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O ciclo glicose-ácido graxo durante exercício intenso: uma teoria contestável?

The glucose-fatty acid cycle during intense exercise: a contestable theory?

CARTAS AO EDITOR

O ciclo glicose-ácido graxo durante exercício intenso: uma teoria contestável?

The glucose-fatty acid cycle during intense exercise: a contestable theory?

Fábio Rosseto

Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para Correspondência Correspondência para: Fábio Rosseto Av. 31 de Março, 895, ap. 6 11740-000 – Itanhaém, SP, Brasil fabio.rosseto@yahoo.com.br

Em apreciação ao estudo de Silveira e cols. (1), publicado em 2011 nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, e de Philip Randle e cols. (2), a respeito da teoria clássica do ciclo glicose-ácido graxo, algumas considerações merecem nota. Em sua revisão a respeito da regulação do metabolismo da glicose e ácido graxo no músculo esquelético durante o exercício físico, Silveira e cols. (1) discutem a seguinte questão: Por que o ciclo glicose-ácido graxo falha em exercer seus efeitos durante o exercício intenso? De acordo com os autores, o fornecimento da oxidação de lipídeos (OL) e redução da oxidação de carboidratos (OCHO), efeito do ciclo da glicose-ácido graxo, explica o aumento da capacidade do músculo esquelético em sustentar atividades prolongadas (geralmente menos intensas), mas não em atividades intensas (maior OCHO). Similarmente, Jeukendrup (3) menciona não haver evidências que fundamentem o ciclo da glicose-ácido graxo relacionando a teoria aos exercícios de moderada a altas intensidades, normalmente descritas pela porcentagem do consumo máximo de oxigênio (O2máx).

Inicialmente, devemos pontoar que o ciclo glicose-ácido graxo estabelece a regulação metabólica crucial para a homeostase energética (4,5). Fundamentar o efeito metabólico dos substratos durante o exercício comparativamente ao ciclo glicose-ácido graxo, que demanda tempo para que haja a regulação homeostática, descaracteriza a primazia da teoria em questão. Sob condições da vida cotidiana, Jequier (6) reporta que o balanço do carboidrato deve ser obtido dentro de 24 ou 48 horas, levando à premissa de que o balanço lipídico seja similar. A respeito da seleção metabólica do combustível (substratos), em outro trabalho Randle (7) menciona que a regulação da oxidação de glicose ocorre em longo prazo, resultado do efeito dos ácidos graxos na fosforilação reversível do complexo mitocondrial piruvato desidrogenase. Ao analisar o efeito de intensidades distintas de exercício físico sob a OL em 24-h, alguns estudos clínicos aleatórios reportam que não há diferença significativa entre as comparações (8-11) (Tabela 1). Treuth e cols. (12), ao analisarem a intensidade do exercício sob a oxidação dos substratos em 24-h, puderam verificar taxas semelhantes de OL e OCHO.

Em contraste com o estudo de Silveira e cols. (1), independente da intensidade do exercício, ao analisar a oxidação dos substratos sob um panorama de tempo mais amplo, em 24-h a OL é significantemente invariável e a OCHO (significativamente maior) reflete a diferença entre a OL e o gasto energético, mantendo a homeostase energética. Em resumo, a teoria de Randle e cols. (2) não parece ser falha ao considerarmos com fidelidade que o ciclo glicose-ácido graxo representa a regulação homeostática dos substratos sob uma análise de tempo mais longa, e, qualquer comparação que desconsidere esse período (~24-h), em que ocorre a variação quantitativa da oxidação de ácido graxo e glicose, pode induzir a interpretações contestáveis.

Declaração: o autor declara não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 24/Jun/2012

Aceito em 6/Set/2012

  • 1. Silveira LR, Pinheiro CHdJ, Zoppi CC, Hirabara SM, Vitzel KF, Bassit RA, et al. Regulação do metabolismo de glicose e ácido graxo no músculo esquelético durante exercício físico. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55:303-13.
  • 2. Randle PJ, Garland PB, Hales CN, Newsholme EA. The glucose fatty-acid cycle. Its role in insulin sensitivity and the metabolic disturbances of diabetes mellitus. Lancet. 1963;1(7285):785-9.
  • 3. Jeukendrup AE. Regulation of fat metabolism in skeletal muscle. Ann N Y Acad Sci. 2002;967:217-35.
  • 4. Sugden MC. In appreciation of Sir Philip Randle: the glucose-fatty acid cycle. Br J Nutr. 2007;97(5):809-13.
  • 5. Hue L, Taegtmeyer H. The Randle cycle revisited: a new head for an old hat. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2009;297(3):E578-91.
  • 6. Jequier E. Nutrient effects: post-absorptive interactions. Proc Nutr Soc. 1995;54(1):253-65.
  • 7. Randle PJ. Metabolic fuel selection: general integration at the whole-body level. Proc Nutr Soc. 1995;54(1):317-27.
  • 8. Melanson EL, Sharp TA, Seagle HM, Donahoo WT, Grunwald GK, Peters JC, et al. Resistance and aerobic exercise have similar effects on 24-h nutrient oxidation. Med Sci Sports Exerc. 2002;34(11):1793-800.
  • 9. Melanson EL, Sharp TA, Seagle HM, Horton TJ, Donahoo WT, Grunwald GK, et al. Effect of exercise intensity on 24-h energy expenditure and nutrient oxidation. J Appl Physiol. 2002;92(3):1045-52.
  • 10. Saris WH, Schrauwen P. Substrate oxidation differences between high- and low-intensity exercise are compensated over 24 hours in obese men. Int J Obes Relat Metab Disord. 2004;28(6):759-65.
  • 11. Melanson EL, Cornier MA, Bessesen DH, Grunwald GK, MacLean PS, Hill JO. 24 H metabolic responses to low- and high-intensity exercise in lean and obese humans. Obesity. 2006;14(1):180-2.
  • 12. Treuth MS, Hunter GR, Williams M. Effects of exercise intensity on 24-h energy expenditure and substrate oxidation. Med Sci Sports Exerc. 1996;28(9):1138-43.
  • Correspondência para:

    Fábio Rosseto
    Av. 31 de Março, 895, ap. 6
    11740-000 – Itanhaém, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012
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