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ÀS VÉSPERAS DOS 200 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL: O QUÊ E COMO DISCUTIR?

A Revista Almanack nasceu de um momento bastante fecundo no Brasil, e em toda a América, em meio à renovação dos estudos acerca das Independências, como esteve na ordem do dia na virada para o século XXI. Desde a década de 1980, em meio à chamada “crise dos Estados nacionais” que se começava a vislumbrar, a temática da formação destes, somada aos estudos sobre os conceitos de nação e revolução imediatamente se conectaram com a temática dos movimentos independentistas americanos que deram vida à novas unidades políticas nos seus territórios. Um novo olhar historiográfico, ou a “invenção da nação” nas dimensões analíticas propostas por François Xavier-Guerra, Antonio Annino, Annick Lemperière, Jose Carlos Chiaramonte, entre tantos outros, recolocaram as questões de independências dentro do escopo das mudanças na modernidade e das revoluções ibero-americanas, sobretudo. Tratava-se de não compreender a América Latina dentro de um quadro de excepcionalidades no despertar dos novos Estados e nações. É exatamente nesse contexto, de busca e de pesquisas para as reinterpretações acerca da Independência e do novo Império do Brasil que a Revista Almanack ganha vida. A série de eventos, publicações e iniciativas que se desdobraram, sobretudo a partir de 2008, colocando em discussão o tema das crises dos Impérios ibéricos, os chamados bicentenários das Independências, já abriram um fecundo campo para se repensar suas questões, bem como de interlocução entre os estudiosos dos mais variados países envolvidos neste processo. Vale notar que as iniciativas não apenas contaram com novas perspectivas acerca de como observar este processo no passado, mas também das histórias que se construíram ao longo dos séculos sobre ele, e mesmo dos seus significados nos dias atuais quando a realidade nos impõe o permanente desafio de lidar com o que seriam suas heranças.

A Almanack se valeu, e se vale, de muitas dessas contribuições, sinergias, e iniciativas desde sempre. Agora, às vésperas da data oficial dos 200 anos da Independência do Brasil, e mesmo de outras que tiveram lugar na década de 1820, consideramos ser um novo momento propício para retomada deste espírito propositivo de enunciação de problemas, questionamentos e perguntas sobre este processo. Agenda esta que faz ainda mais sentido se pensamos a crise política atual vivida especialmente no Brasil, entre a pandemia e a ação devastadora do atual governo acerca de um projeto de Estado, o qual não apenas trata de reiterar discursos contra instituições e práticas democráticas, bem de ódio aos dissidentes e a qualquer forma saudável de saber e ciência. Mais precisamente ao que se refere ao tema, outra questão preocupante tem sido as disputas de narrativas acerca da História do Império, da monarquia, das instituições e, particularmente da cidadania e da escravidão nos Oitocentos. A ideia de uma certa “nostalgia do Império” crescente em alguns canais, precisa mais que nunca ser perscrutado à luz de nossos debates acadêmicos. Afinal, nos perguntamos, o que vai significar falar dessa história nestes 200 anos?

Foi pensando nisso, que iniciamos um movimento em nome do espaço que a Almanack representa diante de tais temas, e provocamos alguns especialistas com a pergunta colocada acima do ponto da história e da historiografia. Um debate foi celebrado no dia 18 de novembro de 2019, na UNIFESP, campus Guarulhos (disponível na íntegra no Canal Youtube da Revista Almanack: https://www.youtube.com/watch?v=5raH_kTALsg&t=119s), na então tradicional forma presencial de Fórum da revista que, para o momento vivido hoje, tem o sabor de algo tão longínquo. As respostas foram as mais distintas, mas igualmente instigantes e eloquentes acerca do que o tema provoca a cada qual. E agora publicamos os textos trabalhados pel@s autor@s convidando nossos leitores à sua reflexão.

Desde as reflexões de Cecília Helena de Salles Oliveira (USP), acerca da importância de se pensar a política e as formas de cultura visual, passando pela proposta de Lúcia Bastos Pereira das Neves (UERJ) sobre como recuperar a voz e a vida daqueles que foram “esquecidos” na Independência, até chegar à percepção de Rodrigo Turim (UNIRIO) acerca de uma nova modalidade de representação histórica presente nos dias atuais (materializada na leitura da Independência), a palavra que fica é inquietação. Afinal, por mais que muitos dos que nos lêem aqui não sejam, e nem pretendam ser, estudiosos voltados para seu tema propriamente, não há como negar que, para a história posterior destes territórios coloniais, a independência segue sendo, até hoje, “um momento axial, divisor do tempo, estabelecendo um antes e um depois”, como afirma sagazmente Turim.

Obviamente que a voragem atual na base dos pactos que ainda há pouco parecia fornecer alguma sustentação às estruturas herdeiras dos Estados nacionais nem é a primeira na história, tampouco exclusiva do Brasil. É impossível não as ter em mente para retomar o tema das Independências. Daí, nossa proposta de seguir com o tema nos Fóruns para outros territórios, espaços compartilhados e mesmo outras temporalidades. O próximo está programado para outubro próximo e queremos trazer a discussão para os contextos independentistas ibero-americanos da década de 1820. Serão debatidas as independências do Brasil, México, Bolívia e Peru. Acreditamos que discutir essas experiências dentro de uma mesma temporalidade será bastante fecunda para nosso projeto final que será o de retomar as geografias das Independências, e, claro, dos novos Estados nacionais.CHUST, Manuel(ed.). Las independencias ibero-americanas em su labirinto: controversias, cuestiones, interpretaciones. Valencia: Universitat de Valencia, 2010.

Bibliografia

  • CHUST, Manuel(ed.). Las independencias ibero-americanas em su labirinto: controversias, cuestiones, interpretaciones Valencia: Universitat de Valencia, 2010.
  • PIMENTA, Joao Paulo Garrido. The Independence of Brazil: a review of the recent historiographic production. E-Journal of Portuguese History, v. 7, n. 1, 2009.
  • VILLEGAS, Juan Camilo E., MUGICA, Sarah, SALAZAR, Adolfo L. M. Conmemoraciones y crisis: Procesos independentistas em Iberoamerica y la Nueva Granada Bogota: Editorial Pontificia Universidad Javeriana, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2020
  • Aceito
    03 Ago 2020
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