. 1998;38:295-300.
  • 11
    Ménasché G, Pastural E, Feldmann J, Certain S, Ersoy F, Dupuis S, et al. Mutations in RAB27A cause Griscelli syndrome associated with hemophagocytic syndrome. Nat Genet. 2000;25:173-6.
  • Endereço para Correspondência:
    Giovana Tadéia Fantinato
    Hospital São Paulo
    Vila Clementino
    04024-900 São Paulo, SP.
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br