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Raça, classe e etnia nos estudos sobre e em Cabo Verde: as marcas do silêncio

Resumos

O presente texto busca problematizar e compreender a forma como o contexto social influencia o processo de produção de conhecimento e como, implícita ou explicitamente, também influencia as escolhas temáticas e teórico-conceptuais, conduzindo a simulações e dissimulações, presenças e ausências. Centrando no caso cabo-verdiano e, especificamente, nos estudos de ciências sociais e humanas sobre Cabo Verde e, majoritariamente produzidos por cabo-verdianos, mostra-se existir, de forma quase unânime, uma ausência de categorias analíticas relevantes, tais como "classes sociais ", raça" e "etnia/etnicidade", para o estudo explicação da formação social cabo-verdiana. Em contrapartida, categorias, como " identidade", "cultura", "nação", "cabo-verdianidade" tendem a ser regidas como conceitos explicativos de referência.

Cabo Verde; classes sociais; raça; etnicidade


This paper seeks to understand the influence of social context in the process of knowledge production and how, implicitly or explicitly, it also shapes the choice of themes, theories and concepts, leading to simulations and dissimulations, presences and absences. Taking Cape Verde as a case study, specifically studies of this archipelago conducted in the social sciences and humanities, in the most part by Capeverdean researchers, the present paper reveals an almost complete lack of relevant analytical categories such as "social class" "race" and "ethnic/ethnicity" in explaining the social formation of Cape Verde. In contrast, concepts such as "identity", "culture", "nation", and "Capeverdean-ness" tend play a central role.

Cape Verde; social class; race; ethnicity


  • 1
    1 O presente texto constitui o resultado parcial de um projeto de pesquisa mais vasto e que procura analisar, de forma comparativa, as presenças e as ausências das categorias "classe", "raça" e "etnicidade" nos estudos em ciências sociais e humanas sobre Cabo Verde. Uma primeira aproximação reflexiva foi apresentada e discutida na conferência Lusofonia and Anthropology,organizada em abril de 2009 pelos Center for International Studies, Center for Latin American Studies, Center for the Study of Race, Politics and Culture, and the Department of Anthropology, da Universidade de Chicago.
  • 2
    2 Gabriel Fernandes faz uma análise extremamente fina dos diversos discursos e percursos identitários que marcam a trajetória do arquipélago crioulo durante o século XX, e que se espraiam numa luta tenaz por imposição de um discurso identitário nacional legítimo. Voltaremos a esse autor mais à frente. Cf. Gabriel Fernandes, A diluição da África. Uma interpretação da saga identitária cabo-verdiana no panorama político (pós) colonial, Florianópolis: Editora da UFSC, 2002.
  • 3
    3 António Carreira, no seu estudo, Cabo Verde, formação e extinção de uma sociedade escravocrata (1460-1878), Praia: Instituto Nacional de Património Cultural, 2000,
  • faz, a partir de uma vasta compilação documental, um inventário dos grupos étnicos que terão concorrido para o povoamento do arquipélago, citando, especificamente, os mandingas, os jalofos e os fulas. Contudo, confessa que a diversidade do elemento humano com que se fez o povoamento coloca um conjunto de implicações, sendo a maior a miscigenação. De igual modo, Elisa Andrade sustenta que a grande diversidade étnica torna a população cabo-verdiana extremamente heterogênea. Cf. Elisa Andrade, As ilhas de Cabo de Verde: da descoberta à independência nacional (1460-1975), Paris: L'Harmathan, 1996, p. 51.
  • 4 José Carlos dos Anjos, "Elites intelectuais e a conformação da identidade nacional em Cabo Verde", Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 3 (2003), p. 581.
  • 5 Amílcar Cabral, Unidade e luta, Lisboa: Nova Aurora, 1974.
  • 6 Michael G. Hanchard assinala essa crítica de Cabral e Fanon às abordagens culturalistas. Cf. Michael Hanchard, Orfeu e o poder: movimento negro no Rio e São Paulo, Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2001.
  • 7 António Carreira, Cabo Verde: formação e extinção;
  • António Carreira, Cabo Verde (aspectos sociais: secas e fomes do século XX), Lisboa: Ulmeiro, 1984.
  • 8 Carreira, Cabo Verde, formação e extinção, p. 288.
  • 9 Elisa Andrade, As ilhas de Cabo Verde.
  • 11 Citado por Sergio Costa, As cores de Ercília: esfera pública, democracia, configurações pós-coloniais, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, pp.123-4.
  • 13
    13 Livio Sansone, Negritude sem etnicidade, Salvador/Rio de Janeiro: Edufba/Pallas, 2007.
  • 14
    14 Sansone, Negritude, p. 10.
  • 15
    15 Veit-Michael Bader, Racismo, etnicidade, cidadania: reflexões sociológicas e filosóficas, Porto: Afrontamento, 2008.
  • 16
    16 Bader, Racismo, etnicidade, p. 85.
  • 17
    17 Antônio Sérgio Guimarães, Racismo e anti-racismo no Brasil, São Paulo: Editora 34, 1999
  • 18
    18 Costa, As cores, p. 142.
  • 19
    19 Sansone, Etnicidade, p. 19.
  • 20
    20 Bader, Racismo, etnicidade.
  • 21
    21 Sansone, Etnicidade, p.19.
  • 22
    22 Tandika Mkandawire, African Intellectuals. Rethinking Politics, Language Gender and Development, Dakar: CODESRIA, 2005, p. 12.
  • 23
    23 José Carlos dos Anjos não compartilha dessa perspectiva. Para ele, "a definição dominante da identidade cabo-verdiana é a que, partindo do pressuposto de que houve uma fusão racial e cultural entre brancos e negros em Cabo Verde, torna-a mestiça".
  • José Carlos Anjos, "Representações sobre a nação cabo-verdiana: definição mestiça da identidade nacional como ideologia do clientelismo em contexto de dominação racial". Fragmentos, n. 11/15 (1997), p. 13.
  • 24 Costa, As cores, p. 249.
  • 25 Sérgio Costa, As cores, p.122.
  • Nitidamente, a perspectiva dos claridosos poderia ser inscrita nesse quadro, ainda que Gilberto Freyre os tenha decepcionado. Cf. a esse propósito, Baltazar Lopes, Cabo Verde visto por Giberto Freyre, Praia: Imprensa Nacional, 1956;
  • David Hopffer Almada, Cabo-verdianidade e lusotropicalismo, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1999.
  • 27 Carreira, Cabo Verde, formação, pp. 281-2.
  • 28 Donald Pierson, Brancos e pretos na Bahia, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945.
  • 29 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 283
  • 30 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 285.
  • 31 Carreira, Cabo Verde, formação, p. 288.
  • 32 "O preconceito, no Brasil, seria de marca precisamente porque a cor da pele ou os traços físicos são índices de primitividade, passíveis de serem "tornados invisíveis socialmente", desde que o indivíduo de cor seja portador do habitus adequado ao trabalho produtivo, nas condições do mercado competitivo moderno. Um negro ou um mulato instruído, disciplinado, inteligente e produtivo, nesse contexto, tende a receber uma avaliação social positiva do meio, independentemente de sua ascendência ou de seus traços físicos". Consultar a esse respeito, Jessé de Souza (org.), A invisibilidade da desigualdade brasileira, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006, p. 89.
  • 33 Costa, As cores, p. 145.
  • 34 Carreira, Cabo Verde, aspectos sociais, p.143.
  • 35 Andrade, As ilhas de Cabo Verde, pp. 235 e ss.
  • 36 Leila Hernandez, Os filhos da terra do sol: a formação do estado-nação em Cabo Verde, São Paulo: Summus, 2002;
  • Michel Lessourd, Etat et société aux îles du Cap Vert, Paris: Karthala, 1995.
  • 37 Maria Manuela Afonso, Educação e classes sociais em Cabo Verde, Praia: Spleen Edições, 2002, p. 25.
  • 38 Afonso, Educação e classes, p. 82.
  • 39 Afonso, Educação e classes, p. 83
  • 40 António Leão Correia e Silva, Histórias de um sahel insular, Praia: Spleen Edições, 1996.
  • 41 Gabriel Mariano, Cultura cabo-verdena: ensaios, Lisboa: Veja, 1991.
  • 42 Almerindo Lessa & Jacque Ruffié, Seroantropologia das ilhas de Cabo Verde, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960.
  • 43 Correia e Silva, Histórias de um sahel, p. 59.
  • 44 Correia e Silva, Histórias de um sahel, p. 60.
  • 45 Manuel Brito-Semedo, A construção da identidade nacional: análise da imprensa entre 1877 e 1975, Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2006.
  • 46 Brito-Semedo, A construção da identidade, p. 69.
  • 47 Brito-Semedo, A construção da identidade, p. 70.
  • 49 Manuel Ferreira, A aventura crioula, Lisboa: Plátano Editora, 1985, p. 45.
  • 50 Ferreira, A aventura, p. 325.
  • 51 Ferreira, A aventura, p. 326.
  • 52 Manuel Duarte, Cabo-verdianidade e africanidade, Praia: Spleen, 1999, p. 27.
  • 53 José Luís Hopffer Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade da cabo-verdianidade", Fragmentos, n. 11/15 (2007), p. 28.
  • 54 Hopffer Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade", p. 28.
  • 55 Carreira, Cabo Verde, formação.
  • 56 Hopffer-Almada, "Homogeneidade e heterogeneidade", p. 29.
  • 57 D. Hopffer-Almada, Pela cultura e pela identidade. Em defesa da cabo-verdianidade, Praia: ICNL, 2006. p. 73.
  • 58 Anjos, "Representações sobre a nação", p. 14.
  • 59 Anjos, "Representações sobre a nação", p.17.
  • 60 Gabriel António M. Fernandes, Em busca da nação: notas para uma reinterpretação do Cabo Verde crioulo, Florianópolis/Praia: Editora da UFSC/IBNL, 2006.
  • 61 Eufémia Rocha, "Mandjakus são todos os africanos, todas as gentes que vêm da África: xenofobia e racismo em Cabo Verde" (Dissertação de Mestrado, Universidade de Cabo Verde, 2009), p. 13.
  • 62 Rocha " Manddjakus", 73.
  • 63 José Carlos dos Anjos, Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde: lutas de definição da identidade nacional, Porto Alegre/Praia: Editora da UFRGS & INIPC, 2002;
  • Fernandes, Em busca da nação.
  • 64 Rocha, "Mandjakus".
  • 65 Carreira, Cabo Verde, formação;
  • Andrade, As ilhas de Cabo Verde.
  • 66 Afonso, Educação e classes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    2012

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2011
  • Aceito
    08 Set 2011
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