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Historiografia audiovisual: a história do cinema escrita pelos filmes

Audiovisual Historiography: the history of cinema written by the films

Resumo

Este artigo objetiva apresentar o trabalho desenvolvido pelo Grupo Historiografia Audiovisual (UFJF), que tem como foco o estudo de filmes que apresentem como tema o próprio cinema. Nosso percurso tem início com a pesquisa em andamento “Historiografia audiovisual do cinema no Brasil”; em seguida, estabeleço relações entre o meu trabalho como realizador e o conceito de historiografia audiovisual; por fim, trago dois estudos de caso, o primeiro sobre Panorama do cinema brasileiro (Jurandyr Noronha, 1968) e o segundo comparando Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1953) e La dama de las camelias (José Bohr, 1947, Chile).

palavras-chave:
historiografia audiovisual; cinema brasileiro; cinema; artes

Abstract

This article aims to present the work developed by the Audiovisual Historiography Research Group (UFJF), which focuses on the study of films that present as a theme the cinema itself. First, I present an ongoing research project entitled “Audiovisual historiography of cinema in Brazil”; then, I seek the relationships between my work as a filmmaker and the concept of audiovisual historiography; finally, I bring two case's studies, the first of them on the documentary Panorama do cinema brasileiro (Jurandyr Noronha, 1968); the second, by comparing Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1953) and La dama de las camelias (José Bohr, 1947, Chile).

keywords:
audiovisual historiography; Brazilian cinema; film; art

I. Cinema, historiografia e o campo das artes

Da segunda metade dos anos 1950 até os dias de hoje, verificam-se diversas transformações no conjunto da produção literária sobre a história do cinema no Brasil. Interpretações panorâmicas, hoje clássicas, tiveram continuidade, foram aprofundadas, ampliadas ou sofreram questionamentos a partir do final dos anos 1960 para cá1 1 . Esse movimento é consoante ao processo desencadeado por volta dos anos 1970-1980 na Europa e nos Estados Unidos, quando se desenvolvem as “novas histórias do cinema”, conforme a denominação de David Bordwell. Autores como o próprio Bordwell, além de Robert C. Allen, Douglas Gomery, Michèle Lagny, Pierre Sorlin, Paulo Antonio Paranaguá, Kristin Thompson, Janet Staiger, Tino Balio, Tom Gunning, André Gaudreault, Robert Sklar e Thomas Schatz, entre outros, inserem-se nesse percurso. . Nas décadas seguintes, o processo de revisão historiográfica estabeleceu-se principalmente nas universidades, contribuindo para o surgimento de novas pesquisas sobre o cinema, seja criticando a metodologia anterior, seja levantando uma série de dados e informações relevantes para se pensar aspectos relativos à produção, distribuição, exibição e crítica cinematográfica2 2 . Refiro-me aqui aos trabalhos desenvolvidos por Maria Rita Galvão, Jean-Claude Bernardet, José Inácio de Melo Souza, José Mário Ortiz Ramos, Ismail Xavier, Fernão Ramos, João Luiz Vieira, Rubens Machado Jr., Luiz Felipe Miranda, Anita Simis, Carlos Roberto Souza, Sheila Schvarzman, Eduardo Morettin, Arthur Autran, Luciana Araújo, Rafael de Luna Freire, Fernando Moraes da Costa, Fabián Núñez, entre muitos outros. .

Ao longo de todo esse período, os pesquisadores-historiadores estiveram muito atentos às fontes escritas, mas não se dedicaram em igual medida aos filmes que tinham como tema, assunto ou referência central a própria atividade cinematográfica brasileira. Não obstante, desde os anos 1930 até a contemporaneidade foi realizado um número considerável de títulos, documentais ou ficcionais, de curta, média e longa-metragem, que se preocuparam em representar o meio cinematográfico ou em contar a história do cinema no país.

Qual seria o possível impacto desses filmes na construção de novos discursos historiográficos sobre o cinema? Essa é a pergunta que o Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pretende investigar3 3 . Além do autor, o Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual é atualmente composto pelos docentes Alessandra Brum (UFJF) e Alessandro Gamo (UFSCar), e pela pesquisadora Anna Karinne Ballalai, formada em Cinema pela UFF, mestre em Psicologia Social pela UERJ, atriz, roteirista e produtora cinematográfica. .

Em um sentido mais amplo, o grupo se insere nas discussões entre cinema e história que, desde os anos 1970, a partir da divulgação dos trabalhos de Marc Ferro, vêm se complexificando no meio acadêmico. No Brasil já existe um número considerável de autores que se dedicam ao assunto, desde reflexões pioneiras como as de Mônica Almeida Kornis4 4 . KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. In: Revista de Estudos Históricos. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: 1992, vol. 5, n. 10, p. 237-250. até os trabalhos mais recentes de Sheila Schvarzman5 5 . SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: Unesp, 2004; e História e historiografia do cinema brasileiro: objetos do historiador. In: Especiaria: cadernos de Ciências Humanas. Ilhéus: Universidade Estadual Santa Cruz, vol. 10, n. 17, jan.-jun. 2007, p. 15-40. , além de coletâneas como História e cinema: dimensões históricas do audiovisual6 6 . CAPELATO, Maria Helena et alli (orgs.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007. e o livro Humberto Mauro, cinema, história, de Eduardo Morettin7 7 . MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, cinema, história. São Paulo: Alameda, 2013. . No campo relativo ao cinema da América Latina, há que se destacar o estudo comparativo de Paulo Antonio Paranaguá, Le cinéma en Amérique Latine: le miroir éclaté, historiographie et comparatisme8 8 . PARANAGUÁ, Paulo Antonio. Le cinéma en Amérique Latine: le miroir éclaté, historiographie et comparatisme. Paris: L’Harmattan, 2000. .

Para o caso específico da proposta de pesquisa do grupo Historiografia Audiovisual, mencionamos o livro de Michèle Lagny, De l’histoire du cinéma (1992), que em seu último capítulo analisa alguns programas de televisão realizados por “cineastas-historiadores”, chamados pela autora de “ensaios de escritura audiovisual da história do cinema”9 9 . LAGNY, Michèle. Cine e historia: problemas y métodos en la investigación cinematográfica. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1997, p. 259. A autora dá especial ênfase às séries de Noël Burch, Kevin Brownlow e Jean-Luc Godard. .

A abordagem de Michèle Lagny vai impactar bastante um autor como Jean-Claude Bernardet. Em seu livro Historiografia clássica do cinema brasileiro, ao referir-se à proximidade entre os historiadores do cinema brasileiro e o meio profissional, o autor assinala a mútua influência entre teoria e prática na construção ideológica do discurso historiográfico:

Historiadores e críticos - a distinção nem sempre é nítida - aproximam-se da produção. Por exemplo, Paulo Emilio Salles Gomes, ator em Gimba [Flávio Rangel, 1965], escreve os roteiros de Memória de Helena [David E. Neves, 1969] e Capitu [Paulo Cézar Saraceni, 1968], ou frequenta salas de montagem (...). Eu próprio, trabalhando às vezes como ator, roteirista ou diretor. O inverso existe, quando Glauber Rocha escreve Revisão crítica do cinema brasileiro, ou Lauro Escorel realiza o filme Sonho sem fim [1985], biografia ficcionada do cineasta gaúcho Eduardo Abelim. A respeito de Alex Viany, talvez não seja deslocado perguntarmo-nos se é um crítico e historiador também diretor de cinema, ou um diretor que também trabalha como crítico, repórter e historiador.10 10 . BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 199, p. 141. A atenção dada aos filmes como fontes de reflexão historiográfica sobre o cinema brasileiro já era uma preocupação presente em textos dos anos 1970 escritos por Bernardet, como “Cantando no sol”, crítica ao filme Assim era a Atlântida (Carlos Manga, 1975). Cf. BERNARDET, Jean-Claude. Cantando no sol. In: Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 200-204. Originalmente publicado no jornal Movimento. São Paulo, 10 nov. 1975.

Da mesma forma, em seu livro O pensamento industrial cinematográfico brasileiro, o pesquisador e professor da Universidade Federal de São Carlos Arthur Autran ressalta a escolha de suas fontes levando em consideração a significação histórica e ideológica dos filmes:

Quanto às fontes primárias elegi principalmente livros, artigos, entrevistas, projetos de lei e relatórios dos mais variados tipos (...). Um material interessante, cujo tipo de análise é diferente em termos do instrumental e sobre o qual foi possível apenas iniciar o trabalho, são os próprios filmes, pois neles há a possibilidade de exposição de formas do pensamento industrial, conforme fica claro pelo estudo, por exemplo, de Patriamada (Tizuka Yamasaki, 1984).11 11 . AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2013, p. 30. O próprio Autran, como continuidade da mesma pesquisa, realizou o longa-metragem A política do cinema (2011), que contextualiza a relação entre a atividade cinematográfica e o Estado brasileiro, dos anos 1950 até a contemporaneidade. Cf. AUTRAN, Arthur. A política do cinema. Disponível em <https://vimeo.com/32374308>. Acesso em: 10 nov. 2016.

Em 2015, demos início ao projeto “Historiografia audiovisual do cinema no Brasil”, financiado pelo CNPq e pela Fapemig. A pesquisa, desenvolvida pelo Grupo Historiografia Audiovisual, apresenta quatro eixos principais: 1) levantamento e análise de filmes e vídeos documentais e ficcionais que apresentam como tema e objeto de reflexão o cinema brasileiro12 12 . Em 2015, uma Bolsa de Iniciação Científica permitiu que a discente de graduação Yammaris Oliveira, do Curso de Cinema e Audiovisual do Instituto de Artes e Design da UFJF, levantasse cerca de 560 títulos (entre curtas, médias e longas-metragens). ; 2) criação do sítio Historiografia Audiovisual (em construção), que abrigará os resultados da pesquisa e do levantamento filmográfico; 3) produção e publicação de textos; 4) realização de filmes, ensaios audiovisuais e entrevistas para difusão em diversas janelas de exibição, incluindo a internet.

O projeto articula um conjunto de saberes e metodologias comuns às grandes áreas acadêmicas de Ciências Humanas (História), Ciências Sociais Aplicadas (Comunicação) e Linguística, Letras e Artes (Artes), condizentes aliás com a formação dos pesquisadores que compõem o grupo Historiografia Audiovisual, atuantes tanto no ensino, pesquisa e extensão, quanto na criação e na produção de filmes e vídeos, bem como na organização de arquivos cinematográficos e em projetos de restauração e preservação audiovisual.

Em relação aos estudos teóricos cinematográficos nas universidades brasileiras, grosso modo divididos em três vertentes tradicionais - História do Cinema, Teoria do Cinema e Análise Fílmica -, é importante notar que, sobretudo no âmbito da pós-graduação, ainda há uma presença discreta do cinema nos debates e encontros relativos ao campo das Artes, embora a ele esteja vinculado, segundo o CNPq e a Capes. Isso em parte se explica pela associação duradoura entre o cinema e os cursos de Comunicação, estabelecida aqui desde os anos 1960-197013 13 . Cf. RAMOS, Fernão. Estudos de cinema na universidade brasileira. In: Cine Cachoeira. Revista de Cinema da UFRB. Salvador: 2010-2011, ano VI, n. 09. Disponível em: <http://www.cinecachoeira.com.br/2010/11/estudos-de-cinema-na-universidade-brasileira>. Acesso em: 26 nov 2016. ; contudo, é impossível ignorar, em um caso como no outro, os múltiplos diálogos que o cinema e as artes, enquanto prática e teoria, construíram e vêm construindo pelo menos desde os anos 1910.

Ocorre que, além da teoria, o cinema se estabelece na academia como prática. Essa é a razão de ser de muitos cursos de graduação em cinema e audiovisual; mas também se sabe que a “produção artística” é um critério importante na avaliação dos cursos de pós-graduação em Artes.

A despeito das justas críticas que podem ser feitas aos critérios de avaliação em vigor, sintomas bem pouco saudáveis de um receituário produtivista e de pressões políticas exercidas por áreas hegemônicas da comunidade acadêmica, a valorização da produção artística foi estratégica para o reconhecimento do campo das Artes junto ao CNPq e à Capes, e para a complementaridade entre as atividades de ensino, pesquisa e criação exercidas por docentes-artistas. A produção artística interessa às disciplinas tradicionais da área, como artes visuais, dança, música e artes cênicas. Pelas mesmas razões, interessa ao cinema - mais um ponto a favor para o diálogo entre os estudos cinematográficos em nível de pós-graduação e o campo das Artes.

É nesse sentido que a realização cinematográfica passa a ser importante na pesquisa empreendida pelo grupo Historiografia Audiovisual: trata-se de estudar a história do cinema não apenas a partir da literatura sobre o assunto, mas também dos filmes. Logo, uma boa parte desse estudo pode e deve ser feita realizando-se filmes e vídeos sobre a atividade cinematográfica. Assim, como pensar a dupla natureza - teórica e prática - do projeto “Historiografia audiovisual do cinema no Brasil” em relação ao campo acadêmico da pós-graduação em Artes? De que maneira se articulam nessa pesquisa a criação artística, a história do cinema e a análise fílmica? Em que medida as investigações teóricas alimentam a prática artística e vice-versa?

II. Percursos e processos de criação e pesquisa

Meu interesse pelo que chamo de “historiografia audiovisual” decorre da minha própria trajetória como realizador, desde quando codirigi com Carlos Bittencourt Paiva Alex Viany - um documentário em vídeo (1989), meu trabalho de estreia. O objetivo era fazer um documentário sobre o crítico, cineasta e historiador Alex Viany, mas em termos mais amplos isso acabou significando o início de um percurso de pesquisa a longo prazo em torno do cinema independente brasileiro dos anos 1940-1950.14 14 . Esse interesse derivou em diversos trabalhos posteriores como, entre outros, a classificação, digitalização e disponibilização do acervo de Alex Viany na internet (http://www.alexviany.com.br/); a organização (com Betina Viany e Edward Monteiro) do livro Acervo Alex Viany (Rio de Janeiro: ETC, 2009); a dissertação de mestrado Argumento e roteiro: o escritor de cinema Alinor Azevedo; e a tese de doutorado “Cinema independente”: produção, distribuição e exibição no Rio de Janeiro (1948-1954), respectivamente defendidas por mim em 2006 e em 2011 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Niterói.

O documentário sobre Viany não foi o único trabalho audiovisual de minha autoria que teve o cinema como referência. A ele seguiram-se três vídeo-ensaios: A projeção no cinema (1993), Fragmentos - uma narrativa intranquila (1997) e O trapezista (1999). O primeiro é o registro das impressões de um projecionista da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro sobre o ato de projetar filmes. O segundo parte de um acaso, a descoberta de alguns rolos de filmes em Super-8 mm depositados em uma sala da Escola de Comunicações e Artes da USP15 15 . Dentre esses rolos, sobras do filme Patíbulo (Joel Yamaji, 1976) e filmes caseiros de autoria(s) desconhecida(s), do final de 1970 ou de início de 1980: uma família, a TV ligada no centro de uma sala, idosos que mostram fotos de família, crianças que brincam, um passeio no parque, uma viagem de carro, pessoas que se divertem num clube. . Por fim, O trapezista absorve e retrabalha a obra do poeta carioca Jacinto Fabio Corrêa, sobretudo a partir do livro O diário do trapezista cego (1999), por meio do qual o cinema penetra “de contrabando”.

O passo seguinte foi a realização do documentário de média-metragem O Galante rei da Boca (codireção de Alessandro Gamo, 2004), que aborda a atuação de Antonio Polo Galante, um dos principais produtores cinematográficos atuantes nos anos 1960-1980. A partir de depoimentos do próprio Galante, bem como de diretores e técnicos que com ele trabalharam (Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla, Sylvio Renoldi, Miro Reis, Cláudio Portioli, Jairo Ferreira, Antônio Meliande, Inácio Araújo, entre outros), procuramos mapear o que foi o chamado cinema da Boca do Lixo (referência à região central de São Paulo), um núcleo de produtoras e distribuidoras que produziu, ao longo de três décadas, uma enorme variedade de títulos que atraíam um público popular e numeroso.

O curta-metragem em 35 mm Que cavação é essa? (figura 1) que codirigi com Estevão Garcia (2008), foi outra experiência importante nesse processo. Tendo sido realizado com os recursos da primeira edição do Programa Forcine, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, o filme foi concebido como um “programa duplo”, dialogando com o cinema silencioso não a partir da tradição dos filmes encenados mas da quase desconhecida herança das “fitas tiradas do natural” - o que hoje chamaríamos de registros documentais.

Fig. 1
Cosme Monteiro e Érica Collares em Que cavação é essa? (2008).

O termo de época “cavação”, aplicado por jornalistas e críticos a uma parcela significativa da produção cinematográfica brasileira das três primeiras décadas do século XX, composta sobretudo por cinejornais, atualidades e documentários (os filmes “naturais”), tinha um sentido pejorativo, discriminatório e até policialesco. Era usado quando se buscava separar o “joio” do “trigo”, isto é, definir o quê ou quem deveria ser considerado digno de figurar na tão desejada “indústria de cinema” no Brasil. Os “cavadores” eram vistos como a verdadeira escória da humanidade para aqueles que defendiam o cinema-espetáculo nos padrões internacionais. Cinema com C maiúsculo só poderia ser o “posado” (isto é, o espetáculo ficcional de cerca de uma hora e meia de duração, com roteiro, atores e cenografias). O tempo e o descaso encarregaram-se de reduzir “posados” e “naturais” ao quase total desaparecimento, com algumas poucas obras preservadas em cinematecas.

A partir de 2010, com a maior democratização de acesso ao suporte digital de alta definição, adotei um sistema de produção diverso daqueles experimentados em O Galante rei da Boca e em Que cavação é essa?, contudo mais próximo dos “vídeo-ensaios” dos anos 1990. O interesse pela reflexão sobre o cinema se manteve, mas sofrendo considerável modificação em termos de enfoque e abrangência.

O longa-metragem digital Legião estrangeira (2011) surgiu em parte dessas novas condições de produção. Em 2010, os cineastas Pedro Henrique Ferreira e Thiago Brito, então estudantes de graduação em cinema (respectivamente na PUC-Rio e na UFF), faziam parte de um grupo de estudos sobre Walter Benjamin. O grupo era coordenado pelo professor e conservador-chefe da Cinemateca do MAM-RJ, Hernani Heffner, que sugeriu aos alunos a filmagem de um argumento de sua autoria: os últimos dias de Benjamin exilado no Brasil.

Pedro Ferreira e Thiago Brito convidaram-me para participar do projeto como ator, interpretando o próprio Benjamin. Aceitei o desafio, mas propus uma condição - levar a minha câmera digital para fazer um “diário de bordo” dessa experiência. Configurou-se uma situação performática especular, na qual eu de fato filmava os dois realizadores e eles incorporavam minha condição de “ator-cinegrafista” para compor um Benjamin que a tudo filmava. O que me interessava era pensar com imagens e sons um certo modo peculiar de fazer cinema: o ato de se pegar uma câmera e de se “fazer um filme” como quem “faz música” tocando apenas um violão. Nesse modo de filmar, a vida não precisa “parar” para que o filme aconteça. Trata-se talvez de uma forma nova de lidar com a situação cinema.

Se Legião estrangeira considera o cinema como ponto de partida, mas não de chegada, Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo (2012), o longa-metragem seguinte que dirigi, mantém com o cinema uma relação mais diluída e “refrativa”, para usar o termo que, a próposito dos “filmes-ensaio”, Thimothy Corrigan resgata de André Bazin16 16 . Cf. CORRIGAN, Thimothy. O filme-ensaio. Desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015, especialmente p. 181-202. . No caso de Nenhuma fórmula... não se trata de um ensaio, mas de uma comédia que flerta com determinadas referências cinematográficas (Rogério Sganzerla, por exemplo).

Em uma determinada cena, a personagem central, Carola Brecker (interpretada por Anna Karinne Ballalai, roteirista e coprodutora do filme), penetra em uma exposição no Itaú Cultural, em São Paulo - a Ocupação Rogério Sganzerla - e encontra Otoniel Serra, ator de Copacabana mon amour (Rogério Sganzerla, 1970). Cercados por múltiplas imagens em movimento projetadas nas paredes da exposição, os dois “personagens/atores” conversam sobre o cinema de Sganzerla, e o diálogo é encoberto pelas várias vozes do cineasta catarinense, em trechos de gravações que variam conforme o espaço por onde circulam. (Figuras 2 e 3)

Fig. 2
Otoniel Serra em Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo (2012).

Fig. 3
Anna Karinne Ballalai em Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo (2012).

Por fim, já no âmbito do projeto “Historiografia audiovisual do cinema no Brasil”, venho realizando um documentário sobre o montador e editor de som Severino Dadá, intitulado O cangaceiro da moviola, a partir de imagens colhidas desde 2002 em diversos suportes (MiniDV, 35mm, 16mm, HD, etc.). Trata-se de um trabalho que buscará inserção em um aspecto ainda muito pouco investigado pelos historiadores locais, qual seja, a história dos técnicos cinematográficos brasileiros.

Vistos em conjunto, os títulos aqui comentados abrangem uma série de temas ou linhas de pesquisa possíveis, que aliás em grande medida já vêm sendo contemplados pelos estudos sobre o cinema no Brasil, e que portanto constróem de alguma forma um diálogo audiovisual com a historiografia: o cinema independente brasileiro dos anos 1950; o filme amador e o cinema experimental; a espectatorialidade e a projeção no cinema; as salas de cinema de rua; o cinema silencioso de “cavação”; o institucional; as cinematecas e a preservação de filmes; o papel do produtor no cinema brasileiro; a história dos técnicos; o “cinema contemporâneo”; as heranças do Cinema Marginal e do cinema popular, da Boca paulistana e do Beco carioca...

Em termos formais foram experimentados o vídeo-ensaio, as fronteiras entre a ficção e o documentário, o documentário de corte mais clássico e a comédia. A circulação desses trabalhos variou bastante: casas de cultura, cinematecas, cineclubes, festivais nacionais e internacionais, canais de TV pagos, DVDs, internet, salas comerciais de cinema e universidades17 17 . O Galante rei da Boca foi lançado no Festival Internacional É Tudo Verdade (2004), onde ganhou o prêmio de Melhor Documentário pela ABD - São Paulo; foi também exibido durante seis anos no Canal Brasil; Que cavação é essa? estreou no 41º Festival de Brasília (2008); Legião estrangeira foi lançado na Mostra do Filme Livre, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília (2011); Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo entrou em cartaz comercialmente em 2014 no Cine 104, em Belo Horizonte. .

III. Estudos de caso

Apresento em seguida dois estudos de caso a partir de filmes que dialogam com a ideia de historiografia audiovisual tal como ela aqui é entendida. O primeiro é sobre o documentário Panorama do cinema brasileiro (Jurandyr Noronha, 1968), que procura, como o próprio título indica, estabelecer uma história panorâmica e cronológica da produção de filmes no país.

Embora estejamos partindo do cinema brasileiro (caso do projeto “Historiografia audiovisual do cinema no Brasil”), faz parte dos objetivos do grupo estabelecer pontes e dialogar com outros estudos e filmes que se enquadrem na perspectiva de uma historiografia audiovisual sobre o cinema produzido na América Latina e em nosso subcontinente. Por esta razão, o segundo estudo é uma comparação entre duas comédias dos anos 1940-1950: o filme chileno La dama de las camelias (José Bohr, 1947) e o brasileiro Carnaval Atlântida (José Carlos Burle, 1953), ambos passados no ambiente dos estúdios cinematográficos.

A ideia aqui é exemplificar como a análise de filmes sobre o cinema pode estimular a reflexão em torno de novos recortes e abordagens historiográficas, para além da literatura tradicional sobre o tema.

Estudo de caso 1: Panorama do cinema brasileiro

Em 18 de novembro de 1966, durante a ditadura implantada pelo golpe civil-militar de 1964, o governo do marechal Castello Branco criou por decreto o Instituto Nacional do Cinema (INC), uma autarquia federal subordinada ao Ministério da Educação e Cultura. A estrutura administrativa do INC era regida por um Conselho Deliberativo (única instância com poder executivo) ocupado por representantes dos Ministérios da Educação e Cultura, da Justiça, da Indústria e Comércio, do Planejamento e Coordenação Econômica, além do Banco Central; a classe cinematográfica ficava restrita apenas ao Conselho Consultivo, com cinco membros representantes dos produtores, exibidores, distribuidores, diretores e críticos.

Além dos Conselhos, havia a Secretaria-Executiva, aos quais se subordinavam os Departamentos do Filme de Longa-Metragem, do Filme Educativo e de Administração. O INC tinha como objetivos “formular e executar a política governamental relativa à produção, importação, distribuição e exibição de filmes”, bem como desenvolver a indústria cinematográfica brasileira e promovê-la no exterior18 18 . Projeto de criação do Instituto Nacional do Cinema. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, nov.-dez. 1966, n. 02, p. 57. .

Embora vinculado ao Estado repressor, ou exatamente por isso, o INC procurava divulgar uma imagem de neutralidade, apresentando-se não como um órgão de intervenção e sim como “elemento disciplinador num setor profissional cujas particularidades exigem especial sensibilidade”19 19 . INC: hora primeira. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, jul.-ago. 1967, n. 05, p. 02. . Seu primeiro presidente, Durval Gomes Garcia, em textos oficiais divulgados na revista Filme Cultura, publicação editada pelo INC, citava o teórico italiano Luigi Chiarini - “o filme é uma arte e o cinema uma indústria”20 20 . Ibidem, p. 03. -, e preconizava um improvável “Cinema Total brasileiro”, isto é, um cinema “profissional” que fosse o resultado dos esforços passados, buscando a renovação artística sem se descuidar do público e do retorno financeiro; um cinema ao mesmo tempo “receptivo” e “descompromissado”, ou seja, aberto a todas as correntes ideológicas mas desvinculado de qualquer uma; além de “exportável” e “brasileiríssimo” - o que significaria saber falar uma “linguagem universal” a partir de “motivos nacionais”21 21 . GARCIA, Durval Gomes. A hora do Cinema Total. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, 30 abr. 1968, n. 09, p. 01. .

Uma das atribuições do INC era “produzir e adquirir filmes e diafilmes educativos ou culturais para fornecimento a estabelecimentos de ensino e entidades congêneres”22 22 . Projeto de criação do Instituto Nacional do Cinema. Op. cit., p. 57. . Atendendo a esse objetivo, o Instituto produziu o longa-metragem Panorama do cinema brasileiro (1968), dirigido e roteirizado pelo cineasta e pesquisador Jurandyr Noronha. Além de Noronha, à época chefe da Seção de Filmoteca do INC, os letreiros do filme informam que a produção contou com a “consultoria histórica” do veterano produtor Adhemar Gonzaga e dos críticos cinematográficos Antonio Moniz Vianna, José Sanz e Rubem Biáfora. Moniz Vianna, que era o secretário executivo do INC, ficou a cargo da “supervisão crítica”. Gilberta Mendes, diretora do Departamento do Filme Educativo, responsabilizou-se pelo planejamento da produção.

O levantamento do material de arquivo foi feito por Jurandyr Noronha, Julio Heilbron e Eduardo Rüegg, com a colaboração de Adhemar Gonzaga, da Cinemateca Brasileira de São Paulo e de produtores, realizadores e distribuidores do cinema brasileiro. A realização de Panorama do cinema brasileiro durou um ano (1966-1967). Para abranger o período de 1898 até 1966 foram citados 58 filmes, dos quais 17 através de fotografias e 41 com trechos de cenas escolhidas. Fazia parte do projeto a distribuição do filme no exterior, com versões em francês, inglês e espanhol, dentro de uma estratégia de propaganda do cinema brasileiro e da própria política cultural do regime militar23 23 . Ao longo de 1968-1969, Panorama do cinema brasileiro foi exibido nas cidades de Lima, Lisboa, Bilbao, Bruxelas, Melbourne e Quito. .

Lançado na noite de 07 de março de 1968 para uma plateia de cerca de 1.500 espectadores, durante a cerimônia oficial de entrega dos prêmios do INC, no Cine Palácio (Rio de Janeiro), o documentário apresentava-se como um “testemunho imparcial de toda a história do cinema brasileiro”24 24 . Um documento histórico: Panorama do cinema brasileiro. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: jul.-ago. 1967, n. 05, p. 11. . Com uma estrutura cronológica bem delimitada, a antologia trazia algumas contribuições valiosas aos estudos sobre o cinema no país. Dentre os trechos de filmes apresentados, cenas de Limite (Mário Peixoto, 1930) e Alma do Brasil (Líbero Luxardo, 1932), títulos até então considerados perdidos; um dos primeiros desenhos animados feitos no Brasil, Macaco feio, macaco bonito (Luiz Seel, 1929); uma reportagem sobre as filmagens do musical Coisas nossas (Wallace Downey, 1931); e dois filmes realizados pelos pioneiros José Medina e Gilberto Rossi, Exemplo regenerador (1919) e Fragmentos da vida (1929).

Apesar dessas contribuições, e a despeito do fato de ser o primeiro documentário de longa-metragem a tratar da história do cinema nacional, Panorama do cinema brasileiro nunca chegou a integrar o cânone da chamada “historiografia clássica”, da qual fazem parte textos escritos por importantes e respeitados autores como Alex Viany, Glauber Rocha e Paulo Emilio Salles Gomes25 25 . Cf. VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1959; ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963; e GOMES, Paulo Emilio Salles. Panorama do cinema brasileiro: 1896/1966. In: Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. (Originalmente publicado em GOMES, Paulo Emilio Salles e GONZAGA, Adhemar. 70 anos de cinema brasileiro. São Paulo: Expressão e Cultura, 1966.) . É necessário entender as razões desse fenômeno.

A ausência do filme Panorama do cinema brasileiro entre as obras clássicas de referência sobre a história do cinema no Brasil se deve, por um lado, ao predomínio do texto escrito como fonte de pesquisa e de legitimação do campo cinematográfico; a iconofobia é um dado marcante entre pesquisadores e historiadores do cinema. Não obstante, o desprezo conferido ao documentário produzido pelo INC se deve a razões de ordem política e ideológica, que acredito serem principais e determinantes. Até hoje, os textos sobre a história do cinema brasileiro adotados em cursos ou discutidos na imprensa e nos meios acadêmicos são aqueles produzidos por críticos, historiadores, pesquisadores e intelectuais ligados à esquerda e ao Cinema Novo. Ainda que certos pressupostos dessa herança (como as ideias de “nacional-popular” e de “cinema de autor”) venham sendo questionados há décadas, eles ainda são muito presentes nos estudos históricos sobre o cinema brasileiro.

Conforme observou Roberto Schwarz em seu ensaio “Cultura e política, 1964-1969”, apesar da ditadura de direita instalada no Brasil em 1964, no campo da cultura houve uma relativa hegemonia da esquerda, perceptível sobretudo no setor de publicações de livros, na música, no teatro e no cinema26 26 . SCHWARZ, Roberto. Cultura e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 07-51. . A essa relativa hegemonia, o INC reagiu com o documentário Panorama do cinema brasileiro.

Talvez seja possível falar, assim, em uma história reacionária do cinema brasileiro. Ainda que no filme do INC estejam presentes trechos de Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963) e Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964), além de outras obras filiadas ao Cinema Novo, é para o “rigor estilístico” de cineastas “universalistas” como Walter Hugo Khouri, Rubem Biáfora, Jorge Ileli e Anselmo Duarte que o texto narrado pela voz over e escrito por Moniz Vianna (notório opositor dos “cinemanovistas” na imprensa), dirige seus maiores elogios27 27 . Retomo o termo “universalistas” conforme a formulação de José Mario Ortiz Ramos: “‘universalista’ ou ‘cosmopolita’, no sentido de absorver, sem críticas, formas de produção e moldes artísticos estrangeiros” (grifos do autor). De acordo com Ortiz Ramos, os “universalistas” se contrapunham aos “nacionalistas”, vertente da crítica e da realização cinematográficas mais afinada às diretrizes progressistas e ao compromisso com temas de caráter nacional-popular. O Cinema Novo mantém relações estreitas com os “nacionalistas”. Cf. RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50/60/70. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 23. Para uma leitura mais matizada dessa contraposição “universalistas” versus “nacionalistas”, cf. SIMIS, Anita. Cinema e Estado no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996, em especial p. 263-275. . Aponta-se ainda como principais contribuições dadas à divulgação do cinema brasileiro no exterior não os filmes do Cinema Novo, mas O cangaceiro (Lima Barreto, 1953) e O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962), produções identificadas ao cinema industrial.

Mas se Panorama do cinema brasileiro procurava reagir ao Cinema Novo, ele o reafirmava como um divisor de águas - portanto, como uma referência central. Esse “tiro no pé” tornava frágil o projeto ideológico de Panorama do cinema brasileiro. Restava ao grupo ligado ao INC a afirmação da antologia como instrumento de poder, já que dotava seus realizadores/curadores da capacidade de incluir ou excluir este ou aquele filme no longa-metragem - sem falar da possibilidade de manipular pela montagem os múltiplos sentidos das imagens incorporadas.

Por todos esses motivos, creio ser necessário examinar com atenção um filme como Panorama do cinema brasileiro a partir do discurso historiográfico que ele procura formular, relevante não só por seu caráter reacionário mas pelas possibilidades de investigação de linhas de continuidade entre estilos e épocas que, por vezes, através da montagem dos diferentes trechos apresentados, o filme aponta ou deixa entrever.

A título de exemplo, vale a pena recorrer a um contraponto, estabelecendo um diálogo entre Panorama do cinema brasileiro e um curta-metragem realizado em 1966, mas lançado comercialmente em 1968, intitulado Mauro, Humberto. O curta foi dirigido por David E. Neves, um dos principais críticos e cineastas alinhados ao Cinema Novo, e aborda uma figura-chave no “panteão” da história do cinema brasileiro, o pioneiro cineasta Humberto Mauro. Panorama do cinema brasileiro e Mauro, Humberto são em tudo filmes opostos, a começar pelos seus diretores, Jurandyr Noronha e David Neves, pertencentes a gerações distantes e a formações ideológicas antagônicas. Mas ambos partem da centralidade do Cinema Novo como um fato estético relevante.

Em Mauro, Humberto, sobre trechos do filme Ganga bruta (Humberto Mauro, 1933), a locução afirma que a “câmera na mão e a captação da espontaneidade”, já evidenciadas naquele filme, “são recursos em voga no cinema que se faz hoje em dia [1966]”. No filme de Jurandyr Noronha, o mote da câmera na mão reaparece, mas em uma perspectiva bem diversa. Ilustrada por cenas documentais mostrando o veterano cinegrafista Adalberto Kemeny empunhando uma pequena câmera de corda, a voz do narrador comenta que ele e seu sócio Rudolf Rex Lusting “foram os primeiros entre nós, com São Paulo, sinfonia da metrópole, a empregar aquela fórmula da câmara na mão e uma ideia na cabeça”. As imagens que se seguem de São Paulo, sinfonia da metrópole (1929) mostram planos dinâmicos da cidade e de pedestres indo e vindo. Depois, já quase ao final de Panorama do cinema brasileiro, novas cenas de rua captadas com a câmera na mão, desta vez extraídas do filme A grande cidade (Carlos Diegues, 1965), corroboram de forma sutil a afirmação do narrador, estabelecendo o pioneirismo estético de Kemeny e Lusting sobre o Cinema Novo.

Tanto no filme de David Neves quanto no de Jurandyr Noronha, o famoso slogan do Cinema Novo (“uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”) é invocado, mas apontando para referências bem distintas. Em Mauro, Humberto, atribui-se a origem desse estilo a Humberto Mauro, não por acaso reivindicado como o “pai do moderno cinema brasileiro” pelo próprio grupo do Cinema Novo; já em Panorama do cinema brasileiro, a referência não é Mauro, mas um documentário produzido em São Paulo, em geral relacionado à vanguarda europeia (espécie de “versão brasileira” de Berlim, sinfonia de uma metrópole/ Berlin: die Sinfonie der Großstadt, Walter Ruttman, 1927) e realizado por dois imigrantes húngaros que participaram do processo de industrialização do cinema brasileiro durante os anos 1940-1950, em São Paulo.

O que nos interessa não é defender o grau de veracidade de uma ou de outra afirmação (ambas são prováveis), mas chamar a atenção para o fato de que Mauro, Humberto e Panorama do cinema brasileiro, filmes opostos ideologicamente, se preocupam em apresentar, a partir de um mesmo recurso formal (a câmera na mão), diferentes antecedentes para o Cinema Novo, ambos instigantes e passíveis de aprofundamento. No caso do documentário produzido pelo INC, inclusive, abre-se uma perspectiva de pesquisa ausente nos textos da historiografia clássica: a que relaciona a experiência de técnicos-realizadores dos primórdios do cinema industrial paulista (Kemeny e Lusting) aos pressupostos estilísticos e a determinadas formas de produção características do movimento do Cinema Novo.

Estudo de caso 2: La dama de las camelias e Carnaval Atlântida

Como foi dito, o Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual tem como propósito ampliar o escopo das análises para o cinema latino-americano. Julgamos não só importante tal ampliação, como necessária, uma vez que as cinematografias latino-americanas apresentam problemas e características comuns. Apenas para citar um exemplo, as tentativas de industrialização (baseadas no modelo do studio system hollywoodiano) com base no investimento em determinados gêneros cinematográficos (como a comédia musical popular) podem ser encontradas tanto no Brasil quanto em cinematografias como a argentina, a mexicana e a chilena. Além disso, a análise comparada de filmes e experiências de produção no cinema latino-americano possibilita a renovação de temas e recortes em relação ao próprio cinema brasileiro28 28 . Já mencionamos aqui o livro de Paulo Antonio Paranaguá, Le cinéma en Amérique Latine: le miroir éclaté, historiographie et comparatisme. Do mesmo autor, vale também destacar Tradición y modernidad en el cine de America Latina. Madri: Fondo de Cultura Económica de España, 2003. Para uma abordagem sobre as relações entre o cinema moderno, a crítica cinematográfica e o cinema latino-americano, cf. NÚÑEZ, Fabián Rodrigo Magioli. O que é “Nuevo Cine Latinoamericano”? O cinema moderno na América Latina segundo as revistas cinematográficas especializadas latino-americanas. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Niterói: UFF, 2009. .

Iniciamos nossas investigações acerca do cinema latino-americano estudando o caso chileno. A escolha foi motivada pela descoberta de três filmes inéditos no Brasil, que tratavam do universo cinematográfico: Escándalo (Jorge Délano, 1940); Hollywood es así (Jorge Délano, 1944) e La dama de las camelias, produzido pela Chile Films. A análise mais detida deste último, por sua vez, ensejou a comparação com Carnaval Atlântida.

Criada em 1942 em Santiago, a Chile Films era uma empresa de economia mista ligada à estatal CORFO (Corporación de Fomento de la Producción), órgão por sua vez implantado em 1939 e subordinado ao Ministério da Fazenda. Após enfrentar diversas crises e reformulações em seu estatuto, a Chile Films cerrou suas portas em 1949.

A Atlântida foi fundada no Rio de Janeiro em 1941 através da venda de ações populares e a incorporação de 23 sócios, incluindo cineastas, jornalistas e o empresário Paulo Burle, ligado ao comércio, à indústria e à imprensa29 29 . Paulo era irmão de José Carlos Burle. . Em 1947, o poderoso exibidor e distribuidor Luiz Severiano Ribeiro Júnior tornou-se o acionista majoritário da Atlântida. A empresa produziu de forma ininterrupta até 1963.

Em que pesem as distâncias e diferenças que singularizam as experiências chilena e brasileira, tanto La dama de las camelias quanto Carnaval Atlântida nos interessam por criticarem determinadas ilusões industrialistas comuns ao cinema dos dois países. No primeiro caso, a acusação se volta contra a própria Chile Films; já Carnaval Atlântida tem como alvo a contemporânea Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada em 1949 por industriais pertencentes à grande burguesia de São Paulo, com inspiração no cinema europeu e no modelo do studio system hollywoodiano.

No filme de José Bohr, o estúdio CLAVE e o diretor Max Longo (Roberto García Ramos) enfrentam uma série de dificuldades, sobretudo de ordem financeira, para levar às telas uma adaptação fiel de A dama das camélias, o clássico romance de Alexandre Dumas Filho. Uma atriz de teatro mambembe, Desideria de los Ríos (Ana González), acompanhada de seu tio e de amigos artistas, tenta ingressar no elenco da produção, sem sucesso. Para construir os cenários adequados, o estúdio compra um pequeno teatro popular de bairro, no qual era celebridade ninguém menos que Desideria. Em meio à crise financeira e administrativa em que mergulha o estúdio CLAVE, Max Longo se vê abandonado por parte da equipe técnica e do elenco principal, incluindo a estrela Luz de la Clarté, intérprete do papel título. Sem escolha, pressionado por produtores e acionistas, Max Longo contrata Desideria, que passa a interpretar o papel-título da produção. O romance de Dumas Filho acaba se transformando em uma comédia farsesca.

Em Carnaval Atlântida, o produtor Cecílio B. de Milho (Renato Restier), dono da Acrópole Filmes, pretende produzir um grande épico sobre Helena de Troia. Para tanto, pede que seu assistente Augusto (Cyll Farney) convide o professor Xenofontes (Oscarito), especialista em Grécia Antiga, para escrever o roteiro. O salário é atraente, e Xenofontes, embora relutante, aceita participar da empreitada, ainda mais depois que conhece a sobrinha de Cecílio, o “furacão cubano” Lolita (Maria Antonieta Pons). Ela está comprometida com um falso Conde de Verdura (José Lewgoy), que na verdade é chofer de um milionário. No estúdio, dois faxineiros (Grande Otelo e Colé) tentam viabilizar uma versão carnavalesca do mito grego, mas são hostilizados por Cecílio B. de Milho. Regina (Eliana), filha de Cecílio, faz o par romântico com Augusto. Ao fim do filme, Lolita, Xenofontes, Augusto e Regina acabam convencendo Cecílio B. de Milho de que ele deveria aderir ao samba e produzir um musical, pois o cinema nacional não se encontrava em condições de fazer uma superprodução como Helena de Troia.

Tanto La dama de las camelias quanto Carnaval Atlântida investem em gêneros de grande aceitação popular, quais sejam, a “comédia citadina”, da qual uma de suas principais representantes era justamente a atriz Ana González e sua personagem La Desideria30 30 . SEREY, Alonso Machuca. Chilefilms, un capítulo ignorado. Imaginario expuesto en las producciones íntegras de la empresa chilena entre 1944 y 1947. In: PEIRANO, Maria Paz e GOBANTES, Catalina (orgs.). Chilefilms, el Hollywood criollo. Aproximaciones al proyecto industrial cinematográfico chileno (1942-1949). Santiago de Chile: Editorial Cuarto Propio, 2015, p. 200-202. , e a comédia musical carnavalesca, também conhecida como “chanchada”, que tinha em Oscarito e Grande Otelo dois de seus principais chamarizes31 31 . Existe uma ampla bibliografia em torno da chanchada. Cf., por exemplo, SOUZA, José Inácio de Melo e CATANI, Afrânio Mendes. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1983; AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; MACHADO, Hilda. As cem cadeiras: comédia fílmica como fonte historiográfica. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro: IFCS-UFRJ, 2001; BARRO, Máximo. José Carlos Burle: drama na chanchada. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007; FERREIRA, Sandra Cristina Novais Ciocci. Assim era a música da Atlântida: a trilha musical do cinema popular brasileiro no exemplo da Companhia Atlântida Cinematográfica 1942/1962. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes. Campinas: Unicamp, 2010. DOURADO, Ana Karícia Machado. Chanchada: performance do insólito e paradoxo do comediante. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo: FFLCH-USP, 2013. . Esses gêneros são filtrados pela reflexividade da representação do universo cinematográfico e pela crítica que ambos dirigem ao ideário industrialista.

Se em La dama de las camelias o que se busca é evidenciar as contradições e o desajuste entre o projeto de um cinema “ideal” (identificado à indústria hollywoodiana) e as condições concretas de produção, Carnaval Atlântida aponta para um programa estético e ideológico a ser seguido pelos produtores nacionais. Aqui destaco uma das principais diferenças de tom entre as propostas cômicas de La dama de las camelias e Carnaval Atlântida, evidentes quando à luz de uma análise comparada. No primeiro caso, a impossibilidade traumática do estúdio chileno em realizar de forma satisfatória a adaptação de um romance francês do século XIX é visto negativamente: o projeto é levado até o fim, mas resulta em uma farsa, da qual se envergonha o próprio diretor Max Longo. Já no filme brasileiro, o desejo de realizar uma superprodução é descartado de forma consciente, sendo substituído por uma outra proposta considerada mais realista - no caso, a filmagem de um musical carnavalesco; ao aderir ao musical, o produtor Cecílio B. de Milho comemora o acerto da decisão, deixando para um futuro qualquer a aposta no cinema “sério”.

Entre 1945 e 1947, as relações entre a Chile Films e a CORFO foram bastante conflituosas. Além das dificuldades financeiras e do aumento dos custos de produção dos filmes, o contexto internacional prejudicava a importação de negativos. Conforme assinala Maria Paz Peirano, os embates entre a CORFO e a Chile Films foram atravessados por escândalos, destituições de diretores e conselheiros e reformulações internas32 32 . PEIRANO, Maria Paz. Chilefilms, el proyecto nacional y los discursos sobre el cine chileno durante la década de 1940. In: PEIRANO, Maria Paz e GOBANTES, Catalina (orgs.). Op. cit., p. 103 e 111-112. . Em 1946 - ano da produção de La dama de las camelias -, foi divulgada com alarde a caótica situação financeira da produtora, com prejuízos que chegavam perto de 30 milhões de pesos. Entre as possíveis causas do fracasso, a suspeita de desvios de verba33 33 . Ibidem, p. 114. Exemplos de números musicais diegéticos (Carnaval Atlântida). .

Esse quadro talvez explique a crueza com a qual a atividade cinematográfica é retratada em La dama de las camelias. Na primeira parte do filme, os produtores enfrentam falta de dinheiro; escassez de negativo; um prazo absurdo (três dias) para realizar o filme. Enquanto isso, os financistas pressionam o estúdio com ameaças explícitas, o não cumprimento dos prazos e das clásulas contratuais podendo levar os produtores e o diretor à prisão. Max Longo resolve fazer o filme “possível”, executando quase todas as funções - atrás e na frente das câmeras - e colocando Desideria no papel principal de Margarita Gautier. Até então arrogante e megalomaníaco, o diretor Max Longo precisa render-se duplamente: ao assédio de Desideria e ao gênero cômico popular.

A forma como José Bohr constrói essa aproximação é curiosa. Durante as filmagens, surge o romance entre Desideria e Max Longo, mas é somente no fim do filme que nós espectadores nos apercebemos disso. Do lado de fora da cabine onde La dama de las camelias está sendo exibido para os financistas da CLAVE, Max Longo e Desideria conversam, apreensivos. Ela se mostra apaixonada e carinhosa; ele só pensa em destruir a cópia, pois acha que o resultado final vai arruinar sua carreira. Ocorre que a versão farsesca do romance de Dumas é um sucesso entre os acionistas do estúdio, que saem da sessão às gargalhadas, convictos de que o público aplaudirá a produção. O prestígio de Max Longo está salvo. Nesse momento reaparece Luz de la Clarté, a atriz que o abandonara, e com ela a comédia que até então assistíamos torna-se um melodrama: Longo se reconcilia com Luz e Desideria é novamente desprezada.

Se comparada a La dama de las camelias, a representação do meio cinematográfico em Carnaval Atlântida parece bem menos objetiva. A começar pelo próprio ambiente do estúdio, passando pela hierarquia entre os funcionários e as relações patrão/empregados. Sabemos que Cecílio B. de Milho é o dono da Acrópole Filmes, mas é ambíguo o papel que desempenha no projeto de Helena de Troia, ora agindo como produtor, ora fazendo as vezes de diretor, como na cena em que dirige um teste com o Conde Verdura e o professor Xenofontes. No campo oposto, temos os faxineiros do estúdio, interpretados por Grande Otelo e Colé. Estes estão sempre tentando viabilizar suas criações, sem jamais conseguir ascender na hierarquia do estúdio.

Ainda mais difusos são os personagens pertencentes à camada “intermediária” no funcionamento do estúdio: Augusto, Regina e Lolita. O primeiro é assistente de Cecílio, mas parece ambicionar ser diretor. Contudo, em nenhum momento (nem mesmo na cena do teste), vemos Augusto assumir de fato a direção. Quanto a Regina e Lolita, o parentesco com Cecílio as livra de qualquer compromisso burocrático ou contratual com a Acrópole Filmes. Elas não são empregadas de Cecílio, mas têm talento para dançar e cantar. Regina chega a criar um número musical, encomendando secretamente ao cenógrafo os desenhos para a cena.

Ao contrário do que ocorre em La dama de las camelias, no filme de José Carlos Burle quase não vemos a Acrópole Filmes em atividade. Além da já mencionada cena do teste, a maior parte dos quadros musicais são “ideias” contadas por um personagem a outro. Em Carnaval Atlântida há uma curiosa tensão entre esses números “imaginados” e aqueles que ocorrem no plano diegético.

Chamo aqui de números musicais diegéticos aqueles que se passam dentro do espaço-tempo narrativo percebido como “real”, no contexto da ação dramática. Por exemplo, quando os faxineiros ensaiam um número com o cantor Francisco Carlos, ou quando Bill Farr canta em uma festa para os convidados. (Figuras 4 e 5)

Fig. 4
Francisco Carlos cantando Quem dá aos pobres, de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti;

Fig. 5
Bill Farr cantando A marcha do conselho, de Paquito e Romeu Gentil.

Os números “imaginados” continuam fazendo parte da ação dramática, mas em um plano não diegético (isto é, fora do espaço-tempo “real” construído pela ação ficcional na qual se ancora o espectador). Seriam exemplos de números musicais “imaginários” aqueles contados por um personagem a outro. No caso de um número como o de No tabuleiro da baiana, há uma estrutura que beira ao mise-en-abîme. O cenógrafo conta a Cecílio B. De Milho o número imaginado por Regina; nesse número, um personagem (o jornaleiro) não consegue vender jornais e, a certa altura, cochila em um banco e sonha com um número musical - No tabuleiro da baiana, com Grande Otelo e Eliana. O sonho é sugerido pela fusão. (Figuras 6 a 11)

Figs. 6 a 11
Exemplo de número musical “imaginado” (Carnaval Atlântida): No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso.

É interessante notar que os números diegéticos parecem bem mais convencionais, pois obedecem ao padrão das comédias musicais brasileiras típicas da época: os personagens são enquadrados em plano americano ou de meio-conjunto, a câmera é quase sempre fixa, a relação figura-fundo é evidente e se materializa a partir dos cenários teatrais ou da orquestra que toca ao fundo. (Figuras 4 e 5)

Já os números “imaginados” filiam-se a um outro modelo de encenação, mais afinado aos modernos musicais hollywoodianos contemporâneos a Carnaval Atlântida, tais como An american in Paris (Sinfonia de Paris, Vincente Minelli, 1951), Cantando na chuva (Singin’ in the rain, Gene Kelly e Stanley Donen, 1952) e A roda da fortuna (The band wagon, Vincente Minelli, 1953), nos quais a ênfase na espacialidade teatral é rompida pela montagem, pela maior mobilidade da câmera, pelas mudanças rápidas de cenário e pelo uso da trucagem fotográfica de laboratório (fusão, colagens, máscaras etc.). (Figuras 6 a 11)

Vale observar que nem todo número musical “imaginado” segue esses parâmetros modernos: por exemplo, quando os faxineiros (Grande Otelo e Colé) contam a Cecílio como imaginam a cena de Helena de Troia cercada por seus escravos, o número musical debochado e alegre que eles narram (Dona Cegonha) é bastante tradicional. (Figura 7) Não por acaso, vai de encontro ao pretenso “bom gosto” de Cecílio B. de Milho, pois obecede às convenções das chanchadas carnavalescas, e por isso não convence o intratável e preconceituoso produtor.

Fig. 7
Blecaute cantando Dona Cegonha, de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti. A encenação obedece à tradição da chanchada.

Cecílio só é de fato conquistado pela ideia de produzir um musical quando seu assistente Augusto lhe propõe novas concepções de coreografia e de encenação. Na reunião final no escritório de Cecílio, Augusto descreve ao patrão a sequência musical que imaginou: o primeiro aspecto diferencial é que não se trata de um quadro calcado no samba, mas sim em uma melodiosa canção interpretada por Dick Farney (Alguém como tu), balada com arranjo orquestral americanizado; o bailado e o cenário fogem ao comum, são sofisticados, e constróem o espaço a partir de um jogo de luzes e sombras. (Figura 8)

Fig. 8
Número musical Alguém como tu, de José Maria de Abreu e Jair Amorim, com Dick Farney.

A certa altura, porém, o samba invade a cena e se impõe: a orquestra dá lugar a um interlúdio animado, no qual Lolita surge dançando uma batucada ao lado de um sambista que faz um improviso vocal. Ao fim desse interlúdio, o número retoma o padrão anterior, mas não poderá mais se desvencilhar da intromissão carnavalesca. Dick Farney volta a cantar a balada e um plano geral traduz a síntese desejada para um novo tipo de espetáculo ao mesmo tempo popular e sofisticado: num palco elevado, o casal samba; abaixo, Dick Farney e as bailarinas finalizam a canção no melhor estilo hollywoodiano. (Figura 9)

Fig. 9
Número musical Alguém como tu, de José Maria de Abreu e Jair Amorim, com Dick Farney.

De acordo com João Luiz Vieira, em Carnaval Atlântida “há uma articulação inevitável da oposição entre ‘popular’ e ‘cultura de elite’”, sendo o presente identificado à “cultura popular” e o passado à “cultura de elite”34 34 . VIEIRA, João Luiz. A chanchada e o cinema carioca. In: RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1990, p. 166. . Para Arthur Autran, o filme de Burle alegoriza duas propostas de produção características do cinema brasileiro da primeira metade dos anos 1950: a primeira delas remete aos estúdios da Vera Cruz e à “cultura importada e elitista”, representada por Cecílio B. de Milho e a Acrópole Filmes; a segunda remete à própria Atlântida e à “perspectiva da cultura popular e nacional”, através de Augusto, Regina, Lolita e dos “personagens populares” (os faxineiros vividos por Otelo e Colé)35 35 . AUTRAN, Arthur. Op. cit., p. 229. .

Sem discordar das tensões apontadas por Vieira e Autran, penso que Carnaval Atlântida também põe em questão um outro confronto, qual seja, entre concepções divergentes de espetáculo cinematográfico. Aos modelos defendidos pelo dono da Acrópole Filmes (a superprodução pesadona, que remete à tradição dos film d’art) e pelos faxineiros (a chanchada carnavalesca mais elementar e convencional), uma nova geração de artistas (representada por Augusto, Regina, Lolita e Xenofontes) contrapõe um outro tipo de encenação e coreografia, em sintonia com a renovação dos musicais hollywoodianos. As ideias dessa nova geração suplantariam os modelos anteriores, considerados ultrapassados ou rotineiros, trazendo para os estúdios brasileiros a modernização do espetáculo musical. Mas tal modernização não poderia ser apenas a simples imitação hollywoodiana. Ela só será válida quando “aclimatada” por uma releitura “nacional” e “popular”. Não se trata de desprezar o samba - ao contrário. Ele estará sempre presente, mesmo quando apenas desempenhando o papel de “convidado especial”, como demonstra o exemplo do já comentado número musical de Alguém como tu.

Mas apesar do elogio ao “popular”, verificado tanto em Carnaval Atlântida quanto em La dama de las camelias, os dois filmes se relacionam de forma bastante ambígua com a figura idealizada do “povo”. Em La dama de las camelias, Desideria é usada como recurso desesperado para “salvar” um projeto à beira da falência. Ela faz sucesso, mas é peça descartada assim que o diretor se reabilita junto aos financistas do estúdio. O final trágico de Desideria assume um inegável tom de crítica ao projeto industrialista representado por Max Longo e pelo estúdio CLAVE, e vai além, apontando para um conflito de classes de difícil resolução.

Já em Carnaval Atlântida, o lado “popular” do espetáculo (o samba, o carnaval) serve como contrapeso e moeda de troca à proposta estética renovadora apresentada pelos jovens e encampada por Cecílio B. de Milho. No filme de Burle não há lugar para a tragédia: tudo se resolve em um grande número carnavalesco, e o produtor surge até abraçado aos dois faxineiros, assistindo a tudo nos bastidores. Mas note-se que, ainda que incorporados diegeticamente ao número final, os faxineiros não serão os protagonistas da mudança instituída por Augusto, Regina, Xenofontes e Lolita. De certa forma, ao não participarem da reunião final no escritório de Cecílio B. de Milho, mantêm-se à margem em relação ao grupo que detém as condições de produção36 36 . Contudo, dada a indefinição geral das funções desempenhadas pelos personagens na Acrópole Filmes, a situação dos faxineiros também não fica muito clara ao final. Se em termos diegéticos eles permanecem fora do palco no qual ocorre o número de encerramento, essa situação tanto pode ser entendida como a de espectadores privilegiados (funcionários do estúdio) como a de possíveis colaboradores criativos (já que surgem ao lado do produtor). Agradeço a Arthur Autran por ter me chamado a atenção para essa possibilidade de interpretação. .

III. Conclusão

Como se pode observar a partir desses dois estudos de caso, há múltiplas formas de se entender o cinema a partir de uma perspectiva historiográfica. Os filmes participam dessa grande “escrita” da história do cinema na medida em que estimulam novas metodologias de análise a partir do instrumental cinematográfico, ou quando estabelecem contrapontos às interpretações tradicionais estabelecidas pelos textos. São fontes de grande interesse tanto filmes de abordagens e estruturas narrativas mais conservadoras (como Panorama do cinema brasileiro), quanto comédias populares de forte apelo comercial, como La dama de las camelias e Carnaval Atlântida.

Ainda em relação aos títulos analisados, vale assinalar que não é necessário que o filme ofereça uma visão “progressista” da história do cinema para ser entendido como uma fonte expressiva e estimulante. No caso de Panorama do cinema brasileiro o que se passa é o contrário. E é por conta de seu posicionamento ideológico - a sua mencionada adesão a uma “história reacionária” - que o documentário de Jurandyr Noronha abre hipóteses interessantes de estudo acerca de linhas de continuidade entre padrões estilísticos e sistemas de produção característicos do cinema brasileiro ao longo de décadas, a partir de perspectivas ainda pouco exploradas.

Por outro lado, é preciso entender como o cinema comercial de fato se insere em um debate mais consistente sobre o cinema - no caso de La dama de las camelias e de Carnaval Atlântida, propusemos uma reflexão não só acerca do ideário industrialista mas também sobre diferentes concepções de espetáculo. Para isso, é sempre necessário ultrapassar os limites da narrativa, verificando como tais ideias se encontram elaboradas na própria estrutura formal dos filmes.

Por fim, acredito que o estudo acerca dos “filmes sobre cinema” pode alimentar a própria criação cinematográfica. No caso do Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual, a expectativa é a de que o levantamento de dados, a reflexão crítica e o gesto de criação estimulem um diálogo mais intenso entre teoria e prática no âmbito das pesquisas cinematográficas vinculadas à área de Artes.


  • 1
    . Esse movimento é consoante ao processo desencadeado por volta dos anos 1970-1980 na Europa e nos Estados Unidos, quando se desenvolvem as “novas histórias do cinema”, conforme a denominação de David Bordwell. Autores como o próprio Bordwell, além de Robert C. Allen, Douglas Gomery, Michèle Lagny, Pierre Sorlin, Paulo Antonio Paranaguá, Kristin Thompson, Janet Staiger, Tino Balio, Tom Gunning, André Gaudreault, Robert Sklar e Thomas Schatz, entre outros, inserem-se nesse percurso.
  • 2
    . Refiro-me aqui aos trabalhos desenvolvidos por Maria Rita Galvão, Jean-Claude Bernardet, José Inácio de Melo Souza, José Mário Ortiz Ramos, Ismail Xavier, Fernão Ramos, João Luiz Vieira, Rubens Machado Jr., Luiz Felipe Miranda, Anita Simis, Carlos Roberto Souza, Sheila Schvarzman, Eduardo Morettin, Arthur Autran, Luciana Araújo, Rafael de Luna Freire, Fernando Moraes da Costa, Fabián Núñez, entre muitos outros.
  • 3
    . Além do autor, o Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual é atualmente composto pelos docentes Alessandra Brum (UFJF) e Alessandro Gamo (UFSCar), e pela pesquisadora Anna Karinne Ballalai, formada em Cinema pela UFF, mestre em Psicologia Social pela UERJ, atriz, roteirista e produtora cinematográfica.
  • 4
    . KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. In: Revista de Estudos Históricos. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: 1992, vol. 5, n. 10, p. 237-250.
  • 5
    . SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: Unesp, 2004; e História e historiografia do cinema brasileiro: objetos do historiador. In: Especiaria: cadernos de Ciências Humanas. Ilhéus: Universidade Estadual Santa Cruz, vol. 10, n. 17, jan.-jun. 2007, p. 15-40.
  • 6
    . CAPELATO, Maria Helena et alli (orgs.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.
  • 7
    . MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, cinema, história. São Paulo: Alameda, 2013.
  • 8
    . PARANAGUÁ, Paulo Antonio. Le cinéma en Amérique Latine: le miroir éclaté, historiographie et comparatisme. Paris: L’Harmattan, 2000.
  • 9
    . LAGNY, Michèle. Cine e historia: problemas y métodos en la investigación cinematográfica. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1997, p. 259. A autora dá especial ênfase às séries de Noël Burch, Kevin Brownlow e Jean-Luc Godard.
  • 10
    . BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 199, p. 141. A atenção dada aos filmes como fontes de reflexão historiográfica sobre o cinema brasileiro já era uma preocupação presente em textos dos anos 1970 escritos por Bernardet, como “Cantando no sol”, crítica ao filme Assim era a Atlântida (Carlos Manga, 1975). Cf. BERNARDET, Jean-Claude. Cantando no sol. In: Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p. 200-204. Originalmente publicado no jornal Movimento. São Paulo, 10 nov. 1975.
  • 11
    . AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. São Paulo: Hucitec, 2013, p. 30. O próprio Autran, como continuidade da mesma pesquisa, realizou o longa-metragem A política do cinema (2011), que contextualiza a relação entre a atividade cinematográfica e o Estado brasileiro, dos anos 1950 até a contemporaneidade. Cf. AUTRAN, Arthur. A política do cinema. Disponível em <https://vimeo.com/32374308>. Acesso em: 10 nov. 2016.
  • 12
    . Em 2015, uma Bolsa de Iniciação Científica permitiu que a discente de graduação Yammaris Oliveira, do Curso de Cinema e Audiovisual do Instituto de Artes e Design da UFJF, levantasse cerca de 560 títulos (entre curtas, médias e longas-metragens).
  • 13
    . Cf. RAMOS, Fernão. Estudos de cinema na universidade brasileira. In: Cine Cachoeira. Revista de Cinema da UFRB. Salvador: 2010-2011, ano VI, n. 09. Disponível em: <http://www.cinecachoeira.com.br/2010/11/estudos-de-cinema-na-universidade-brasileira>. Acesso em: 26 nov 2016.
  • 14
    . Esse interesse derivou em diversos trabalhos posteriores como, entre outros, a classificação, digitalização e disponibilização do acervo de Alex Viany na internet (http://www.alexviany.com.br/); a organização (com Betina Viany e Edward Monteiro) do livro Acervo Alex Viany (Rio de Janeiro: ETC, 2009); a dissertação de mestrado Argumento e roteiro: o escritor de cinema Alinor Azevedo; e a tese de doutorado “Cinema independente”: produção, distribuição e exibição no Rio de Janeiro (1948-1954), respectivamente defendidas por mim em 2006 e em 2011 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Niterói.
  • 15
    . Dentre esses rolos, sobras do filme Patíbulo (Joel Yamaji, 1976) e filmes caseiros de autoria(s) desconhecida(s), do final de 1970 ou de início de 1980: uma família, a TV ligada no centro de uma sala, idosos que mostram fotos de família, crianças que brincam, um passeio no parque, uma viagem de carro, pessoas que se divertem num clube.
  • 16
    . Cf. CORRIGAN, Thimothy. O filme-ensaio. Desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015, especialmente p. 181-202.
  • 17
    . O Galante rei da Boca foi lançado no Festival Internacional É Tudo Verdade (2004), onde ganhou o prêmio de Melhor Documentário pela ABD - São Paulo; foi também exibido durante seis anos no Canal Brasil; Que cavação é essa? estreou no 41º Festival de Brasília (2008); Legião estrangeira foi lançado na Mostra do Filme Livre, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília (2011); Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo entrou em cartaz comercialmente em 2014 no Cine 104, em Belo Horizonte.
  • 18
    . Projeto de criação do Instituto Nacional do Cinema. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, nov.-dez. 1966, n. 02, p. 57.
  • 19
    . INC: hora primeira. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, jul.-ago. 1967, n. 05, p. 02.
  • 20
    . Ibidem, p. 03.
  • 21
    . GARCIA, Durval Gomes. A hora do Cinema Total. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: INC, 30 abr. 1968, n. 09, p. 01.
  • 22
    . Projeto de criação do Instituto Nacional do Cinema. Op. cit., p. 57.
  • 23
    . Ao longo de 1968-1969, Panorama do cinema brasileiro foi exibido nas cidades de Lima, Lisboa, Bilbao, Bruxelas, Melbourne e Quito.
  • 24
    . Um documento histórico: Panorama do cinema brasileiro. In: Filme Cultura. Rio de Janeiro: jul.-ago. 1967, n. 05, p. 11.
  • 25
    . Cf. VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1959; ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963; e GOMES, Paulo Emilio Salles. Panorama do cinema brasileiro: 1896/1966. In: Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. (Originalmente publicado em GOMES, Paulo Emilio Salles e GONZAGA, Adhemar. 70 anos de cinema brasileiro. São Paulo: Expressão e Cultura, 1966.)
  • 26
    . SCHWARZ, Roberto. Cultura e política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 07-51.
  • 27
    . Retomo o termo “universalistas” conforme a formulação de José Mario Ortiz Ramos: “‘universalista’ ou ‘cosmopolita’, no sentido de absorver, sem críticas, formas de produção e moldes artísticos estrangeiros” (grifos do autor). De acordo com Ortiz Ramos, os “universalistas” se contrapunham aos “nacionalistas”, vertente da crítica e da realização cinematográficas mais afinada às diretrizes progressistas e ao compromisso com temas de caráter nacional-popular. O Cinema Novo mantém relações estreitas com os “nacionalistas”. Cf. RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e lutas culturais: anos 50/60/70. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 23. Para uma leitura mais matizada dessa contraposição “universalistas” versus “nacionalistas”, cf. SIMIS, Anita. Cinema e Estado no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996, em especial p. 263-275.
  • 28
    . Já mencionamos aqui o livro de Paulo Antonio Paranaguá, Le cinéma en Amérique Latine: le miroir éclaté, historiographie et comparatisme. Do mesmo autor, vale também destacar Tradición y modernidad en el cine de America Latina. Madri: Fondo de Cultura Económica de España, 2003. Para uma abordagem sobre as relações entre o cinema moderno, a crítica cinematográfica e o cinema latino-americano, cf. NÚÑEZ, Fabián Rodrigo Magioli. O que é “Nuevo Cine Latinoamericano”? O cinema moderno na América Latina segundo as revistas cinematográficas especializadas latino-americanas. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Niterói: UFF, 2009.
  • 29
    . Paulo era irmão de José Carlos Burle.
  • 30
    . SEREY, Alonso Machuca. Chilefilms, un capítulo ignorado. Imaginario expuesto en las producciones íntegras de la empresa chilena entre 1944 y 1947. In: PEIRANO, Maria Paz e GOBANTES, Catalina (orgs.). Chilefilms, el Hollywood criollo. Aproximaciones al proyecto industrial cinematográfico chileno (1942-1949). Santiago de Chile: Editorial Cuarto Propio, 2015, p. 200-202.
  • 31
    . Existe uma ampla bibliografia em torno da chanchada. Cf., por exemplo, SOUZA, José Inácio de Melo e CATANI, Afrânio Mendes. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1983; AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; MACHADO, Hilda. As cem cadeiras: comédia fílmica como fonte historiográfica. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro: IFCS-UFRJ, 2001; BARRO, Máximo. José Carlos Burle: drama na chanchada. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007; FERREIRA, Sandra Cristina Novais Ciocci. Assim era a música da Atlântida: a trilha musical do cinema popular brasileiro no exemplo da Companhia Atlântida Cinematográfica 1942/1962. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes. Campinas: Unicamp, 2010. DOURADO, Ana Karícia Machado. Chanchada: performance do insólito e paradoxo do comediante. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo: FFLCH-USP, 2013.
  • 32
    . PEIRANO, Maria Paz. Chilefilms, el proyecto nacional y los discursos sobre el cine chileno durante la década de 1940. In: PEIRANO, Maria Paz e GOBANTES, Catalina (orgs.). Op. cit., p. 103 e 111-112.
  • 33
    . Ibidem, p. 114. Exemplos de números musicais diegéticos (Carnaval Atlântida).
  • 34
    . VIEIRA, João Luiz. A chanchada e o cinema carioca. In: RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1990, p. 166.
  • 35
    . AUTRAN, Arthur. Op. cit., p. 229.
  • 36
    . Contudo, dada a indefinição geral das funções desempenhadas pelos personagens na Acrópole Filmes, a situação dos faxineiros também não fica muito clara ao final. Se em termos diegéticos eles permanecem fora do palco no qual ocorre o número de encerramento, essa situação tanto pode ser entendida como a de espectadores privilegiados (funcionários do estúdio) como a de possíveis colaboradores criativos (já que surgem ao lado do produtor). Agradeço a Arthur Autran por ter me chamado a atenção para essa possibilidade de interpretação.
  • 37
    Luís Rocha Melo é professor Adjunto III do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora, cineasta e pesquisador. É lider do Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual, no qual desenvolve a pesquisa "Historiografia audiovisual do cinema no Brasil", financiada pelo CNPq e pela Fapemig.
  • 38
    Maria Kourkouta, Idomeni, 14 mars 2016. Fronteira greco-macedônia, Vidéo HD cor, 2016

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2016
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