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Ecossistemas florestais: interação homem-ambiente

RESENHA

Ecossistemas florestais: interação homem-ambiente* * MORAN, Emílio F. OSTROM, Elinor (Orgs.). Ecossistemas Florestais: Interação Homem-Ambiente. Tradução: Diógenes S. ALVES e Mateus BATISTELLA. Traduzido de: Seeing and the trees: Human-environment interactions in Forest ecossistems 2005. Massachusetts Institute of Technology. São Paulo: Editora SENAC/EDUSP, 2009. 544 p. ISBN: 85-314-1134-3

Lúcia da Costa Ferreira

Doutora em Ciências Sociais, Pesquisadora e Professora do NEPAM/UNICAMP, Coordenadora do Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade do NEPAM-UNICAMP e co-editora da Revista Ambiente e Sociedade

Autor para correspondência 1 NRC. Human dimensions of global environmental change: research pathways for the next decade. Washington, DC: National Academy Press, 1999.

No exato momento em que se reconheceu universalmente a importância da ação humana nas mudanças ambientais globais em geral e, em especial nas alterações climáticas, um grupo de pesquisadores, de diversas áreas do conhecimento e de mais de uma dúzia de nacionalidades, surgiu com os primeiros resultados de um projeto de pesquisa em largas e múltiplas escalas de análise, sobre as interações entre sociedades e ambientes focalizando as mudanças na cobertura e usos da Terra em regiões de florestas. Esse grupo constituído por antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, economistas, além de biólogos e cientistas ambientais partiu da premissa de que este rol de alterações era um dos principais responsáveis, ou uma das categorias explicativas principais para entender estas mudanças. A pergunta comum a todos era: por que algumas áreas florestais continuavam ecologicamente íntegras e exuberantes mesmo na presença de altas densidades demográficas ou atividades econômicas significativas, enquanto outras definhavam ou desapareciam em situações sociais de muito menor impacto? Ou nos termos de Moran, na introdução da coletânea, a investigação coletiva se dá em torno da questão:

Por que algumas áreas florestais parecem estar se regenerando, enquanto outras áreas experimentam rápidas perdas de floresta ou degradação. (...) Dado o papel da ação humana, e de instituições humanas convém entendermos as variáveis que influenciam na regeneração da floresta, assim como em sua perda. Considerando que as populações e as instituições humanas têm esse papel fundamental, precisamos entender como diferentes grupos se organizam, ou não, para alcançar suas metas de equilibrar produção de alimentos e renda em áreas florestadas com a necessidade de conservação das próprias florestas (MORAN, 2009, p. 20).

Este livro que apresento ao leitor de Ambiente e Sociedade traz a público, de forma sistematizada pelos líderes desta pesquisa e organizadores desta coletânea, Emílio F. Moran e Elinor Ostrom, os resultados que vinham sendo divulgados em diversos periódicos importantes nessa área, mas careciam de uma publicação que reunisse a grande produção em um todo integrado e coerente teórica e metodologicamente. Este monumental esforço intelectual dos pesquisadores do Centro de Estudos sobre Instituições, População e Mudanças Ambientais (CIPEC, da sigla em inglês) da Universidade de Indiana em Bloomington (USA) sintetiza a longa produção dos colaboradores do Centro, em torno do objetivo comum de vislumbrar concomitantemente árvores, florestas e os diferentes usos e restrições ao uso dos indivíduos e do coletivo que compõem, pelos grupos humanos nas áreas florestadas ao redor do planeta. No prefácio da edição brasileira Diógenes Alves e Mateus Batistella (p. 11), que também traduziram a obra lembram que "a maioria dos resultados apresentados em cada capítulo só foi possível graças ao esforço inicial de concepção das pesquisas em um novo patamar de articulação entre as disciplinas".

Parece simples e óbvio, mas isso representa um grande exercício teórico e metodológico de colocar em diálogo e enfrentamento diversos olhares sobre os seres humanos e suas sociedades interagindo entre si e entre árvores e florestas, em contextos altamente heterogêneos – naturais e sociais – onde surgem os desafios colocados pelas mudanças ambientais regionais e globais.

O CIPEC e seus colaboradores têm recebido financiamento da Fundação Nacional de Ciência (NSF da sigla em inglês) e sua principal contribuição ao debate internacional sobre mudanças no uso e cobertura da Terra foi focalizar, de forma inédita, as dimensões humanas da mudança ambiental global (human dimensions of global envirnmental change – NDGC, da sigla em inglês). Sobre o caráter inédito do programa Moran informa:

O programa de pesquisas] começou a ser articulado em 1989 a pedido de cientistas que estudam a atmosfera e o clima, reconhecendo que as dimensões humanas dos processos que eles estudavam nas ciências físicas não estavam recebendo atenção adequada, apesar do impacto claro das ações humanas no clima da Terra e da atmosfera (MORAN, 2009, p. 21).

Até 1988 as pesquisas sobre mudanças ambientais globais, sob a hegemonia do Programa Internacional de Geosfera e Biosfera (IGBP, da sigla em inglês) eram, em grande parte, conduzidas por disciplinas das ciências da terra, meteorologia, geologia, química atmosférica entre outras. Principalmente os modelos de circulação global (GCMs, da sigla em inglês) foram amplamente utilizados, pois naquele momento havia carência de dados empíricos específicos e pontuais, apesar de algumas iniciativas nessa direção, como por exemplo, a introdução da rede de bóias nos oceanos do planeta para medir a variação da temperatura ao longo do tempo. Moran nos informa sobre a entrada das ciências humanas na agenda de pesquisas sobre mudanças ambientais globais:

A pedido dos cientistas associados ao IGBP, o Conselho Internacional de Ciências Sociais (ISSC, da sigla em inglês) organizou um grupo de trabalho para elaborar uma agenda sobre as dimensões humanas (...). O ISSC concluiu e recomendou que seria desejável iniciar com a criação de painéis nacionais para fomentar tal discussão e escrever planos de pesquisa que seriam articulados adequadamente com a pesquisa do IGBP. Isso conduziu à criação (...) do Programa de Dimensões Humanas (HDP, da sigla em inglês), composto de um painel de cientistas sociais de todo o planeta, para discutir como melhor proceder.(...) De forma interessante o Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais (SSRC, da sigla em inglês), o Conselho Nacional de Pesquisa (NRC, da sigla em inglês) e o Programa de Dimensões Humanas (HDP, da sigla em inglês) desenvolveram prioridades de pesquisa (energia, metabolismo industrial, saúde, segurança ambiental, instituições, tomadas de decisão, mudanças de uso e cobertura da terra). Desses tópicos um que rapidamente se tornou uma área de pesquisa com potencial de articulação com o trabalho do IGBP, para o qual os cientistas sociais poderiam fazer as melhores contribuições no curto prazo foi o estudo das mudanças de uso e cobertura da terra.(...) Isso conduziu à criação do projeto Mudanças de Uso e Cobertura da Terra (LUCC, da sigla em inglês) (...). Um painel de cientistas começou a se encontrar e (...) produziu um plano científico para guiar o trabalho da comunidade internacional. O primeiro principal documento a ser produzido por estes painéis de especialistas foi o livro do 'Árco- Iris' Mudança Ambiental Global: entendendo as dimensões humanas (MORAN, 2009, p. 22-24).

Um resumo dos avanços nesse período está no livro do NRC, Mudança ambiental global: caminhos de pesquisa para a próxima década1 1 NRC. Human dimensions of global environmental change: research pathways for the next decade. Washington, DC: National Academy Press, 1999. . A partir de então o HDP transformou-se no Programa Internacional de Dimensões Humanas (IHDP, na sigla em inglês), em 1996, quando se mudou de Genebra para Bonn, Alemanha. Seu principal papel tem sido coordenar os trabalhos dos painéis nacionais e criar grupos de pesquisa com foco nas dimensões institucionais das mudanças ambientais globais, metabolismo industrial e segurança humana. Outras áreas de interesse incluem dimensões sociais do uso de recursos, percepção das mudanças, interpretação dos indivíduos e grupos humanos sobre as mudanças ambientais e riscos ambientais e sociais delas decorrentes, influência das regras e normas sociais, produção e consumo de energia, justiça e segurança ambiental.

No âmbito da temática em questão, este livro, afortunadamente traduzido para o português, terá papel importante em ampliar no Brasil os debates baseados em resultados produzidos por inúmeras pesquisas que compõem os casos selecionados para estudos comparativos e as discussões teórico-metodológicas que deles resultaram. Esse é um dos motivos mais fortes para justificar sua leitura.

Em relação ao debate científico vale mencionar a preocupação com as dinâmicas da mudança, sejam elas sociais ou ambientais. Como os métodos das disciplinas variam, Moran ressalta que, ao contrário das pesquisas disciplinares tradicionais, as metodologias das dimensões humanas requerem uma abordagem multi-escalar:

(...) é provável que os processos examinados vão variar não só em escalas temporais e espaciais, mas também na escala de análise (do local para o regional, para o nacional e para o global). É sabido, mas raramente analiticamente testado, que explicações para processos variam de acordo com a escala em que são estudados. Assim, a especificação da escala de estudo é essencial, mas também e necessário que cada análise faça um esforço para utilizar outras escalas, para cima e para baixo, de forma que este investimento seja útil a outros cientistas (...) que trabalham em outras escalas (MORAN, 2009, p. 26).

Tendo como foco da investigação a governabilidade, a qual resulta das interações entre grupos humanos e diferentes tipos de sistemas florestais ponderadas por variados arranjos institucionais (florestas privadas, publicas e comunais), o maior desafio enfrentado por estes pesquisadores resume-se a uma opção teórico metodológica pela sutileza na análise dos dados. Dois exemplos são suficientes.

A literatura nessa área é enfática em apontar que a administração governamental dos recursos naturais tende a ser bastante problemática, tendo em vista a falta de interesse individual, ou a falta de recursos financeiros e humanos para uma atuação adequada, sem falar da intervenção antidemocrática sobre grupos locais de usuários da biodiversidade. Por outro lado considera-se que os regimes comunais de propriedade podem conduzir a uma tragédia dos comuns. Alguns autores creem que a única saída é o mercado social e economicamente regulado, ou a propriedade privada, à conservação dos recursos naturais. Os dados apresentados pelos inúmeros estudos de caso são mais sutis: não há relação direta de causalidade entre os pólos da relação, mas a simples existência de instituições governamentais não garante a mudança dos padrões comportamentais dos usuários.

O segundo exemplo diz respeito aos modos como as instituições humanas e as dinâmicas populacionais interagem com os sistemas florestais. Aqui novamente os dados são sutis:

Realmente a população mostra uma associação com o desmatamento em escalas agregadas, o que não acontece em escalas locais e regionais. (...) Alguns dos casos mais bem sucedidos de manejo de florestas ocorrem onde as densidades populacionais são mais altas (MORAN, 2009, p. 33).

Dividido em cinco partes o livro apresenta ao leitor duas delas organizadas em torno de discussões conceituais: uma sobre interações homem-ambiente, outra sobre fundamentos conceituais de análises homem-ambiente em ecossistemas florestais; uma terceira metodolológica: métodos; e uma quarta que agrega as possíveis comparações entre os estudos de caso: generalizando a partir de estudos de caso; e, finalmente, um epílogo, no qual se discute novas direções em pesquisa sobre interações homem-ambiente, ambiente e mudanças de cobertura e uso da Terra.

De resto, outro forte motivo para indicar esta leitura densa constitui-se da qualidade e especificidade dos organizadores dessa coletânea. Emílio Moran é um pesquisador conhecido no Brasil de longa data, tanto pela discussão conceitual em torno da adaptabilidade humana, quanto por seu conhecimento profundo sobre a Amazônia brasileira e os grupos sociais que a compõem e a produzem como um sistema socioecológico, na medida em que é um especialista reconhecido sobre a ecologia humana das populações da Amazônia.

A cientista política Elinor Ostrom tem seu público cativo de leitores entre governments, managers e especialistas em governabilidade de recursos naturais, em especial dos denominados commons. Muito já se leu, debateu e testou-se a aplicabilidade de Governing the commons: the evolution of institutions for collective Action. No final da primeira década de 2000, sua importância intelectual e política mudou de patamar, com o Nobel de Economia, mais uma entre tantas merecidas premiações a uma cientista política (com o artigo no feminino) preocupada em estudar, sem romantismos ingênuos, a capacidade de auto-organização dos grupos sociais na governabilidade dos recursos naturais, questionando-nos sempre sobre o tamanho ideal do Estado na regulação e institucionalização dos usos humanos dos recursos naturais.

Denso e ao mesmo tempo preciso; inteligente e instigante, de leitura agradável, capturo desta leitura o convite para refletir sobre os limites e possibilidades das investigações na interface entre sociedade e ambiente. Como não desejamos restringir nossas reflexões a generalizações sobre o que já sabemos sobre o mundo atual, nem tampouco a reducionismos previsíveis e intelectualmente desestimulantes, tais como dividir tarefas de pesquisa e inevitáveis reducionismos das áreas em que não somos especialistas, para chegarmos a conteúdos verdadeiramente complexos e multifacetados, como uma conquista do trabalho coletivo.

Notas

Autor para correspondência:

Lúcia da Costa Ferreira

Rua dos Flamboyants, 155, Cidade Universitária Zeferino Vaz

CEP 13083-867, Campinas, São Paulo, Brasil

E-mail: luciacf@unicamp.br

Recebido: 2/2/2010. Aceito: 2/2/2010.

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    NRC. Human dimensions of global environmental change: research pathways for the next decade. Washington, DC: National Academy Press, 1999.
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    MORAN, Emílio F. OSTROM, Elinor (Orgs.). Ecossistemas Florestais: Interação Homem-Ambiente. Tradução: Diógenes S. ALVES e Mateus BATISTELLA. Traduzido de: Seeing and the trees: Human-environment interactions in Forest ecossistems 2005. Massachusetts Institute of Technology. São Paulo: Editora SENAC/EDUSP, 2009. 544 p. ISBN: 85-314-1134-3
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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