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Envelhecimento em seu aspecto conceptual: Projeção clinica da geriatria

GENERALIDADES

Envelhecimento em seu aspecto conceptual. Projeção clinica da geriatria

Benjamin B. Spota

Vice-Presidente da Sociedade de Gerontologia e Geriatria de Buenos Aires

A gerontologia deve ser considerada como a disciplina científica que engloba os aspectos biológico, físico e social do envelhecimento, processo vital que se inicia com a concepção do ser e termina com sua morte (Minot, Strieglitz). Desta definição, evidentemente incompleta, pode inferir-se que sua relação com a pediatria é muito mais estreita e menos contraditória que pareceria à primeira vista. A geriatria, subdivisão da gerontologia, limita-se ao aspecto fisiopatológico do envelhecimento e suas correlatas seqüências clínicas, enquanto que à gerontologia propriamente dita compete o esclarecimento das facetas biológicas referentes às fases evolutiva, de maturação, de senescência e de senilidade do indivíduo em sua relação «com a espécie 1 ; ela aspira à perfectibilidade da existência em profundidade e amplitude, diversamente da macrobiótica ou empírica arte de viver muitos anos.

Os médicos há quase meio século são solicitados em proporção cada vez maior, para tratar ou solucionar problemas clínicos de pessoas de idade provecta com câncer, diabete, fraturas ósseas, psicoses de involução (tipo Pick ou Alzheimer), arteriolosclerose e ainda os problemas de cirurgia geral, torácica (pneumectomias parciais) e até os neurocirúrgicos (afecções vasculares, aneurismáticas ou embolígenas do neuraxe) ; são mais raros os casos de tuberculose, sífilis ou carências. O constante avanço da medicina filática (antibióticos, sulfamidas) e profilática (melhoras de condições ambientais, leis de assistência social ao trabalhador, higiene mental e física), o incessante aperfeiçoamento técnico da cirurgia, os cuidados pré e pós-operatórios, a menor toxidez da anestesia atuando sobre um retículo-endotélio melhor preparado, possibilitam o sucesso na resolução de problemas cirúrgicos inexequíveis até somente poucas décadas, nas quais o rendimento social, laborativo ou intelectual do indivíduo corriam paralelamente à sua curva biológica.

Nessa parábola de vida a curva descendente da velhice se inicia, segundo Hipócrates, aos 64 anos. Pende2, pelo contrário, afirma que, entre a idade adulta (idade constante ou madura da vida) - caracterizada pelo pleno desenvolvimento somático, na qual é atingida a última fase do crescimento biológico, lapso que alcança a quarta década ou um pouco mais (até os 47 anos para Charlotte Buhler 3) - e a velhice verdadeira - caracterizada pela nítida e irreversível involução de todas as funções e formas orgânicas - interpõe-se um período muito importante que o autor denomina de idade de deformação da vida. Esse intervalo caracteriza-se pelas alterações morfo-estruturais dos tecidos patentizáveis macroscopicamente em sentido biológico e não clínico, que não se liga ainda a verdadeiros distúrbios mórbidos (miopragia dos clássicos). Este período da parábola vital (presenium ou climatério) compromete os dois sexos, porém Pende admite, com Minot, que começamos a decair desde o nascimento em sentido morfobiológico, decremento associado ao incremento constante que, para o sistema nervoso, segundo Ch. Jakob e outros, pode fixar-se em torno dos 50 anos.

Êste prelúdio da velhice constitui um verdadeiro estado de alarma, influenciável pelos recursos iátricos; o mesmo não acontece com a velhice verdadeira, que é irremediável. Sobre essa idade de deformação devem, portanto, convergir as preocupações e medidas geriátricas se se aspira a deter, no possível ou talvez retardar, a evolução para o irreversível.

Há investigadores, como Doflein, que consideram a morte como fisiologicamente desnecessária; Metschnikoff considera-a um absurdo evitável; pelo contrário, Weismann proclama o caráter imprescindível da morte do organismo multicelular; Minot vê, nela, a resultante natural do desenvolvimento (Bühler3). Pode inferir-se, por conseguinte, a notável diferença de duração do gráfico vital, entre o protozoário de vida independente, capaz de reproduzir-se indefinidamente, a limitada capacidade regenerativa das células somáticas dos organismos multicelulares, passíveis de alterações por causas irritativas que devem ser consideradas o primum movens do envelhecimento e da morte, por cessação do crescimento regenerativo.

Com Schwalbe e Weisenberg e para fins expositivos, o curso da vida humana pode ser tripartido: a) período de crescimento progressivo ou generativo, preponderantemente morfogenético porque se destina à formação do soma (até os 18 anos na mulher; 25 anos no homem) ; b) período do crescimento estável, até os 50 anos, lapso durante o qual a regeneração compensa as alterações; c) período de crescimento regressivo, no qual a regeneração não se faz na medida das alterações, declinando paulatinamente até o óbito. No primeiro período domina o crescimento altitudinal e, no segundo, o de expansão. Sem entrarmos em pormenores sobre o confronto dos dois primeiros períodos com os de capacidade reprodutora e expansiva, vemos que abarcam os lapsos mais produtivos, em geral, da parábola biológica. Mas é evidente que o operário especializado ou o homem de ciência e, ocasionalmente, o artista dão ótimos frutos em idade mais avançada. E' por estas circunstâncias principais que subscrevemos o conceito fundamental de Lewellys Barker de que a educação dos indivíduos de idade média nos preceitos gerontológicos contribuirá para a formal proteção potencial e preventiva do envelhecer.

A vida humana já é influenciada desde o plasma germinativo, por provável interferência da massa hereditária dos ascendentes diretos, por agentes nocivos fixados patoplàsticamente, o que pode originar, no novo ser, propriedades patológicas inexistentes nos progenitores; é o que constitui a anfimixe. Por outro lado, a blastoforia, ou alteração do plasma germinativo. consecutiva a fatores nocivos atuando sobre as células germinativas, influi de forma mais paratípica do que genotípica, isto é, com caráter recessivo preponderante, como ocorre em casos de epilepsia cripto-genética ou genuína em filhos de alcoólatras (Vallejo Nagera4).

Recordemos o caráter geralmente falível das leis da hereditariedade; porém, pode-se aceitar que, sobre suas distintas fases evolutivas, incidem fatores ambientais ou de peristase, de índole primigênea para os eugenis-tas russos contemporâneos; fenômenos de mutação ou variações de dominância.

Como se infere facilmente, a ciência eugênica prepara o terreno para o desenvolvimento de uma vida mais sã e útil em seu aspecto social, por intermédio dos métodos da eugenia biológica e dos processos eutênicos positivos (como afirmamos com Bernaldo de Quirós), os quais tratam de proporcionar ao indivíduo, ao longo da existência, um melhor ambiente econômico, social e jurídico.

A eugenia negativa deve ser excepcional, pois as leis de esterilização - tão em voga na época de pré-guerra na Alemanha e ainda vigentes em algumas regiões dos Estados Unidos da América do Norte - poderão ser discutidas em certas enfermidades de transmissão genotípica dominante (coréia de Huntington), genotípica e matriarcal (hemofilia) e com reservas em entidades com distúrbios ligados ao sexo (sex-linked) por mutação do mosaico genético (trombopatias, albinismo, etc.).

A geriatria deve visar, como a pediatria, a melhora das condições ambientais nos indivíduos de idade média ou avançada. Com efeito, subscrevemos em grande parte os conceitos de John Dewey (cit. por Strie-glitz1), para quem nossa era mecanicista "premia o vigor juvenil em detrimento da idade experimentada". Este caráter excludente, e não concorrente como devera ser, situa o indivíduo maduro na fase do presenium em uma posição pejorativa de auto e infravaloração social que destaca a natural involução fisiológica de maneira perigosa, pela incidência de fatores emocionais e conflitos anímicos ante a insegurança do porvir.

As medidas profiláticas de higiene mental em indivíduos de 50 a 60 anos são muito importantes e recomendáveis, a fim de prolongar uma vida útil em profundidade e em amplitude, mais do que em longitude se ela se processa em condições de precariedade fisiológica. E' relativamente comum a observação de indivíduos de 70 a 75 anos com idade psicofisioló-gica muito inferior à cronológica; para incrementar as cifras dessa freqüência devem inclinar-se os estudos clínicos e cirúrgicos da idade provecta.

ASPECTOS CLÍNICO E BIOTIPOLÓGICO DO ENVELHECIMENTO

A diminuição da elasticidade e do tono da cutis (Monckeberg, Unna, Hansemann, Pende) constitui os pródomos semiotécnicos do envelhecer; a diminuição do tecido elástico dos músculos esqueléticos, do aparelho pulmonar, das paredes arteriais, no pescoço e na face constitui a elasto-plastia, revelada por pastosidade e brandura das dobras cutâneas propensas à flacidez, sobretudo nas pálpebras e zona mentoniana, configurando a degeneração fragmentar dos feixes colágenos do derma (vasofilia histológica) com fusão das mesmas em massas homogêneas. Além disso, verifica-se: dilatação, desdobramento e degeneração granular dos capilares e artérias; capilaropatia fibrosa nos tabiques inter-alveolares pulmonares; fibrose supletiva do miocárdio, dos músculos intrínsecos oculares e das paredes gastro-intestinais; elastose senil de órgãos já braditróficos, que involucionam, como os discos intervertebrais, a partir dos 25 anos, e também de órgãos já "avascularizados" nessa idade, o que explica as es-pondilartropatias tão freqüentes nas idades média e provecta. Trata-se de uma involução que afeta, inicialmente, o mesênquima, integrado principalmente pelo tecido elástico e pelo sistema retículo-histiocitário. Esta idade da deformação vital (Pende) pode ser dividida nos períodos pré-climatérico e climatérico, este último visível em ambos os sexos, embora predominantemente, como é óbvio, no feminino.

No climatério feminino podem ser distinguidas: a) alterações morfológicas, tais como adiposidade segmentar da quinta década, de tipo matronal (lipomatose inframentoniana, supraclavicular e especialmente sobre a sétima vértebra cervical; b) celulites do crescimento reversíveis com turgescência dos tecidos por hipofunção mesenquimal vasomotora; c) di-sanfotonia simpaticomimética com tendência à hiperpiese sistólica, inicialmente episódica e depois permanente; d) variável regressão dos caracteres sexuais com reversão virilóide; e) diminuição da libido e cessação do desenvolvimento dos folículos ovarianos, sobrevindo a esclero-atrofia da mama e atrofia da mucosa útero-vaginal ; f) às vezes, exaltação da libido por hiperfunção episódica gonadotrófica e processos de hiperplasia mamária; g) tendência à calvície frontoparietal e occipital com aumento de espessura das sobrancelhas (aspecto androginóide), do lábio superior e do mento, em contraste com a conservação da coloração normal nas regiões gênito-axilares.

O climatério masculino caracteriza-se por: a) regressão dos caracteres sexuais com reversão ginandróide; b) diminuição da potência cceundi e generandi e da libido depois dos 50 anos; c) às vezes, exaltação da libido por hiperfunção episódica gonadotrófica e processos de hiperplasia prostática; d) no homem, depois dos 50 anos, segundo Stockard, observa-se implantação pilífera no conduto auditivo externo. Em ambos os sexos ocorre gengivite expulsiva, atrofia paradentótica e cárie marginal.

Entre os distúrbios metabólicos incidem, com maior freqüência, a hi-percolesterolemia, predisposição à litíase vesicular, disfunção ureogeitética, glicídica, tesaurismose ou distúrbios do metabolismo lipídico, etc. O intercâmbio hidrossalino também se perturba, embora nos escapem seus pormenores. O quociente cálcico-fosforado sofre modificações, pois há inclinação à hiperfosfatasemia alcalina, hiperostose frontal interna com obesidade diencefálica, hiperpiese, distúrbios neuro-psíquicos depressivos ou paranoides, conjunto que configura a síndrome de Morgagni-Morel-Stewart.

Segundo Pende, os tipos endócrino-simpáticos mais característicos de involução são: a) hipopituitarismo gênito-distrófico, atônico-citaslênico ; b) hipotireoidismo mixedematoso vagotônico hipogenital; c) hiperpituita-rismo acromegalóide com hipergenitalismo e macrossomia parciais; d) hi-pertireóideo-hipoparatireóideo, vegetativo, hipertônico, erético-ansioso; e) hipersuprarrenalismo, simpaticotônico, irritável.

Sob o ponto de vista neurossomático estrito, verifica-se a reversão para o extrapiramidal : estereotipia de atitude, tremor senil, distasia-disbasia, marcha em pequenos passos com ou sem componente cerebelar, etc.

Do ponto de vista psíquico, o princípio da senescência fisiológica caracteriza-se pela propensão à intelectualização ou sublimação em substituição das funções sexuais deficitárias; inclinação ao misticismo, ao estetis-mo e à perfectibilidade ética; adesão ao tradicional, ao pensamento concreto em detrimento das funções abstratas, proposicionais, mais diferenciadas e sutis; como seqüência iniludível, o amor pelas frases feitas, as estereotipias verbais, os provérbios e aforismas (dictum factum).

O egoísmo do ancião, seu pessimismo que pode revestir formas melancólicas, seu espírito econômico e avaro que ofereceu paradigmas à literatura e ao teatro, talvez não sejam senão manifestações neuropsíquicas até então potenciais e exteriorizáveis nesta fase da vida por efeito da falha da autocrítica e da desintegração ou da desdiferenciação funcional in-telectiva que se encaminha, de acordo com os conceitos jacksonianos, para o indiferenciado e concreto, para o diencéfalo-instintivo, como nos parece, na nova estruturação dos neurogramas, devidos a estados de alteração permanente do tecido vivo, produzida por um processo de excitação temporal, base da memória fisiológica5.

A geriatria deve inclinar-se, pois, a prolongar a vida, se possível no plano tridimensional (físico, psíquico e de atividade laborativa e reprodutora ou criadora) ; deve-se cogitar de que os raros casos de talentos ainda ativos aos 80 anos, os de vários mestres de nossas escolas médicas ou de letras, sejam não a exceção, mas o habitual. Porém, para a consecução de tão belo desiderato é mister lutar em prol de melhores condições filático-profiláticas da saúde geral, da higiene mental, da eugenia integral positiva. Só assim se logrará a paz fisiológica e neuropsíquica que evite o desassossego do período gélido, na parábola da vida.

BIBLIOGRAFIA

1. Strieglitz - Geriatric Medicine. W. B. Saunders Co., Filadélfia e Londres, 1943.

2. Pende, N. - Tratado de Biotipologia Humana. Salvat Edil., 1947.

3. Vallejo Nájera - Tratado de Psiquiatria. Salvat Edit., 1944.

4. Bühler, C. - El curso de la vida humana cgmo problema psicológico. Traduzido do alemão. Espasa-Calpe Edit. S. A., Buenos Aires, 1950.

5. a) Warren Howard - Diccionário de Psicologia. Fondo Cultura Económica, México e Buenos Aires, 1948; b) Nielsen e Thompson - The Engrammes of Psychiatry. Ch. C. Thomas, Springfield, 1947.

Trabalho apresentado no Hospital Nacional de Clínicas de Buenos Aires, em 20 julho 1951. Traduzido do castelhano por Horácio M. Canelas.

Callao, 232 (3.º p.) - Buenos Aires, Argentina

  • 1
    Strieglitz - Geriatric Medicine. W. B. Saunders Co., Filadélfia e Londres, 1943.
  • 2. Pende, N. - Tratado de Biotipologia Humana. Salvat Edil., 1947.
  • 3. Vallejo Nájera - Tratado de Psiquiatria. Salvat Edit., 1944.
  • 4. Bühler, C. - El curso de la vida humana cgmo problema psicológico. Traduzido do alemão. Espasa-Calpe Edit. S. A., Buenos Aires, 1950.
  • 5. a) Warren Howard - Diccionário de Psicologia. Fondo Cultura Económica, México e Buenos Aires, 1948;
  • b) Nielsen e Thompson - The Engrammes of Psychiatry. Ch. C. Thomas, Springfield, 1947.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1951
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