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O gênero sinopse como proposta de ação fonoaudiológica voltada para o desenvolvimento de competências em leitura e escrita

Resumos

Neste trabalho apresentamos parte de uma pesquisa na qual objetivamos analisar a contribuição da teoria de gêneros do discurso de Bakhtin (2003) para a prática fonoaudiológica. Para tanto, elaboramos uma proposta terapêutica e a aplicamos em uma situação de atendimento em grupo. O grupo foi composto por cinco sujeitos (adolescentes) com queixas de dificuldades de leitura e escrita. Neste artigo são apresentados excertos da interlocução em um dos gêneros selecionados para o trabalho terapêutico: o gênero sinopse. Os dados foram analisados à luz do dialogismo bakhtiniano. Os resultados levam a crer que os sujeitos conseguiram produzir textos adequados ao gênero em questão. Sugerem, ainda, que as práticas ancoradas em uma perspectiva enunciativo-discursiva foram efetivas, pois, por meio de contextos significativos de uso da língua, os sujeitos se aproximaram da escrita e da leitura e, com isso, desenvolveram competências linguísticas e discursivas necessárias à interação nessas práticas.

Queixas de dificuldades de leitura e escrita; Terapia fonoaudiológica; Gênero sinopse


In the present work we present part of a research that aimed at analyzing the contribution of Bakhtins speech genre theory for the speech therapy practice. In order to do so, we developed a therapeutic approach and applied it in a group care situation. The group was composed by five teenagers with complaints of reading and writing difficulties. In the present article we present excerpts of interlocution in one of the speech genres selected for the therapeutic work: the speech genre synopsis. The data was analysed according to Bakhtinian dialogism. The results lead to believe that the subjects were able to produce texts which can be considered adequate to the speech genre in question. The results suggest, in addition, that practices based on a discursive perspective were effective because the group -immersed in meaningful contexts of language use - developed linguistic and discursive competences necessary in reading and writing.

Complains of reading and writing difficulties; Speech therapy; Speech genre Synopsis


ARTIGOS

O gênero sinopse como proposta de ação fonoaudiológica voltada para o desenvolvimento de competências em leitura e escrita

Rita Signor

Doutoranda. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil; CNPq; ritasignor@gmail.com

RESUMO

Neste trabalho apresentamos parte de uma pesquisa na qual objetivamos analisar a contribuição da teoria de gêneros do discurso de Bakhtin (2003) para a prática fonoaudiológica. Para tanto, elaboramos uma proposta terapêutica e a aplicamos em uma situação de atendimento em grupo. O grupo foi composto por cinco sujeitos (adolescentes) com queixas de dificuldades de leitura e escrita. Neste artigo são apresentados excertos da interlocução em um dos gêneros selecionados para o trabalho terapêutico: o gênero sinopse. Os dados foram analisados à luz do dialogismo bakhtiniano. Os resultados levam a crer que os sujeitos conseguiram produzir textos adequados ao gênero em questão. Sugerem, ainda, que as práticas ancoradas em uma perspectiva enunciativo-discursiva foram efetivas, pois, por meio de contextos significativos de uso da língua, os sujeitos se aproximaram da escrita e da leitura e, com isso, desenvolveram competências linguísticas e discursivas necessárias à interação nessas práticas.

Palavras-chave: Queixas de dificuldades de leitura e escrita; Terapia fonoaudiológica; Gênero sinopse

ABSTRACT

In the present work we present part of a research that aimed at analyzing the contribution of Bakhtins speech genre theory for the speech therapy practice. In order to do so, we developed a therapeutic approach and applied it in a group care situation. The group was composed by five teenagers with complaints of reading and writing difficulties. In the present article we present excerpts of interlocution in one of the speech genres selected for the therapeutic work: the speech genre synopsis. The data was analysed according to Bakhtinian dialogism. The results lead to believe that the subjects were able to produce texts which can be considered adequate to the speech genre in question. The results suggest, in addition, that practices based on a discursive perspective were effective because the group -immersed in meaningful contexts of language use - developed linguistic and discursive competences necessary in reading and writing.

Keywords: Complains of reading and writing difficulties; Speech therapy; Speech genre Synopsis

Introdução

A questão da leitura e da escrita no Brasil está sendo muito mais vinculada à noção de fracasso do que a de sucesso, haja vista apenas 25% da população ser considerada plenamente alfabetizada, conforme dados do INAF/2009. Essa situação de fracasso escolar, sentida sobretudo por crianças oriundas de entornos desfavoráveis ao desenvolvimento do letramento, vem sendo tomada como prevista e justificada por professores e terapeutas como uma problemática constitutiva dos sujeitos; ou seja, o aluno que se distancia daquilo que seria "o esperado" termina, muitas vezes, recebendo "diagnósticos" de distúrbios ou de dificuldades de aprendizagem. Discute-se a problemática em termos de considerações acerca do que faltou para que o sujeito suprisse as metas impostas; mas não se pensa no que faltou à escola para que cumprisse a sua função de ensinar. O fonoaudiólogo, ao aderir à queixa da escola, deve estar bem fundamentado para que não incorra em equívocos ao "diagnosticar", sob o risco de afastar ainda mais o sujeito da linguagem escrita em processo de apropriação.

Partimos do ponto de vista de que os problemas decorrentes do insucesso na aprendizagem da leitura e da escrita refletem uma problemática social. A escola, orientada por um modelo autônomo de letramento (KLEIMAN, 2008), desconsidera a realidade de seus sujeitos, mostra-se inflexível ao apresentar um ensino em contextos nada significativos. Apagam-se os usos em torno da linguagem, e o aluno, frente a uma posição de autoritarismo, entra em um círculo de relações totalmente destituído de sentido e, em virtude disso, não aprende. Segundo Berberian, Mori-de Angelis e Massi (2006, p.30):

Os clínicos da linguagem têm obrigação de denunciar tal realidade e de não compactuar com ela, substituindo um olhar simplista e homogeneizante por uma conduta politicamente comprometida com a transformação social. Para isso, é preciso se libertar das amarras de métodos clínicos pautados pela doença e pela norma e aderir a uma clínica verdadeiramente terapêutica, na qual o sujeito e sua história individual, e ao mesmo tempo profundamente social, sejam considerados até as últimas consequências.

Em vista da enorme demanda pelos serviços da clínica fonoaudiológica por aspectos que acabamos de mencionar, acreditamos que uma prática embasada na teoria de gêneros do discurso de Bakhtin possa ser um recurso terapêutico de grande importância voltado para sujeitos com "dificuldades" de leitura e escrita. Preconizamos que, através das relações de sentido que a teoria bakhtiniana propõe, seja possível reverter o quadro de instabilidades decorrentes de relações sofríveis com a modalidade escrita da linguagem.

O objetivo deste trabalho, pois, é demonstrar a contribuição da teoria de gêneros de Bakhtin para o campo do atendimento clínico na área da leitura e escrita, conforme análise realizada em uma dissertação de mestrado1 1 Esta pesquisa (mestrado em Linguística) longitudinal, de cunho sócio-histórico, foi orientada pela professora Dra. Rosângela Hammes Rodrigues. O estudo passou pela aprovação dos Comitês de Ética da UFSC, sob número 132/09, e do Hospital Infantil Joana de Gusmão, sob registro 003/09. Foram assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. . Para dar conta do objetivo delineado, elaboramos, desenvolvemos e avaliamos uma proposta de pesquisa e terapêutica, que configuramos como estudo de caso de um atendimento fonoaudiológico em grupo. O grupo foi composto por cinco sujeitos, entre 11 e 13 anos, alunos do quarto e quinto ano do ensino fundamental, que foram encaminhados por suas escolas por apresentarem, segundo pareceres dos professores, dificuldades relacionadas à linguagem escrita.

Na voz dos professores, as "dificuldades" de linguagem escrita apresentadas pelos alunos se devia, em grande medida, às questões comportamentais e à falta de interesse em participar das atividades desenvolvidas em sala de aula, como pode ser observado em alguns trechos contidos nos relatórios de encaminhamento:

"Há muitas queixas de dores: de cabeça, de barriga e na bexiga"; "Parece incomodada muitas vezes durante as atividades pedindo para sair e dar uma voltinha"; "Mostra-se apática, não parece alegre"; "Sua figura demonstra diferenças entre os alunos mais saudáveis, alegres, comunicativos, criativos"; "É disperso, não consegue manter-se sentado por muito tempo"; "Durante as explicações para a realização das atividades mostra-se distraído e não faz perguntas"; "A maioria dos colegas prefere não realizar atividades em dupla com ele"; "Muitas vezes seu olhar está distante, sendo chamado muitas vezes para olhar para o quadro ou para a professora".

Tais questões não serão aprofundadas por considerarmos que o discurso escolar é sempre previsível e redundante: impõe a palavra de uma instituição que exclui ao invés de acolher, e que vê no encaminhamento à clínica uma fonte de descomprometimento em relação aos problemas de escrita apresentados pelos alunos.

Os sujeitos receberam avaliação fonoaudiológica, e constatamos que não possuíam distúrbios ou dificuldades de leitura e escrita, uma vez que suas produções textuais permitiam a construção de sentidos por parte do leitor. Além disso, as instabilidades em torno dos aspectos formais da língua foram tomadas como inerentes ao processo de apropriação da linguagem. Desse modo, a aceitação para terapia ocorreu, tão-somente, em virtude da queixa da escola que, refletindo-se no discurso dos alunos/pacientes, acabou gerando uma rejeição por parte deles em relação às práticas de leitura e escrita.

Para o processo terapêutico, selecionamos um grupo de gêneros do discurso para nortear a nossa ação: romance, peça de teatro, cartaz de divulgação e sinopse. Dentre esses, priorizamos a peça de teatro, sendo os demais decorrentes e necessários ao enfoque centrado em uma proposta de elaboração, publicação e encenação de uma peça. Para a escrita da peça de teatro, partimos da reenunciação de um romance lido em terapia2 2 O romance reenunciado para a peça de teatro foi: Goosebumps - ele saiu debaixo da pia, de R. L. Stine. . E, para a publicação da peça em um site e sua encenação, os sujeitos produziram os gêneros sinopse e cartaz de divulgação. Nesse contexto, os participantes da pesquisa se inseriram em uma série de práticas sociais de leitura e escrita, visando à concretização da ação fonoaudiológica voltada para a apropriação, pelos sujeitos, das práticas de leitura e produção de textos3 3 A concepção de texto que adotamos nesta pesquisa é a de Bakhtin (2003), isto é, na qualidade de enunciado, que se manifesta na interação social. Assim, o texto só pode ser concebido na sua realidade concreta e viva, constituído por elementos verbais e extraverbais e, portanto, estabelecendo relações dialógicas com outros textos, anteriores e posteriores a ele. mediados por esses gêneros.

Foram realizadas ao todo 46 sessões de terapia, que tiveram por volta de três horas de duração cada. A maioria dos atendimentos ocorreu em sessões em grupo e algumas sessões foram realizadas em horários individuais. Todas as sessões foram documentadas por meio de um gravador de áudio. As transcrições seguiram a convenção da escrita. O período de geração dos dados ocorreu de novembro de 2008 a janeiro de 2010.

Importante considerar que, por questões de espaço, apresentaremos neste artigo apenas o trabalho fonoaudiológico empreendido com um dos gêneros abordados no processo terapêutico: o gênero sinopse. Serão apresentados excertos das interações ocorridas nos atendimentos realizados em torno desse gênero, bem como as produções textuais realizadas por um dos sujeitos do grupo (J). Para o trabalho específico com a sinopse foram necessárias cinco sessões de terapia; as quatro primeiras foram direcionadas para as leituras e análises reflexivas do corpus de textos selecionados. A última sessão, por sua vez, foi destinada ao processo de escrita da sinopse pelos sujeitos. Essa última sessão foi realizada em horários individuais: cada sujeito, em conjunto com a terapeuta, produziu uma sinopse e versões4 4 Cada sujeito produziu uma sinopse. Antes da publicação da peça de teatro em site, a terapeuta construiu com os sujeitos uma única sinopse, considerando todas as realizadas, para que não fosse privilegiada uma única produção. . Os sujeitos, durante as interações, são apresentados pelas iniciais de seus nomes (E5 5 O sujeito E havia desistido do processo terapêutico na época em que foi realizado o trabalho com o gênero sinopse. , L, M, J, D) e a pesquisadora é identificada pelo T devido à sua condição de (T)erapeuta.

A seguir, apresentamos o trabalho terapêutico realizado com vistas à apropriação do gênero sinopse.

O trabalho com o gênero sinopse

Após a elaboração da peça de teatro pelos integrantes do grupo, partimos para a produção da sinopse da peça, que ocorreu como uma condição para a publicação da peça em site6 6 Para que a peça pudesse ser publicada no site do Recanto das Letras havia a necessidade de incluir uma sinopse. . As sessões em que trabalhamos com o gênero sinopse foram realizadas nos dias 16, 24, 30/07, 06/08 e 13/08/2009. Nosso procedimento metodológico, pautado na teoria de gêneros, fez com que propuséssemos atividades de leitura, análise linguístico-discursiva e produção de textos, proporcionando uma vivência necessária ao domínio do gênero. Para concretizarmos a produção textual da sinopse da peça produzida, realizamos um levantamento de textos para a composição do corpus de sinopses, que poderiam ser lidas e analisadas, para que então se procedesse ao processo de escritura. Assim, conforme sugestão de Barbosa (2001), tentamos abarcar o gênero em seus diversos suportes para oferecer ao grupo uma visão mais aprofundada de sua composição textual.

Foram lidas pelo grupo várias sinopses, sendo três delas extraídas de peças de teatro lidas anteriormente7 7 Lembramos que anteriormente ao trabalho com o gênero sinopse, havíamos trabalhado com os gêneros peça de teatro e romance. . Da Internet foram lidas as sinopses de algumas peças teatrais em cartaz em São Paulo: A vingança de Milongaaaa!; Honey; Milkshake; O primo Basílio; Trair e coçar é só começar; De artista e louco todo mundo tem um pouco. Do jornalismo impresso, foi lida a sinopse da peça Peter Pan e Wendy, publicada na revista Educar, bem como sinopses de novelas8 8 No caso de novelas, como veremos adiante, a sinopse é, na realidade, um resumo. e de filmes em cartaz no cinema, publicadas no jornal Diário Catarinense. Também fizeram parte da composição do corpus sinopses de romances e filmes em DVD; as sinopses de romances foram Clarissa e Crepúsculo, já abordados em sessões anteriores (quando no trabalho com o gênero romance), portanto de conhecimento dos participantes, e do romance Harry Potter e a ordem da Fênix. Dos dois últimos livros (Crepúsculo e Harry Potter) foram fornecidos também os filmes aos sujeitos para que eles pudessem assisti-los em casa após a leitura das sinopses. Com esta ação objetivamos abordar a função discursiva do gênero sinopse. Outros filmes oferecidos foram: Indiana Jones e a caveira de cristal e A loja mágica de brinquedos.

Para também apresentar aos sujeitos o funcionamento da sinopse crítica, levamos a uma das sessões a revista Veja e a revista CartaCapital e lemos as seguintes sinopses de filmes e livros: 30 dias de noite; Se meu apartamento falasse; No tribunal de meu pai; O senhor Proust e Pequenas histórias.

Nossa primeira ação, antes de proceder à leitura das sinopses, foi observar o que cada integrante do grupo já conhecia a respeito do gênero em estudo. Foi assim que realizamos a seguinte pergunta, que lançamos ao grupo: você sabe o que é uma sinopse?

(1) [16/07/2009]

L: Vou saber? [respondendo à pergunta da terapeuta posta acima]

J: Silêncio.

M: Vou saber?

D: Não sei.

Apesar de termos comentado o que era uma sinopse em sessões anteriores, quando do trabalho com o gênero peça de teatro, os sujeitos demonstraram estranhamento com o termo. Então, para verificarmos nossa suposição, modificamos nosso questionamento e formulamos outra pergunta: quando a gente vai a uma locadora e quer saber algo a respeito do conteúdo de um filme, onde a gente procura a informação?

(2) [16/07/09]

J: Pergunta pro moço que trabalha lá.

M: Lê na parte de trás da caixinha.

T: (Para M) Você costuma ler na parte de trás?

M: Não (risos).

T: Mas como sabe?

M: Às vezes eu leio, mas é difícil.

T: (Dirigindo-se a todos). E vocês? Leem ou já viram alguém lendo a sinopse de algum filme?

J: Nunca li.

D: Eu já.

Continuamos com a nossa busca a respeito dos conhecimentos prévios dos sujeitos acerca do gênero, com mais perguntas: e vocês sabem qual é o objetivo do escrito atrás do DVD?

(3) [16/07/09]

M: Fazer a pessoa pegar o filme! (diz apressado como que querendo ser o primeiro a responder).

T: Isso, M.

M, apesar de ter respondido Vou saber?, no momento de nossa pergunta inicial, demonstrou já ter um bom conhecimento a respeito do gênero quando realizamos a abordagem de outro modo, menos focada no nome do gênero e mais nos processos interacionais. O problema estava bem provavelmente relacionado ao termo pouco conhecido dos participantes do grupo de terapia.

Depois da nossa primeira sondagem, demos uma explicação a respeito do gênero, relatando sua função de passar, em linhas gerais, o conteúdo central da trama e de, ao mesmo tempo, tentar criar no leitor/(tele)espectador o desejo de consumo do objeto em questão. Para ilustrar, começamos expondo as sinopses do romance e do filme Crepúsculo. Abaixo apresentamos essas sinopses para podermos melhor acompanhar a leitura reflexiva feita pelo grupo:

Quando Isabella Swan se muda para a melancólica cidade de Forks e conhece o misterioso e atraente Edward Cullen, sua vida dá uma guinada emocionante e apavorante. Com corpo de atleta, olhos dourados, voz hipnótica e dons sobrenaturais, Edward é ao mesmo tempo irresistível e impenetrável. Até então, ele tem conseguido ocultar sua verdadeira identidade, mas Bella está decidida a descobrir seu segredo sombrio. O que Bella não percebe é que quanto mais se aproxima dele, maior é o perigo para si e para os que a cercam. E pode ser tarde demais para voltar atrás... (sinopse do romance)

Isabella Swan é uma adolescente que vai morar com seu pai em uma nova cidade depois que sua mãe decide casar-se novamente. No colégio ela fica fascinada por Edward Cullen, um garoto que esconde um segredo obscuro. Eles se apaixonam, mas Edward sabe que quanto mais avançam no relacionamento, mais ele está colocando Bella e aqueles à sua volta em perigo. (do filme)

M leu a primeira sinopse e L leu a segunda, depois realizamos algumas perguntas (uma de cada vez) para que eles pudessem refletir sobre algumas propriedades do gênero. As perguntas que realizamos foram as seguintes:

1 - Em que lugar está a primeira sinopse e em que lugar está a segunda?

2 - O fato de a primeira sinopse estar no livro e a segunda estar no filme gera alguma mudança importante no conteúdo do escrito?

3 - Qual é a finalidade de uma sinopse? Para que se escreve uma sinopse?

4 - Quais são as informações que os textos trazem em relação à história?

5 - Qual é o tema? De que trata a história? É possível perceber somente com a leitura da sinopse?

6 - Localize nos textos passagens que têm o objetivo de convencer o

leitor/espectador a ler/assistir o livro/filme.

7 - É possível identificar o desfecho da história pela leitura da sinopse? Justifique.

8 - Para que público esta história é dirigida? Justifique.

9 - Quem é o possível escritor das sinopses?

10 - No livro Crepúsculo a história é contada no passado, no filme acontece no presente, mas em ambas as sinopses (do livro e do filme) os tempos verbais estão no presente. Você consegue formular uma resposta que justifique a prevalência dos tempos verbais no presente?

Quando da resposta à primeira pergunta, eles mostraram como lugar de publicação o romance e o DVD:

(4) [16/07/09]

J: Tá aqui oh (mostrando a contracapa do livro)

T: Tá, mas eu quero o suporte do texto; se tá no livro, na revista, no jornal, no site, no DVD, no cartaz de divulgação...

M: Ah... tá no livro e no DVD, só isso?

A segunda pergunta gerou um pouco de dúvida por parte dos sujeitos, que ficaram lendo as duas sinopses com o objetivo de encontrar possíveis diferenças. J disse que tinha diferença entre os dois textos, porque a sinopse do livro era maior. L, completando o raciocínio da colega, disse que a sinopse do romance era maior, porque o livro era também mais extenso do que a história retratada pelo filme e, folheando o livro, disse: olha, tem mais de trezentas páginas, filme é uma hora só. Reformulamos a pergunta para que eles percebessem que não estávamos nos referindo especificamente ao tamanho do texto e sim ao conteúdo veiculado por ele. Foi assim que já introduzimos a terceira pergunta, para que eles pudessem compreender melhor nosso questionamento.

(5) [16/07/09]

T: Qual é a finalidade, qual é o objetivo de se escrever uma sinopse?

M: Já falei, fazer a gente querer o filme.

T: Sim, tá certo, dependendo do lugar, do suporte, e do objetivo que se escreve uma sinopse, sim, dependendo do objetivo pode se escrever querendo fazer com as pessoas leiam o livro, assistam ao filme... Depois vocês vão ver que se a sinopse de um livro estiver em um jornal ou em uma revista pode ser diferente... Às vezes o cara que escreve te diz no fim: não pegue! O filme não é bom, o cara se posiciona, sabe... Mas vamos pensar na sinopse do livro no próprio livro, é isso que o M falou. Mas tem mais coisa... (Silêncio)

D: É que nem tu falou quem vai escolher o filme se ficar na dúvida pode ler atrás.

T: Ler o que atrás?

D: A história.

T: Que história?

M: Do livro, né.

T: A história toda?

D: Um resumo.

M: É. Um resumo.

T: Só que existe uma boa diferença entre a sinopse e o resumo. Alguém sabe dizer qual é essa diferença? (Silêncio)

T: Tá. O que importa saber agora é que a sinopse tem a função de... de informar o conteúdo, por isso passa em linhas gerais alguns aspectos importantes da trama...pra pessoa saber do que se trata a história... e também tem a função de criar a vontade na pessoa que tá lendo de ver o filme ou ler o livro.

Para responder à quarta pergunta, os sujeitos inicialmente ficaram relatando as informações que estavam escritas, ou seja, ficaram reproduzindo o que já estava na ordem do dado. Sugerimos, então, que fizessem uma análise, tentando observar algumas características importantes, como a descrição dos personagens, do ambiente, do próprio conflito, pois queríamos que eles compreendessem de que forma o autor da sinopse seleciona os fatos e as características mais relevantes para a composição do gênero.

Os sujeitos foram percebendo como em ambas as sinopses o foco principal estava centrado no romance dos protagonistas e no perigo que tal romance representava para a garota. Ainda com relação a essa questão, J comentou que o primeiro texto tinha mais informações, pois caracterizava de forma mais detalhada o personagem principal: corpo de atleta, olhos dourados... Aproveitamos para salientar que esse fato não estava relacionado ao suporte do texto, como eles haviam afirmado anteriormente, ou seja, relatamos que as sinopses acima citadas poderiam ser trocadas de suporte (do livro para o DVD e vice-versa), pois o fato de o filme ser uma versão compacta do romance não interferia na produção da sinopse, já que os aspectos mais relevantes são mantidos no filme e são justamente esses que interessam à composição textual do gênero.

A questão cinco foi facilmente respondida pelo grupo; disseram o tema e que era possível saber do que tratava a história apenas com a leitura da sinopse, mas como M reforçou: saber bem de forma básica, né? Dissemos que deveria ser sim um texto bem sucinto com alguns dados relevantes para apenas dar uma ideia (uma previsão) ao interlocutor em relação ao conteúdo.

Com relação à sexta pergunta, analisamos um texto de cada vez. Na primeira sinopse, J ficou entusiasmada com a leitura, pois ela já havia assistido ao filme (como todos do grupo) e, em sessões passadas, já havíamos lido várias partes desse romance, mas disse que se não tivesse assistido, ficaria convencida a assistir pela descrição do personagem principal: irresistível, impenetrável, possui dons sobrenaturais, olhos dourados... M e L, por sua vez, discordaram dizendo que não assistiriam ao filme ou não leriam o livro, conforme motivo observado no episódio a seguir:

(6) [16/07/09]

M: Tem várias coisas que dá vontade de pegar... mas acho que quando fala do segredo... aqui no final, acho que as pessoas iam querer saber o segredo... qual que era esse segredo.

L: É isso mesmo. O segredo.

T: Algo mais?

(Silêncio)

Concordamos com eles que o segredo, a curiosidade, a vontade de descobrir que segredo era aquele citado na sinopse poderia muito possivelmente convencer muitas pessoas a quererem desvendar o mistério. Expusemos que o mistério estava ligado à identidade de Edward, como o próprio texto dizia: até então ele tem conseguido ocultar sua identidade. Concordamos também com J, pois a descrição do personagem poderia influenciar os leitores. Contudo, salientamos alguns aspectos que eles não tinham observado, como a questão do perigo envolvendo o relacionamento dos personagens: O que Bella não percebe é que quanto mais se aproxima dele, maior é o perigo para si e para os que a cercam. Achamos que esse perigo era outro termo-chave, cuja finalidade, no texto, era de criar expectativa.

A questão seguinte9 9 É possível identificar o desfecho da história pela leitura da sinopse? Justifique. foi facilmente respondida por M e por L, que disseram que não havia desfecho: Senão as pessoas perde a graça de pegar o filme. Essa asserção causou dúvida em J e em D, que se mostraram pensativos, tentando encontrar um final para a história dentro da sinopse. No entanto, depois da resposta de M, D se convenceu e mostrou no texto: É verdade, termina com os três pontinhos... Dissemos que nem sempre a sinopse terminava com reticências e que, mesmo assim, o final ficava em suspenso, ou seja, o desfecho não poderia aparecer se não, como diz M, não teria a menor graça assistir o filme ou ler o livro... as pessoas certamente perderiam o desejo do consumo. Reforçamos que o objetivo do gênero era justamente criar a expectativa da descoberta dos acontecimentos, por isso não poderia revelá-los, apenas incitá-los.

A pergunta sobre o público para o qual a história era dirigida, por sua vez, foi respondida por todos (público adolescente), se bem que esse fato já era do conhecimento prévio deles. A pergunta nove apresentou dificuldades para o grupo; eles ficaram indecisos e acabaram por responder que o próprio escritor do livro foi quem escreveu a sinopse e, com relação ao filme, disseram que não sabiam; apenas M arriscou uma resposta dizendo que era o diretor. Foi assim que manuseamos o romance e o DVD (do Crepúsculo) à procura de indicações de autoria e não encontramos. No livro, por exemplo, havia as indicações de autoria do romance, da tradutora, do produtor da capa, do revisor do texto, do produtor da imagem da capa e da foto da autora, mas não havia indicação de autoria da sinopse. Por essa razão, ou seja, como não havia indicação da autoria, consideramos que a sinopse provavelmente teria sido redigida por alguém da editora; era a voz da editora que enunciava e não a de uma pessoa em particular.

A última pergunta, que tratava do tempo da narrativa na sinopse, fez com que os sujeitos pensassem, mas eles não tentaram responder. Nós (a terapeuta), do mesmo modo, não tínhamos uma resposta pronta para a pergunta, apenas sabíamos que era uma propriedade da composição textual do gênero normalmente manter os verbos no presente. Ficamos fazendo hipóteses de que não poderia ser colocado no pretérito, pois a sinopse não contava a história por completo, como em um resumo, ela apenas situava o indivíduo em relação ao enredo e deixava um final em suspenso, como se a história estivesse acontecendo. Para dar esse efeito de inacabamento e de acontecimento presente, os verbos da narrativa encontravam-se no presente.

Na sessão seguinte, dando prosseguimento ao nosso processo de análise, lemos as sinopses de algumas das peças que eles já haviam lido em sessões anteriores, considerando algumas das questões já formuladas quando da leitura das sinopses de Crepúsculo. Também nesse dia, levamos o jornal Diário Catarinense para que eles pudessem ler e analisar as sinopses veiculadas pelo jornal. Fomos folheando o jornal e paramos na seção variedades > estreia e lemos as sinopses dos filmes em cartaz: Inimigos Públicos, Halloween -O início e Fronteira. Foi importante realizar análise dessas sinopses, porque, diferentemente das lidas anteriormente, eles não tinham conhecimento do produto cultural tratado pela sinopse. Os sujeitos consideraram interessante a ênfase dada aos atores do filme, nomes das pessoas, no dizer deles. Vejamos:

Fronteira,

dirigido e roteirizado por Rafael Conde, é baseado na obra homônima de Cornélio Penna, de 1935. A história se passa no interior de Minas Gerais, no início do século 20. A protagonista é a jovem Maria (Débora Gómez), que tem fama -e alcunha - de santa. No velho sobrado onde vive, ela recebe a Tia Emiliana (Berta Zemel), empenhada em preparar seu grande milagre. Ao mesmo tempo, chega à cidade um viajante (Alexandre Cioletti), por quem Maria Santa se apaixona. Conde dirigiu uma trilogia de curtas baseados nas obras do mineiro Luis Vilela:

Françoise

(2001),

A rua da armagura

(2003) e

Chuva nos telhados antigos

(2006).

Comentamos com eles que, como os filmes eram dirigidos a um público mais adulto, talvez esse público fosse influenciado também por esses aspectos, ou seja, pelo corpo de profissionais responsáveis pela produção do filme (atores, diretores, roteiristas, produtores), por isso a sinopse conteria uma espécie de minicurrículo deles, ou seja, trabalhos dos quais já participaram. Inclusive na sinopse de Inimigos públicos, cujo protagonista é um ator bastante conhecido (Johnny Depp), encontramos esse minicurrículo:

Aos 46 anos e com uma filmografia repleta de papéis marcantes, o ator Johnny Depp já fez um pouco de tudo no cinema - logo mais estará em Alice no país das maravilhas.

Do jovem problemático de Edward Mãos de Tesoura (1990) ao bucaneiro maluco de Piratas do Caribe (2003/2006/2009), Depp segue reinventando nas telas sem perder o charme, característica, aliás, potencializada em sua nova empreitada.

Sob o comando do diretor Michael Mann (O últimos dos moicanos e Colateral), o ator é a estrela de Inimigos públicos, que chega hoje aos cinemas...

Perceberam também que, nos filmes citados, o ano de estreia era colocado entre parênteses ao lodo do nome do filme. E que igualmente, entre parênteses, iam os nomes dos atores que representavam os personagens. Outro fato que chamou a atenção deles, especialmente a de J, foram as fotos das cenas colocadas no jornal.

Aproveitamos, ainda, nesta sessão, para discutir com eles o significado das palavras desconhecidas e percebemos que essa atividade foi significativa para eles. Pudemos constatar tal fato pela atenção na atividade e pelos comentários realizados:

(7) [24/07/09]

L: Na escola a professora não explica as palavras difíceis...

T: Mas você pergunta pra ela?

L: Não.

J: Eu também não pergunto...

T: Por que vocês não perguntam? (dirigindo-se a todos) (Silêncio)

T: Por que perguntam pra mim?

M: Ah, você tá mais perto.

Continuamos manuseando o jornal à procura de mais sinopses e encontramos no suplemento Revista de inverno a divulgação de uma peça em cartaz em Florianópolis, A cabra ou quem é Sylvia, que continha uma minissinopse. A ênfase da sinopse estava nas informações relativas à direção e elenco da peça e aos aspectos relacionados ao local da apresentação, período das apresentações, telefones para contato, valores, modalidade (comédia). A sinopse destacava que a peça havia sido eleita a melhor de 2008 pela Veja SP. Sugerimos a eles que ficassem atentos ao conteúdo da sinopse presente no anúncio publicitário, principalmente ao trecho que referia que a peça havia sido eleita a melhor de 2008, ou seja, à função valorativa representada no escrito. Buscamos a atenção deles, lembrando que eles teriam de confeccionar cartazes publicitários para divulgação da peça deles à época da encenação.

No Guia hagah, ainda no mesmo jornal, encontramos outras sinopses de peças e de outros eventos que estavam por acontecer ou estavam acontecendo em Florianópolis e em outros municípios de Santa Catarina. Nesse Guia, também achamos as sinopses das novelas que estavam no ar nos principais canais de televisão. Com a sua leitura, pudemos perceber que a sinopse de novela, na realidade, era um resumo do que estava por vir. Tal constatação pôde ser observada nas palavras de M Mas não tá contando tudo? Também chamamos a atenção deles para o fato de que, como o resumo era dirigido a um público que já acompanhava a novela, muitas informações eram omitidas, pois se esperava que já fossem do conhecimento dos telespectadores. Assim, entre outras coisas, os nomes dos personagens são apenas citados; não existe a necessidade de maiores explicações:

Maya e Bahuan discutem e ele desconfia que é o pai do filho dela. Komal vai buscar a família de Deva para hospedar em sua casa. Shivani diz a Bahuan que seu pai quer falar com ele. O milionário deixa claro que sabe do namoro dele com Maya. (Caminho da índias -RBS - TV).

Ainda no Guia, pudemos encontrar um conjunto de minissinopses, com o objetivo de informar a programação da TV aberta e por assinatura. Alguns exemplos:

A ÚLTIMA PROFECIA - De Mark Pellington. Com Richard Gere. Jornalista se envolve com influência alienígena. Suspense, EUA, 2002, 119min. Universal, 16h30min.

DR. DOLITTLE 3 - De Rich Thomé. Menina herdou de seu pai o poder de falar com os animais. Comédia, EUA, 2006, 95min. Fox, 22h.

Acerca dessa leitura de minissinopses, os sujeitos destacaram a pequena extensão textual das sinopses. Reforçamos que a finalidade do gênero era apenas especificar os filmes que estariam passando na TV, para que as pessoas pudessem escolher. Para isso não era necessário muito espaço (nem o jornal disporia desse espaço, já que a programação de filmes é bastante extensa), e também porque não se objetivava, nesse caso, convencer o leitor a assistir determinado filme. É um serviço que o jornal presta ao seu leitor (mantê-lo informado a respeito da programação da TV). Observamos, desse modo, que eram fornecidas apenas as informações estritamente necessárias: nome do filme, produtor, algum ator famoso do elenco, uma frase que situe o leitor em relação ao tema do filme, o "gênero" (modalidade), horário, duração e o canal veiculador.

Na sessão que se seguiu, discutimos as sinopses dos filmes que eles já haviam assistido: as sinopses dos filmes Harry Potter, A loja mágica de brinquedos e Indiana Jones e a caveira de cristal. Do filme Harry Potter, levamos o romance que deu origem ao filme e analisamos a sinopse do mesmo modo que havíamos feito com Crepúsculo. Nessa leitura reflexiva, os sujeitos se colocaram também na posição de autores, pois sabiam que após as sessões de leitura iriam produzir uma sinopse, então, essa condição (de autoria) antecipada na leitura, fez com que eles pensassem a respeito dessas questões: D se fosse eu, acho que não conseguia fazer sinopse do Harry Potter... Muito difícil. Essa posição, entretanto, não fez parte do discurso de L Eu consigo. Eu consigo escrever sinopse do Harry Potter. Também nesse dia, entramos na Internet (outro suporte) e procuramos sinopses de peças em cartaz.

Nesta sessão de leituras de sinopses, pudemos retomar as observações sobre as regularidades do gênero que vínhamos analisando até então. Os sujeitos pareciam já estar cientes de muitas das propriedades do gênero.

Na quarta e última sessão de leituras de sinopses, levamos para a sessão de terapia as revistas Veja e CartaCapital, para que eles pudessem manuseá-las e para que pudessem ler o que poderíamos chamar de sinopses críticas. Nessas revistas, na sinopse, há um posicionamento mais explícito da revista ou do jornal, que recomenda ou não o consumo de determinado produto cultural (livro/filme/espetáculo). Pensamos que, diferentemente das sinopses que objetivam convencer para o consumo (o que vimos analisando até o momento), aquelas podem (ou não) agir no sentido contrário. Lemos a primeira sinopse (da seção Bravo! de CartaCapital) e depois passamos a refletir sobre alguns aspectos. Vejamos:

Estreia

Em Pequenas Histórias, em cartaz desde a sexta feira 11, o mineiro Helvédio Ratton retorna à temática infantil. Se em Menino Maluquinho (1994) o diretor contava com um personagem em si inventivo, aqui ele desdobra o universo da imaginação em diferentes histórias. Seu propósito é fazer um "filme para a família" e recuperar os causos contados ao pé do ouvido.

O carinho e a sinceridade com que trata os relatos é evidente. Mas algumas histórias soam por demais ingênuas e a magia verbal nem sempre se traduz nas imagens.

Seu grande acerto é o engraçado episódio Zé Burraldo, com Gero Camillo.

Pedimos a eles que tentassem observar o tom apreciativo com que é tratado o filme, ou seja, nosso objetivo era fazer com que os sujeitos percebessem que nessa sinopse havia uma espécie de avaliação, cuja finalidade não era induzir o leitor da revista a assistir ao filme e, sim, expressar um posicionamento crítico.

Os sujeitos julgaram a sinopse estranha. J comentou: Não tá dizendo a história, não entendi nada... Dissemos que o objetivo da sinopse não era relatar a história, pois tratava de várias histórias, então seria complicado falar de todas, mas que existiam alguns comentários relevantes a respeito dessas histórias: um filme para a família; causos contados ao pé do ouvido. Eles não observaram por si mesmos as questões valorativas implicadas no escrito, então fizemos com que eles pensassem a respeito de algumas passagens, principalmente: O carinho e a sinceridade com que trata os fatos é evidente. Mas algumas histórias soam por demais ingênuas e a magia verbal nem sempre se traduz nas imagens. Antes de perguntar a função do mas na passagem, nós explicamos do que tratavam os trechos acima destacados.

(8) [06/08/09] (Silêncio)

M: Tem coisa boa e coisa ruim (referindo-se ao mas).

T: Isso aí. Vocês acham que esta sinopse... quando o filme for para o DVD... que esta sinopse poderia estar assim desse jeito no DVD?

D: Não.

T: Por que não?

M: Porque lá (no DVD) não pode falar nada de mal, só coisa boa.

T: Senão?

M: Lá tem que falar coisa boa senão as pessoas pode não querer pegar.

T: Lá o objetivo é fazer pegar. Então a finalidade é outra. Por isso que eu falei, é importante saber o lugar que tá o texto para saber também um pouco da função dele, né?

J: Mas também fala embaixo... aqui... do grande acerto do episódio do Zé Burraldo (risos).

T: Gente, oh, crítica não precisa ser só coisa ruim tá, você pode fazer uma crítica e só falar coisas boas, ou só coisas ruins, ou ruins e boas, crítica é você... por exemplo... assistir um filme e fazer uma análise... expressar sua opinião, pode comparar com outras coisas. Olha aqui, tá comparando com outro filme que o cara dirigiu O Menino Maluquinho.

Neste dia, lemos ainda outras sinopses críticas contidas nas revistas, sempre realizando o exercício de reflexão em relação às condições de produção desses textos, considerando, claro, a esfera do jornalismo e a finalidade e o estilo do gênero. Também observamos as resenhas críticas de filmes, que possuem um texto mais extenso e mais argumentativo e que, ao contrário das sinopses, possui indicação de autoria.

Na sessão seguinte, após o processo de leitura e análise das sinopses selecionadas, os sujeitos procederam ao processo de escrita da sinopse da peça que eles haviam produzido. Realizamos alguns comentários (que também foram entregues por escrito) antes da produção textual, que estão abaixo apresentados.

1- Pense que você vai escrever uma sinopse, então se lembre das características desse gênero de texto. [Retomamos as principais propriedades do gênero].

2- Lembre-se da finalidade de sua sinopse, ou seja, com que objetivo você estará produzindo este texto. Para isso reflita sobre O LUGAR em que seu texto será colocado.

3- Lembre-se do público alvo que será o provável leitor de seu texto.

4- Escreva seu texto e depois o releia, veja se está compreensível, claro.

Lembramos que as sessões de escrita foram realizadas individualmente e que a proposta era a de elaborar uma sinopse de uma peça de teatro que havia sido escrita pelo grupo. Por questões de espaço, apresentamos apenas o processo de escrita de J.

Explicamos a J o que deveria ser realizado (a produção textual da sinopse), atentando principalmente para as questões acima expostas, e ela, mostrando-se bastante segura, começou a escrever. J não realizou qualquer pergunta e produziu o seguinte texto:

[13/08/2009]

Na casa nova KAT encontra uma coisa que dá muito azar a quem encontra.

Kat vai quase morer mas ela vai descobrir como acabar com o grool.

Em primeiro lugar, após a produção da sinopse, ressaltamos os aspectos positivos de seu texto, como o fato de ela conseguir enunciar situações relevantes do conteúdo em pouco espaço textual, ou seja, J havia realizado uma boa síntese do enredo da peça de teatro, mas, ao mesmo tempo, demos algumas sugestões para que pudesse aprimorar sua produção, com vistas a adequá-la mais ao gênero em estudo.

(9) [13/08/09]

T: J, acho que para dar mais cara de sinopse e menos cara de resumo pro seu texto, você vai ter que falar menos...

J: Ficou muito grande?

T: Não, o tamanho tá bom, mas... olha... você diz que ela vai quase morrer, mas vai descobrir como acabar com o grool... quer dizer, cê tá dizendo tudo, tá dando o desfecho... lembra que sinopse não tem desfecho? Tem que criar o desejo na pessoa que tá lendo... Se falar tudo não dá graça... Lembra?

Assim, depois de refletir sobre o diálogo empreendido, realizou sua segunda versão:

KAT e seu irmão Daniel se mudam para uma nova casa. lá eles encontram uma esponja que dá muito azar. KAT não pode matar a esponja senão morre em um dia. O problema é que o grool parece imortal...

Depois de lermos a produção, dissemos a J que ela conseguiu melhorar muito o texto, tanto que agora tinha mais características de uma sinopse, pois tratava do tema de forma bem resumida, não apresentava o desfecho (achamos muito interessante a utilização das reticências para marcar o suspense) e, ao mesmo tempo, criava o desejo de ler e/ou assistir à peça. No entanto, percebemos um detalhe que poderia denotar uma contradição. Quando ela redigiu: Kat não pode matar a esponja senão morre em um dia, sugere que Kat não poderia matá-la, mas, em seguida, quando escreve o problema é que o groolparece imortal, poderia levar o leitor a inferir que Kat tentou matá-lo. Mas se ela não podia matá-lo, por que, então, tentou fazer isso? Ao dialogarmos com ela levantando as questões acima colocadas, criamos uma espécie de conflito para que pudéssemos pensar juntas em uma possível solução. J pensou e disse que não sabia o que fazer. Sugerimos, dessa forma, como uma possibilidade de textualização, que ela simplesmente omitisse a informação de que a personagem poderia morrer caso tentasse matar o grool. J produziu, então, a terceira versão de sua sinopse:

Kat e seu irmão Daniel se mudam para uma nova casa. lá eles encontram uma esponja que dá muito azar. eles tentaram (tentarão) dar um fim nela, mas o problema é que a esponja parese imortal...

A terceira versão de J mostrou maior adequação ao gênero. Do mesmo modo que na versão anterior, o texto apresenta uma visão geral da trama e deixa o final em suspenso. Também cria no leitor uma expectativa em relação ao desenrolar do enredo, como pode ser observado em algumas passagens: eles encontram uma esponja que dá muito azar; eles tentaram (tentarão) dar um fim nela, bem como o fechamento está bem elaborado: mas o problema é que a esponja parese imortal.... Ou seja, a busca pela descoberta desse enigma poderia instigar o leitor para a leitura e para assistir à peça, que é o objetivo discursivo do gênero sinopse. Assim, podemos concluir que o texto produzido por J cumpriu sua função social e que J conseguiu materializar sua intenção discursiva ao produzir a sinopse. A última versão do texto foi destinada à revisão dos aspectos formais da língua:

Kat e seu irmão Daniel se mudam para uma nova casa. Lá eles encontram uma esponja que dá muito azar. Eles tentarão dar um fim nela, mas o problema é que a esponja parece imortal...

Após a produção do texto de J e da dos demais participantes do grupo de terapia, houve uma sessão em que nos reunimos e produzidos uma única sinopse com base em todas as produzidas, como já mencionamos. A finalidade desta "união" foi a de não ter de privilegiar apenas uma produção.

Cabe ressaltar que o trabalho com as sinopses na perspectiva dos gêneros do discurso de Bakhtin teve por objetivo criar uma situação dialógica geradora de processos reflexivos em torno da linguagem. Assim, por exemplo, na produção escrita de uma sinopse por cada sujeito, fomos (a terapeuta) o interlocutor imediato a fim de, por meio de nossas perguntas/considerações, propiciar ao outro, sujeito da terapia, uma postura analítica e crítica necessária à construção de conhecimentos linguísticodiscursivos. Acreditamos que as palavras do outro se materializam nas nossas próprias palavras, como no caso da apropriação de um dado gênero, quando a esse outro são dadas as condições para que a aprendizagem se efetive; condições essas que passam pela elaboração de um projeto de discurso que envolva, entre outros aspectos, uma finalidade enunciativa e um interlocutor definido. Nesse sentido, foi possível observar que J e os demais sujeitos do grupo foram hábeis na produção das sinopses, uma vez que produziram textos adequados ao gênero em questão.

Considerações finais

A teoria de gêneros do discurso de Bakhtin pressupõe conceber a linguagem como um fenômeno sociointeracional, ideológico e, portanto, dialógico. Ao buscarmos essa perspectiva teórica para o campo da atuação fonoaudiológica com sujeitos encaminhados para atendimento clínico, em virtude de portarem supostas dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita, segundo "diagnóstico" das escolas frequentadas por eles, pretendíamos, por meio de contextos significativos de uso da língua, nos quais se observa o funcionamento da noção de gêneros, fazer com que esses sujeitos se aproximassem da linguagem escrita e interagissem por meio dela, desconstruindo, assim, o estigma da dificuldade10 10 A rejeição às práticas de linguagem estabelecidas em contexto escolar decorrem não de problemas constitutivos dos sujeitos, traduzidos no meio escolar, e reiterados no meio clínico, como "desordens", "distúrbios", "dificuldades" etc. Os problemas, ao que parece, são de ordem social/pedagógica; estão situados nas práticas de linguagem. Percebemos que em contextos significativos de uso da língua, como pudemos constatar por meio desta pesquisa, os "sintomas" não se manifestam. J, por exemplo, em sessão nunca apresentou as dores físicas ("dor de barriga, de cabeça, na bexiga") sentidas em sala de aula, tampouco pedia para "sair e dar uma voltinha", como constava no relatório de sua escola. Tais considerações servem para repensarmos os próprios critérios diagnósticos que, materializados em "rótulos", só servem para distanciar as crianças ainda mais dos processos de apropriação da escrita. .

Almejávamos, ainda, desenvolver/ampliar as capacidades linguístico-discursivas dos sujeitos através das práticas sociais de leitura e escrita estabelecidas na interação grupal. Dito de outro modo, nossa intenção, entre outras, foi oportunizar um ambiente de aprendizagem da linguagem escrita que favorecesse a apropriação, por parte dos participantes da pesquisa, de conhecimentos acerca da linguagem e de seus usos, e que, nesse processo, fossem ressignificadas as práticas de leitura/escuta e produção textual nas quais estavam inseridos dentro e fora da escola.

É a partir desse entendimento da linguagem que travamos um embate sociodialógico nos processos de aprendizagem da escrita em situação de terapia fonoaudiológica. A descrição e a análise deste estudo conduzem a perceber que, ao assumirmos a interlocução como espaço de produção de linguagem escrita e, nesse espaço, as hipóteses dos sujeitos como mecanismos de reflexão para as próprias práticas desenvolvidas, pudemos observar os sujeitos produzindo textos, apropriando-se dos gêneros do discurso focados nas práticas desenvolvidas e, consequentemente, das competências necessárias a essa apropriação. No trabalho visando à apropriação do gênero, o sujeito, em contextos de sentido, opera na construção do objeto escrito ao mesmo tempo em que desenvolve posturas afetivas frente à linguagem e à própria condição de leitor e autor.

Ainda, o próprio sujeito vai se dando conta, à medida que se aproxima da linguagem escrita, que sua recusa por práticas de leitura e escritura provém não de uma dificuldade real de aprendizagem, e sim de uma relação negativa com a escrita decorrente, provavelmente, de condutas pedagógicas pouco eficazes. E, à medida que percebe suas possibilidades em relação à linguagem e vai gradativamente se apropriando de sua modalidade escrita, o sujeito tende a assumir uma postura diferenciada enquanto indivíduo que se relaciona e se expressa pela/na linguagem. Postura esta que revela um sujeito que aprende, ensina, afirma, questiona, reflete; alguém que se permite ser e conhecer a realidade e valores do grupo letrado com o qual convive.

Recebido em 20/12/2011

Aprovado em 12/06/2012

  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • BARBOSA, J. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa para o ensino de Língua Portuguesa. 2001. 222 p. Tese (Doutorado em Linguística). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
  • BERBERIAN, A. P.; MORI-DE ANGELIS, C.; MASSI, G. Letramento: referenciais em educação e saúde. São Paulo: Plexus, 2006.
  • KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2008.
  • 1
    Esta pesquisa (mestrado em Linguística) longitudinal, de cunho sócio-histórico, foi orientada pela professora Dra. Rosângela Hammes Rodrigues. O estudo passou pela aprovação dos Comitês de Ética da UFSC, sob número 132/09, e do Hospital Infantil Joana de Gusmão, sob registro 003/09. Foram assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.
  • 2
    O romance reenunciado para a peça de teatro foi:
    Goosebumps - ele saiu debaixo da pia, de R. L. Stine.
  • 3
    A concepção de texto que adotamos nesta pesquisa é a de Bakhtin (2003), isto é, na qualidade de enunciado, que se manifesta na interação social. Assim, o texto só pode ser concebido na sua realidade concreta e viva, constituído por elementos verbais e extraverbais e, portanto, estabelecendo relações dialógicas com outros textos, anteriores e posteriores a ele.
  • 4
    Cada sujeito produziu uma sinopse. Antes da publicação da peça de teatro em
    site, a terapeuta construiu com os sujeitos uma única sinopse, considerando todas as realizadas, para que não fosse privilegiada uma única produção.
  • 5
    O sujeito E havia desistido do processo terapêutico na época em que foi realizado o trabalho com o gênero
    sinopse.
  • 6
    Para que a peça pudesse ser publicada no site do Recanto das Letras havia a necessidade de incluir uma sinopse.
  • 7
    Lembramos que anteriormente ao trabalho com o gênero sinopse, havíamos trabalhado com os gêneros peça de teatro e romance.
  • 8
    No caso de novelas, como veremos adiante, a sinopse é, na realidade, um resumo.
  • 9
    É possível identificar o desfecho da história pela leitura da sinopse? Justifique.
  • 10
    A rejeição às práticas de linguagem estabelecidas em contexto escolar decorrem não de problemas constitutivos dos sujeitos, traduzidos no meio escolar, e reiterados no meio clínico, como "desordens", "distúrbios", "dificuldades" etc. Os problemas, ao que parece, são de ordem social/pedagógica; estão situados nas práticas de linguagem. Percebemos que em contextos significativos de uso da língua, como pudemos constatar por meio desta pesquisa, os "sintomas" não se manifestam. J, por exemplo, em sessão nunca apresentou as dores físicas ("dor de barriga, de cabeça, na bexiga") sentidas em sala de aula, tampouco pedia para "sair e dar uma voltinha", como constava no relatório de sua escola. Tais considerações servem para repensarmos os próprios critérios diagnósticos que, materializados em "rótulos", só servem para distanciar as crianças ainda mais dos processos de apropriação da escrita.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2011
    • Aceito
      12 Jun 2012
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