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Análises de revistas

Análises de revistas

NEURANATOMIA

TRACTO ESPINHOTALÂMICO LATERAL E TRACTOS ASSOCIADOS NO HOMEM. (LATERAL SPINOTHALAMIC TRACT AND ASSOCIATED TRACTS IN MAN). E. GARDNER E H. M. CUNEO. Arch. Neurol, a. Psychiat. 53: 423-430 junho) 1945.

O trabalho é baseado no estudo da medula espinhal e do tronco cerebral de um homem de 57 anos, portador de tabes, falecido vinte e um dias após ter sido submetido a cordotomia bilateral, praticada para suprimir dores nos membros inferiores e crises tabéticas. As lesões cirúrgicas foram realizadas na parte alta da medula dorsal, ao nível do sexto segmento, à esquerda, e entre os quarto e quinto segmentos, à direita. Depois da operação, cederam as dores do paciente e surgiu anestesia térmica e dolorosa até o sexto dermatoma à esquerda, e até o sétimo, à direita. O material foi tratado pelo método de Marchi, modificado por Swank-Davenport. Baseados nas observações clínica e anátomo-patológica, os AA. concluem que: a decussação das fibras do tracto espinhotalâmico é completa em dois segmentos medulares; a degeneração resultante é quase simétrica, bilateralmente; a degeneração engloba, além das fibras do tracto espinhotalâmico lateral, também fibras dos tractos espinhotectal e espinhocerebelosos ventral e dorsal; existe relativa seriação do tracto, confirmada pelo decurso cada vez mais superficial das fibras, na parte cervical da medula e na parte baixa do bulbo, e pela sua situação dorsolateral ao núcleo olivar inferior; o tracto espinhotalâmico lateral encorpora-se ao lemnisco lateral e à base do colículo inferior, penetrando no núcleo ventral posterolateral do tálamo (nem todas as fibras dos segmentos inferiores aí vão ter, pois muitas interrompem seu percurso em várias alturas).

O. LEMMI

NEUROFISIOLOGIA

LÓBULO FRONTAL E SISTEMA EXTRAPIRAMIDAL. (LÓBULO FRONTAL Y SISTEMA EXTRA-PIRAMIDAL). FORTUNATO RAMIREZ. An. Fac. Med. Montevideo 30: 197-226, 1945.

Após relatar quatro casos de lesões frontais comprovadas pela necrópsia, que se caraterizavam por sintomas extrapiramidais, Ramirez revê a fisiopatologia do lóbulo frontal e suas relações com núcleos da base. Foerster e Donaggio, exaltando a importância das lesões frontais nas síndromes extrapiramidais, atribuiam, nas síndromes parkinsonianas encefalíticas, o papel principal às lesões do córtex frontal. Além disso, em lesões tumorais e degenerativas do lobo frontal, é frequente a observação da síndrome acinético-hipertônica. Fulton e Viets descreveram, no homem, uma síndrome extrapiramidal pré-motora por lesão da área 6a, semelhante à que haviam verificado em animais; uma das observações de Ramirez assemelha-se muito à síndrome descrita por Fulton. Básicos e fundamentais são os dados experimentais obtidos, quer por excitação, quer por ablação de áreas corticais. A excitação do campo 4, ou área piramidal, determina movimentos isolados nos segmentos corpóreos correspondentes ao ponto estimulado. A excitação das áreas extrapiramidais frontais (6, 6a, 6b e 8a), quando separadas de áreas vizinhas que podem interferir pela propagação do estímulo, determina respostas motoras, principalmente de caráter tônico. Pela excisão, Fulton descreveu, além da síndrome pré-motora (extirpação de 6a), a síndrome motora por ablação da área 4. Nesta última, após uma fase inicial de paralisia e flacidez dos membros do lado oposto, surge transitória e ligeira espasticidade dos músculos distais; como único reflexo patológico permanece o sinal de Babinski. Pelo contrário, a extirpação da área pré-motora determina, após algum tempo, contratura com os caraterísticos classicamente descritos como piramidais: exaltação dos reflexos clónicos profundos e aparecimento dos reflexos patológicos de Rossolimo, Mendel-Bechterew, preensão forçada e Hoffmann, que eram catalogados como equivalentes do sinal de Babinski. Dest'arte, da antiga síndrome piramidal de libertação, deve-se retirar a hipertonia, a franca exaltação dos reflexos ósteo-tendinosos, permanecendo apenas, como manifestação fidedigna deste tipo de lesão, o sinal de Babinski. Por outro lado, a síndrome pré-motora independe completamente da síndrome palido-nígrica que, na clínica, é designada como síndrome extrapiramidal. Ao contrário da palidonígrica, na síndrome cortical pré-motora não há hipertonia extrapiramidal tão nítida, nem hipocinesia, tremores e exaltação dos reflexos de postura. O reflexo da preensão forçada se manifesta mais frequentemente em lesões frontais, tendo valor focal sobretudo quando a lesão é unilateral.

Recentes experiências procuraram estabelecer as relações funcionais entre o córtex e os corpos estriados, por meio de excitações e ablações simultâneas ou sucessivas, ficando assentes as seguintes conclusões: 1 - as regiões corticais em forma de faixa (8S, 4S e 2S) estimulam o núcleo caudado; 2 - a área 6 estimula o putamen e o segmento externo do globus pallidus (o segmento interno não é influenciado pelo córtex, mas sim pelos núcleos bulhares de Goll e Burdach); 3 - a área 4 estimula apenas o putamen. O método das estimulações simultâneas córtico-subcorticais comprovou que o corpo estriado age sobre os movimentos desencadeados pelo córtex. Sobre estes movimentos, a estimulação do caudado, do putamen e do claustrum (neostriado) exerce uma ação inibitória; por outro lado, a excitação do globus pallidus confere um fator de tono plástico aos movimentos induzidos pela excitação cortical. Outra série de experiências consiste na extirpação de regiões corticais, concomitante ou posterior à dos gânglios da base. De modo geral, os sintomas das lesões corticais se exageram e se tornam mais duradouros pela ablação dos núcleos basais e, se esta última for bilateral, acrescem-se novos sintomas ao quadro.

R. MELARAGNO FILHO

O CÓRTEX MOTOR HUMANO À LUZ DAS DOUTRINAS DE JACKSON. O. FOERSTER (BRESLAU). 9.a Conferência sobre Hughlings Jackson, pronunciada na secção de Neurologia da Royal Medical Society (Londres) em 1935. Publicada em Brain 59, 1935 e republicada por Index de Neurología y Psiquiatría (Buenos Aires) 5: 107 (abril) 1945.

A nenhum outro, senão Hughlings Jackson, pode ser dado o título de pai da neurologia. Nenhum de seus predecessores concebeu o funcionamento do sistema nervoso central com a mesma amplitude de visão. Os que o precederam, estudaram moléstias e questões neurológicas isoladas. Os que o sucederam, baseando-se em suas concepções, procuraram verificar-lhes o acerto e foram obrigados a confirmá-las em sua grande maioria. Realmente, combatidas acirradamente e, depois, relegadas durante muitos anos a propositado ou incompreensivo esquecimento, as idéias de Jackson vieram depois a dominar inteiramente o campo da neurologia. Hodiernamente ainda, muita coisa que é esclarecida pela fisiologia, pela clínica ou pela anatomia patológica, já fôra prevista e doutrinada por Hughlings Jackson. Louvável sob todos os pontos de vista, pois, a iniciativa de Index de Neurologia y Psiquiatria, a excelente revista dirigida por Roque Orlando; que ela vá além e republique todas as conferências que sobre as idéias de Jackson foram feitas no Congresso Neurológico Internacional de Londres que lhe foi dedicado. Os neurologistas das gerações novas terão excelente exemplo do que pode fazer uma cerebração potente servida por arguta observação e refletida intuição. Na conferência agora republicada, Foerster relata e comenta, à luz de conhecimentos modernos no domínio da experimentação e da clínica, as idéias de Jackson quanto ao funcionamento do córtex motor humano. Para se avaliar todo o valor destas concepções vale recordar que elas foram emitidas muitos anos antes que fosse demonstrada à excitabilidade cortical e a subdivisão somatotópica da circunvolução central anterior.

Hughlings Jackson foi o primeiro a assinalar claramente que o cérebro, anteriormente considerado como órgão puramente intelectual, tinha funções motoras, sendo levado a esta conclusão pela observação de casos de convulsões epilépticas, principalmente as parciais. Concebendo as moléstias neurológicas como involuções, distinguindo na sua sintomatologia duas classes de fenômenos - de abolição da função das estruturas lesadas e superfunção das estruturas hierarquicamente subordinadas - e considerando que em muitos casos de convulsões epilépticas existe uma lesão cortical de variada natureza - neoplasia, sifiloma ou lesão vascular - Jackson deduziu que qualquer fosse a natureza das lesões, "a causa essencial das convulsões seria a instabilidade do equilíbrio das células nervosas do córtex" e que, respondendo a substância cinzenta cortical por meio de convulsões às irritações locais, "as circunvoluções cerebrais deveriam conter coordenações nervosas representando movimentos, isto é, as circunvoluções deveriam ter funções motoras".

Atualmente, é banal o conhecimento das subdivisões locais da circunvolução pré-central; Jackson tinha, porém, a mesma noção que temos hoje e podemos dizer, com Foerster, que "o mapa do córtex motor humano que se encontra hodiernamente em todos os livros de neurologia, obtido depois de exaustivos trabalhos experimentais e grande documentação clínica, nada mais é que a cópia do quadro gravado no cérebro de Hughlings Jackson". Serviram de base para as conclusões jacksonianas, os casos de epilepsia parcial: "a marcha do ataque", escreveu ele, "a ordem segundo a qual são envolvidas as diferentes partes do corpo, revela a coordenação dos centros correspondentes na circunvolução pré-central". E, do modo de se iniciarem as crises epilépticas parciais e da difusão das convulsões, concluiu Jackson pela proporcionalidade entre as áreas corticais e a especificidade motora: "a quantidade de substância cinzenta cortical varia não com o tamanho dos músculos de uma parte do corpo mas com o número de movimentos dessa parte. Assim, os pequenos músculos dos dedos da mão terão uma representação cortical muito maior que os músculos do braço, porque os primeiros executam movimentos mais numerosos, diferenciados e delicados". Mas Jackson, ao contrário de seus contemporâneos, não era um localizacionista absoluto e já admitia que o cérebro atua em massa em todas suas funções, não existindo centros especializados dispostos anatomicamente em mosaico. Do ponto de vista motor, para Jackson, embora existam na circunvolução pré-central zonas que representam preponderantemente determinada parte do corpo, esta representação não é exclusiva e ele concebia o que só foi demonstrado posteriormente, isto é, o entremeamento dos centros corticais, contendo cada subdivisão focal não só elementos correspondentes à parte do corpo representada preponderantemente, mas também elementos de outras partes. Daí sua conclusão de que a área cortical representativa da motricidade não se limita à circunvolução pré-central. Esta circunvolução constitui apenas a parte mediana da área motora, isto é, a área que rege os movimentos isolados; ao seu redor estão as áreas para movimentos mais complexos. A área pré-central é o nível médio, ao passo que as áreas circunjacentes constituem os níveis superiores da motricidade. E tudo isto, dito em uma época em que a fisiologia cerebral era praticamente desconhecida, vem sendo confirmado paulatinamente. Realmente, a excitação elétrica das áreas corticais adjacentes ao giro pré-central, aumentada ligeiramente a intensidade do excitante, produz os mesmos movimentos que são obtidos quando é excitado aquele giro. Esses movimentos são produzidos pela excitação quer da área 6 como da área pós-central, a primeira atualmente conhecida como extrapiramidal e a segunda nitidamente sensitiva. Os movimentos isolados produzidos pela excitação destas duas áreas se fazem através do giro pré-central. Quando este último é excisado, a excitação das áreas próximas não determina mais movimentos isolados mas apenas, sob grandes excitações, movimentos em massa de toda a metade contralateral do corpo: todos os músculos se contraem conjuntamente em convulsões clônico-tônicas, predominando no membro superior a sinergia flexora ao passo que, no membro inferior, predominam as sinergias extensoras (Foerster).

Avançando ainda mais e precedendo de muito os estudos ainda recentes sobre as vias extrapiramidais, Jackson já tinha reconhecido a existência de dois sistemas conectores entre o córtex motor e as células do corno anterior da medula: o conduto corticospinhal direto e as diversas vias córtico-subcórtico-espinhais articuladas. Mesmo a diferenciação dos elementos celulares do córtex motor fôra prevista por Jackson. Em trabalho publicado em 1874, dizia ele: "razões teóricas induzem a pensar que dos centros corticais motores, aqueles que representam movimentos dos músculos pequenos (olhos, face, mãos) terão células comparativamente pequenas, menores que as que governam movimentos dos grandes músculos dos membros e do tronco. Mais tarde, em 1879, a opinião de Jackson foi confirmada pelas investigações anatômicas de Bevan Lewis.

São também de Jackson, as primeiras idéias a respeito da representação cortical bilateral de diferentes partes do corpo. Ainda que inspirado em hipótese de Broadbent, Jackson foi o primeiro a afirmar que tem uma representação bilateral no córtex não somente os músculos que habitualmente atuam bilateralmente - músculos respiratórios, da parede abdominal, da fronte, das pálpebras - mas também todos os outros; todos são representados não somente no hemisfério contralateral, preponderantemente, mas também no ipsilateral. Os resultados das excitações elétricas do giro pré-central confirmam plenamente as idéias de Jackson. Alguns centros - da laringe e do véu paladar - respondem com efeitos bilaterais mesmo às excitações de mais baixa intensidade. Os centros da fronte, das pálpebras, dos músculos torácicos e abdominais respondem unilateralmente só aos estímulos no limiar da excitação; a menor elevação da intensidade provoca resposta bilateral, qualquer seja o lado excitado. Usando estímulos fortes podem ser obtidas respostas bilaterais em todos os outros músculos. Os que exigem excitação mais intensa para dar resposta bilateral, às vezes só com aplicações farádicas muito intensas, são os músculos da mão. Até isto fora previsto por Jackson pois, segundo ele, os movimentos das mãos, sendo os mais especializados e mais diferenciados, são os menos automáticos e possuem a menor representação cortical bilateral. E que não se trata de simples difusão da excitação ao hemisfério cerebral do lado oposto, através das fibras do corpo caloso, demonstram-no os casos em que a neurocirurgia seccionou essas fibras e nas quais os efeitos bilaterais persistiam quando era excitado um único hemisfério. Daí a conclusão de que as paralisias motoras por lesões focais cerebrais unilaterais são passíveis de regressão. A restituição depende da compensação que é dada pelos elementos corticais situados nos centros adjacentes inalterados e pelos centros homólogos da circunvolução pré-central ipsilateral.

Todos estes ensinamentos jacksonianos são relembrados pormenorizadamente nesta excelente conferência de Foerster o qual, à guisa de comentários ilustrativos, acrescenta dados obtidos posteriormente pela experimentação e pela clínica e recapitula os dados principais da fisiologia normal e patológica da área motora cortical.

O. LANGE

ÁREAS RECEPTORAS DOS SISTEMAS TÁCTIL, AUDITIVO E VISUAL NO CEREBELO. (RECEIVING AREAS OF THE TACTILE, AUDITORY AND VISUAL SYSTEMS IN THE CEBEBELLUM). R. S. SNIDER E A. STOWELL. J. Neurophysiol. 7: 331-357 (novembro) 1944.

A noção básica de que o cerebelo recebe, pelas vias espinho-cerebelares, todos os impulsos proprioceptivos, com os quais desempenha sua função de centro de controle da motricidade, começa a ser ampliada com os resultados de trabalhos demonstrativos de que ao cerebelo também aportam os impulsos tácteis; visuais, auditivos e, até, olfativos. Snider e Stowell, que já publicaram várias contribuições neste sentido, apresentam agora resultados baseados no estudo de aproximadamente 150 gatos e de macacos. Usaram o método da neuronografia, registrando as variações de potencial, no córtex cerebelar, consequentes aos estímulos tácteis, auditivos e visuais. O estímulo táctil foi obtido com delicado pincel e pesquisado separadamente nas diversas áreas corporais para estudo topográfico; foram tomadas precauções para excluir de modo absoluto a possibilidade de que as variações registradas pudessem correr por conta de excitações profundas (movimento do animal, pressão), auditivas (ruídos do pincel) ou de simples transmissão das correntes de ação de outras áreas do sistema nervoso. O estímulo auditivo foi primeiramente colocado a algumas polegadas sobre a cabeça do animal, para influenciar igualmente ambos os ouvidos, e depois colocado em posição para estimular um ou outro ouvido separadamente (o outro tendo sido previamente destruído) para estudo da representação topográfica; foram tomadas precauções para evitar a interferência de estímulos tácteis, proprioceptivos, ou de simples difusão das variações de potencial das áreas corticais temporais (a decerebração prévia do animal não modificou os resultados). O estímulo visual foi produzido por lâmpada de intensidade determinada, iluminando ambas as retinas ou uma isoladamente; foram feitas experiências com animais previamente submetidos à secção de todos os músculos oculomotores e palpebrais, para eliminar a possibilidade de estímulos proprioceptivos; com animais sobre cuja córnea se fez agir o calor de lâmpada três vezes mais forte, ou com prévia secção do trigêmeo, para afastar a possibilidade de estímulos térmicos; com animais descorticados, para excluir a influência do córtex visual.

Em relação ao tacto, os resultados mostram que a superfície corporal tem uma representação bem determinada no lobo anterior do cerebelo, estando situada mais anteriormente a área das patas posteriores, seguindo-se a dos membros posteriores, do tronco, da raiz dos membros anteriores, das patas anteriores e a da extremidade cefálica. Enquanto que a superfície corporal propriamente dita tem uma representação ipsilateral no lobo anterior do cerebelo, a representação das patas não só ultrapassa lateralmente, invadindo o lobo paramediano, como apresenta uma área contralateral, bem mais evidente para a pata anterior que para a posterior. Além disso, é notável que a representação das vibrissas da extremidade cefálica, a das patas anteriores ou, em menor grau, a das patas posteriores, ultrapassa em muito a extensão territorial das demais áreas corporais. Existe, pois, uma topografia anatômica de representação táctil no cerebelo e, principalmente, nítida correlação funcional, pois os segmentos em que a função do tacto é mais desenvolvida possuem a maior representação. Muito interessantes são os resultados obtidos com os estímulos auditivos e visuais. Ambos determinaram alterações de potencial na corticalidade do lóbulo simplex e do vérmis cerebelar. As áreas visuais e auditivas do cerebelo são, pois, as mesmas. Isto seria possivelmente correlacionado ao fato que o animal pode reagir aos estímulos longínquos de som e de excitação visual concomitantes com o mesmo grupo de músculos. Seria uma reação bem diferente daquela provocada pelos estímulos tácteis, bem próximos do corpo, que determinam movimentos de defesa de natureza bem diversa.

É fato que a simples evidenciação de projeção, no córtex cerebelar, de vias que transmitem os estímulos exteroceptivos tácteis, auditivos e visuais, não implica ainda no conhecimento de qual será o papel destes na integração funcional do órgão. Não há dúvida, entretanto, que os conhecimentos sobre a integração funcional do cerebelo, até aqui baseados no conceito de Sherrington de que ele é ''the head ganglion of the proprioceptive system", tendem a englobar todos os elementos sensitivos e sensoriais com os quais o indivíduo toma relação com o meio exterior. Sob tal conceito, este órgão se eleva entre os sistemas superiores que orientam a atividade animal, principalmente aquela. tendente às reações gerais de defesa e de procura do alimento. Os resultados destas pesquisas trazem ainda outros elementos relativamente revolucionários em face dos conhecimentos clássicos sobre o cerebelo; entre eles, salienta-se o fato de as áreas de projeção táctil dispostas no lobo anterior se projetarem lateralmente sobre os lobos paramedianos, o que demonstra a terminação de vias espinho-cerebelares em áreas neocerebelares; estas, até aqui, eram conhecidas como de projeção exclusiva para as vias provindas da corticalidade cerebral. A distinção rígida entre neo e paleocerebelo recebe, com isto, o seu primeiro golpe. Outro dado objetivo destas pesquisas, cuja integral significação é ainda uma incógnita, é o fato de que a anestesia do animal com barbitúricos inibe parcialmente as alterações de potencial provocadas pelos estímulos auditivos e totalmente aquelas consequentes aos estímulos visuais, enquanto que não interfere nas experiências com excitações, tácteis. O cloralosan não tem qualquer ação inibidora sobre esses estímulos.

P. PINTO PUPO

SEMIOLOGIA

O EXAME DO OLFATO EM TRAUMATOLOGIA CRANIANA, NEUROLOGIA E ALERGIA. (EL EXAMEN DEL OLFATO EN TRAUMATOLOGíA CRANIANA, NEUROLOGíA Y ALERGíA). RENATO SECRE. An. Fac. Med. Montevideo 30: 75-84, 1945.

A olfatometria, que no exame neurológico corrente é relegada para plano secundário, sóe ser de maior utilidade ao neuriatra que ao rinologista. A anosmia, com frequência, resulta de um traumatismo crânio-facial, por obstrução mecânica da fenda olfatória ou por lesão que interesse a base craniana. Por vezes, independentemente de qualquer fratura, há arrancamento dos filetes olfativos com consequente degeneração das células mitrais e neurônios sucessivos; outras vezes, pode ocorrer dilaceramento da dura-máter, com formação de pequenos hematomas ao redor do bulbo olfativo. Em todos esses quadros, verificam-se distúrbios quantitativos do olfato. Se o trauma interessa as vias superiores ou centros corticais, em geral as perturbações olfativas serão predominantemente qualitativas (parosmias). Em casos de fraturas da lâmina crivosa, além de distúrbios sensoriais, surgem cranirrinorréia e xantocromia do líquor cefalorraquidiano.

O estudo do olfato na traumatologia assume interesse especial quando o acidentado for um provador de diferentes alimentos. A apreciação e valorização dos aromas não dependem somente da gustação, mas também da olfação: os estímulos olfativos, desenvolvendo-se na boca, passam para as narinas em consequência de certos movimentos do paladar (olfação expiratória). É compreensível a importância que a questão assume nos casos de profissionais do olfato, cuja alegação de anosmia pós-traumática deve ser objetivada; todos os métodos olfatométricos dependem da resposta do examinado e, em casos de suspeita de simulação, o médico se vê obrigado a lançar mão de outros meios. Entre estes, destaca-se o método de Bourgeois, que consiste em movimentos reflexos de defesa da cabeça ante estímulos olfativos, particularmente os desagradáveis; entretanto, há grave causa de erro, pois os estímulos olfativos intensos irritam também o território da mucosa nasal inervada pelo trigêmio. Outro método aproveita a dificuldade da diferenciação entre a percepção olfatória e a gustatória (método psicológico de Peltensohn). Sobre o mesmo conceito, fundamenta-se a "olfação hematógena", provocada pela administração intravenosa de certas substâncias (neosalvarsan, benzoato de sódio, etc.) que determinam uma sensação geralmente descrita como gustatória, mas que na realidade depende de uma estimulação olfatória. Entretanto, a olfação hematógena pode faltar em indivíduos normais, de modo que apenas a resposta positiva tem valor. A investigação dos reflexos olfato-respiratórios e olfato-circulatórios baseiam-se nas modificações do ritmo e amplitude dos movimentos respiratórios ou do ritmo cardíaco, ante estímulos olfativos de diferentes naturezas; é importante, nestes casos, evitar o estímulo do território do trigêmio.

O estudo do olfato tem, também, valor em certos casos de neuropsiquiatria clínica. Assim, são correntes as queixas de parosmias (em geral, cacosmias) em portadores de esclerose em placas, epilepsia essencial, histerias, neurastenias. Estes doentes, ao contrário dos esquizofrênicos e dos paralíticos gerais, reconhecem a irrealidade das sensações olfativas que, portanto, não constituem verdadeiras alucinações do olfato. É ainda frequente a hiposmia na síndrome esfenopalatina de Sluder, nas neuralgias do trigêmio de longa duração ou após a alcoolização, ressecção ou diatermocoagulação do gânglio de Gasser. Hiposmias têm sido comprovadas também em casos de turricefalia e na moléstia de Paget, pelo progressivo angustiamento dos orifícios da base do crânio. Importância especial assume a pesquisa do olfato nos casos de tumores cerebrais que, em certas vezes, pode fornecer valor localizatório, como nos tumores da região do hipocampo. O conhecido sistema de Elsberg investiga, em cada narina e para diversas substâncias, o tempo de latência e o de duração do cansaço, a somação e compensação dos estímulos e o tempo de reação olfatória (latência olfatória). De forma esquemática, os tumores do andar anterior do cérebro provocam precocemente hiposmias; nos tumores do andar médio, se houver comprometimento do lóbulo esfeno-palatino, poderão surgir as crises uncinadas e, no intervalo entre estas, há grande aumento da fadiga olfatória. Pelo estudo do comportamento do olfato em tumores do caloso, Elsberg deduziu que as vias olfativas de associação interhemisféricas trafegam através daquela formação e não pela comissura branca anterior. Nos tumores cerebelares e occipitais, as alterações olfativas são escassas.

R. MELARAGNO FILHO

PERIGOS QUE SE DEVEM EVITAR NO DIAGNÓSTICO RADIOLÓGICO DAS ENFERMIDADES INTRACRANIANAS. (ESCOLLOS QUE DEBEN EVITARSE EN EL ROENTGENODIAGNÓSTICO DE ENFERMEDADES INTRACRANEALES). CH. W. SCHWARTZ. Rev. Radiol. y Fisioterap. (Chicago) 193: 200 (setembro-outubro) 1944.

O A. estuda rapidamente as principais dificuldades encontradas na interpretação dos craniogramas. No tocante às calcificações da epífise, recorda que essa glândula se apresenta calcificada em 50 a 60% dos adultos e pode ser localizada perfeitamente por métodos matemáticos e mecânicos, acentuando, porém, que deslocamentos ligeiros da situação normal, não acompanhados de outros sinais, carecem de significação patológica, porque é possível que a glândula se encontre ligeiramente desviada da sede normal. Relativamente aos sulcos vasculares, a interpretação de seus variados aspectos deve ser feita com muita cautela, evitando-se considerá-los como patológicos somente por se apresentarem calibrosos ou muito ramificados, sendo mesmo raro encontrarem-se canais diplóicos alargados em consequência de uma enfermidade craniana. Quando a excessiva vascularização diplóica tem caráter patológico, encontra-se, quase sempre, em regiões próximas, uma certa reação óssea - atrofia ou formação de espículas. Constitui erro considerar os cabais diplóicos alargados como resultado de hemorragia intracraniana. O principal objetivo da verificação de canais diplóicos alargados é o de se poder advertir o neurocirurgião de que tais vasos se encontram no campo operatório, ou ainda o de se poder prever o curso provável de uma infecção, se acaso se infectar uma fratura em um crânio assim vascularizado. Estudando o tecido diplóico da abóbada craniana, Schwartz considera as várias modalidades que ele pode apresentar normalmente: delgado ou espessado e distribuído regular ou irregularmente pelas diversas regiões, de modo que o radiólogo necessita de um certo treino para não confundir esses quadros normais com aqueles verificados na osteite deformante, na osteofibrose, nas infecções ou nas alterações da nutrição. Nas radiografias de perfil, com certa frequência, se vêm linhas finas projetadas na abóbada, sugerindo a idéia de espículas ósseas ou mesmo lembrando as estriações observadas na anemia infantil pseudoleucêmica. Tais linhas são devidas às denteações, anormalmente alongadas, da sutura sagital, o que pode ser verificado com radiografia em projeção sagital. A superposição das suturas das duas metades do crânio pode também trazer confusão com fratura, mormente se houver história de trauma craniano na anamnese do paciente. As radiografias estereoscópicas ou em outras incidências permitem elucidação. O osso malar pode-se originar de dois ou três centros de ossificação, caso em que pode dar margens a confusão com traço de fratura, quando houver história de traumatismo dessa região. As impressões digitais são frequentemente consideradas como sinal de hipertensão intracraniana, quando realmente carecem, na maior parte das vezes, de significação patológica. Deve-se ter o cuidado de verificar se as impressões digitais são determinadas pelas circunvoluções cerebrais, pois podem ser causadas por afecções, tais como a osteogenia lacunar, a disostose cleido-craniana ou mesmo por cistos leptomeníngeos. Quando as impressões digitais resultam de aumento da pressão intracraniana, as cristas ósseas que ficam entre as circunvoluções apresentam-se descalcificadas. São muitos os fatores que concorrem para a produção das impressões digitais, tornando-se difícil informar com certeza de quanto tempo data a hipertensão, parecendo, porém, que, nas crianças, algumas semanas de hipertensão bastam para que se tornem evidentes as impressões digitais, enquanto que nos adultos isso só se dá ao fim de 2 a 3 meses. Muitas vezes a presença das impressões digitais significa apenas que, em épocas passadas, houve aumento da pressão intracraniana, ou que existiu uma desordem do metabolismo do cálcio, nada mais restando na data do exame. Outra causa de erro na interpretação dos craniogramas é a apreciação do aspecto desmineralizado da sela turca, que é considerado como consequência de uma atrofia por pressão, quando na realidade pode ser devida a uma escassez congênita de cálcio no tecido ósseo, ou a uma anomalia do metabolismo do cálcio de origem orgânica ou ainda a um osso normalmente delgado. Para distinguir a desmineralização devida à pressão daquela devida a outras causas, deve-se estudar cuidadosamente as clinóides posteriores e a lâmina situada atrás da fossa pituitária, por serem regiões onde a atrofia óssea primeiro se patenteia no crânio. Nos casos de aumento da pressão intracraniana, as clinóides posteriores e o dorso selar são as partes que primeiro sofrem o efeito da pressão, seguindo-se o assoalho selar, e finalmente as clinóides anteriores e o tubérculo selar, os quais só tardiamente se atrofiam por estarem mais protegidos pelo diafragma da sela turca. Levando em conta tais fatos, é possível uma avaliação aproximada do tempo de início da hipertensão. A simetria do crânio nunca é perfeita, de modo que é necessário muito cuidado para não considerar como anormal uma assimetria craniana, especialmente com relação aos rochedos que, em 10 a 15% dos crânios, se mostram assimétricos. Geralmente, quando há assimetria, uma das pirâmides contém mais células pneumáticas que a outra, o que é necessário levar em consideração para não considerar essa menor pneumatização como consequência de uma antiga infecção. A assimetria só adquire importância clínica quando resulta da agenesia ou hipoplasia de um hemisfério cerebral, caso em que há também a presença de grandes células aéreas supra-orbitárias de um lado. Além de tudo, não se deve cometer o erro de tirar conclusões do estudo de uma parte do crânio isoladamente, mas é preciso estudar e avaliar cuidadosamente cada parte em relação ao todo e não dar por terminada a investigação depois de encontrar uma anormalidade no crânio, porque não raro o mesmo crânio contém várias anomalias, podendo suceder que todas tenham importância clínica.

C. PEREIRA SILVA

FENÔMENO SINCINÉTICO PUPILAR E PUPILA DE ARGYLL-ROBERTSON. (SYNKINETIC PUPILLARY PHENOMENA AND THE ARGYLL-ROBERTSON PUPIL). M. B. BENDER. Arch. Neurol. a. Psychiat. 5: 418-422 (junho) 1945.

Inicialmente o A. comenta um trabalho de Nathan e Turner, sobre as vias eferentes da contração pupilar, na qual é defendida a teoria de que a pupila de Argyll-Robertson pode ser consequente a uma lesão das vias eferentes da constrição pupilar. Bender julga que, nesses casos, não se trata propriamente da pupila de Argyll-Robertson, classicamente descrita. O A. afirma que nas lesões do motor ocular comum a pupila simula o Argyll-Robertson, com rigidez à luz e contração à convergência, porém há também o fenômeno sincinético pupilar, isto é, a contração pupilar associada aos movimentos do globo ocular, quando começa a voltar a motilidade ocular nas lesões do motor ocular comum. A documentação clínica deste trabalho consiste em 3 casos de lesão do motor ocular comum, sendo 2 produzidos por traumatismo craniano e um de natureza sifilítica. Em todos, durante a recuperação da motilidade ocular, foi possível observar a abolição da contração pupilar à luz, sendo conservada a contração à convergência; também foi notada a contração pupilar por ocasião dos movimentos do globo ocular lesado, principalmente os movimentos no sentido vertical e para o lado interno. Esses fatos foram comprovados experimentalmente. O autor serviu-se de um macaco, no qual realizou uma série de operações sobre as vias eferentes da contração pupilar, tendo comprovado o fenômeno sincinético pupilar com todas suas caraterísticas. A secção do motor ocular comum do macaco reproduz os mesmos fenômenos observados clinicamente. Comentando os fatos observados, o A. frisa as diferenças entre o sinal de Argyll-Robertson, classicamente conhecido, e este pseudo-Argyll, consequente à lesão do motor ocular comum. Explica também o fato de ficar abolida a contração da pupila à luz, quando são presentes as contrações à convergência e aos movimentos do globo ocular, supondo que o estímulo luminoso é de intensidade muito menor que o despertado pelos movimentos oculares. No primeiro caso, a barreira constituída pela cicatriz da lesão seria suficiente para deter o influxo nervoso que, no segundo caso, lograria passar. Estes fenômenos seriam muito variáveis, conforme os casos individualmente considerados.

J. VICTOR DOURADO

PATOLOGIA

DESORDENS DA LINGUAGEM NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. (SPEECH DISORDERS IN WORLD WAR II). W. G. PEACHER. J. Nerv. a. Ment. Dis. 102: 165 (agosto) 1945.

O A. acha que não tem sido dada merecida atenção às perturbações da linguagem, como ocorrência entre os combatentes, na segunda guerra mundial. Isto decorre do fato de ser necessário atender a outras lesões que requerem tratamentos mais urgentes; muito comum é o desconhecimento e desinteresse pelo assunto. Muitas destas perturbações não são devidas a ferimentos de guerra, mas a causas comuns, encontradas na vida civil. Parece que os ferimentos contribuem apenas com pequena percentagem, menor que 20%, pois o A. realizou duas estatísticas, encontrando 13% numa e, posteriormente, 18%. No presente trabalho houve o espírito de ordenar a questão, de classificar os diferentes distúrbios da palavra, sendo deixadas de parte as causas, o mecanismo de sua produção ou o tratamento. Com este intuito, o A. discute as classificações de Gutzmann e de Cobb. Ambas tomaram como base a sede da lesão, achando o A. que é de maior conveniência distribuir os vários grupos segundo o tipo de perturbação apresentada: disartria, disfemia, disfasia, disfonia e dislalia. O primeiro grupo compreende as perturbações da articulação da palavra devidas a lesões do sistema nervoso, periférico ou central; as lesões do 7.° e 12.° pares eram as que determinavam este tipo de perturbação; quanto às lesões centrais, eram muito vastas, podendo ser lesados os tratos piramidal, extrapyramidal ou ainda as vias cerebelares; quase todos os doentes deste grupo apresentaram tais perturbações devidas a moléstias que não ferimentos de guerra. O segundo grupo compreende as gagueiras; o A. notou que, contrariamente à idéia existente, os gagos podiam servir utilmente em ação; ele divide os casos em antigos e novos, sendo estes últimos bem menos numerosos; o componente psiconeurótico tem bastante realce neste grupo. O terceiro grupo compreende, em mais de dois terços dos casos, os traumas craniocerebrais; o tipo predominante foi a afasia motora; frequentemente estavam presentes outros sintomas, sendo levantados muitos problemas relativos à recuperação funcional de tais doentes. O quarto grupo inclui as desordens da vocalização em seus diferentes graus e qualidades; os casos podem ser divididos em funcionais e orgânicos, muitos devidos a ferimentos de guerra, outros a moléstias intercorrentes. O quinto grupo inclui as perturbações da fala, funcionais ou orgânicas, sem lesão do sistema nervoso, central ou periférico; muitos casos eram de ferimentos máxilo-faciais, outros de moléstias comprometendo o próprio aparelho da fonação. Interessante observar que grande número de soldados que apresentaram distúrbios da linguagem, em qualquer dos grupos discriminados, pôde voltar à ação, seja por remissão espontânea das perturbações apresentadas, seja com auxílio de meios terapêuticos diversos. O número de doentes observados foi de 217.

J. VICTOR DOURADO

A DISTROFIA MIOTÔNICA OU MIOTONIA ATRÓFICA. MOLÉSTIA DE STEINERT. (LA DISTROFIA MIOTÔNICA O MIOTONIA ATRÓFICA. ENFERMEDAD DE STEINERT). BERNARDINO RODRIGUEZ. An. Fac. Med. Montevideo 30: 35-74, 1945.

Rodriguez relata cinco casos, pertencentes a três famílias, de distrofia miotônica e confrontando-os com outros relatados por outros pesquisadores. A afecção se exterioriza por manifestações mórbidas em diferentes departamentos orgânicos, por vezes insidiosamente, não correspondendo sempre o início real da doença à queixa do paciente. Realmente, vezes há em que vários sintomas passam desapercebidos, até que sua intensificação desperta a atenção do enfermo. Outras vezes, a doença é diagnosticada em indivíduos que se consideram sãos, quer casualmente quer ao exame motivado pelo encontro da afecção em um colateral. Deriva desses fatos a dificuldade em precisar qual o sintoma inicial. No primeiro caso relatado por Rodriguez, a doença iniciou-se aparentemente aos 25 anos, com miotonia, mas o doente já apresentava ptose palpebral e atrofia do antebraço. No caso II, irmã de I, a paciente foi à consulta por distúrbios visuais iniciados aos 37 anos; o exame clínico revelou a sintomatologia restante. O doente do caso III percebeu os primeiros sintomas (fraqueza muscular nos membros inferiores) aos 27 anos. No caso IV, irmão de III, o diagnóstico constituiu achado ocasional, aos 35 anos de idade. O caso V principiou a acusar, aos 40 anos, fraqueza e miotonia nas mãos.

A sintomatologia da distrofia miotônica pode ser estudada analiticamente em várias ordens de sintomas. A atrofia muscular atinge preferencialmente os músculos da mímica, o masseter, o esterno-clido-mastóideo, o longo supinador, os músculos da mão, o quadriceps crural e os músculos da loja ântero-externa da perna A atrofia dos músculos da face, aliada à calvície, determina uma fácies caraterística. Em certos casos, pode haver atrofia dos músculos abdominais. Contrações fibrilares, excepcionais na afecção, foram encontradas nos músculos da face, em um dos casos de Rodriguez. A miotonia pode ser provocada pelas contrações voluntárias, pela percussão da massa muscular ou pelo excitante elétrico (miotonia ativa ou voluntária, mecânica e elétrica). A mais frequente é a miotonia elétrica; a menos encontrável, isoladamente, é a forma ativa. Em geral é menos intensa e mais localizada que na miotonia congênita de Thomsen. Miotonia e atrofia, embora tidas como sintomas essenciais da moléstia, por vezes não se apresentam no quadro clínico (dystrophia myotonica sine myotonia e dystrophia myotonica sine dystrophia). Ao eletrodiagnóstico é caraterística a reação miotônica de Thomsen, que consiste na persistência da contração muscular após interrupção do estímulo elétrico; ao contrário da miotonia congênita, na moléstia de Steinert essa reação não tem caráter generalizado, localizando-se em determinados músculos. Além disso, na miotonia atrófica não são lesadas todas as fibras de um músculo, de modo que neste, ao ser excitado o ponto motor, irão se contrair apenas as fibras indenes; entretanto, a excitação longitudinal do músculo, estimulando fibras lesadas, demonstrará valores cronáxicos muito mais altos.

Além das perturbações musculares, outros sintomas completam o quadro da distrofia miotônica. Destaca-se, em primeira plana, a catarata que se reveste de caraterísticas especiais e que, por vezes, só pode ser observada com auxílio da lâmpada de fenda. Em famílias afetadas, a catarata pode ser o único indício de formas oligossintomáticas. A atrofia testicular que leva à azoospermia e à esterilidade é sintoma muito comum, contribuindo para a exterminação da doença após algumas gerações. A calvície, perturbações dentárias e ósseas, distúrbios cardíacos e endócrinos completam o quadro da distrofia miotônica. Às vezes podem ser observadas desordens neurovegetativas, no sentido de uma hipossimpaticotonia: bradicardia, sialorréia, positividade do reflexo óculo-cardíaco. Em outros casos, podem-se manifestar hipersecreção lacrimal, acrocianose, poliúria, obesidade e perturbações psíquicas. Rodriguez, com diversas dosagens humorais, estabeleceu um instantâneo metabólico de seus pacientes; praticamente todos os resultados foram normais. Sob o ponto de vista anátomo-patológico, consideram-se as alterações musculares, nervosas, das diversas glândulas endócrinas e vísceras. As fibras musculares perdem sua estriação longitudinal e transversal, aparecendo abundante proliferação nuclear. Poucas e inconstantes são as lesões para o lado do sistema nervoso: têm sido descritas alterações nas células dos cornos anteriores da medula e degenerações ao nível dos centros vegetativos diencefálicos, do tronco cerebral e do tracto intermédio-lateral. Alguns autores descreveram também lesões no sistema neostriado. A evolução da doença é tórpida e as atrofias expõem o doente a uma série de intercorrências, as quais, quase sempre, são causas de morte.

No tocante à etiologia, merece destaque a herança mórbida. Compreende-se, pela existência de formas oligossintomáticas, a importância que assume o exame minucioso dos diversos membros da família do paciente em observação, antes de considerá-lo como caso isolado. Ao que parece, a herança é dominante, modificada por dois fatores: antecipação, isto é, início mais precoce nas sucessivas gerações, e potenciação ou agravamento da enfermidade de uma geração à outra. Diferentes teorias tentam explicar a patogenia da moléstia de Steinert. As doutrinas muscular e nervosa foram abandonadas por insuficientes; a teoria endócrina, paratireóidea ou pluriglandular também não é satisfatória. Maior atenção merece a hipótese de Curschmann, que a atribui às desordens neurovegetativas, apoiando-se em elementos de ordem clínica, anatômica e experimental. Baseado em dados cronáxicos, Bourguignon tentou reunir em um mesmo grupo a miopatia, a distrofia miotônica e a miotonia congênita. Mais interessante, por se apoiar em dados clínicos mais sólidos, é o conceito de Maas e Paterson, que consideram a distrofia miotônica e a miotonia congênita como variedades de uma mesma afecção. Realmente, o estudo cuidadoso e a evolução dos pacientes que apresentam o fenômeno miotonia levam à conclusão de que a moléstia de Thomsen não passa de uma fase primordial da distrofia miotônica. O tratamento oferece ainda resultados muito precários. Visando o sintoma miotonia, tem sido usado o sulfato de quinina e, contra a atrofia muscular, foi exprimentada a glicocola. A atrofia testicular e as amiotrofias sugeriram o uso do propionato de testosterona que, associado à vitamina E, deve ser o tratamento de escolha nos casos de distrofia miotônica.

R. MELARAGNO FILHO

ABSCESSO EPIDURAL ESPINHAL AGUDO COMO COMPLICAÇÃO DE PUNÇÃO LOMBAR. (ACUTE SPINAL EPIDURAL ABSCESS AS A COMPLICATION OF LUMBAR PUNCTURE). L. RANGELL E F. GLASSMAN. J. Nerv. a. Ment. Dis. 102: 8-18 (julho) 1945.

Conquanto a punção lombar seja processo de rotina como meio semiológico e método terapêutico, nenhum caso de abscesso epidural foi relatado como complicação deste processo. O que se tem assinalado com certa frequência é um discreto quadro de irritação meníngea e, mais raramente, verdadeiras meningites, ocorridas após punções lombares.

Os AA. relatam o caso de um soldado com 28 anos de idade, preto, internado por apresentar crises convulsivas com perda da consciência. Foi feito o diagnóstico de epilepsia, provavelmente idiopática; além disto, havia sífilis e um estado psicopático constitucional com perversão sexual e toxicomania. A indicação de exame de líquido cefalorraquiano justificava-se para a verificação de neurolues. A punção lombar foi feita sem maior dificuldade, com todos os cuidados (prévia antissepsia da região com álcool-iodo, uso de luvas esterilizadas). O resultado do exame de liquor foi normal. Entretanto, dois a três dias depois, o paciente apresentou hipertermia e começou a queixar-se de dores lombares com irradiação de tipo radicular; oito a dez dias depois, impossibilidade de defecar e urinar. Logo em seguida, incapacidade de manter-se de pé (paraplegia flácida). Hemograma: 22.000 leucócitos com 92% de granulócitos neutrófilos. Doze dias após a punção lombar, o exame neurológico permitia caraterizar um síndromo da cauda equina, com comprometimento secundário da medula lombo-sacra e do cone, condicionado por processo extramedular, sendo feito o diagnóstico de abscesso epidural agudo na região da cauda equina. Neste momento, a punção lombar era contra-indicada pelo perigo de se complicar o caso com uma meningite purulenta. Foi feita a intervenção cirúrgica, sendo retirado material purulento, onde foi verificada a presença de Staphylococcus albus hemolítico e não hemolítico. O resultado operatório foi muito bom, recuperando o paciente a sensibilidade e o controle dos esfincteres, havendo retorno parcial da função motora.

Os AA. comentam o diagnóstico clínico do abscesso espinhal epidural, enumerando os elementos conclusivos. Referem-se à contra-indicação da punção lombar pelo perigo de complicar o caso com meningite purulenta, havendo na literatura numerosos casos relatados; somente aconselham a punção lombar quando o nível do processo é torácico ou mais alto e quando o diagnóstico ainda está incerto. Mesmo nestes casos recomendam que se proceda à punção devagar, aspirando frequentes vezes, parando assim que surgir pús. Fazem considerações anatômicas sobre o espaço epidural espinhal, sua suscetibilidade para infecções, a grande frequência de Staphylococcus como agente etiológico, a importância da intervenção cirúrgica, que deve ser indicada imediatamente após feito o diagnóstico, pois que, nestes casos, sem ela, a mortalidade é de 100%.

J. BAPTISTA DOS REIS

LESÕES INTRAMEDULARES. (INTRAMEDULLARY LESIONS OF THE SPINAL CORD). W. W. WOODS E A. MATTOS PIMENTA. Arch. Neurol, a. Psychiat. 52: 383-399 (novembro) 1944.

Os AA. reviram os resultados de 68 casos operados com o diagnóstico clínico de lesões intramedulares no University of Michigan Hospital, e de 128 casos publicados na literatura com suficientes detalhes para serem analisados. Dos casos do University of Michigan Hospital, 4 não tiveram o diagnóstico confirmado na operação, 5 eram tumores hemangiomatosos concomitantemente intra e extramedulares, 20 eram casos de siringomielia, 35 eram tumores intramedulares; todos os casos, com exceção de 3, foram seguidos por períodos maiores que um ano ou até a morte dos pacientes. Após rever o histórico do problema, os AA. procuram salientar a relação entre os resultados operatórios em tumores intramedulares, e importantes fatores, como o tipo patológico, localização, tipo de operação praticada e radiossensibilidade.

Não há diferença apreciável na incidência de tumores medulares em cada sexo; a incidência maior, quanto à idade, ocorre entre os 20 e 50 anos; 50% deles se localizam na região dorsal; considerando-se as pequenas dimensões do canal raquidiano, é surpreendentemente grande o tempo de duração dos sintomas, parecendo que os tumores intramedulares têm desenvolvimento mais lento que seus protótipos do cérebro (em 6 casos, os primeiros sintomas datavam de mais de 10 anos); tem pequeno interesse diagnóstico a radiografia simples da coluna, ao contrário do que acontece com a pesquisa de xantocromia no líquor e com a manobra de Queckenstedt. A mielografia com lipiodol foi muito conclusiva para demonstrar o nível do tumor, dando, em alguns casos, imagem radiográfica de delimitação de uma porção grosseiramente dilatada da medula.

O diagnóstico clínico de tumor intramedular foi feito somente em um terço dos casos, principalmente baseado na existência de dissociação tipo siringomiélico da sensibilildade e de atrofias focais com nítido envolvimento dos cordões posteriores, na altura da coluna cervical e cérvico-dorsal. O tratamento cirúrgico permitiu a extirpação total do tumor em pequeno número de casos (1/3 dos da literatura e 1/5 dos relatados pelos AA.). A técnica operatória, na série dos AA., foi a de operar em um só tempo, fazendo inicialmente uma extirpação intracapsular e depois extirpação da cápsula através uma incisão longitudinal da medula sobre o tumor. Nos casos de tumor não-encapsulado, remove-se o possível sem atingir o tecido normal, devendo a incisão tomar todo o comprimento do tumor; a simples descompressão por abertura da dura-máter não tem valor terapêutico. A incisão da medula deve ser paramediana, o mais próximo possível da linha mediana, no lado mais suspeito, quer ao exame direto, quer pelas conclusões clínicas. A hemostasia pode ser feita por eletrocoagulação cuidadosa, com auxílio de pinça em baioneta. Se o tumor for muito ventral, deve-se mobilizar a medula mediante secção dos ligamentos denteados. Poupar-se-á ao máximo a aracnóide, para garantir a medula contra uma invasão cicatricial. A dura deve ser mantida largamente aberta, para garantir descompressão, pois essa membrana se refaz formando um largo saco dural; a perda de liquor é rara, mesmo com a dura aberta.

Verificaram-se melhoras em 4 de 7 casos de extirpação total e em 1/3 dos em que foi feita extirpação parcial; nenhum caso de biópsia melhorou; a estatística dos casos de melhoras pela extirpação total, na literatura, é muito maior (93%). A radioterapia após operação, feita intensivamente, deu maior percentagem de melhoras nos casos de tumor não extirpáveis totalmente. Um caso, apresentado por extenso, sugere que a perda das relações entre a massa tumoral e o tecido normal, obtida por incisão da medula, torna os tumores não extirpáveis totalmente mais sensíveis à radioterapia. Houve 5 casos de morte devida a acidente operatório, 3 óbitos por intercorrências e outros 3 por piora da lesão. O tempo médio de evolução dos casos da literatura é de 23 meses; nos casos dos AA., foi de 32 meses.

Quanto aos tipos patológicos dos tumores, em relação aos gliomas os AA. seguem a classificação de Kernohan, ainda que muitos de seus 30 casos apresentem tipo celular mixto e vários graus de diferenciação celular; sua série inclui 12 ependimomas, 7 astrocitomas, 4 espongioblastomas polares, 2 glioblastomas multiformes, 1 oligodendroglioma, 2 gliomas mixtos e 2 gliomas não classificáveis. Não foram incluídos seus casos de tumores vasculares, seja por serem tanto intra como extramedulares, seja por não haver material patológico considerável nos casos em que o tumor parecia puramente intramedular. No tocante aos tumores não gliomatosos, os AA. encontraram 1 melanoma, 3 cistos dermóides (note-se haver somente outros 3 casos na literatura) e 1 caso, único na literatura, de coágulo sangüíneo intramedular, devido a um vaso intramedular alterado. Os AA. não têm nenhum caso de lipoma, nem de tuberculoma (deste, há 7 casos na literatura).

Os resultados cirúrgicos são surpreendentemente bons, considerando-se o tamanho, localização e caráter infiltrativo destes tumores, sendo melhores os resultados de extirpação total; quando esta não for possível, deve-se tentar uma incisão longitudinal, descompressiva, na superfície posterior da medula. A radioterapia intensiva beneficiou certo número de gliomas não extirpáveis na operação. Os ependimomas são os casos de melhores resultados, pela frequente delimitação. Os dermóides intramedulares, devido ao crescimento lento e encapsulamento, permitem tanto a extirpação total como a parcial. Os 20 casos de siringomielia operados pelos AA. levaram-os a discordar do otimismo de Frazier e Rowe e de Adelstein, que haviam concluído haver melhora suficiente para voltar ao serviço em 50% dos casos operados. Os AA. sempre fizeram ampla abertura longitudinal da cavidade siringomiélica (2 casos foram reoperados; houve 1 morte operatória por septicemia e 8 casos de morte subsequente não operatória); concluem do estudo de seus casos de siringomielia, que não houve benefício sensível pelo tratamento cirúrgico.

ORESTES BARINI

SOBRE A AUTONOMIA ANÁTOMO-CLÍNICA DA DEGENERAÇÃO BIPIRAMIDAL SISTEMÁTICA NA MIELOSE SIFILÍTICA. (SOBRE LA AUTONOMIA ANÁTOMO-CLÍNICA DE LA DEGENERACIÓN BIPIRAMIDAL SISTEMÁTICA EN LAS MIELOSIS SIFILÍTICA). ROQUE ORLANDO. Rev. Neurol. B. Aires 1: 1-11 (janeiro-abril) 1945.

Este trabalho aborda o assunto bastante discutido do conceito de certas afecções sifilíticas do neuraxe que, não sendo de origem mesenquimal, também não se enquadram nas formas clássicas de neurolues parenquimatosa. O A. reclama para a paraplegia espasmódica de Erb uma autonomia anátomo-clínica, que muitos lhe têm negado, e sustenta sua natureza essencialmente degenerativa. Neste propósito, faz uma revisão das idéias de Erb, comentando os casos em que baseou suas conclusões e criticando a bibliografia que se publicou a respeito, mormente a de língua alemã. Como documentação anátomo-clínica, transcreve a observação de um caso cuja leitura dá a impressão de tratar-se de taboparalisia, à qual se agregaram progressivamente os sinais de paraplegia espasmódica, de forma que esta veio a preponderar no quadro clínico; o doente foi acompanhado durante muitos anos e, quando veio a falecer, o exame dos cortes da medula mostrou um quadro degenerativo, bilateral, mais ou menos simétrico, dos feixes piramidais cruzados desde os segmentos cervicais até os lombares; o A. não faz referência ao exame dos segmentos mais superiores do neuraxe. Na parte final do trabalho, o A. estuda o diagnóstico diferencial da paraplegia de Erb, separando-a das meningomielites sifilíticas, com as quais é frequentemente identificada. As conclusões finais conceituam a paraplegia de Erb como uma mielose sifilítica, provavelmente de origem tóxico-carencial.

T. VICTOR DOURADO

UM CASO DE MIASTENIA COM PSICOSE. (UN CASO DE MIASTENIA CON PSICOSIS). H. DELGADO E F. SAL Y ROSAS. Rev. Neuro-Psiquit. 8: 26-33 (março) 1945.

A associação de perturbações mentais à miastenia é eventualidade muito rara; revendo a literatura, os AA. só encontraram duas observações nesse sentido, publicadas por Collins em 1939. Os AA. relatam o caso de um indivíduo que, aos 37 anos, começou a apresentar sintomas de miastenia, manifestando-se fraqueza, cefaléia, irritabilidade e insônia; depois surgiu hipomnésia, rebaixamento da inteligência e dos sentimentos, crises de cólera e angústia, Com o evolver da miastenia, mudou o conteúdo psicótico, surgindo idéias delirantes de perseguição e terror, alucinações visuais, perturbações da consciência; neste estado, tentou contra a vida da esposa, exaltada sua tendência ao ciúme. Na prisão, acentuou-se a depressão e melancolia. Finalmente, com o tratamento pela prostigmina, junto com o regredir da miastenia, desapareceram os sintomas mentais. Na história do paciente, não havia indícios de personalidade neuro ou psicótica; a referência anamnéstica a pavor noturno e soniloquia, a existência de asma, poderiam indicar certa debilidade do sistema nervoso, agravada por um regime alimentar deficiente.

Os AA. excluem uma enfermidade mental endógena apenas coexistente com a miastenia, bem como uma neurose de reação ante o mal orgânico. Os caracteres da psicose (perturbações da consciência, amnésia e depressão astênica) tipificavam uma síndrome de reação exógena (Bonhöffer). Os AA. admitem como único diagnóstico o de psicose sintomática de uma perturbação corpórea de natureza provavelmente tóxica. Julgam fundamentado supor que na miastenia não há somente um fenômeno estritamente localizado nas sinapses e placas mioneurais, mas um distúrbio neuro-humoral capaz de afetar diversos setores do sistema nervoso, inclusive o neuraxe. Corroboram sua opinião: o fato da acetilcolina libertar-se também nas várias sinapses dos nervos parassimpáticos; o achado de acetilcolina em diversos pontos do sistema nervoso central, mesmo no cérebro; a ação da prostigmina sobre os centros medulares (Schweitzer e Wright). Na maioria dos miastênicos, o neuraxe conseguiria defender-se satisfatoriamente, o que não ocorreria em indivíduos portadores de sistema nervoso suscetível e debilitado.

H. CANELAS

A RELAÇÃO ENTRE A PRESSÃO INTRACRANIANA E A PRESENÇA DE SANGUE NO LÍQUIDO CEFALORRAQUÍDIO, E A OCORRÊNCIA DE CEFALÉIA EM PACIENTES COM TRAUMATISMOS CRANIANOS. (THE RELATIONSHIP OF INTRACRANIAL PRESSURE AND PRESENCE OF BLOOD IN THE CEREBROSPINAL FLUID TO THE OCCURRENCE OF HEADACHES IN PATIENTS WITH INJURIES TO THE HEAD). A. P. FRIEDMAN E H. H. MERRITT. J. Nerv. a. Ment. Dis. 102: 1-7 (julho) 1945.

Os traumatizados do crânio apresentam frequentemente sintomas persistentes tais como cefaléia, estado vertiginoso, irritabilidade. Há duas correntes de opinião para interpretar a origem destes sintomas: para uns, estes sintomas são devidos ao sofrimento encefálico ou à alteração funcional em sua circulação; para outros, eles são devidos à reação psiconeurótica dos pacientes. Há autores que julgam possíveis os dois mecanismos atuarem simultaneamente.

Os AA. fizeram a medida da pressão e a verificação da presença de sangue no líquor em 265 pacientes portadores de traumatismo agudo do crânio. A punção foi feita por via lombar, doente deitado, dentro de 24 horas após o acidente; em alguns poucos casos, a punção somente foi feita dentro de 5 dias após o acidente. Verificaram o seguinte: a pressão do liquor era normal (inferior a 16 cms.) em 56%; hipertensão duvidosa (16 a 20 cms.) em 22%; hipertensão (além de 20 cms.) em 22%; o líquor era límpido em 65% e hemorrágico em 33% dos casos; havia grande correlação entre a gravidade dos sintomas clínicos (duração do coma e amnésia pós-traumáticos) e as alterações do liquor (hipertensão e presença de sangue); a incidência de cefaléia no período imediato ao trauma não ocorria em percentagem maior, convincente, no grupo de pacientes com liquor alterado; a correlação entre as modificações do liquor por ocasião do acidente e a persistência da cefaléia mais que dois meses era apenas discretamente verificável em referência à hipertensão e não em relação ao liquor hemorrágico.

Concluem os AA., baseados no exame do liquor, que a cefaléia persistente muitos meses após o acidente não pode ser diretamente relacionada ao sofrimento encefálico posterior ao traumatismo do crânio.

J. BAPTISTA DOS REIS

A PERSONALIDADE PRÉ-TRAUMÁTICA E AS SEQUELAS PSÍQUICAS DOS TRAUMATISMOS DO CRÂNIO. (PRETRAUMATIC PERSONALITY AND PSYCHIATRIC SEQUELAE OF HEAD INJURY). H. L. KOZOL. Arch. Neurol, a. Psychiat. 53: 358-364 (maio) 1945.

O autor selecionou 200 pacientes entre os 430 traumatizados de crânio, admitidos no Boston City Hospital, durante 2 anos. A seleção visou afastar indivíduos menores de 15 ou maiores de 55 anos de idade, alcoolistas irresponsáveis, desempregados antigos, bem como casos de difícil controle. Do grupo escolhido faziam parte 125 homens e 75 mulheres (artífices 48%, domésticas 19%, estudantes 10%, empregados públicos 6%, trabalhadores 5%, inclassificáveis- 12%). O tempo de observação estendeu-se no próprio emprego, até 6 meses após a saída do hospital. A maioria dos casos era de concussão cerebral de grau variável. Quanto à personalidade pré-traumática, os pacientes foram classificados nos seguintes itens: personalidade normal, p. psicopática, p. neurótica, p. variável, p. normal exceto quanto ao nervosismo, deficiência mental, traços neuróticos na infância, problemas do comportamento, comportamento psicótico e personalidade pré-traumática desconhecida. Dos 200 traumatizados, a metade apresentava pers. normal, um sexto p. variável, um sexto p. psicopática e um doze avos p. neurótica. A recuperação mais demorada foi devida mais às manifestações mentais, do que a outros sintomas (cefaléia, tonturas ou outra sequela física). As manifestações apresentadas foram: fadiga, nervosismo, temores, depressão, manifestações hipocondríacas, sintomas obssessivo-compulsivos, grande transformação na personalidade, euforia. Em geral vários sintomas estavam combinados no mesmo paciente. Setenta pacientes (30%) evidenciaram perturbações mentais; destes, 64 (32%) apresentaram sintomas neuróticos, 6 (3%) mudanças gerais da personalidade. O confronto entre a personalidade pré-traumática e os sintomas psiquiátricos pós-traumáticos demonstra que aquela não é fator dominante na produção dos sintomas. Assim, a maior incidência de manifestações mentais pós-traumáticas ocorreu num grupo de 10 pacientes classificados com personalidades normais exceto quanto ao nervosismo. Apesar disso, de modo geral a personalidade pré-traumática não deixa de ter uma relativa importância no quadro mental pós-traumático. Mesmo a existência de dados heredológicos psiquiátricos positivos não influenciou muito o aparecimento das manifestações pós-traumáticas. Porém as dificuldades psicossociais (empregos, salários, etc.) demonstraram grande importância sobre a sintomatologia pós-trauma.

M. ROBORTELLA

TERAPÊUTICA

PICROTOXINA NO ENVENENAMENTO PELOS BARBITÚRICOS. (PICROTOXIN IN BARBITURATE POISING). D. L. BURDICK E E. A. ROVENSTINE. Ann. Int. Med. 6: 819-826 (junho) 1945.

A picrotoxina é empregada, desde 1933, nas intoxicações pelos barbituratos, especialmente nos casos de narcose muito profunda, e já existem trabalhos experimentais demonstrando sua eficiência. No entanto, ainda há inexplicável relutância em utilizar esta droga. A comparação entre casos tratados com outras medidas e aqueles em que, ao par disso, foi empregada a picrotoxina, mostra que esta faz abreviar a evolução do caso, evitando ou minorando as complicações. Os AA. apresentam 4 observações. Nas duas primeiras não foi empregada a picrotoxina; na primeira, a paciente faleceu e, na segunda, a evolução foi muito demorada, requerendo cuidados contínuos, sendo necessária a reinternação da doente, tendo restado uma sequela incurável. Nas duas outras observações, a picrotoxina foi instituída quando as demais terapêuticas pareciam fracassar e teve êxito sem par. Todos os casos eram de grave envenenamento, havendo os pacientes ingerido grandes doses do tóxico. A via de introdução da picrotoxina foi a venosa nas primeiras horas, e depois a intramuscular. As doses convenientes são de 1 a 3 mgrs. por minuto, intravenosamente, até obter melhoria das funções respiratória e circulatória, bem como a aparição dos reflexos e movimentos. Pode-se, então, passar para doses menores, intramusculares, voltando à dose primitiva se o caso requer. Os AA. estabelecem a seguinte orientação para os casos de intoxicação barbitúrica: 1 - Adequadas condições das via respiratórias (remoção das secreções, posição conveniente, etc.); 2 - Respiração artificial, se necessária; 3 - Inalação de oxigênio; 4 - Lavagem gástrica; 5 - Terapêutica analéptica (picrotoxina); 6 - Líquidos intravenosamente, servindo para introduzir a picrotoxina, ou outras drogas necessárias; 7 - Quimioterapia, prevenindo infecções do aparelho pulmonar; 8 - Diuréticos; 9 - Enfermagem cuidadosa.

J. VICTOR DOURADO

TRATAMENTO DOS TRAUMATISMOS DOS NERVOS PERIFÉRICOS. (TREATMENT OF PERIPHERAL NERVE TRAUMA). M. L. BOROVSKI. Am. Rev. Soviet Med. 2: 453-457 (junho) 1945.

O A. expõe dois importantes problemas relacionados com as intervenções cirúrgicas praticadas sobre os nervos periféricos traumatizados. O primeiro vem a ser a época em que a intervenção deve ser praticada. A opinião corrente aconselha que se espere um tempo variável antes de ser praticada a intervenção. O A. coloca-se em campo oposto e advoga a intervenção precoce, acreditando que a eliminação de estímulos nociceptivos causados pela lesão nervosa periférica exerce influência favorável na regeneração e restauração da função nervosa e no fechamento das feridas. Para os casos em que as duas extremidades do nervo seccionado se encontrem afastadas, a intervenção precoce constitui uma oportunidade para a aproximação das mesmas, evitando a transplantação. Já antes da guerra o A. juntamente com B. S. Doinikov, tinha verificado que toda a estimulação das extremidades distais e proximais de nervos seccionados agravava a evolução clínica e aumentava as alterações histopatológicas. Já havia sido demonstrado que a compreensão, ainda que incompleta, do nervo ciático do cão, produzia profundas alterações tróficas não somente no membro correspondente, como também no nervo, nos gânglios intervertebrals, nos segmentos da medula correspondentes ao nervo e nos mais elevados, e mesmo no cérebro. As intervenções praticadas precocemente mostraram ser vantajosas, uma vez que determinavam condições melhores para o nervo traumatizado e eliminavam os impulsos patológicos aferentes. É remoto o perigo de infecção nas intervenções precoces.

Outro problema está relacionado com um trabalho de F. M. Golub, que havia verificado os efeitos benéficos da injeção de álcool a 70% na extremidade periférica do nervo. Injetando essa substância nos doentes que operou, o A. obteve resultados interessantes. A injeção de álcool nas células nervosas produz a degeneração walleriana, porém quando é feita no segmento distal de um nervo seccionado inibe esta degeneração por um tempo bastante longo. As alterações histológicas, também, são menos pronunciadas quando se pratica esta injeção. Tanto as alterações histológicas do nervo como as distrofias dependentes do traumatismo são reduzidas; as causalgias são prontamente eliminadas e a evolução das úlceras tróficas é interrompida. A injeção de álcool nunca produziu complicação. As observações são baseadas em 41 intervenções praticadas.

ANTONIO B. LEFÈVRE

RADIOTERAPIA E PRESSÃO INTRACRANIANA. (RADIOTHERAPY AND INTRACRANIAL PRESSURE). MARIA B. TSUKER. Am. Rev. Soviet Med. 2: 316-322 (abril) 1945.

A autora estuda a influência da radioterapia sobre a pressão intracraniana e sobre a absorção do líquido cefalorraquidiano. Suas experiências foram realizadas em cães e em condições técnicas constantes: os animais devem estar calmos por ocasião das medidas, a punção suboccipital é feita em todos os casos sob anestesia pela morfina e a pressão é medida em manômetro de água. Foram usadas pequenas doses de radioterapia, pois a A. estava interessada em tirar conclusões de ordem clínica e não em estudar apenas a ação da radioterapia: o ponto de aplicação foi o vértex, que é a região usada para a redução da pressão nos casos de hidrocefalia. A conclusão foi a de que pequenas doses de radioterapia diminuem a pressão intracraniana. Em outra série de experiências foi estudada a influência da roentgenterapia sobre a absorção do líquido cefalorraquidiano. O método consistiu em introduzir determinadas substâncias no liquor e verificar, depois, o momento de sua passagem para o sangue. O método da determinação da presença das substâncias na corrente circulatória foi considerado deficiente, pois não permitia conhecer o momento exato da passagem da substância, a menos que fossem feitas dosagens muito repetidas. Empregando um método proposto por L. S. Stern, modificando-o ligeiramente, a A. introduziu por via suboccipital 0,4 cc. de cloridrato de pilocarpina a 1% ou 0,8 cc. de sulfato de atropina a 1%. A presença destas substâncias no sangue é identificada pela salivação ou pela dilatação pupilar, respectivamente, e o tempo de aparecimento das reações é cronometrado. A análise dos resultados demonstrou que, imediatamente depois da radioterapia, a absorção se fazia com uma rapidez duas a quatro vezes maior do que antes da aplicação. Esta aceleração é passageira pois, depois de alguns dias, se reduz, tornando-se a absorção mais lenta. A aceleração da absorção pode ser explicada pela ação dos raios roentgen sobre os vasos sangüíneos, provocando hiperemia. Foi notado ainda que a pressão intracraniana sofria uma queda, 2 a 6 semanas depois da radioterapia haver terminado. Fica assim bem compreendida a indicação da radioterapia nos casos de hidrocefalia comunicante, especialmente nos casos agudos: um primeiro efeito benéfico é verificado imediatamente depois da aplicação pela aceleração da absorção e, posteriormente, a pressão se reduz devido à diminuição da secreção de líquido no epitelio, modificado pela ação dos raios roentgen.

ANTONIO B. LEFÈVRE

TRATAMENTO DOS FERIMENTOS DA COLUNA VERTEBRAL E DA MEDULA. (TREATMENT OF SPINAL COLUMN AND SPINAL CORD WOUNDS). N. I. PROPPER-GRASHCHENKOV. Am. Rev. Soviet Med. 2: 292-302 (abril) 1945.

O A. apresenta os resultados do tratamento de 848 pacientes com lesões traumáticas na coluna vertebral e na medula, examinados na Clínica para Moléstias Nervosas de Viem. Esse tipo de lesões pode ser incluído entre os mais graves, em virtude da facilidade com que se apresentam complicações, entre as quais destacam-se as ulcerações de decúbito, as cistites e as infecções urinárias. Um elemento decisivo para o prognóstico é o conhecimento da natureza dos germes encontrados nas feridas; foi verificado que produzem maior mortalidade as infecções bacterianas múltiplas, principalmente as combinações de anaeróbios patogênicos com estreptococos hemolíticos. Com relação ao diagnóstico, as primeiras impressões muitas vezes são enganadoras pois certos pacientes parecem ter sofrido uma transecção completa da medula; a evolução permite verificar que, à medida que vão diminuindo os efeitos do choque, a sintomatologia vai-se reduzindo. As intervenções cirúrgicas nestes traumatismos nunca devem ser feitas na linha de frente; os postos avançados devem-se limitar aos primeiros curativos e ao preparo do ferido para a remoção para clínicas cirúrgicas especializadas. Durante o pré-operatório são de grande interesse as mielografias, a fim de verificar, não somente a direção dos ferimentos, como também a existência de fístulas e a posição dos corpos estranhos. O meio de contraste empregado foi o lipiodol; não foram verificadas contraindicações para seu uso. As intervenções devem ser praticadas com a maior precocidade, mesmo naqueles casos em que as lesões medulares parecem ser da maior gravidade; a presença de ulcerações de decúbito e de cistite não contraindicam a intervenção, antes pelo contrário, pois estas complicações são em parte devidas a fenômenos de compressão e a infecções da ferida. As causas que justificam um adiamento da intervenção são as meningites agudas e uma baixa muito grande da resistência. Durante o ato operatório foram empregados métodos cronaximétricos com o fito de verificar a extensão das lesões da medula e das raízes espinhais. A pulverização do campo com sulfanilamidas foi abandonada em virtude dos fenômenos secundários como, por exemplo, o afluxo sangüíneo depois de fechada a ferida operatória. As complicações mais frequentes são as meningites supurativas. São ainda expostos os cuidados ortopédicos aconselháveis nos diversos tipos de ferimentos.

ANTONIO B. LEFÈVRE

TERAPÊUTICA ELETRO-CONVULSIVA E MOLÉSTIAS CARDIO-VASCULARES. (ELECTROCONVULSIVE SHOCK THERAPY AND CARDIOVASCULAR DISEASE). VERNON L. EVANS. Ann. Of. Internal Med. (Lancaster, Pa.) 5: 692-695 (maio) 1945.

A existência de moléstia cardiovascular não constitui contra-indicação formal à convulsoterapia pelo eletrochoque. O A. observou 150 casos tratados com este método, entre os quais, 38 eram portadores de afecções cardio-circulatórias. Dentre estes, 19 tinham lesão da artéria coronária, com evidentes alterações do traçado eletrocardiográfico. Eram portadores de fibrilação auricular 4 doentes que suportaram o tratamento mesmo com a presença desta anomalia, tendo porém a registrar-se uma descompensação transitória. Em 9 casos havia hipertensão, com pressão sistólica superior a 200 mm. de mercúrio. A idade dos pacientes era elevada em muitos dos casos, referindo mesmo o A. um caso com 74 e outro com 75 anos. Vários doentes já haviam sofrido acidentes vasculares cerebrais e nenhum destes repetiu-se durante ou após o tratamento. O número de convulsões provocadas não é assinalado, mas deduz-se que tenha sido sempre alto, a julgar por um ou outro caso em que este número foi fornecido, havendo mesmo um tratamento que constou de 56 convulsões. Contudo o A. não entra em detalhes técnicos a respeito, sabido que as convulsões podem variar de intensidade. Quanto à natureza das perturbações mentais, foram variadas, mas parece que a mór parte se beneficiou com tal tratamento. Acidente mortal ocorreu em mulher com 50 anos de idade, portadora de lesão cardíaca reumática, na qual havia-se desenvolvido uma síndrome de feitio esquizofrênico. Já havia obtido melhoras do seu estado mental após 4 tratamentos pelo eletrochoque, quando mostrou-se febril, dispnéica e cianótica, vindo a falecer não tendo sido apurado o mecanismo da morte. Afora este acidente mortal e a descompensação acima referida, não houve complicação em qualquer dos outros casos.

J. VICTOR DOURADO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1946
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