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Fundação de São Vicente, de Benedito Calixto: da encomenda à exibição no Museu Paulista (1898-1939)

RESUMO

Esse artigo apresenta hipóteses a respeito da trajetória de Fundação de São Vicente, de Benedito Calixto, pintura incorporada ao acervo do Museu Paulista após as comemorações vicentinas do IV Centenário do Descobrimento do Brasil. Recobram-se, para tanto, os processos de sua encomenda, doação e aquisição definitiva, bem como os sentidos de sua exibição nas exposições elaboradas por Hermann von Ihering e Afonso Taunay para o Museu Paulista.

PALAVRAS-CHAVE:
Fundação de São Vicente; Benedito Calixto; Hermann von Ihering; Afonso Taunay; IV Centenário do Descobrimento do Brasil; Museu Paulista

ABSTRACT

This article presents hypotheses about the trajectory of Fundação de São Vicente, by Benedito Calixto, a painting incorporated to the Museu Paulista collection after the Vincentian celebrations of the IV Centennial of the Discovery of Brazil. For this, the processes of ordering, donating it and its definitive acquisition are recovered, as well as the senses of its display in the exhibitions elaborated by Hermann von Ihering and Afonso Taunay for the Museu Paulista.

KEYWORDS:
Fundação de São Vicente; Benedito Calixto; Hermann von Ihering; Afonso Taunay; 4th Centennial of the Discovery of Brazil Museu Paulista

INTRODUÇÃO

Após ter sido solenemente inaugurada durante as comemorações do IV Centenário do Descobrimento do Brasil, a pintura Fundação de São Vicente (óleo sobre tela, 385 x 192 cm, 1900) (figura 1), de Benedito Calixto, foi incorporada à coleção do Museu Paulista em novembro de 1900, sendo apropriada pelos projetos museográficos que se sucederam ao longo do século XX.

Figura 1
Benedito Calixto. Fundação de São Vicente, 1900, óleo sobre tela, 385 x 192 cm. Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Reprodução: Helio Nobre.

Elaborada em grande formato, a tela representa o contato entre Martim Afonso de Souza, Tibiriçá e Caiubi mediado por João Ramalho e Antônio Rodrigues, além da tribo de Piquerobi, distante e desconfiada das tratativas em curso, que anteviam a fundação da capitania de São Vicente e marcaram o início da colonização luso-americana, em 22 de janeiro de 1532.

A cena fundacional foi a segunda pintura histórica a ser incorporada à coleção do Museu Paulista, sendo precedida apenas por Independência ou Morte (óleo sobre tela, 760 x 415 cm, 1888) (figura 2), de Pedro Américo Figueiredo de Mello. Esses dois episódios marcavam a participação paulista no início da ocupação do território e na independência política. Representá-los em pinturas monumentais era a matéria-prima para a construção de uma narrativa visual celebrativa sobre a história da nação brasileira que deveria ser vista a partir da exposição do museu, já no início do regime republicano.

Figura 2
Pedro Américo Figueiredo de Mello. Independência ou Morte, 1888. Óleo sobre tela, 760 x 415 cm. Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Reprodução: Helio Nobre.

As dimensões alargadas das pinturas históricas, segundo Jacques Thuillier, faziam com que as salas dos edifícios monumentais da administração pública ou dos museus de história lhes fossem, senão os únicos, ao menos os mais prováveis destinos possíveis. Nesse sentido, deve ser recobrado também o projeto do rei Louis-Phillippe d’Orléans para o palácio de Versalhes, onde foi instalado o Musée de l’Histoire de France em 1837, cuja proposta, observou Victor Hugo, era oferecer um “enquadramento da história”. 2 2 Poulot (2009, p. 169).

Esse “enquadramento” a que se referia o escritor era uma narrativa protagonizada por pinturas que representavam os episódios e personagens mais significativos para que a história da nação fosse coletiva e celebrativamente vista, tornando possível e palatável a costura de um projeto político comum a partir do passado. 3 3 Smith (1988, p. 15).

Entre 1893 e 1894, no início do regime republicano, o Congresso estadual votou e instruiu a criação do Museu Paulista. Além da formação da coleção de história natural, a instituição deveria se ocupar do ensino pedagógico da história pátria pelas coleções de objetos e pinturas, previstas respectivamente pelos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 249, de 26 de julho de 1894: conjuntamente a Independência ou Morte, as pinturas que seriam futuramente exibidas no Museu Paulista deveriam representar “costumes pátrios” ou “cenas históricas”. 4 4 Decreto nº 249... (1894), art. 4º, cap. 1.

Conquanto a política institucional justifique a incorporação de Fundação de São Vicente ao acervo do Museu Paulista, torna-se impreterível reconstituir os processos de sua encomenda, musealização e exibição. Se compreendidas, essas condições colaboram ao mapeamento dos agentes políticos que influenciaram a formação da primeira coleção de arte pública do Estado de São Paulo, assim como as apropriações curatoriais da obra nas exposições.

Por fim, é necessário sinalizar que a história da formação da coleção de artes e de história durante os períodos de gestão do malacólogo Hermann von Ihering (1894-1916) e do engenheiro Afonso Taunay tem sido uma preocupação da historiografia recente sobre o Museu Paulista, tendo recebido, por exemplo, as contribuições de A. C. Brefe, P. C. G. Marins, F. R. Moraes, M. C. S. Monteiro, F. M. Pitta, P. Carvalho, C. R. Lima Junior, P. Nery e outros. 5 5 Cf. Alves (2001); Brefe (2005); Carvalho (2014); Lima Junior (2015); Marins (2007); Monteiro (2012); Moraes (2008); Nery (2015); Pitta (2013); Piccoli (2016).

Mesmo que a tela Fundação de São Vicente ainda não tenha sido observada em sua especificidade pela literatura especializada, foi por ocasião da exposição “Benedito Calixto: Memória Paulista”, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, que Ulpiano T. B. Meneses sugeria o potencial guardado pela pintura para documentar o universo político, cultural, artístico e intelectual com o qual o pintor Benedito Calixto dialogava no fim do século XIX, e cujas escolhas plásticas seriam o prisma para compreender o imaginário tardo-oitocentista paulista, 6 6 Meneses (1990, p. 45). não limitando a obra de arte ao “fato estético”, como propôs Vejo. 7 7 Vejo (2001, p. 80).

A primeira menção à pintura como parte da coleção do Museu Paulista aparece no relatório referente às atividades de 1899 e 1900. É informado que havia sido comprada de Benedito Calixto pela “Comissão Commemorativa do 4º Centenario do Brazil” por dez contos de réis. 8 8 Revista do Museu... (1902, p. 3). Ainda que pontual e recorrentemente mencionada, as relações entre o pintor e as iniciativas dessa associação permanecem pouco conhecidas (e. g. Alves, Monteiro e Nery). Marins chamou a atenção para a assimetria temporal e espacial entre o episódio representado por Calixto e a ocasião que possibilitou a encomenda e exibição inaugural da pintura: as celebrações do IV Centenário do Descobrimento. 9 9 Marins, op. cit., p. 87.

OS 400 ANOS DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL

No opúsculo do século XIX, as principais capitais brasileiras organizaram festejos para a comemoração do quadricentenário da chegada da expedição cabralina a Porto Seguro. A celebração oficial foi levada a cabo na capital federal pela “Associação do IV Centenário do Descobrimento do Brasil”, organizada e presidida por Benjamin Franklin de Ramiz Galvão. Com a finalidade de multiplicar as adesões e angariar mais recursos financeiros, foram nomeados 1.104 representantes da associação por todo o país, ainda que as maiores ofertas tenham sido feitas pelos gabinetes ministeriais e do presidente da República. 10 10 Cf. Wanderley (1997).

Apesar desse movimento nitidamente centralizador, foram organizadas comissões em alguns estados para cumprir independentemente a mesma finalidade. Na Bahia, por exemplo, a programação ficou sob os encargos da comissão (nomeada diretamente pelo presidente do Estado) e formada pelos membros do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB, fundado em 1894), tendo sido integralmente concentrada em Salvador.11 11 Cf. Revista do Instituto... (1900).

Na capital paulista, as comemorações do Descobrimento receberam apreciação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP, fundado também em 1894) nas solenidades da sessão de 3 de maio de 1900. As celebrações foram realizadas em São Vicente, e integralmente organizadas pela Sociedade Commemoradora do 4º Centenario da Descoberta do Brazil.

A Commemoradora foi fundada oficialmente na noite de 23 de julho de 1898. Os autores da iniciativa eram homens públicos da política e comércio das cidades de Santos e São Vicente. Como principal intenção, estava prevista nos Estatutos a construção de um monumento público no Largo Treze de Maio (atual Praça 22 de Janeiro). Se, no entanto, as comemorações levadas a cabo no restante do país induziam à celebração dos quatro séculos da chegada da expedição de Cabral, o Descobrimento adquiriu roupagem completamente diferente em São Vicente.

Diferentemente das comissões que organizaram as comemorações na Bahia e do Rio de Janeiro, que inauguraram monumentos públicos em honra à memória de Pedro Álvares Cabral, os vicentinos previam que o seu perpetuasse “[...] a gratidão da actual geração vicentina aos fundadores da Capitania de São Vicente.” 12 12 Estatutos da Sociedade... (cap. I, art. 1º, § 2º, p. 2). causa primária era, portanto, celebrar a história colonial de São Paulo e, sobretudo, a própria história local: tributários dos homens da expedição colonizadora comandada por Martim Afonso de Souza, os vicentinos de 1900 tentavam se afirmar simbólica e politicamente mediante as elites regionais e a presidência do Estado.

Além do monumento, os Estatutos previam também a publicação de uma coleção de fotografias, de uma polianteia histórica, artística e literária e, como parte das festas, a realização de uma exposição “[...] de objectos de arte e archeologicos, concernentes a vida, usos e costumes de nossos antepassados, publicações de tudo que possa servir de elemento para o estudo de nossa historia pátria”. 13 13 Ibid., p. 2. Ressalte-se, portanto, que a pintura histórica não estava prevista como parte do plano. Foi apenas em abril de 1899, quando a Commemoradora se ocupou em publicar sua iniciativa n’O Estado de S. Paulo, que foi mencionada a intenção de “mandar confeccionar um painel histórico representando o desembarque de Martim Affonso de Souza no littoral de S. Vicente, no dia 22 de janeiro de 1532, de accôrdo com a lenda historica”. 14 14 O Estado de... (8 abr. 1899, p. 1). A associação fez circular uma carta de convocação aos paulistas, em que o apelo ao sentimento patriótico, se valendo da mesma gramática de intenções já elaborada e difundida por meio dos Estatutos, era o estímulo para que prestassem

[...] o seu generoso auxilio na proporção dos recursos de cada um, em prol da grande idéa projectada. Com este pequeno esforço, tornaremos patente que ainda existe, vivo e inquebrantável, na alma da actual geração, o mesmo entranhável amor, com o qual aquelles nossos antepassados tanto engrandeceram esta pátria, que tão forte nos legaram. Desnecessario é encarecer a importância deste tentamen em relação á historia da nossa pátria e á glorificação daquelles que se consagraram ao estabelecimento desta grande nacionalidade, para a qual está reservado o mais brilhante futuro ao convívio dos povos americanos. Assim, pois, a Sociedade Commemoradora do 4º Centenario, certa de que seu ideal patriotico será bem acolhido, dirige-se confiante ao povo paulista, solicitando o seu valioso apoio, para que se converta em realidade o commettimento projectado.15 15 Ibid, p. 1.

O convite marcado pela retórica grandiloquente, direcionado ao convencimento da nobreza da causa, visava projetar a Sociedade Commemoradora para além dos certames locais e angariar contribuições financeiras para a realização da programação. A julgar, no entanto, pelo balanço publicado no jornal Cidade de Santos três meses depois, isso não se concretizou. Do total de 1.850$000, apenas 550$000 não eram provenientes das doações de São Paulo (200$000), Itanhaém (100$000) ou Santos (1:000$000). 16 16 Cidade de Santos, 14 jul. 1899, p. 1.

A despeito dos esforços da comissão chefiada por Gregório Innocencio de Freitas, presidente da Commemoradora, 17 17 Id., 9 jul. 1899, p. 1. foi a intervenção do senador estadual José Cesário da Silva Bastos que resultou na aprovação da verba de 30 contos de réis pelo Congresso para as comemorações de 1900. 18 18 Lei n. 686..., 16 set. 1899. Cap. I, art. 7º, § 10º: “Para a solemnização das festas do 4º Centenario do descobrimento do Brazil, em S. Vicente - 30:000$000.” O subsídio não foi suficiente e, ainda em 1899, outras comissões foram formadas e encarregadas de obter mais recursos. Assim, às vésperas da celebração, o jornal Cidade de Santos apresentou as subscrições angariadas por Jorge de Sá Rocha, Antônio José da Silva Bastos e Oscar Ribeiro, em que a participação da elite comercial de Santos é majoritariamente detectada, conforme mostra a tabela 19 19 Cidade de Santos, 22 mar. 1900, p. 2. abaixo:

“Donativos angariados pelos directores Oscar Luiz Ribeiro e Antonio José da Silva Bastos para auxiliar a construcção do monumento.” Valor Doadores 500$000 Telles, Quirino & Nogueira; José Caballero; Julio Conceição; Naumann Gepp & C. Limited; Bento de Souza & C. 200$000 Olegario Paiva; Augusto Leubá & C.; The City of Santos; Vicente Teixeira Marques Zerrenner Büllow & C.; Theodor Wille & C.; Eduardo Johston & C.; Queiroz Barros & Irmãos; João Procopio & C.; Augusto Hacherott. 100$000 Paulino Ratto; Francisco de Paula Ribeiro; Antonio Luiz Ribeiro; Antonio Carlos da Silva; Palemom Gomes; Souza Santos & C.; Almeida Mello & C.; José Maria Botelho; Miranda & C.; Antonio Domingues Pinto; Souza Queiroz & Amaral 50$000 Alexandre Martins de Oliveira; Alves Felix & C.; José Bernardes de Oliveira; Rios & Ferreira; Viriato Correia da Costa; A. C. Guimarães; H. A. Reippert; Leoncio Ratto; Leão de Moura & C.; Rosas & Campos; E. J. de Campos; Coronel José Carlos da Silva Telles; Guilherme Voos; Geraldo Leite & C.; A. C. Bezerra Paes; Jacintho Pimentel; L. Mello & C.; Freitas & Negrão; Moura Almeida & Araujo. “Donativos angariados pelo membro da commissão, sr. Jorge de Sá Rocha”: Valor Doadores 200$000 Meyer, Barbosa & C.; Salles, Toledo & C.; Estanislau do Amaral & C.; Penteado & Dummont; Coutinho & Ferreira; B. Ribeiro; Hard Rand & C.; Raphael Sampaio & C.; Maia & Ribeiro; A. Fiorita & C.; Associação Commercial; Companhia Lupton 100$000 L.C. & F.; Oliveira Vieira & C.; Silva Araujo & C.; Leal & C.; Arruda Machado & C.; Prudente F. da Silva & C.; Um anonymo 50$000 Zeferino Lourenço Martins; Araujo Tavares & C.; Thomaz Irmão & C.; João Jorge Figueiredo & C.; Silva Cunha & C.; Jacob Levy Netto; J.H. Thompshon; Um anonymo; Monteiro de Barros & C.

O quadricentenário do Descobrimento do Brasil foi apropriado pelas elites santista e vicentina para celebrar (e recobrar) a participação local na história colonial paulista e, em nossa interpretação, não intencionava competir com a comemoração organizada pelo governo federal no Rio de Janeiro: a participação do cruzador Andrada e o desembarque solene das autoridades da Marinha na baía de São Vicente indicam a legitimidade das festividades vicentinas reconhecida pela capital. 20 20 Vicentino, ed. especial, maio 1900.

A reconstituição dos interesses e prerrogativas da Commemoradora era condição necessária à problematização da encomenda da Fundação de São Vicente e da atuação do pintor Benedito Calixto no planejamento das comemorações de 1900. Inaugurada na solenidade de abertura da Exposição Historica e Archeologica, a obra foi uma atração do 4º Centenário e permaneceu em exibição entre 20 de abril e 31 de maio. Vejamos as condições acordadas entre Calixto e a associação.

CALIXTO E A COMEMORAÇÃO DO PASSADO VICENTINO

Uma pintura histórica que representasse o desembarque do navegador português Martim Afonso de Souza e a fundação da capitania vicentina era planejada por Calixto desde 1892, conforme sinaliza a carta enviada a ele por Victor Meirelles em 8 de junho daquele ano. Além do estímulo à conclusão da pintura, o pintor catarinense enviou uma sugestão para o plano compositivo. 21 21 Cf. Meirelles (1892). Acervo particular de Celso Calixto Rios, a quem agradeço por me disponibilizar a consulta. A celebração do IV Centenário do Descobrimento foi a oportunidade encontrada por Benedito Calixto para concretizar sua interpretação artística a respeito do episódio solene da história vicentina. A elaboração de uma pintura histórica em grande formato, além de contribuir à projeção da carreira do artista em fins do século XIX, combinava com o intento das elites locais em promover simbolicamente o litoral sul paulista mediante a presidência do Estado de São Paulo.

É provável que a encomenda da tela tenha sido acordada no início de 1899, pouco antes da primeira publicação n’O Estado de São Paulo. As condições foram detalhadas nas cartas enviadas por Calixto em 3 de julho de 1903CALIXTO, Benedito. [Carta de Benedito Calixto a Aquilino do Amaral]. Destinatário: Aquilino do Amaral. [s. l.], 29 jul. 1903. Dossiê Benedito Calixto do Fundo IHGSP - Arquivo Público do Estado de São Paulo. a José Leite da Costa Sobrinho e a Antônio Militão de Azevedo, respectivamente o primeiro secretário e o tesoureiro da Commemoradora. 22 22 Cf. Dossiê do pagamento Ambas tinham conteúdo idêntico: cobrar os dez contos de réis que lhe eram devidos pela (já extinta) associação. É precisamente por isso que Calixto se vê obrigado a enunciar as obrigações que lhe foram atribuídas e, elucidando as condições de encomenda de Fundação de São Vicente. Tomemos como exemplo a carta enviada a Militão de Azevedo:

Illm. Snr. Antonio Militão de Azevedo,

A bem de meus direitos rogo a V. S., na qualidade de sócio-fundador e thezoureiro da “Sociedade Commemoradora do IV Centenário do Descobrimento do Brazil, em S. Vicente”, me declare ao pé desta, o seguinte:

1º. É verdade que esta Sociedade logo que iniciou os seus trabalhos, me encommendou um quadro historico “Fundação de São Vicente”?

2º. É verdade que foi previamente tratado esse quadro pela quantia de dez contos de réis (10:000$000), ficando eu obrigado a prestar os meus serviços gratuitamente a esta Sociedade como de facto prestei, não só na organização e auxilio do plano do monumento commemorador que se heregio, formando os desenhos dos múltiplos detalhes, indo repetidas vezes a S. Paulo, afim de fiscalizar a execução dos diversos passos ornamentaes, a officina do esculptor e fundição do Snr. J. Niel, cada vez que se tratava de modelar e fundir as diversas secções do monumento?

3º. É verdade que, de acordo com um tracto, eu formei ainda gratuitamente, os desenhos para diploma, timbres, medalhas etc, prestando-me ainda a fazer as ornamentações e placas decorativas para o salão do Rink e do Theatro Guarany, todas as vezes que celebravam-se conferencias publicas?

4º. É verdade que, por ocasião das festas inaugurais, prestei igualmente os meus serviços gratuitos a Comissão de Festejos, formando desenhos e trabalhando por muito tempo, quase dois meses consecutivos, nesses serviços?

5.º É verdade que prestei os meus serviços igualmente para a instalação da Exposição Archeologica que então se effectuou na Escola do Povo, formando plano e trabalhando em tudo de accordo com o enviado do Governo do Estado, o Snr. Alberto Loefegren e com a respectiva Comissão?

6º. Cumpri satisfactoriamente todas as clausulas a que me obriguei para com a dita Sociedade, em virtude de tudo que fiz?

7º. Quanto finalmente attingio a importância que esta Sociedade me entregou, por conta do pagamento do dito quadro?

Pesso a autorizar-me a faser da sua resposta o uso que me convem.

Com respeito e consideração,

Benedicto Calixto

S. Vicente, 3 de julho de 1903

À exceção do montante recebido por Calixto, as demais foram confirmadas pelos dois destinatários e, posteriormente, registradas em cartório e anexadas ao dossiê enviado ao governo do Estado de São Paulo em agosto de 1905. As três assertivas iniciais induzem a uma reinterpretação da “encomenda”, e mesmo sobre a conveniência desse termo para qualificar a relação estabelecida entre o pintor e a Commemoradora.

Fica evidenciado que a aquisição da obra seria uma contrapartida à prestação dos serviços descritos por Calixto, tais como a ornamentação do monumento e a elaboração do plano decorativo para as ruas e salões onde a associação se reuniria ou promoveria conferências públicas, além do timbre dos diplomas e demais documentos oficialmente emitidos. Os dez contos de réis acordados eram um pagamento pela pintura histórica, mas, sobretudo, pelas várias atividades a que teria se dedicado durante as festividades vicentinas do IV Centenário, consonantemente aos interesses da Commemoradora em enaltecer a fundação da capitania de São Vicente.

É absolutamente provável que Calixto estivesse atento à incorporação de obras de arte à exposição do Museu Paulista, como já nos referimos anteriormente. Por isso, seria razoável ponderar que as condições de prestação desses serviços tivessem sido aceitas como parte de uma tripla estratégia, que possibilitava executar uma pintura histórica em grande formato, inaugurá-la em uma comemoração pública de grande visibilidade e, por conseguinte, enviá-la ao único museu público do estado de São Paulo à época. Afinal, menos de um ano após a finalização das programações, escreveu a Belmiro de Almeida, seu ex-colega na Académie Julian de Paris, lamentando as dificuldades enfrentadas pela distância em relação ao centro de produção artística, o que reforça a hipótese sobre a formulação de um acordo que concatenasse os interesses mais imediatos de Calixto aos da Sociedade Commemoradora, fazendo com que a pintura seja compreendida como um recurso simbólico agenciado tanto pelo pintor quanto pela associação para os alcances de seus respectivos interesses. 23 23 Calixto, 2 mar. 1901.

Após ser inaugurada durante as solenidades de abertura da Exposição Historica e Archeologica, em 20 de abril de 1900, a tela permaneceu em exibição até 31 de maio e, em seguida, é provável que tenha sido alocada no ateliê de Benedito Calixto ou na sede da Sociedade Commemoradora. De nosso conhecimento, voltou a ser mencionada em 11 de novembro n’O Estado de S. Paulo e n’O Commercio de S. Paulo, informando sua doação ao Governo do Estado de São Paulo pela Commemoradora, e que estaria desde a véspera em exibição na “sala n. 11” (B11) do Museu Paulista. 24 24 O Commercio de... 11 nov. 1900, p. 1; Cf. O Estado de..., 11 nov. 1900.

O artigo 4º do Decreto-Lei nº 249, que instruía a formação da coleção de pinturas do Museu Paulista, previa a incorporação como resultado das aquisições públicas ou das doações recebidas pelo governo do Estado de São Paulo. 25 25 Decreto nº 249... 26 jul. 1894, art. 4º, cap. 1. Os dados apresentados por Pedro Nery mostram que apenas quatro das 13 pinturas recebidas até 1900 haviam sido fruto de doações, prevalecendo aquisições das obras de artistas como José Ferraz de Almeida Junior, Berth Worms e Pedro Alexandrino. 26 26 Nery, op. cit., p. 61-62. A Fundação de São Vicente foi marcada pela especificidade de ter sido doada por uma associação privada e, posteriormente, adquirida pelo poder público. 27 27 Ibid., p. 68. Assim, antes de nos atermos à exibição da pintura nas exposições planejadas por Hermann von Ihering (1900-1916) e por Afonso Taunay (1917-1939), conviria examinar detalhadamente o litígio entre Benedito Calixto e a Sociedade Commemoradora.

IMPASSES DA MUSEALIZAÇÃO: DA DOAÇÃO À AQUISIÇÃO DEFINITIVA

A confirmação da veracidade das afirmações de Calixto por Costa Sobrinho e por Militão de Azevedo permite inferir que a compra da Fundação de São Vicente por dez contos de réis seria uma contrapartida aos diversos serviços e funções cumpridos pelo pintor, tais como a elaboração do plano decorativo para os festejos, o acompanhamento da fundição do monumento e a montagem da Exposição Historica e Archeologica, o que permite qualificar e melhor compreender as condições de “encomenda”. Os documentos enviados ao advogado Aquilino Amaral testemunham as reivindicações de Calixto pelo pagamento, iniciadas formalmente pelas cartas aos representantes da antiga associação, extinta logo após o fim das celebrações.

Em ofício a Bento Bueno, secretário dos Negócios do Interior, o diretor Hermann von Ihering informa a chegada da Fundação de São Vicente e sua exibição na sala B-11 por escolha de Calixto que, provavelmente, acompanhou o transporte, a desembalagem e a montagem da obra. 28 28 Cf. Von Ihering, 12 nov. 1900. Nesse mesmo ofício, solicitou ainda ao secretário que enviasse uma cópia da carta que formalizava a doação da Commemoradora ao governo do Estado de São Paulo, ficando evidenciada, com isso, a entrada extraoficial da pintura à coleção do Museu. 29 29 Ibid. Mais de um mês depois, Bueno remeteu uma carta timbrada e assinada por Gregório Innocencio de Freitas:

Com a mais sabida consideração tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. Que o Exmo. Dr. José Cesario da Silva Bastos foi auctorizado pela Directoria desta Sociedade a fazer entrega ao Exmo. Governo Estadoal do vosso Estado, da grandiosa tela histórica representando a Fundação da Capitania de São Vicente, cellula mãe não só do Estado de S. Paulo, como da Patria Brasileira, a qual tela foi pintada pelo artista nacional B. Calixto por encommenda desta Sociedade para commemorar-se o Quarto Centenario do Descobrimento do Brasil [...] O Presidente, Gregorio I. de Freitas.30 30 Oficio da Sociedade... 11 dez. 1900.

Mediada por José Cesário da Silva Bastos, orador da Commemoradora e senador do Estado até 1898, a doação da Fundação de São Vicente ao presidente do Estado é, em nossa interpretação, um ato essencialmente político de aproximação dos interesses das elites locais com o governo estadual, em continuidade ao que já havia sido pleiteado pela escolha de celebrar a expedição martim-afonsina no contexto do IV Centenário do Descobrimento. Uma pintura que representa a fundação da capitania vicentina, portanto, alinha-se ao discurso preterido pela carta, tomando-a como epicentro da formação do território paulista e brasileiro, daí o uso da metáfora de “cellula mãe” mobilizada por Freitas.

Calixto foi conivente com a doação da tela ao Museu Paulista e, segundo a nossa hipótese, era precisamente essa sua intenção, especialmente se tido em perspectiva que, segundo afirmou Jacques Thuillier, as grandes pinturas de História tinham como destino os monumentais edifícios da administração pública, entre eles os museus.31 31 Thuillier (1993, p. 8). Em fins do século XIX, o Museu Paulista era o espaço possível para que os artistas tivessem visibilidade e reconhecimento e, não obstante, Calixto evidencia essa preocupação ainda em março de 1901, quando lamenta a sua sensação de isolamento em carta a Belmiro de Almeida.32 32 Calixto, 2 mar. 1901. Ter uma pintura histórica de sua autoria exposta no museu estadual era razão suficiente (e mesmo desejável) para que concordasse com a doação mesmo antes de ser pago por ela. Afirma em seu relato ao advogado Aquilino do Amaral que a diretoria da Commemoradora se comprometera em solicitar uma verba complementar ao Congresso Estadual para quitar a dívida, o que não teria ocorrido de fato, fazendo com que tivesse de recorrer ao primeiro-secretário e ao tesoureiro.33 33 Calixto, 29 jul. 1903.

Ambos atestaram que o pintor havia cumprido as responsabilidades previstas na comemoração do IV Centenário. É Costa Sobrinho, no entanto, quem informa a respeito das condições do pagamento devido, afirmando que ele seria realizado:

[...] no caso de chegar as quantias arrecadadas aos sócios, e por subscripção publica, o que infelizmente não se deu, tendo apenas a Sociedade podido dar a V. S. a quantia de três contos e seiscentos mil, não podendo completar por isso o dito pagamento integral dos dez contos de reis.34 34 Costa Sobrinho, 25 jul. 1903.

Na visão do primeiro-secretário, Calixto deveria aceitar os 36% do valor acordado inicialmente como pagamento. A resposta de Militão de Azevedo apontava no mesmo sentido que a de seu ex-colega da sociedade, o que fez com que Calixto lhes solicitasse autorização para registrar suas respostas em cartório, montando e enviando o dossiê a Amaral (e posteriormente à Câmara) em 20 de outubro de 1904, explicando que

a Sociedade apenas me entregou 3:600$000, e depois de fazer a exposição solemne “e tomar posse do dito quadro, pedio me licença para faser entrega delle ao Governo do Estado, disendo me que, hia solicitar do mesmo uma verba, para solver o déficit e entrar com o restante da importancia. Em vista do estado financeiro da dita Sociedade, eu tive mesmo boas esperanças que isso se realisa-se, porém os diretores da tal Sociedade não se moveram, e o auxilio do Governo jamais foi sollicitado, não obstante as minhas constantes reclamações. De forma alguma ponderei em disistir hoje dessa dividida e do direito que tenho sobre o dito quadro que se acha no Museo Paulista.35 35 Calixto, 29 jul. 1903.

Assim, segundo Costa Sobrinho, Calixto receberia os 6:400$000 restantes apenas se o montante fosse arrecado mediante subscrição pública, critério que se distancia das intenções comunicadas ao pintor de realizar um novo pedido de verba ao governo do Estado. Essa dissonância deu origem ao litígio, afinal, o preço que havia sido acordado pela tela havia sido dez contos de réis, independentemente da proveniência dos recursos financeiros da Sociedade Commemoradora, não havendo quaisquer contrapartidas que não fossem o devido cumprimento das funções e serviços por parte do pintor. Enfim, os 3:600$000 foram considerados como uma justa indenização pelas atividades realizadas por Calixto na organização do IV Centenário.36 36 Ibid. O pintor escreveu também a Hermann von Ihering, solicitando-lhe uma cópia do ofício de doação da Commemoradora, prova de que não havia sido feita nenhuma ressalva ou menção à dívida. O diretor atendeu à solicitação: “Remetto junto a V. S. as copias dos officios referentes a sua magnifica tela ‘Fundação de S. Vicente’, pelas quaes verificará que a tela foi cedida ao Governo sem condição alguma”.37 37 Cf. Von Ihering [Carta de Hermann ...]

Em 16 de agosto de 1905, Calixto finalmente protocolou um pedido à Câmara dos Deputados, solicitando que o poder público interviesse pela aquisição definitiva da obra ou, no limite, por sua devolução:

[...] Aquela Sociedade, fundada para fim transitório, dissolveu-se, terminados os festejos, sem haver pago o preço do quadro encomendado. Sendo o abaixo assignado um chefe de família, que vive exclusivamente do proveito de sua arte, não é de equidade que o Estado, hoje proprietário do dito quadro, deixe de pagar ao artista que o pintou o valor que, em vossa opinião, for julgado razoável, atendendo ao mérito artístico da obra, que, seja dito sem orgulho, foi honrosamente julgada pelo eminente mestre Victor Meirelles e é por todos reconhecido como correspondente satisfactoriamente ao assumpto que representa. O abaixo assignado vôs requer, pois, que, ouvindo o Governo do Estado, e pelos tramites legais, auctorizeis o pagamento reclamado, como é de justiça, uma que já não existe a Sociedade Commemoradora que fez a doação ao Governo, sem haver pago o preço do objecto doado, e não, portanto, proprietario d’elle. Saúde e Fraternidade. São Vicente, 16 de agosto de 1905. Benedicto Calixto.38 38 Cf. Comissão de Contas e Fazenda da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo (1905).

O pedido foi remetido à Comissão de Contas e Fazenda uma semana depois.39 39 Annaes da Câmara... (1905, p. 162). As atas das sessões ordinárias do segundo semestre de 1905 permitem reconstituir o curso das deliberações com precisão, especialmente no âmbito das discussões iniciais para a Lei Orçamentária de 1906, em que foram previstos 15:000$000 para a compra de obras de arte que deveriam compor a Galeria Artística do Estado de São Paulo.40 40 Ibid., p. 521.

A Comissão de Contas e Fazenda autorizou que Fundação de São Vicente fosse adquirida por 8:000$000.41 41 Ibid., p. 563. A mesma comissão pediu, poucos dias depois, que o valor fosse corrigido para 5:000$000, durante a 75ª sessão ordinária, alegando erro motivado pela pressa nas deliberações.42 42 Ibid., p. 621. Na 92ª sessão do Senado estadual, em 9 de dezembro, o valor foi confirmado e, no exercício de 1906, Calixto recebeu cinco contos de réis como pagamento pela tela.43 43 Annaes do Senado... (1905, p. 571). O demonstrativo para esse ano registra gasto de 5:500$000 com a Galeria Artística: cf. Relatório da Secretaria da Fazenda do Estado de S. Paulo, 1906, p. 18-19 e p. 60-61.

Assim, a pintura foi incorporada definitivamente ao acervo público do Estado de São Paulo. Note-se que a Câmara autorizou a aquisição na mesma semana em que José Cardoso de Almeida, então secretário do Interior, expediu a ordem para que as obras da Galeria Artística alocadas no Museu Paulista fossem transferidas para o Liceu de Artes e Ofícios.44 44 Cf. Cardoso de Almeida, 9 dez. 1904.

Além de Independência ou Morte e dos retratos históricos em exibição na sala B-8, Fundação de São Vicente integrava o diminuto conjunto de pinturas históricas que permaneceram em exposição no Museu a partir de 1905, continuando exposta na sala B-11, onde havia sido alocada em novembro de 1900 por escolha de Calixto, até as mudanças promovidas por Afonso Taunay em 1917 para a montagem de uma nova sala de exposição. É razoável supor, nesse sentido, que as pinturas restantes dispusessem de regulamentação distinta daquelas que haviam sido transferidas, pertencendo à coleção de história do Museu.

As pinturas em grande formato remanescentes retratavam episódios significativos da história paulista e representavam o início da colonização e expansão do território a partir da fundação da capitania vicentina e a Independência proclamada no Ipiranga, que celebravam a participação de São Paulo na tessitura da nação brasileira tanto no período colonial quanto na formação do Estado politicamente independente.

Segundo o Guia pelas collecções do Museu Paulista, publicado em 1907, a tela de Calixto dividia o espaço da sala B-11 com as coleções de geologia e de paleontologia, o que causou certa resistência à política de Hermann von Ihering em relação às coleções de história durante o período que esteve à frente da administração do museu, e foi mesmo matéria-prima das acusações feitas por seu sucessor quanto à dissonância do conjunto expositivo.45 45 Brefe, op. cit., p. 90, n. 4. Embora a vontade pessoal do pintor descarte a ideia de que o conjunto fora pensado aleatoriamente, é imperativo apresentar hipóteses a respeito dos critérios que possibilitaram a exibição de uma pintura histórica em uma exposição de história natural.

OS SENTIDOS DE FUNDAÇÃO DE SÃO VICENTE NO MUSEU PAULISTA (1900-1939)

O Guia de 190746 46 Guia pelas Collecções, op. cit., p. 102-104. informava os visitantes do Museu Paulista sobre as coleções e objetos que poderiam ser encontrados em cada sala do edifício: as de zoologia estavam distribuídas nas salas B-1 a B-6, B-10, B-14 e B-15. As coleções etnográficas poderiam ser visitadas nas salas B-12 e B-16, sendo a última sobre os índios carajás. Na sala B-11, que abrigava as coleções de mineralogia e paleontologia, estava a Fundação de São Vicente. A coleção numismática foi exibida na sala B-13 e as coleções históricas foram alocadas nas salas B-8 e B-9. Após a transferência de 1905, a pintura histórica de Pedro Américo passou a ser o único objeto em exposição no Salão de Honra, ou sala B-17.47 47 Ibid.

Ana Maria de Alencar Alves48 48 Cf. Alves, op. cit. e Fábio R. Moraes49 49 Cf. Moraes, op. cit. demonstraram os critérios de Hermann von Ihering para a formação da coleção histórica do Museu, mas restaria mencionar que as salas B-8 e B-9 e o Salão de Honra faziam parte do corpo central do edifício-monumento e que, embora seu acesso fosse diferenciado (sendo as duas primeiras salas pela escadaria atrás do saguão, enquanto o Salão de Honra diretamente pela escadaria principal) e, por isso, tivesse despertado críticas a um suposto desprezo do diretor pelas coleções de história, é provável que tenham sido alocadas ali precisamente por seu potencial em atrair o fluxo de visitantes para um espaço particular do edifício, fora do circuito principal, conforme as diretrizes oferecidas por George Brown-Goode.50 50 Brown-Goode (1895, p. 34). Seja como for, a pintura de Calixto havia sido alocada na sala B-11.

Além da cena fundacional, nas paredes eram encontrados quadros de gêiseres e formações geológicas. Nos armários 49 e 50 estavam amostras de rochas brasileiras e de outros lugares, os xistos betuminosos de Taubaté (matéria-prima de óleo, querosene e parafina), mármore sorocabano, uma coleção de produtos de ferro oriunda de Ipanema, no Estado de São Paulo, e cópias de diamantes.

Os armários 48 e 51 abrigavam a coleção de paleontologia, caracterizada pelo próprio Guia pela “notoria pobreza” no que diz respeito a fósseis encontrados no Brasil e especialmente em São Paulo: no armário 48, o fóssil do “Mesosaurus tumidus” dividia espaço com “peixes do período mesozoico” e “conchas do período devoniano”. Já o número 51 abrigava os “numerosos fosseis das diversas partes do mundo”, em que as “copias dos famosos reptis Plesiosaurus, Mystriosauus e Ichthyosaurus” recebiam destaque.51 51 Guia pelas Collecções, op. cit., p. 102-104.

O Guia oferece, assim, uma descrição sobre a tipologia dos objetos em exposição na sala em que Calixto decidiu exibir Fundação de São Vicente. Ela não comportava objetos ou coleções que direcionassem o visitante a estabelecer uma correlação imediata com a pintura histórica. O que justificaria a alocação de Fundação de São Vicente na sala B-11 seria a homologia de sentidos entre as coleções de geologia e paleontologia e o episódio representado por Calixto: a formação natural e histórica do território paulista e brasileiro. Essa relação pode ser apreendida pelo que havia sido previsto na instrução normativa que regulamentava a finalidade institucional do Museu: produzir e difundir o conhecimento da história natural do continente sul-americano, do Brasil e de São Paulo a partir da zoologia e da “história natural e cultural do homem” [grifo nosso].52 52 Decreto nº 249 de 26 jul. 1894, art. 2º, cap. 1.

Segundo Alencar Alves, as coleções de História e de História Natural dos museus oitocentistas eram mobilizadas para elaborar uma narrativa sobre a “história natural do homem”.53 53 Alves, op. cit., p. 139. Nessa mesma perspectiva, em livros como História Geral do Brasil (1854), de Francisco de Varnhagen, a história do homem é precedida pela descrição da geografia e da geologia do território: é uma tradição replicada em Quadro Histórico da Provincia de S. Paulo (1864), de José Joaquim Machado de Oliveira (principal interlocutor que Benedito Calixto mobiliza em Villa de Itanhaem, 1895) e n’A história de São Paulo ensinada pela biographia de seus vultos mais notáveis (1895), de Tancredo do Amaral, professor da Escola Normal da Praça da República.

Além disso, conforme demonstrou Marcelo da Rocha Wanderley, a exaltação do meio natural era um topos retórico do discurso ufanista presente entre os articuladores das comemorações do Descobrimento, como contraponto à desconfiança em relação ao recém-instalado regime republicano e à crise enfrentada no governo Campos Salles.54 54 Wanderley, op. cit., p. 157-158.

Encomendada pela associação vicentina, de função análoga à do Rio de Janeiro, a natureza ocupa um papel central na composição de Fundação de São Vicente, sendo o litoral a “porta de entrada” da civilização europeia e a baía vicentina o lugar onde os indígenas e os portugueses se encontraram para formalizar o acordo pela colonização.

A escolha de Benedito Calixto55 55 Von Ihering, 12 nov. 1900. O documento aparece registrado com o número 91 no Livro de Registros de Protocolos Enviados do Museu, p. 30-31. em alocar a pintura histórica na sala B-11 passa, portanto, pela necessidade em celebrar, ao mesmo tempo, o primeiro e pacífico encontro entre europeus e indígenas americanos e, sobretudo, a agência mediadora que o litoral sul paulista deteve nesse processo, entronizando duplamente a civilização por vias complementares entre si. Nesse sentido, a escolha do pintor se alinhava às intenções da Sociedade Commemoradora, especialmente se recobrada a metáfora usada por Gregório I. de Freitas sobre a Capitania de São Vicente ter sido a “primeira cellula formadora da nação brasileira”. A pintura dispõe de potencial para celebrar a formação histórica do território, ao mesmo tempo em que as demais coleções da sala B-11 informavam sobre sua constituição natural.56 56 Oficio da Sociedade..., 11 dez. 1900.

Assim, a sala B-11 abrigava objetos que, expostos conjuntamente, informavam o visitante sobre a formação física do território brasileiro e celebrava, ao mesmo tempo, o início da colonização portuguesa a partir do litoral, reafirmando, dessa forma, o projeto da Sociedade Commemoradora em rememorar o protagonismo vicentino na história do Brasil e, sobretudo, do Estado de São Paulo.

Após 1905, com a transferência da Galeria Artística, Independência ou Morte e Fundação de São Vicente eram as pinturas históricas em grande formato exibidas nas salas do Museu Paulista. Somados aos retratos da sala B-8, as cenas da história de São Paulo compunham um “panteão comemorativo”, política alinhada às proposições de G. Brown-Goode em The Principles of Museum Administration: toda cidade deveria dispor de uma coleção histórica representativa de seus episódios memoráveis e de homens que haviam tomado parte deles.57 57 Brown-Goode, op. cit., p. 34. Essas eram exatamente as condições dos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 249, que previam pinturas de “homens illustres” e de “assumptos de historia”.58 58 Decreto nº 249 de 26 jul. 1894, art. 4º, cap. 1.

Isso explicaria também a transferência das pinturas Partida da Monção (óleo sobre tela, 390 x 640 cm, 1897), de José Ferraz de Almeida Júnior, e Primeiro Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro (óleo sobre tela, 190 x 330 cm, 1900), de Oscar Pereira da Silva, adquiridas pelo governo do Estado e incorporadas ao Museu, respectivamente, em 1901 e 1902.59 59 Cf. Nery, op. cit.

As cenas não registravam ações de personagens históricos “ilustres”, como é o caso de Partida da Monção, tampouco a participação paulista nas origens da nação brasileira, como no caso da obra de Oscar Pereira da Silva, que interpreta a chegada da expedição cabralina ao litoral da Bahia, em 1500. Aa pinturas Independência ou Morte e Fundação de São Vicente, em contrapartida, reportavam às ações de Dom Pedro I e de Martim Afonso de Souza, para além do episódio solenemente evocado em cada uma delas.

Em fevereiro de 1917, o engenheiro Afonso Taunay foi comissionado para dirigir o Museu Paulista, após a curta gestão de Armando Prado, que sucedeu von Ihering após sua demissão, em maio do ano anterior.

A demissão polêmica de Von Ihering decerto influenciou o discurso de A. Taunay sobre a situação ali encontrada. A principal acusação feita ao antigo diretor era sobre o descompasso entre o desenvolvimento da coleção de história natural e o da coleção de história pátria, esta última pouco expressiva e dependente de doações.60 60 Brefe, op. cit., p. 89.

As críticas não alcançavam apenas a política de aquisição, mas também a escolha das salas B-8 e B-9 para sua exibição. Como mencionado anteriormente, é provável e possível que Von Ihering tenha se ancorado nas diretrizes de Brown-Goode sobre a necessidade de orientar o fluxo de visitação para os setores menos visíveis do edifício.

Uma vez comissionado, foi responsável pela reformulação das exposições para as comemorações do centenário da Independência, cujo planejamento foi iniciado em 1919. Elaborou o programa expositivo do Museu Paulista a partir da historiografia do IHGSP, privilegiando a ação bandeirante e monçoeira como os agentes da expansão territorial, além de ser, ele próprio, autor de uma obra de grande relevo sobre a história de São Paulo seiscentista, das bandeiras e do cultivo do café.61 61 Cf. Makino (2002/2003); Brefe, op. cit.; Lima Junior, op. cit.

O projeto original previa que as decorações para o centenário da Independência estivessem concentradas no saguão, escadaria, Salão de Honra e nas salas B-7, B-8, B-9 e B- 10, as mesmas situadas no corpo central do edifício-monumento e as que lhes eram imediatamente adjacentes. Seria razoável inferir, por isso, que as acusações fossem mais um recurso retórico de afastamento dos antigos propósitos do Museu Paulista, assim como propaganda do que se pretendia do que irresponsabilidade administrativa e/ou científica por parte de Von Ihering.

De qualquer forma, a reelaboração das exposições foi iniciada ainda em 1917 com a inauguração das salas A-7, que exibia a coleção de botânica, e A-10, dedicada à primeira exposição histórica organizada por Taunay, iniciando uma inflexão curatorial que se consolidaria ao longo das décadas seguintes. Foi justamente para essa sala que se transferiu Fundação de São Vicente, conferindo-lhe uma nova camada semântica. O diretor se mostrou escandalizado com o local de exibição anterior da obra, tratando-a por inadmissível, conforme relatou ao secretário do Interior em 1918:

Outro facto demonstra o abandono em que a chamada “collecção histórica” se achava. É diffícil explicar, por exemplo, porque fora uma tela representando a Fundação de São Vicente alcandorar-se por cima de um armário de mineraes, na sala de mineralogia e geologia, a quase 4 metros acima do soalho. Nada ou quasi nada no Museu Paulista lembrava o passado de São Paulo. 62 62 Cf. Relatório de Atividades... (1917?).

Ao ter que dividir as atenções do espectador com coleções de minérios e fósseis, a pintura histórica que representava a fundação da Capitania de São Vicente não teria seu potencial plenamente valorizado, o que justificaria as mudanças que propunha. Enfim, a sala A-10 foi inaugurada em 25 de dezembro. Ela exibia retratos históricos, documentos de arquivos e representações cartográficas da história de São Paulo e do Brasil. Taunay reagrupou um conjunto outrora disperso, construindo, com isso, novos sentidos visuais sobre o passado.63 63 Hooper-Greenhill (2000, p. 23).

Esse processo incluía a desmontagem das antigas salas das coleções históricas, B-8 e B-9, que receberam críticas pela aparente falta de critérios de organização: enquanto a primeira exibia peças de mobiliário, objetos pessoais e os retratos históricos e na B-9 estavam a armadura e a espada que teriam pertencido a Martim Afonso de Souza, entre outros armamentos.64 64 A Federação, 25 maio 1887: “Entre os objectos archeologicos que o finado dr. Rath possuia em suas interessantes collecções, compradas ultimamente pelo museu Sertorio de S. Paulo, conta-se a espada e a armadura de Martim Affonso de Souza, o fundador de S. Vicente, o primeiro nucleo colonial no Brazil. A espada traz o nome do audaz navegante portuguez e a data de 1530.” Mesmo que se assemelhassem a “depósitos de antiguidades ou de curiosidades” na visão de Taunay,65 65 Brefe, op. cit., p. 92. Von Ihering havia estabelecido critérios para a aquisição ou recusa dos objetos oferecidos para a coleção de história do Museu Paulista, como demonstraram Alves e Moraes.66 66 Cf. Alves, op. cit.; Moraes, op. cit.

Assim, a exposição voltada à experiência histórica paulista era uma “verdadeira necessidade”, uma vez que “nada havia ali que lembrasse as tradições nacionais ou regionais”.67 67 Cf. Relatório de Atividades... (1917?). Ao assumir o cargo, Taunay retomou os registros das atividades mensais nas Chronicas do Museu Paulista e documentou uma parte do processo de montagem da sala A-10.68 68 Chronicas do Museu..., p. 26-29. Em junho de 1917, Taunay transferiu as coleções de paleontologia e de geologia à sala A-13 e é provável que já nesse momento tenha realocado Fundação de São Vicente na sala A-10. Em novembro, os retratos históricos de Bartolomeu de Gusmão, do Padre José de Anchieta e do bandeirante Domingos Jorge Velho, todos da autoria de Calixto, foram reagrupados na mesma sala A-10. É possível detectar, também pelas Chronicas, a dinâmica das encomendas de cópias de mapas e documentos antigos com outras instituições, como a de um mapa de D. Luis de Céspedes García Xería ao arquivo das Índias em Sevilha, que chegou ao museu às vésperas da inauguração da exposição.

Os registros oferecem uma visão sobre procedimentos pontuais em detrimento de uma visão processual sobre a montagem da exposição. De qualquer forma, a sala A-10 é um exemplo eloquente das novas diretrizes curatoriais do Museu Paulista, que chamam as coleções de história ao protagonismo definitivo. Inaugurada em 25 de dezembro de 1917, a exposição recebeu 1.200 visitas,69 69 Ibid., p. 29. número provavelmente alcançado em virtude das propagandas que circularam, por exemplo, no Correio Paulistano:

Abre-se ao público, a 25 próximo, no Museu Paulista, mais uma sala de exposição, no andar terreo do edificio, na galeria da direita. Consagrada á história de S. Paulo, nella se acham reunidos quadros históricos, numerosos mappas dos seculos XVI, XVII e XVIII e documentos relativos ás eras coloniaes, do bandeirismo á independencia, a escriptores, chronistas, etc. A sala circundam 46 cartas geographicas, 27 quinhentistas, 10 seiscentistas e 9 setecentistas.

Destas, 39 referém-se á cartograpnia sul-americana e brasileira e 7 especialmente a paulista. Por umas e outras pode-se fazer uma idéia da evolução, da geographia do nosso continente, desde o mappa de Juan de la Cosa, datado do anno proprio da descoberta do Brasil até ao das “Cortes”, em 1750, carta official da demarcação dos territorios das corôas de Portugual e Hespanha, em virtude do tratado de Madrid. Traçadas por cartographos portuguezes, hespanhóes, italianos, francezes, hollandezes e flamentogs, inglezes e allemães, formam uma collecção valiosa reunida pelo illustre barão do Rio Branco, que o sr. dr. Nilo Peçanha, attendendo a um pedido da directoria do Museu, gentilmente lhe offertou. Dentre os mappas de S.Paulo, havidos por cópia de archivos e bibliothecas brasileiras e européas, são muito interessantes, sobretudo, o de d. Luiz de Céspedes, Xeriá, datando de 1628, o mais velho esboço cartographico de terras do “hinterland” paulista, as cartas de Fra Giuseppe di Santa Teresa, de 1698; duas cartas copiadas originaes do Museu Britannico do seculo XVIII, um mappa da demarcação de territorios paulistas e mineiros do capitão-general d. Luiz Antonio de Sousa Botelho e Mourão, morgado de Matheus, em 1766, e afinal a excellente carta do littoral paulista levantada em fins do seculo XVIII pelo coronel do real corpo de engenheiros João da Costa Ferreira. A estes diversos mappas encimam os quatro quadros historicos de Benedito Calixto: “A fundação de S. Vicemte”, e os retratos de Anchieta, Domingos Jorge Velho, Bartholomeu Lourenço de Gusmão, já existentes no Museu e tão apreciados pelo publico. Estão agora em melhor posição para serem detidamente examinados, recebendo melhor luz. Em tres grandes mesas-vitrinas situadas no centro da sala estão expostos varios e interessantes codices e documentos esparsos, obtidos graças a generosos doadores como os srs. drs. Washington Luis, Silva Leme e o saudoso dr. Augusto de Siqueira Cardoso, entre outros, e o concurso muito valioso do sr. dr. Adolpho Botelho de Abreu Sampaio, director do Archivo do Estado. Assim, ali estão reunidos inventarios de bandeirantes illustres uma carta confidencial do visconde por Martim Affonso de Sousa, contas de negocios dos seculos 17 e 18, róes de remessas de ouro tirado do sertão, roteiros de minas, cartas setecentistas entre gerentes e amigos, registo de cartas régias, e actos officiaes, livros de notas tabellioaes, autographos de personalidades notaveis, bandeirantes escriptores, homens de governo, etc, numerosas peças documentaes, emfim, referentes ás diversas phases da vida paulista, num periodo que vai de 1550 a 1822. Entre as maiores curiosidades expostas ha a notar, por exemplo, o autographo do primeiro decreto talvez assignado por d. Pedro I após 7 de setembro; uma carta confidencial do visconde de Barbacena; capitão-general de Minas, ao governo de S. Paulo, communicando-lhe a descoberta da conspiração mineira. Para commodidade do publico foram quasi todos os documentos traduzidos, a esta interpretação completando, geralmente apanhados biographicos acerca das pessoas a quem se referem as peças documentaes.70 70 Correio Paulistano, 24 dez. 1917, p. 2.

Conquanto tenha sido veiculado em um grande jornal da capital paulista, o texto acima reproduzido foi integralmente retirado do relatório enviado por Afonso Taunay ao secretário do Interior para noticiar a abertura da sala. Para construir uma narrativa histórica, o diretor mobilizou documentos, mapas, retratos e a pintura Fundação de São Vicente, cuja costura semântica é a formação histórica do território sul-americano, do Brasil e de São Paulo.

As representações cartográficas instruem o espectador sobre o entrelaçamento das condicionantes da história política e as dimensões físicas: nesse ângulo, Taunay objetiva consolidar uma abordagem genealógico-evolutiva do território a partir do estado de São Paulo. Como instrumentos de legitimação de poder, os mapas tinham a função política de construir unidades territoriais concretas, documentando a posse e a permanência de um povo sobre um determinado espaço físico. Esse procedimento trazia a possibilidade de traçar um “perfil político-biográfico” historicamente situado.71 71 Anderson (2008, p. 241).

A eleição do corpo documental permite inferir que o prisma pelo qual o processo em narração deveria ser observado era o do acordo diplomático, em que a construção do território fosse uma ação integradora essencialmente pacífica. Os agentes dessa história eram “personalidades notaveis, bandeirantes, escriptores, homens de governo”, com os destaques para Martim Afonso de Souza e D. Pedro I, cujas biografias representavam a fundação da primeira capitania e a proclamação da independência da nação. Nota-se, no entanto, que o ano de 1550 se aproxima à chegada da Companhia de Jesus na expedição de Tomé de Souza, em 1549, e a fundação do colégio que deu origem a São Paulo de Piratininga em 1554, pelos padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.72 72 Martim Afonso de Souza era associado à fundação do primeiro povoado de Piratininga, em 1531. Von Ihering (1895, p. 9).

Anchieta esteve entre os “homens illustres” retratados por Benedito Calixto para a coleção histórica do Museu Paulista e, durante a administração de Hermann von Ihering, o retrato foi exibido na sala B-8, tendo ali permanecido até novembro de 1917, quando Taunay o transferiu para a sala A-10 conjuntamente aos do Pe. Bartolomeu de Gusmão e de Domingos Jorge Velho, todos de autoria de Calixto.73 73 Cf. Relatório de 1917…, op. cit.

Os retratos elaborados por Calixto e transferidos por Taunay representam figuras preeminentes para a história do período colonial paulista: Pe. José de Anchieta foi o catequizador dos indígenas no povoado piratiningano e Pe. Bartolomeu de Gusmão foi o inventor do aeróstato, além de recobrar Alexandre de Gusmão, diplomata responsável pelo Tratado de Madri (1750). Marins notou que o retrato de Domingos Jorge Velho foi a primeira representação artística de um bandeirante incorporada à coleção do Museu Paulista.74 74 Cf. Marins, op. cit.

O deslocamento desses retratos para a sala A-10 guarda uma importante inflexão semântica que se distancia do propósito originalmente previsto na legislação de 1894. A sala B-8, de onde foram retiradas, apresentava as figuras retratadas como portadoras e veiculadoras de um patrimônio moral que deveria ser visto, comemorado, compreendido e reproduzido pelos cidadãos da República nascente.75 75 Hooper-Greenhill, op. cit., p. 23.

Associados à cartografia e a documentos oficiais, no entanto, os retratos adquirem outro significado: os “homens illustres” passam a ser mobilizados por sua agência na construção do território nacional e, por isso, alocados em um conjunto de objetos capaz de comunicar essa relação. A exposição revoga a postura contemplativa e provoca uma percepção necessariamente relacional dos significados, em que a biografia, se não deixa de veicular os valores morais mencionados, deixa de ser suficiente. Nota-se, além disso, que a Fundação de São Vicente articula o arranjo expositivo, em conjunto aos retratos históricos: essa era a intenção de Taunay, segundo ele mesmo noticiou ao secretário do Interior em 1918: “annexei-lhes uma collecção de documentos e cartas geográficas” (grifo nosso), decisão justificada formalmente pela necessidade em melhorar sua iluminação.76 76 Relatório de 1917..., op. cit., p. XVI.

Assim, esses personagens foram agenciados por suas participações na história de São Paulo e do Brasil, tornando-se os veículos da narrativa do processo histórico que o diretor Afonso Taunay pretendia construir visualmente. A posição centralizada da obra de Calixto garantia certa soberania sobre o conjunto de objetos, e é nesse sentido que o problema de seu deslocamento para a sala A-10 merece ser visitado.

Em uma exposição de cartografia e documentos, a pintura passou a conduzir outro significado que não estava evidenciado: alinhada aos mapas e aos retratos históricos, a tela perdeu a unicidade de que dispunha na sala B-11, onde havia apenas as coleções de geologia e paleontologia.

De episódio a ser celebrado, a fundação da capitania vicentina foi integrada a um amplo processo histórico que reitera a participação paulista na formação do território brasileiro. Assim, se a ideia de cellula mater já era veiculada desde 1900, na ocasião do 4º Centenário do Descobrimento do Brasil, é pela exibição na sala A-10 que ele passa a ser efetivamente enunciado, fazendo com que a tela de Calixto fosse ponto nodal na narrativa que Taunay pretendeu construir para o Museu Paulista.

O acordo entre as autoridades indígenas e portuguesas, em nossa interpretação, é o que permite articular o sentido diplomático da formação do território nacional e reiterar a ancianidade da liderança paulista na história do Brasil, desde a fundação da primeira colônia regular até a proclamação do Estado politicamente independente. Já distante do breve período de hegemonia no governo federal, a elite perrepista procurava na solidez da História os argumentos para justificar seu lugar na federação, sendo o museu dirigido por Taunay uma das linhas de força para corresponder a essa demanda. Representado como ato diplomático, o encontro de Martim Afonso de Souza, Tibiriçá, Caiubi e João Ramalho, a pintura de Calixto mantém uma oportuna eloquência no que diz respeito à reiteração do pacifismo que marca as relações políticas em curso na cena fundacional, indo ao encontro do projeto narrativo de Taunay.

Quando inaugurada, a sala A-10 veiculava uma poderosa articulação visual, onde Fundação de São Vicente recebia um lugar central e de destaque (figura 3). Foi um primeiro passo do diretor para a valorização da coleção de história, segundo seus critérios, e o início da narrativa concentrada no protagonismo paulista na construção da memória da nação brasileira.

Figura 3
Fundação de São Vicente na sala A-10, em 1937. Acervo do Museu Paulista da USP. Foto: Helio Nobre.

Em 1922, no contexto de comemoração da Independência, a sala A-10 recebeu a incorporação da Carta Geral das Bandeiras Paulistas (2,63 m x 2,33 m), de autoria do próprio diretor (figura 4). Seria fundamental notar, para os nossos propósitos, que esse objeto foi alocado precisamente na parede oposta àquela em que estava Fundação de São Vicente. Essa disposição espacial, em que a pintura aparece em frente ao mapa que ilustra a expansão territorial a partir das bandeiras, consolida uma relação dialética que toma o litoral vicentino como a antessala da epopeia bandeirante seiscentista: o retrato de Domingos Jorge Velho, nesse sentido, foi alocado ao lado direito da Carta, o que nos permite tanto inferir a ressignificação do personagem enquanto metonímia das bandeiras paulistas, e não apenas como destruidor do Quilombo dos Palmares.

Figura 4
Carta Geral das Bandeiras Paulistas. Sala A-10, 1937. Acervo do Museu Paulista. Foto: Helio Nobre.

Com a montagem da sala A-10, Taunay restabeleceu o sentido de cellula mater da capitania de São Vicente, veiculado desde 1900 pela Sociedade Commemoradora, mas conferiu-lhe, além disso, uma importância representativa processual em relação a uma cadeia mais ampla de objetos, revogando o potencial episódico celebrativo que a sala B-11 invocava durante a gestão de seu antecessor. Na sala A-10, o século XVI tem lugar assegurado, embora limitado, em relação aos séculos XVII e XVIII, que protagonizam majoritariamente a narrativa do museu pela agência do bandeirante na consolidação do território brasileiro a partir de São Paulo, de onde teriam se desmembrado as capitanias de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. De qualquer forma, nota-se a preocupação em contemplar todas as fases de formação do território brasileiro, para muito além do período colonial: segundo pudemos constatar, as balizas cronológicas que orientam a exposição da sala A-10 são precisamente a fundação da capitania de São Vicente, em 1532, e a consolidação da fronteira brasileira com a Bolívia, em 1903, pelo Barão do Rio Branco.

Após a inauguração da sala A-10, Taunay passou a planejar a exposição para a sala A-11, onde deveria figurar uma narrativa sobre a história da cidade de São Paulo: até 1922, ambas representaram a História no Museu Paulista. Segundo informa o Guia pela Secção Histórica do Museu Paulista, de 1937, ali estavam expostos exemplares da Câmara Municipal entre 1562 e 1882, além de pinturas que representavam a evolução do urbanismo.77 77 Guia pela Secção..., p. 75-77.

A visão sobre a História deveria começar, portanto, pela formação histórica da cidade e do território de São Paulo. Em ambas, o visitante era convidado a percorrer quatrocentos anos de história. Em 1922, conjuntamente ao Salão de Honra, ao saguão e à ornamentação da escadaria principal, Taunay inaugurou outras cinco salas, planejadas entre 1919 e 1922: A-12, A-13, A-14, A-15 e A-16. Não discutiremos os planos para o centenário da Independência. Caberia mencionar, enfim, que o saguão do edifício, que dá acesso à sala A-10, recebeu, em 1922, dois painéis representando o rei de Portugal, D. João III, e Martim Afonso de Souza, colonizador e fundador de São Vicente. Na década de 1930, também foram ali alocados os painéis de João Ramalho e Tibiriçá, personagens que fundaram a Capitania de São Vicente, de onde partiriam, pouco depois, os bandeirantes. As estátuas de Fernão Dias Paes Leme e de Antônio Raposo Tavares foram encomendadas a Luigi Brizzolara e também já estavam presentes no festejo do centenário.78 78 Makino, op. cit., p. 172-173.

Em 1929, Taunay solicitou que a pintura A Partida da Monção retornasse para o Museu Paulista, tendo sido prontamente alocada na sala A-9, dedicada às monções do século XVIII em São Paulo. O diretor da Pinacoteca, no entanto, enviou também a tela Primeiro Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, de Oscar Pereira da Silva, que Taunay optou por expor na sala da “antiga iconographia paulista”, A-12.79 79 Monteiro, op. cit., p. 104-105; Guia pela Secção..., op. cit., p. 80.

Ainda que não objetive uma análise integral do programa decorativo, fica evidente a relação entre Fundação de São Vicente e os espaços expositivos subsequentes. É o desembarque de Martim Afonso de Souza e a fundação da capitania de São Vicente o que impulsiona o encadeamento da narrativa histórica que deveria ser vista a partir de São Paulo. Taunay redimensiona a semântica univocamente celebrativa cumprida pela tela na exposição de von Ihering ao inseri-la em uma narrativa expositiva contínua que garante a eficácia da valorização do processo histórico que deveria ser visto e aprendido no Museu Paulista. Ainda que os painéis das personagens presentes na pintura histórica apareçam no saguão do museu, é a disposição relacional com mapas, retratos e com a Carta Geral das Bandeiras Paulistas (a partir de 1922) que fez com que Fundação de São Vicente fosse crucial na homologação da memória oficial de um Brasil inaugurado e construído a partir do território paulista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez incorporada ao acervo do Museu Paulista, a pintura Fundação de São Vicente foi revestida de camadas de sentidos ao longo das primeiras quatro décadas do século XX: procurou-se demonstrar como a alocação e a exibição da tela na sala B-11, entre 1900 e 1917, associava a formação e ocupação natural à colonização histórica do território brasileiro a partir do litoral vicentino. Além disso, correspondia a um projeto político e celebrativo levado a cabo no IV Centenário do Descobrimento pelas elites santista e vicentina, ao qual Calixto estava alinhado, e do qual o Museu Paulista se torna receptor e difusor a partir de 1900, imputando à essa homologia semântica um sentido político e autorreferencial evidente.

Já no contexto de montagem da exposição histórica da sala A-10 por Afonso Taunay, a tela foi apropriada como parte essencial de um conjunto de mapas históricos e documentos oficiais que pretendiam subsidiar uma narrativa sobre a formação do Brasil a partir dos acordos diplomáticos, do século XVI ao XX. Se a ideia de “cellula mater” permanece reatualizada desde a Sociedade Commemoradora, a fundação da capitania de São Vicente adquire um novo sentido relacional às expansões pelas bandeiras paulistas do século XVII, como a “antessala” da epopeia bandeirante. A condição de encomenda da obra, por isso, colabora ao mapeamento do contexto e das pressões enfrentadas pelo pintor Benedito Calixto, bem como de seus agenciadores: a doação e posterior aquisição pelo governo do Estado permitem inferir a dinâmica dos grupos de interesses no fim do século XIX a partir da pintura histórica musealizada, em que a elite santista e vicentina se pretendia fazer representar no regime republicano ainda engatinhante, mobilizando a história local como um recurso simbólico para a reafirmação de seu lugar político.

REFERÊNCIAS

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FONTES ICONOGRÁFICAS

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FONTES IMPRESSAS

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  • 2
    Poulot (2009POULOT. Dominique. Les musées d’Histoire en France entre traditions nationales et soucis identitaires. Anais do Museu Paulista, v. 15. n. 2. p. 293-316. São Paulo, Jul-Dez.2007., p. 169).
  • 3
    Smith (1988, p. 15).
  • 4
    Decreto nº 249... (1894), art. 4º, cap. 1.
  • 5
    Cf. Alves (2001ALVES, Ana Maria de Alencar. O Ipiranga apropriado: ciência, política e poder. O Museu Paulista 1893-1922. São Paulo: Humanitas, EDUSP, 2001.); Brefe (2005BREFE, Ana Cláudia Fonseca. O Museu Paulista - Afonso Taunay e a memória nacional. São Paulo: UNESP; Museu Paulista, 2005.); Carvalho (2014CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. O imaginário da República no Brasil. (23.ed.) São Paulo: Cia. das Letras, 2014.); Lima Junior (2015LIMA JUNIOR, Carlos Rogério. Um artista às margens do Ipiranga: Oscar Pereira da Silva, o Museu Paulista e a reelaboração do passado nacional. Dissertação (Mestrado) - IEB/USP, São Paulo, 2015.); Marins (2007MARINS, Paulo César Garcez. Nas matas com poses de reis: a representação de bandeirantes e a tradição da retratística monárquica europeia. Revista do IEB, n. 44, fev.2007.); Monteiro (2012MONTEIRO, Michelli. Cristine Scapol. Fundação de São Paulo, de Oscar Pereira da Silva: trajetórias de uma imagem urbana. 2012. Dissertação (Mestrado) - FAU-USP, São Paulo, 2012.); Moraes (2008MORAES, Fábio Rodrigo de. Uma coleção de história em um museu de ciências naturais: o Museu Paulista de Hermann von Ihering. Anais do Museu Paulista, v. 16, n. 1, p. 220-221, 2008.); Nery (2015NERY, Pedro. Arte, pátria e civilização. A formação dos acervos artísticos do Museu Paulista e da Pinacoteca do Estado de São Paulo. (1893-1912). Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.); Pitta (2013); Piccoli (2016PICCOLI, Valéria (org.) et al. Coleções em Diálogo: Museu Paulista e Pinacoteca de São Paulo. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2016.).
  • 6
    Meneses (1990, p. 45).
  • 7
    Vejo (2001, p. 80).
  • 8
    Revista do Museu... (1902, p. 3).
  • 9
    Marins, op. cit., p. 87.
  • 10
    Cf. Wanderley (1997WANDERLEY, Marcelo da Rocha. Jubileu Nacional: A comemoração do quadricentenário do Descobrimento do Brasil e a refundação da identidade nacional (1900). Dissertação (Mestrado) - UFRJ, Rio de Janeiro,1997.).
  • 11
    Cf. Revista do Instituto... (1900).
  • 12
    Estatutos da Sociedade... (cap. I, art. 1º, § 2º, p. 2).
  • 13
    Ibid., p. 2.
  • 14
    O Estado de... (8 abr. 1899, p. 1).
  • 15
    Ibid, p. 1.
  • 16
    Cidade de Santos, 14 jul. 1899, p. 1.
  • 17
    Id., 9 jul. 1899, p. 1.
  • 18
    Lei n. 686..., 16 set. 1899. Cap. I, art. 7º, § 10º: “Para a solemnização das festas do 4º Centenario do descobrimento do Brazil, em S. Vicente - 30:000$000.”
  • 19
    Cidade de Santos, 22 mar. 1900, p. 2.
  • 20
    Vicentino, ed. especial, maio 1900.
  • 21
    Cf. Meirelles (1892). Acervo particular de Celso Calixto Rios, a quem agradeço por me disponibilizar a consulta.
  • 22
    Cf. Dossiê do pagamento
  • 23
    Calixto, 2 mar. 1901.
  • 24
    O Commercio de... 11 nov. 1900, p. 1; Cf. O Estado de..., 11 nov. 1900.
  • 25
    Decreto nº 249... 26 jul. 1894, art. 4º, cap. 1.
  • 26
    Nery, op. cit., p. 61-62.
  • 27
    Ibid., p. 68.
  • 28
    Cf. Von Ihering, 12 nov. 1900VON IHERING, Hermann. Ofício de Hermann von Ihering à Secretaria de Negócios do Interior. São Paulo, 12 nov. 1900. APMP/MP-USP, pasta n.º 274..
  • 29
    Ibid.
  • 30
    Oficio da Sociedade... 11 dez. 1900OFICIO da Sociedade Commemoradora do 4º Centenário da Descoberta do Brasil ao Gabinete da Presidência do Estado de São Paulo. São Paulo, 11 dez. 1900. Fundo da Secretaria do Interior 1900-1902 - Arquivo Público do Estado de São Paulo..
  • 31
    Thuillier (1993THUILLER, Jacques. Le problème des “grands formats”. Revue de l’Art, n. 102, 1993., p. 8).
  • 32
    Calixto, 2 mar. 1901CALIXTO, Benedito. [Carta de Benedito Calixto a Belmiro de Almeida]. Destinatário: Belmiro de Almeida. [s. l.], 2 mar. 1901. Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional..
  • 33
    Calixto, 29 jul. 1903CALIXTO, Benedito. [Carta de Benedito Calixto a Aquilino do Amaral]. Destinatário: Aquilino do Amaral. [s. l.], 29 jul. 1903. Dossiê Benedito Calixto do Fundo IHGSP - Arquivo Público do Estado de São Paulo..
  • 34
    Costa Sobrinho, 25 jul. 1903.
  • 35
    Calixto, 29 jul. 1903CALIXTO, Benedito. [Carta de Benedito Calixto a Aquilino do Amaral]. Destinatário: Aquilino do Amaral. [s. l.], 29 jul. 1903. Dossiê Benedito Calixto do Fundo IHGSP - Arquivo Público do Estado de São Paulo..
  • 36
    Ibid.
  • 37
    Cf. Von Ihering [Carta de Hermann ...]
  • 38
    Cf. Comissão de Contas e Fazenda da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo (1905).
  • 39
    Annaes da Câmara... (1905, p. 162).
  • 40
    Ibid., p. 521.
  • 41
    Ibid., p. 563.
  • 42
    Ibid., p. 621.
  • 43
    Annaes do Senado... (1905, p. 571). O demonstrativo para esse ano registra gasto de 5:500$000 com a Galeria Artística: cf. Relatório da Secretaria da Fazenda do Estado de S. Paulo, 1906, p. 18-19 e p. 60-61.
  • 44
    Cf. Cardoso de Almeida, 9 dez. 1904.
  • 45
    Brefe, op. cit., p. 90, n. 4.
  • 46
    Guia pelas Collecções, op. cit., p. 102-104.
  • 47
    Ibid.
  • 48
    Cf. Alves, op. cit.
  • 49
    Cf. Moraes, op. cit.
  • 50
    Brown-Goode (1895, p. 34).
  • 51
    Guia pelas Collecções, op. cit., p. 102-104.
  • 52
    Decreto nº 249 de 26 jul. 1894, art. 2º, cap. 1.
  • 53
    Alves, op. cit., p. 139.
  • 54
    Wanderley, op. cit., p. 157-158.
  • 55
    Von Ihering, 12 nov. 1900VON IHERING, Hermann. Ofício de Hermann von Ihering à Secretaria de Negócios do Interior. São Paulo, 12 nov. 1900. APMP/MP-USP, pasta n.º 274.. O documento aparece registrado com o número 91 no Livro de Registros de Protocolos Enviados do Museu, p. 30-31.
  • 56
    Oficio da Sociedade..., 11 dez. 1900.
  • 57
    Brown-Goode, op. cit., p. 34.
  • 58
    Decreto nº 249 de 26 jul. 1894, art. 4º, cap. 1.
  • 59
    Cf. Nery, op. cit.
  • 60
    Brefe, op. cit., p. 89.
  • 61
    Cf. Makino (2002/2003MAKINO, Myoko. Ornamentação do Museu Paulista para o Primeiro Centenário: construção de identidade nacional na década de 1920. Anais do Museu Paulista, v. 10/11, 2002/2003.); Brefe, op. cit.; Lima Junior, op. cit.
  • 62
    Cf. Relatório de Atividades... (1917?).
  • 63
    Hooper-Greenhill (2000HOOPER-GREENHILL, E. Museums and the Interpretation of Visual Culture. Routledge: Nova York, 2000., p. 23).
  • 64
    A Federação, 25 maio 1887: “Entre os objectos archeologicos que o finado dr. Rath possuia em suas interessantes collecções, compradas ultimamente pelo museu Sertorio de S. Paulo, conta-se a espada e a armadura de Martim Affonso de Souza, o fundador de S. Vicente, o primeiro nucleo colonial no Brazil. A espada traz o nome do audaz navegante portuguez e a data de 1530.”
  • 65
    Brefe, op. cit., p. 92.
  • 66
    Cf. Alves, op. cit.; Moraes, op. cit.
  • 67
    Cf. Relatório de Atividades... (1917?).
  • 68
    Chronicas do Museu..., p. 26-29.
  • 69
    Ibid., p. 29.
  • 70
    Correio Paulistano, 24 dez. 1917, p. 2.
  • 71
    Anderson (2008, p. 241).
  • 72
    Martim Afonso de Souza era associado à fundação do primeiro povoado de Piratininga, em 1531. Von Ihering (1895VON IHERING, Hermann. Historia do Monumento do Ypiranga e do Museu Paulista. Revista do Museu Paulista, v. 01, p. 09-31, 1895., p. 9).
  • 73
    Cf. Relatório de 1917…, op. cit.
  • 74
    Cf. Marins, op. cit.
  • 75
    Hooper-Greenhill, op. cit., p. 23.
  • 76
    Relatório de 1917..., op. cit., p. XVI.
  • 77
    Guia pela Secção..., p. 75-77.
  • 78
    Makino, op. cit., p. 172-173.
  • 79
    Monteiro, op. cit., p. 104-105; Guia pela Secção..., op. cit., p. 80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    08 Fev 2019
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