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Doença cardiovascular e diabetes

EDITORIAL

Doença cardiovascular e diabetes

Beatriz D. SchaanI; André F. ReisII

IInstituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

IIDisciplina de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal de São Paulo e Instituto Fleury, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Beatriz D'Agord Schaan Unidade de Pesquisa do IC/FUC Av. Princesa Isabel 370 90620-001 Porto Alegre, RS Fax: (51) 3230-3600, ramal 3777 E-mail: editoracao-pc@cardiologia.org.br / beatrizschaan@terra.com.br

NO ÚLTIMO SÉCULO OCORRERAM avanços extraordinários nas várias disciplinas da medicina. Na diabetologia isso foi notável com a descoberta da insulina e das drogas antidiabéticas orais. Uma doença que inicialmente levava à morte rapidamente aqueles com produção de insulina deficiente, tornou-se uma patologia crônica. Ainda, enormes avanços foram conseguidos no campo de diagnóstico, chegando até ao final do século a possibilidade de realização de diagnósticos etiológicos muito precisos, como por exemplo a determinação de marcadores imunológicos do diabetes tipo 1 (DM1) e algumas formas genéticas do diabetes. Essa melhoria acentuada na expectativa de vida dos pacientes com diabetes trouxe à tona o problema das complicações crônicas secundárias à exposição prolongada à hiperglicemia e outras alterações bioquímicas e metabólicas a ela associadas. No mesmo século, pudemos aprender como evitar, pelo menos parcialmente, o surgimento e a progressão das complicações microvasculares do diabetes, que, como era esperado, envolve a otimização do controle glicêmico (1-3), mas também a redução dos níveis pressóricos (4) e especialmente a associação de ambos (5).

No entanto, o mesmo não foi verdadeiro para a doença macrovascular associada ao diabetes, a qual refere-se à cardiopatia isquêmica, doença arterial periférica e doença cerebrovascular. Principal causa de morte nos indivíduos com DM1 (6) e tipo 2 (DM2) (7,8), as doenças cardiovasculares pouco haviam sido afetadas pela intervenção dirigida a melhor controle glicêmico idealizada pelos grandes ensaios clínicos dos anos 90 (DCCT e UKPDS), no DM2 provavelmente pela necessidade de intervenção multi-fatorial na prevenção da doença cardiovascular, e no DM1 provavelmente pela baixa idade dos participantes à entrada no estudo. Sabe-se também que a doença cardiovascular é complexa, com envolvimento de fatores inflamatórios, metabólicos e genéticos. Mais recentemente, no entanto, o seguimento mais prolongado dos participantes do DCCT mostrou a redução de 57% na mortalidade cardiovascular associada ao controle glicêmico intensivo obtido nos anos iniciais do estudo (9).

Num âmbito geral, no entanto, os avanços médicos na área de doenças cardiovasculares foi imenso, envolvendo desde a realização dos procedimentos cirúrgicos com circulação extra-corpórea, desenvolvimento de novas drogas para tratamento clínico mais eficaz, uso de técnicas de cineangiocoronariografia com angioplastia e colocação de stents. O progresso na compreensão da lesão aterosclerótica, apontando o envolvimento dos lípides, fenômenos inflamatórios e metabólicos, elementos envolvidos na estabilidade da placa e a definição de fatores de risco a serem prevenidos/tratados permitiu também avanço em diagnóstico e tratamento. Tudo isso se traduziu na redução da incidência (10) e mortalidade (11) por doenças cardiovasculares nos pacientes sem diabetes.

Além de maior risco para doença cardiovascular, indivíduos com diabetes e doença cardiovascular têm pior prognóstico, apresentando menor sobrevida em curto prazo, maior risco de recorrência da doença e pior resposta aos tratamentos propostos. É bem conhecido o rápido e contínuo aumento na incidência e prevalência de DM em todo o mundo nas últimas décadas. Espera-se a duplicação do número de indivíduos com DM no decorrer dos próximos anos, o que poderá alcançar 300 milhões de diabéticos em 2025 (12). Dessa forma, o DM tem se tornado um diagnóstico de considerável importância na cardiologia, associando-se a readmissões hospitalares freqüentes e alta morbi-mortalidade cardiovasculares. Interessante observar que houve redução de 50% do risco de eventos cardiovasculares nestes pacientes nas últimas décadas, mantendo-se no entanto risco absoluto 2 vezes maior em relação aos não-diabéticos (10).

Cabe aos profissionais de saúde que tratam esses pacientes rastrear os fatores de risco para doenças cardiovasculares e suas manifestações clínicas iniciais, objetivando prevenção e tratamento precoce, a fim de minimizar os danos causados por sua associação. Em geral, o paciente com diabetes parece se beneficiar de estratégias de prevenção agressivas, que estipulam parâmetros mais rígidos de controle dos fatores de risco a serem atingidos (13). Neste sentido, os últimos anos são repletos de publicações com recomendações específicas para esse subgrupo de pacientes. Recentemente foi publicado Consenso extremamente completo contemplando a prevenção primária da doença cardiovascular nos pacientes com diabetes, que harmoniza as recomendações advindas da American Diabetes Association e American Heart Association (14). É extremamente interessante a edição de um número dos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia dedicado ao diabetes e à doença cardiovascular, oportunizando aos profissionais de saúde leitura das mais recentes tendências sobre o tema.

Consideramos que é chegada a hora de oferecer aos leitores dos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, principais profissionais que tratam de pacientes com diabetes, um volume de informações que possa nos atualizar em relação a todos estes avanços, além de permitir a difusão do que vem sendo feito de novo em pesquisa nessa área em nosso país. Conseguimos reunir uma lista dos melhores profissionais nacionais e internacionais que têm grande experiência clínica e de pesquisa no diagnóstico, tratamento e estudo da fisiopatologia da doença cardiovascular.

Gostaríamos de registrar nosso agradecimento ao editor-chefe, Dr. Claudio Kater, que apoiou este projeto com entusiasmo, deixando os co-editores com toda a liberdade para desenvolvê-lo. Agradecemos aos autores que colaboraram para que os temas propostos fossem apresentados da melhor forma possível e desejamos boa leitura a todos!

REFERÊNCIAS

1. Effect of intensive blood-glucose control with metformin on complications in overweight patients with type 2 diabetes (UKPDS 34). UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Lancet 1998;352(9131):854-65.

2. Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Lancet 1998;352(9131):837-53.

3. The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. N Engl J Med 1993;329(14):977-86.

4. Tight blood pressure control and risk of macrovascular and microvascular complications in type 2 diabetes: UKPDS 38. UK Prospective Diabetes Study Group. BMJ 1998;317(7160):703-13.

5. Stratton IM, Cull CA, Adler AI, Matthews DR, Neil HA, Holman RR. Additive effects of glycaemia and blood pressure exposure on risk of complications in type 2 diabetes: a prospective observational study (UKPDS 75). Diabetologia 2006;49(8):1761-9.

6. Soedamah-Muthu SS, Fuller JH, Mulnier HE, Raleigh VS, Lawrenson RA, Colhoun HM. All-cause mortality rates in patients with type 1 diabetes mellitus compared with a non-diabetic population from the UK general practice research database, 1992-1999. Diabetologia 2006;49(4):660-6.

7. Juutilainen A, Lehto S, Ronnemaa T, Pyorala K, Laakso M. Type 2 diabetes as a "coronary heart disease equivalent": an 18-year prospective population-based study in Finnish subjects. Diabetes Care 2005;28(12):2901-7.

8. Glucose tolerance and mortality: comparison of WHO and American Diabetes Association diagnostic criteria. The DECODE study group. European Diabetes Epidemiology Group. Diabetes Epidemiology: Collaborative analysis Of Diagnostic criteria in Europe. Lancet 1999;354(9179):617-21.

9. Nathan DM, Cleary PA, Backlund JY, Genuth SM, Lachin JM, Orchard TJ, et al; Diabetes Control and Complications Trial/Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications (DCCT/EDIC) Study Research Group. Intensive diabetes treatment and cardiovascular disease in patients with type 1 diabetes. N Engl J Med 2005;353(25):2643-53.

10. Fox CS, Coady S, Sorlie PD, Levy D, Meigs JB, D'Agostino RB, et al. Trends in cardiovascular complications of diabetes. JAMA 2004;292(20):2495-9.

11. Cooper R, Cutler J, Desvigne-Nickens P, Fortmann SP, Friedman L, Havlik R, et al. Trends and disparities in coronary heart disease, stroke, and other cardiovascular diseases in the United States: findings of the national conference on cardiovascular disease prevention. Circulation 2000;102(25):3137-47.

12. Fox CS, Pencina MJ, Meigs JB, Vasan RS, Levitzky YS, D'Agostino RB. Trends in the incidence of type 2 diabetes mellitus from the 1970s to the 1990s: the Framingham Heart Study. Circulation 2006;113(25):2914-8.

13. Stamler J, Vaccaro O, Neaton JD, Wentworth D. Diabetes, other risk factors, and 12-yr cardiovascular mortality for men screened in the Multiple Risk Factor Intervention Trial. Diabetes Care 1993;16(2):434-44.

14. Buse JB, Ginsberg HN, Bakris GL, Clark NG, Costa F, Eckel R, et al. Primary prevention of cardiovascular diseases in people with diabetes mellitus: a scientific statement from the american heart association and the american diabetes association. Diabetes Care 2007;30(1):162-72.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007
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