Resumos
A inativação de genes por knock-out ou por bloqueio da tradução de seus transcritos (silenciamento) constitui uma estratégia extremamente poderosa tanto para atribuir função aos genes como para mapear a inter-relação dos diferentes componentes das vias regulatórias intracelulares. Um dos meios para se obter o silenciamento pós-transcricional consiste na ativação de um mecanismo mediado por RNAs fita-dupla (dsRNA) conhecido como RNA interferência (RNAi). O RNAi se mostrou um instrumento extremamente versátil em pesquisa biomédica, podendo ser utilizado em experimentos de silenciamento pontual de genes ou ser adaptado para estudos em larga escala de genômica funcional, podendo, inclusive, ser utilizado como meio de terapia gênica. Neste trabalho, os autores discutem as vias intracelulares envolvidas no RNAi, bem como as principais estratégias e limitações técnicas para se obter o silenciamento em células de mamíferos. Fazem, também, uma revisão das principais aplicações do RNAi na terapêutica de doenças humanas e na investigação de fenômenos fisiológicos e fisiopatológicos do córtex adrenal.
Silenciamento gênico; RNA interferência; Genômica funcional; Terapia gênica
Loss-of-function approaches such as gene knock-out or gene silencing are extremely powerful strategies for assigning function to a gene and for mapping the interconnections of intracellular regulatory pathways. Post-transcriptional gene silencing can be obtained via activation of a double-stranded RNA (dsRNA) mediated mechanism termed RNA interference (RNAi). RNAi has revealed an extremely versatile tool in Biomedical research that can be used in both single silencing gene experiments and in large-scale Functional Genomics studies and has been used as a tool for gene therapy. In the present paper the authors discuss the intracellular mechanisms underlying the RNAi phenomenon, as well the different strategies and their limitations for RNAi gene silencing in mammalian cells. The use of RNAi in the treatment of human diseases and in the investigation of both physiology and pathophysiology of adrenal cortex has also been reviewed.
Gene silencing; RNA interference; Functional genomics; Gene therapy
ATUALIZAÇÃO
Silenciamento de genes com RNA interferência: um novo instrumento para investigação da fisiologia e fisiopatologia do córtex adrenal
Gene silencing with RNA interference: a novel tool for the study of physiology and pathophysiology of adrenal cortex
Angela Silva Barbosa; Chin Jia Lin
Laboratório de Hormônios e Genética Molecular LIM-42, Disciplina de Endocrinologia, Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Angela S. Barbosa Laboratório de Hormônios e Genética Molecular LIM-42 Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155 Prédio dos Ambulatórios (PAMB) 2° Andar, Bloco 6 05403-900 São Paulo, SP
RESUMO
A inativação de genes por knock-out ou por bloqueio da tradução de seus transcritos (silenciamento) constitui uma estratégia extremamente poderosa tanto para atribuir função aos genes como para mapear a inter-relação dos diferentes componentes das vias regulatórias intracelulares. Um dos meios para se obter o silenciamento pós-transcricional consiste na ativação de um mecanismo mediado por RNAs fita-dupla (dsRNA) conhecido como RNA interferência (RNAi). O RNAi se mostrou um instrumento extremamente versátil em pesquisa biomédica, podendo ser utilizado em experimentos de silenciamento pontual de genes ou ser adaptado para estudos em larga escala de genômica funcional, podendo, inclusive, ser utilizado como meio de terapia gênica. Neste trabalho, os autores discutem as vias intracelulares envolvidas no RNAi, bem como as principais estratégias e limitações técnicas para se obter o silenciamento em células de mamíferos. Fazem, também, uma revisão das principais aplicações do RNAi na terapêutica de doenças humanas e na investigação de fenômenos fisiológicos e fisiopatológicos do córtex adrenal.
Descritores: Silenciamento gênico; RNA interferência; Genômica funcional; Terapia gênica
ABSTRACT
Loss-of-function approaches such as gene knock-out or gene silencing are extremely powerful strategies for assigning function to a gene and for mapping the interconnections of intracellular regulatory pathways. Post-transcriptional gene silencing can be obtained via activation of a double-stranded RNA (dsRNA) mediated mechanism termed RNA interference (RNAi). RNAi has revealed an extremely versatile tool in Biomedical research that can be used in both single silencing gene experiments and in large-scale Functional Genomics studies and has been used as a tool for gene therapy. In the present paper the authors discuss the intracellular mechanisms underlying the RNAi phenomenon, as well the different strategies and their limitations for RNAi gene silencing in mammalian cells. The use of RNAi in the treatment of human diseases and in the investigation of both physiology and pathophysiology of adrenal cortex has also been reviewed.
Keywords: Gene silencing; RNA interference; Functional genomics; Gene therapy
CLASSICAMENTE, AS ANÁLISES GENÉTICAS procedem do fenótipo para o genótipo, ou seja, o fenótipo alterado (de ocorrência natural ou obtido por experimentos de mutagênese aleatória) de um determinado indivíduo fornece dicas sobre a função do gene responsável e, por clonagem posicional ou por análise de genes candidatos, pode-se isolar o gene causador da doença. Esta abordagem tem sido utilizada com sucesso na identificação de genes responsáveis por várias doenças, utilizando-se marcadores de localização cromossômica que co-segregam com o traço analisado, ou estudando-se, quando conhecidas, a(s) via(s) bioquímica(s) que produz(em) o fenótipo em questão. Com o advento do seqüenciamento de genomas em larga escala, milhares de genes foram identificados, mas pouco sabemos sobre suas funções. Por exemplo, estima-se que o genoma humano apresenta de 30.000 a 40.000 genes que codificam proteínas, mas a função de pelo menos metade desses genes permanece desconhecida.
Dentre as estratégias para se conhecer a função de um determinado gene estão os experimentos de perda-de-função. Esta abordagem consiste em impedir que o gene estudado gere a proteína por ele codificada com o propósito de analisar as conseqüências ou o fenótipo decorrente desta inibição em organismo inteiro ou em células cultivadas. A partir destas informações, pode-se deduzir a função do gene inativado, bem como as vias de sinalização a que pertence o produto deste gene. Visto que as abordagens de perda de função procedem do genótipo ao fenótipo, esta estratégia poderosa é chamada de "genética reversa" em oposição à abordagem clássica (direta). A técnica mais amplamente usada atualmente para estudos de genética reversa é a de knock-out de genes específicos. Com modificações apropriadas, o knock-out pode ser utilizado para identificar funções tecido-específicas de um determinado gene. Embora eficaz e poderoso, trata-se de um método laborioso, demanda custos elevados e requer infra-estrutura especializada no que diz respeito à produção e à manutenção dos organismos, não podendo ser realizado em qualquer laboratório. Alternativamente ao knock-out de genes em experimentos de genética reversa, podem ser adotadas estratégias que impeçam a tradução do RNA mensageiro (mRNA). Tomar como alvo mRNAs parece ser teoricamente mais vantajoso em relação à inativação de genes. Em primeiro lugar, os mRNAs são mais acessíveis à inativação do que os genes. Além disso, os mRNAs podem ser alvejados tanto em cultura de células como em organismos inteiros ou embriões, independentemente do estágio de desenvolvimento em que estes se encontram. Em função desta última propriedade, os métodos de silenciamento gênico baseados em mRNA poderão ser utilizados no tratamento de doenças causadas pela expressão de genes deletérios (conforme discussão adiante). Um dos métodos baseados em mRNA para silenciamento de genes é a utilização de agentes antisense. Esta estratégia consiste em introduzir um oligonucleotídeo complementar ao mRNA-alvo dentro de uma determinada célula, por exemplo. O híbrido DNA-RNA formado pode bloquear a ligação do mRNA ao ribossomo ou ativar a degradação do mRNA-alvo por RNase H (1). Apesar da simplicidade conceitual, as tecnologias antisense são, de certa forma, limitadas tanto pela ocorrência de inibição inespecífica de outros genes quanto pela dificuldade em se introduzir o agente antisense produzido. Há cerca de cinco anos, uma nova ferramenta foi descoberta e vem sendo cada vez mais utilizada para se estudar a função de genes: são os short interfering RNAs (siRNAs). Essas pequenas moléculas de RNA são intermediárias de um processo conhecido como RNA interference ou interferência mediada por RNA. Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez no nemátodo Caenorhabditis elegans, em 1998, quando se observou que a presença de apenas algumas poucas moléculas de RNA dupla-fita (dsRNA) eram capazes de abolir a expressão de um determinado gene com seqüência similar àquele dsRNA (2). Hoje sabemos que, potencialmente, qualquer gene pode ser silenciado em células de mamíferos cultivadas, insetos, plantas e fungos.
Mecanismo de Silenciamento por dsRNA
Embora não compreendido, o mecanismo de silenciamento por RNA foi primeiramente observado em plantas: pesquisadores trabalhando com plantas transgênicas tentavam produzir petúnias com uma pigmentação violeta mais intensa, inserindo como um transgene uma cópia extra do gene que produz a enzima responsável pelo pigmento floral. Contrariamente ao esperado, em vez de roxas, as flores nasciam brancas. Ou seja, a cópia extra do gene para pigmentação não apenas não resultava em intensificação da cor como suprimia, inclusive, a ação do gene endógeno, fenômeno conhecido como "co-supressão". Mais tarde, os pesquisadores entenderam o mecanismo subjacente: o transgene provavelmente gerou, na planta, intermediários de RNA dupla-fita que reconheceram o mRNA homólogo (endógeno), gerando sua degradação (3).
O RNA dupla-fita é importante no processo de silenciamento porque ele é clivado dentro da célula em fragmentos de 21-25 nucleotídeos por uma nuclease conhecida como Dicer (4). Essa enzima é homóloga à RNAse III de E. coli e apresenta um domínio de ligação a dsRNAs e domínios helicase (5). Os pequenos fragmentos de dsRNA, conhecidos como small interfering RNAs (siRNAs), correspondem às fitas sense e antisense do RNA alvo e se associam a proteínas celulares formando um complexo multimérico chamado RISC (RNA Interference Specificity Complex). Uma helicase presente no complexo abre a dupla-fita dos siRNAs, de forma que a fita antisense do duplex guia o complexo até o mRNA alvo (6). Uma endorribonuclease, também presente no complexo, cliva o referido mRNA, degradando-o (4,7) (figura 1).
Como vemos, o silenciamento nesse processo é causado por um mecanismo pós-transcricional: o gene é normalmente transcrito dentro da célula, mas não consegue ser traduzido, pois é antes degradado. Evidências de que se trata de um mecanismo pós-transcricional vêm de experimentos em C. elegans, em que se introduziram dsRNA de seqüências promotoras e de seqüências intrônicas, e não se observou, nesses casos, silenciamento gênico (2,8). Mas tudo indica que, ao menos em plantas, a introdução de dsRNAs equivalentes a regiões promotoras podem, eventualmente, gerar silenciamento no nível da transcrição por ocorrer metilação da região alvo (9,10).
Em células de mamíferos, não se pode utilizar esse sistema de silenciamento com dsRNA longos, pois moléculas de RNA dupla-fita com mais de 30 pares de base ativam vias relacionadas com a produção de interferons e a proteína quinase dependente de dsRNA (PKR), levando à apoptose [revisto em (11-15)]. A PKR, um potente detector de proteínas virais, é ativada ao se ligar a longas moléculas de dsRNA (similares àquelas produzidas por vírus). Uma vez ativada, ela inibe a tradução de proteínas, fosforilando a sub-unidade a do fator de início da tradução (EIF2a). Com isso, há uma supressão geral da síntese protéica na célula, levando à apoptose. A PKR também ativa as enzimas oligo A sintetase e RNAse L, componentes centrais das vias anti-virais, que acabam gerando a degradação inespecífica de RNAs. RNAs dupla-fita com menos de 30 pares de base não são capazes de ativar as vias PKR e a via relacionada com a produção de interferons e, portanto, podem ser utilizados nas células de mamíferos para silenciar genes de forma específica (figura 2).
Funções Biológicas do RNAi
A interferência mediada por RNA é um fenômeno que naturalmente ocorre nos organismos eucariotos e parece exercer, primordialmente, um papel na eliminação de RNAs mensageiros anômalos e na defesa do organismo contra parasitas moleculares como transposons e vírus (16-18). Durante a replicação, vírus de RNA de plantas geram RNAs dupla-fita como intermediários. Essas moléculas são clivadas pela Dicer de forma que, quando a infecção se estabelece de fato, o complexo RISC ataca os RNA mensageiros virais e a replicação cai. Em contrapartida, os vírus às vezes produzem proteínas que neutralizam o silenciamento do RNA, o que explica a existência de algumas cepas altamente virulentas (3).
O papel do RNAi na proteção do genoma é ilustrado por mutantes de C. elegans que não apresentam esse mecanismo de silenciamento e que, em conseqüência, têm uma alta freqüência de mutações espontâneas em decorrência da maior mobilidade de transposons endógenos (17,18).
As vias de silenciamento em plantas, fungos e animais compartilham um conjunto de proteínas relacionadas, sugerindo que os aspectos comuns das vias sejam antigos. Os procariotos não apresentam esse mecanismo, considerado, portanto, uma aquisição ou inovação eucariótica (19).
O RNAi e a Genômica Funcional
O RNAi vem sendo usado como uma ferramenta poderosa para a análise sistemática de função gênica. O princípio é bastante simples: basta introduzir em uma célula um fragmento correspondente a um determinado gene na forma de RNA dupla-fita, ou na forma de DNA, que irá gerar dentro da célula um dsRNA. O dsRNA deverá ativar o processo Dicer/RISC e, conseqüentemente, a célula irá manifestar a perda de função do referido gene. O genoma funcional completo do C. elegans tem sido desvendado com o uso de RNAi (20,21). Os pesquisadores criaram uma coleção de E. coli que produz dsRNAs correspondentes a cada um dos genes. Os vermes são, então, alimentados com essas bactérias (um só tipo a cada vez) e a função de cada gene é inferida pelo comportamento ou pelas propriedades que o organismo deverá exibir.
Um programa similar está sendo desenvolvido em plantas (16,22). As plantas são infectadas por vírus que carregam insertos correspondentes a cada um dos genes do genoma da planta e a função do gene é inferida pelos sintomas que a planta passa a apresentar.
Com relação ao genoma humano, há grupos trabalhando com a inativação por RNAi de genes específicos, envolvidos no processo de tumorigênese e outras vias.
Considerações Sobre a Utilização de RNAi em Células de Mamíferos
O objetivo de se usar RNAi é silenciar de forma específica um determinado gene. Portanto, deve-se selecionar cuidadosamente uma região do mRNA alvo e evitar que a região escolhida tenha similaridade com regiões pertencentes a outros RNAs não relacionados. Aconselha-se fazer uma busca nos bancos de dados nos quais estão depositadas as seqüências do genoma para verificar se a seqüência escolhida é específica. Ao escolher um pequeno fragmento de RNA, recomenda-se evitar as primeiras 75 bases após o códon de início da transcrição, seqüências com mais de 50% de G + C, bem como as regiões 5' e 3' não traduzidas, pois assume-se que proteínas regulatórias se liguem a essas regiões (23). Estudos recentes mostram que critérios bioquímicos, termodinâmicos e estruturais devem ser considerados quando se "desenham" siRNAs. Sugere-se que a extremidade 5' da fita antisense seja rica em AU, o que confere uma baixa estabilidade a essa extremidade, aumentando a probabilidade de que essa fita seja incorporada ao complexo RISC. Por outro lado, aconselha-se que a extremidade 5' da fita sense tenha um G ou C, de forma que apresente maior estabilidade interna (23). A utilização de diferentes dsRNA pequenos para um mesmo mRNA pode gerar resultados mais ou menos eficazes, dependendo da estrutura secundária da molécula alvo. Um siRNA é considerado eficiente quando provoca uma redução de pelo menos 90% no nível protéico.
Há várias formas de se gerar siRNAs para os estudos de silenciamento gênico. As moléculas podem ser obtidas in vitro por síntese química, transcrição in vitro ou ainda por digestão de dsRNA longos com a enzima Dicer. Nesse caso, uma série de pequenos fragmentos é gerada, aumentando consistentemente a probabilidade de silenciamento. Entretanto, não se sabe qual molécula provocou o silenciamento. siRNAs podem também ser expressas in vivo com a utilização de vetores de expressão. Oligonucleotídeos que deverão codificar a seqüência de RNA desejada (estrutura de hairpin) são anelados in vitro e em seguida clonados em vetores especializados (24). Dentro da célula, ocorrerá a transcrição e a conseqüente produção do siRNA na forma de hairpin. Inúmeras são as vantagens desse método: grandes quantidades de vetor podem ser geradas por propagação em bactérias; as células podem ser submetidas a uma pressão de seleção com a utilização de antibióticos caso o vetor utilizado confira resistência a tais antibióticos, observando-se, conseqüentemente, o efeito do silenciamento sem a interferência das células não transfectadas; não se manipula o RNA diretamente.
Com relação às classes de genes silenciados com a utilização de RNAi, a literatura relata desde aqueles que codificam proteínas estruturais como também genes que codificam enzimas catalíticas (15). Um passo limitante do processo de silenciamento por RNAi é a transfectabilidade das células. As células HeLa fornecem os melhores resultados: 100% das células são passíveis de transfecção com agentes lipofílicos (substâncias que transportam ácidos nucléicos através das membranas). Outros tipos de células também já deram bons resultados, mas as culturas primárias são notórias por apresentarem baixa eficiência de transfecção. É importante mencionar que a eficiência de transfecção depende não apenas do tipo de célula, mas também do número de passagens e da confluência (15). Tanto transcritos abundantes quanto transcritos produzidos em pequena quantidade podem ser silenciados. É mesmo possível silenciar dois genes simultaneamente (laminina e proteína nuclear do aparato mitótico) (25), mas deve-se, nesse caso, controlar bem as concentrações de siRNAs usadas. O silenciamento de um determinado RNAm já pode ser observado após 18 horas do período de transfecção, mas o fenômeno é transiente: perdura por 3 a 5 ciclos de replicação das células e após 7 a 10 ciclos o gene volta a se expressar (15).
Aplicações do Silenciamento Gênico Mediado por RNAi no Tratamento de Doenças Humanas
Os métodos de silenciamento gênico baseados em RNA podem ser utilizados em terapia gênica por serem aplicáveis em organismos intactos. Para este fim, os vetores que produzem shRNAs são os mais apropriados. As condições que potencialmente se beneficiam desta modalidade de terapia gênica são aquelas nas quais a expressão de genes deletérios desempenha papel importante no desenvolvimento da doença (por exemplo, neoplasias malignas, doenças neurodegenerativas e infecções virais crônicas). Há, na literatura, uma profusão de relatos de desenvolvimento desta modalidade de tratamento. O RNAi foi utilizado com sucesso em modelos experimentais, no silenciamento de genes críticos para a viabilidade (26,27), proliferação (28,29) ou disseminação (30) de células tumorais. Obteve-se, com esta tecnologia, down-regulation de genes que conferem resistência das células cancerosas a estímulos pró-apoptóticos (31,32) e a tratamentos antitumorais (33-38), aumentando, assim, a eficiência da quimio e radioterapia. Os vírus da imunodeficiência humana (HIV), da hepatite C (HCV), e da hepatite B (HBV) são alguns patógenos contra os quais estão se desenvolvendo tratamentos baseados em RNAi. A replicação do HIV em linfócitos T humanos foi inibida com o silenciamento de genes do próprio HIV (39,40) ou do hospedeiro (41). O silenciamento da expressão de receptores de quimiocinas CC e CXC confere aos linfócitos T resistência à infecção por HIV (39,42,43). Utilizando RNAi, diversos grupos relataram sucesso na inibição da replicação e obtiveram clareamento do HCV propagado em linhagem de hepatócitos (44-48). O RNAi também permitiu a inibição da replicação do HBV tanto em cultura de hepatócitos como em camundongos (49). Finalmente, utilizando RNAi é possível atenuar o acúmulo de produtos de genes defeituosos que causam doenças neurodegenerativas como a ataxia espinocerebelar tipo 1 (50), a esclerose amiotrófica lateral (51) e a doença de Alzheimer (52). Visto que a disponibilidade intracelular dos RNAs interferentes é o fator mais importante para determinar a eficácia de um tratamento com esta tecnologia, os esforços atuais estão concentrados no desenvolvimento de sistemas e vetores capazes de transferir grandes quantidades de dsRNA ao tecido ou órgão em que se deseja obter o silenciamento gênico.
Aplicações do RNAi na Investigação da Fisiologia e Fisiopatologia do Córtex Adrenal
O silenciamento de genes obtido com a tecnologia de RNAi abre novas possibilidades para investigação da fisiologia e da fisiopatologia do córtex adrenal. Praticamente todos os aspectos da biologia e da fisiopatologia do córtex da supra-renal parecem se beneficiar desta nova técnica. A regulação do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal foi estudada com o auxílio do RNAi. Esta técnica permitiu silenciar a expressão do CRF no núcleo paraventricular e avaliar a contribuição de outros fatores neuroendócrinos na regulação da resposta secretória do ACTH ao estresse (53). O RNAi tem sido utilizado para inativar seletivamente genes envolvidos em morte celular programada (54-60), permitindo identificar os componentes promotores e inibidores de um processo intimamente relacionado à organogênese, desenvolvimento e envelhecimento do córtex adrenal, bem como avaliar a resposta das células adrenocorticais a variações do estímulo hormonal (61-64). Atualmente, um dos aspectos da fisiologia da esteroidogênese que mais atraem atenção dos pesquisadores é a regulação transcricional das enzimas esteroidogênicas. O uso do RNAi possibilita a avaliação da contribuição de cada um dos fatores de transcrição através da sua remoção seletiva. Com o RNAi, foi demonstrado o papel do NGFI-B na mediação da transcrição, induzida por cAMP, do CYP17 no córtex adrenal bovino (65). Esta mesma abordagem de "dissecção molecular" foi também instrumental para se estudar o papel do receptor periférico de benzodiazepina na importação do StAR pela mitocôndria (66) e a função de uma nova proteína SBP (StAR-binding protein) (67). Finalmente, a combinação de RNAi com técnicas de genômica funcional levou à identificação de proteínas novas análogas à proteína StAR, que compõem o sistema de transporte intracelular de colesterol (21). Visto que DAX-1 reprime, por interação proteína-proteína, transcrições ativadas pelo Steroidogenic Factor 1 (SF-1) e é abundantemente expresso em células adrenais da linhagem NCI-H295A, nosso grupo está atualmente utilizando RNAi para silenciar a expressão de DAX-1 e estudar as conseqüências da remoção deste repressor na transcrição do CYP17 na adrenal humana.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi realizado com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP, Processos FAPESP 01/12571-5 (à A.S.B) e 00/11362-0 (a C.J.L.).
Recebido em 23/08/04
Aceito em 09/09/04
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Mar 2005 -
Data do Fascículo
Out 2004
Histórico
-
Recebido
23 Ago 2004 -
Aceito
09 Set 2004