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Relação fisiopatológica entre Covid‐19 e disfunção olfativa: uma revisão sistemática Como citar este artigo: Las Casas Lima MH, Cavalcante AL, Leão SC. Pathophysiological relationship between Covid‐19 and olfactory dysfunction: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:793-801.

Resumo

Introdução

SARS‐CoV‐2 é o patógeno da Covid‐19. O vírus é composto pela proteína spike (espigão), a membrana e o envelope. No olfato fisiológico, as substâncias odoríferas se ligam a proteínas secretadas pelas células sustentaculares para serem processadas pelos neurônios receptores olfativos. O distúrbio olfativo é uma das principais manifestações da Covid‐19; entretanto, pesquisas ainda são necessárias para esclarecer o mecanismo envolvido na anosmia induzida pela SARS‐CoV‐2.

Objetivos

Este artigo tem como objetivo analisar as evidências científicas atuais destinadas a elucidar a relação fisiopatológica entre a Covid‐19 e a causa dos distúrbios olfativos.

Método

As bases de dados Pubmed, Embase, Scopus e ScienceDirect foram usadas para compor este artigo. A pesquisa foi feita em 24 de novembro de 2020. Foram incluídos artigos originais com estudos experimentais em seres humanos, animais e estudos in vitro, comunicações breves, pontos de vista, publicados na língua inglesa e entre 2019 e 2020, todos relacionados à relação fisiopatológica entre distúrbios olfativos e infecção por Covid‐19.

Resultados

Ambos os receptores de células humanas ACE2 e TMPRSS2 são essenciais para a penetração do SARS‐CoV‐2. Esses receptores estão presentes principalmente nas células do epitélio olfativo; portanto, a principal hipótese é que a anosmia é causada por lesão de células não neuronais que, a partir daí, afeta o metabolismo olfativo normal. Além disso, estudos de ressonância magnética mostram uma relação entre a redução do epitélio neuronal e a atrofia do bulbo olfatório. Danos às células não neuronais explicam o tempo médio de recuperação, que demora algumas semanas. Essa lesão pode ser exacerbada por uma resposta imune agressiva, que leva a danos às células neuronais e células‐tronco, induz uma anosmia persistente. A anosmia condutiva não é suficiente para explicar a maioria dos casos de anosmia induzida por Covid‐19.

Conclusão

Distúrbios olfativos como anosmia e hiposmia podem ser causados pela Covid‐19 e o principal mecanismo está associado à lesão do epitélio olfativo, tem como alvo células predominantemente não neuronais. Porém, células neuronais também podem ser afetadas, o que piora o quadro de perda olfativa.

Palavras‐chave
SARS‐CoV‐2; Anosmia; Covid‐19; Distúrbios olfativos; Olfato

Abstract

Introduction

SARS-CoV-2 is the pathogen of COVID-19. The virus is composed of the spike, membrane and envelope. On physiological smell, odoriferous substances bind to proteins secreted by sustentacular cells in order to be processed by olfactory receptor neurons. Olfactory disorder is one of the main manifestations of COVID-19, however, research is still required to clarify the mechanism involved in SARS-CoV-2 induced anosmia.

Objective

This article aims to analyze current scientific evidence intended to elucidate the pathophysiological relationship between COVID-19 and the cause of olfactory disorders.

Methods

Pubmed, Embase, Scopus and ScienceDirect were used to compose this article. The research was conducted on November 24th, 2020. Original articles with experimental studies in human, animal and in vitro, short communications, viewpoint, published in the English language and between 2019 and 2020 were included, all related to the pathophysiological relationship between olfactory disorders and COVID-19 infection.

Results

Both human cell receptors ACE2 and TMPRSS2 are essential for the SARS-CoV-2 entrance. These receptors are mostly present in the olfactory epithelium cells, therefore, the main hypothesis is that anosmia is caused due to damage to non-neuronal cells which, thereafter, affects the normal olfactory metabolism. Furthermore, magnetic resonance imaging studies exhibit a relationship between a reduction on the neuronal epithelium and the olfactory bulb atrophy. Damage to non-neuronal cells explains the average recovery lasting a few weeks. This injury can be exacerbated by an aggressive immune response, which leads to damage to neuronal cells and stem cells inducing a persistent anosmia. Conductive anosmia is not sufficient to explain most cases of COVID-19 induced anosmia.

Conclusion

Olfactory disorders such as anosmia and hyposmia can be caused by COVID-19, the main mechanism is associated with olfactory epithelium damage, targeting predominantly non-neuronal cells. However, neuronal cells can also be affected, worsening the condition of olfactory loss.

Keywords
SARS-CoV-2; Anosmia; COVID-19; Olfaction disorders; Smell

Introdução

O vírus SARS‐CoV‐2 surgiu no fim de 2019 na província de Wuhan, na China. Logo após, o vírus se disseminou pelo mundo, tornou‐se pandêmico. O SARS‐CoV‐2 contém como material genético uma hélice simples de RNA e é composto principalmente por três estruturas proteicas: a proteína spike (espigão), o envelope e a membrana. O espigão liga‐se ao receptor da enzima conversora da angiotensina 2 (ACE2) e tanto o envelope quanto a membrana envolvem o material genético.11 Gupta K, Mohanty SK, Mittal A, Kalra S, Kumas S, Mishra T, et al. The cellular basis of the loss of smell in 2019-nCoV-infected individuals. Brief Bioinform. 2020:bba168.

Embora o SARS‐CoV e o SARS‐CoV‐2 usem a mesma via de entrada, há duas diferenças cruciais no domínio de ligação do SARS‐CoV‐2 que permitem uma maior afinidade com o receptor ACE2 do hospedeiro e que, como consequência, aumentam sua virulência. Uma diferença reside na alteração de dois hotspots virais, hotspot 31 e hotspot 353. Essas pontes salinas tornaram‐se mais estabilizadas no sítio de ligação do SARS‐CoV‐2. A segunda diferença é uma mudança na estrutura de ligação da ACE2 causada por um motif de quatro resíduos, resulta em um contato mais compacto e mais forte.22 Das G, Mukherjee N, Ghosh S. Neurological insights of COVID-19 pandemic. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1206-1209.

No olfato fisiológico, as moléculas são detectadas pelos neurônios receptores olfativos (ORN, do inglês Olfactory Receptor Neurons), que são neurônios bipolares com dendritos finos que contêm em sua extremidade um botão com 10 a 20 cílios, presente no epitélio pseudoestratificado localizado na cavidade nasal.33 Menini A, Lagostena L, Boccaccio A. Olfaction: from odorant molecules to the olfactory cortex. Physiology. 2004;19:101-104. Há também células não neuronais, como as células sustentaculares e as células de Bowman, responsáveis pela secreção de muco para a dissolução e detecção de substâncias odorantes. Na outra extremidade do neurônio, um fino axônio amielínico junta‐se a outros axônios e forma vários feixes que cruzam a lâmina submucosa e conectam‐se ao bulbo olfatório.11 Gupta K, Mohanty SK, Mittal A, Kalra S, Kumas S, Mishra T, et al. The cellular basis of the loss of smell in 2019-nCoV-infected individuals. Brief Bioinform. 2020:bba168.,33 Menini A, Lagostena L, Boccaccio A. Olfaction: from odorant molecules to the olfactory cortex. Physiology. 2004;19:101-104.

4 Bilinska K, Jakubowska P, Von Bartheld CS, Butowt R. Expression of the SARS-CoV-2 entry proteins, ACE2 and TMPRSS2, in cells of the olfactory epithelium: identification of cell types and trends with age. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1555-1562.
-55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801. As substâncias odoríferas requerem ligação a proteínas específicas liberadas no espaço extracelular pelas células sustentaculares para serem processadas pelos neurônios receptores olfativos.33 Menini A, Lagostena L, Boccaccio A. Olfaction: from odorant molecules to the olfactory cortex. Physiology. 2004;19:101-104. Três funções principais dessas proteínas são sugeridas por estudos: introdução de substâncias odoríferas aos receptores olfativos, clivagem de ligantes hidrofóbicos para a fase aquosa e promoção da retirada de substâncias odoríferas dos receptores olfativos.33 Menini A, Lagostena L, Boccaccio A. Olfaction: from odorant molecules to the olfactory cortex. Physiology. 2004;19:101-104.,55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801. A ativação do receptor leva a cascatas de transdução, que produzem potenciais de ação nos neurônios do receptor olfativo.33 Menini A, Lagostena L, Boccaccio A. Olfaction: from odorant molecules to the olfactory cortex. Physiology. 2004;19:101-104.,66 Bilinska K, Butowt R. Anosmia in COVID-19: a bumpy road to establishing a cellular mechanism. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2152-2155.

Inicialmente, distúrbios olfativos, como anosmia (perda total do olfato) ou hiposmia (perda parcial do olfato),77 Huynh PP, Ishii LE, Ishii M. What is anosmia? JAMA. 2020;324:206. não foram considerados sintomas relevantes; no entanto, alguns estudos indicaram uma possível relação entre esses distúrbios e a Covid‐19.88 Spinato G, Fabbris C, Polesel J, Cazzador D, Borsetto D, Hopkins C, et al. Alterations in smell or taste in mildly symptomatic outpatients with SARS-CoV-2 infection. JAMA. 2020;323:2089-2090.,99 Vaira LA, Salzano G, Deiana G, De Riu G. Anosmia and ageusia: common findings in COVID-19 patients. Laryngoscope. 2020;130:1787. Após uma ampla propagação viral na Europa, logo se tornou evidente que anosmia e hiposmia eram meios importantes de diagnóstico da doença.1010 Eliezer M, Hautefort C. MRI evaluation of the olfactory clefts in patients with SARS-CoV-2 infection revealed an unexpected mechanism for olfactory function loss. Acad Radiol. 2020;27:1191.,1111 Vaira LA, Salzano G, Fois AG, Piombino P, De Riu G. Potential pathogenesis of ageusia and anosmia in COVID-19 patients. Int Forum Allergy Rhinol. 2020;10:1103-1104. Portanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu as disfunções olfativas como sintomas primários de Covid‐19.

Este artigo tem como objetivo analisar as evidências científicas atuais destinadas a elucidar a relação fisiopatológica entre Covid‐19 e a causa dos distúrbios olfativos.

Método

Esta revisão sistemática tem como objetivo o esclarecimento da seguinte pergunta: “Qual a relação fisiopatológica entre distúrbios olfativos e a doença Covid‐19?” Este artigo foi feito de acordo com a lista de verificação ‘Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Statement’ (Prisma).

Critérios de inclusão

Foram incluídos artigos originais com estudos experimentais em seres humanos, animais e estudos in vitro, comunicações breves, pontos de vista, publicados na língua inglesa e entre 2019 e 2020, todos relacionados à relação fisiopatológica entre distúrbios olfativos e infecção por Covid‐19.

Critérios de exclusão

Artigos não relacionados à disfunção olfativa e SARS‐CoV‐2, ausência do mecanismo fisiopatológico da função olfativa, revisões e minirrevisões, relatos de caso, erratas, notícias, capítulos de livro, cartas ao editor, comentários, editoriais, artigos duplicados, perspectivas, artigos não revisados por pares, não acessíveis, publicados em um idioma diferente do inglês e antes de 2019 não foram incluídos.

Estratégia de pesquisa e seleção de estudos

Foram usadas as bases de dados Pubmed, Scopus, Embase e ScienceDirect. Na base de dados Pubmed, os termos indexados MeSH foram usados, bem como os termos indexados Emtree na plataforma Embase. Nas bases de dados ScienceDirect e Scopus foram usados termos livres. Todos os artigos foram reunidos em 24 de novembro de 2020, com as seguintes estratégias de pesquisa:

Pubmed: (“Covid‐19”[Supplementary Concept]) OR “coronavirus”[MeSH Terms]) AND “smell”[MeSH Terms] OR “olfaction disorders”[MeSH Terms]) NOT review[Filter] NOT systematic review[Filter] NOT editorial[Filter] NOT letter[Filter] NOT review[Title]) AND 2019:2021[dp]

Science Direct: (SARS‐CoV‐2 OR covid‐19) AND (“olfactory disorder” OR “smelling disorder” OR “olfactory dysfunction” OR “loss of smell”)
  • Ano: 2019‐2021

  • Título: NÃO revisão

  • Tipos de artigos: artigos de pesquisa; resumos de conferências; artigos de dados; estudos de replicação; comunicações breves; outros.

  • Embase: (’coronavirus disease 2019’/exp/mj) AND (’smelling disorder’/exp/mj) NOT (’review’:ti OR’editorial’:it OR’review’:it OR’erratum’:it OR’letter’:it OR’note’:it OR’case report’:it OR’case study’:it OR’systematic review’:it OR’interview’:it) AND [2019‐2021]/py

  • Scopus: (TITLE‐ABS‐KEY(Covid‐19 OR SARS‐CoV‐2) AND TITLE‐ABS‐KEY(smelling AND disorder)) AND PUBYEAR > 2018 AND NOT DOCTYPE (bk OR ch OR bz OR cr OR ed OR er OR le OR mm OR no OR pr OR rp OR tb OR re OR sh) AND NOT TITLE(review)

Todas as citações foram gerenciadas com o software Zotero™ de forma a eliminar duplicatas e organizar as etapas de seleção dos artigos de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Os títulos e resumos foram analisados por dois revisores independentes, descartaram‐se artigos não compatíveis com os critérios de inclusão. Consecutivamente, os textos foram lidos na íntegra e avaliados novamente por ambos os revisores de forma independente. As divergências foram discutidas para se chegar a um consenso. A avaliação da qualidade foi escrita de forma descritiva e imparcial. Não houve revisão cega dos autores e instituições dos estudos em análise.

Extração e análise de dados

A análise dos dados foi feita de forma descritiva. Os dados foram extraídos individualmente pelos revisores com questões‐chave padronizadas associadas à relação fisiopatológica entre distúrbios olfativos e infecção por Covid‐19, bem como mecanismos de dano epitelial olfativo e a duração desses distúrbios.

Resultados

No total, 657 arigos foram extraídos, 148 na base de dados Scopus, 190 na Embase, 167 na PubMed e 152 na ScienceDirect. Após a remoção das duplicatas com o Zotero, 433 artigos permaneceram. Sequencialmente, após avaliação do título e resumo de acordo com os critérios de elegibilidade, 27 artigos permaneceram. Por fim, após avaliação do texto completo, restaram 18 artigos (fig. 1 e tabelas 1 e 2).

Figura 1
Fluxograma de acordo com o protocolo Prisma.

Tabela 1
Artigos excluídos
Tabela 2
Artigos incluídos

Dos 18 estudos selecionados, 9 foram feitos na Europa, 7 na Ásia, um nos Estados Unidos e um no Brasil. A maioria dos artigos consistia em estudos originais, desde o mecanismo de entrada do vírus SARS‐CoV‐2 no hospedeiro até os mecanismos fisiopatológicos que causam anosmia.

Mecanismo de entrada do SARS‐CoV‐2 no organismo hospedeiro

O SARS‐CoV‐2 usa sua proteína spike (espigão) para se ligar à ACE2 e essa ligação é formada com a ajuda da serina protease 2 transmembrana (TMPRSS2). A TMPRSS2 é uma protease presente na superfície da célula‐alvo, que desempenha um papel importante na via de entrada do vírus, pois cliva um ponto específico da proteína spike, permite assim uma conexão entre o domínio terminal‐C (CTD, do inglês C‐terminal domain) da proteína spike e a ACE2. 11 Gupta K, Mohanty SK, Mittal A, Kalra S, Kumas S, Mishra T, et al. The cellular basis of the loss of smell in 2019-nCoV-infected individuals. Brief Bioinform. 2020:bba168.,55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801.,1212 Kerslake R, Hall M, Randeva HS, Spandidos DA, Chatha K, Kyrou I, et al. Co-expression of peripheral olfactory receptors with SARS-CoV-2 infection mediators: potential implications beyond loss of smell as a COVID-19 symptom. Int J Mol Med. 2020;46:949-956. Estudos recentes mostraram que outra protease transmembrana, a TMPRSS4, é capaz de desempenhar a mesma função que a TMPRSS2, é, portanto, uma protease opcional para SARS‐CoV‐2.55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801.,1313 Singh M, Bansal V, Feschotte C. A single-cell RNA expression map of human coronavirus entry factors. Cell Rep. 2020;32:108175. Além das proteases transmembrana, há também a protease intracelular conhecida como catepsina‐L, que também pode ser responsável pela entrada do vírus.1212 Kerslake R, Hall M, Randeva HS, Spandidos DA, Chatha K, Kyrou I, et al. Co-expression of peripheral olfactory receptors with SARS-CoV-2 infection mediators: potential implications beyond loss of smell as a COVID-19 symptom. Int J Mol Med. 2020;46:949-956.

Comparado ao SARS‐CoV, além da maior estabilidade dos hotspots, o SARS‐CoV‐2 CTD tem mais ligações de van der Waals; portanto, liga‐se com maior afinidade à ACE2.22 Das G, Mukherjee N, Ghosh S. Neurological insights of COVID-19 pandemic. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1206-1209. Alguns tecidos expressam a ACE2, como pulmões, coração, mucosa oral e nasal, testículos, intestinos, órgãos linfoides e cérebro, e, como resultado, são mais suscetíveis à invasão do SARS‐CoV‐2.11 Gupta K, Mohanty SK, Mittal A, Kalra S, Kumas S, Mishra T, et al. The cellular basis of the loss of smell in 2019-nCoV-infected individuals. Brief Bioinform. 2020:bba168.,55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801.,1414 Butowt R, Bilinska K. SARS-CoV-2: olfaction, brain infection, and the urgent need for clinical samples allowing earlier virus detection. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1200-1203.

Entretanto, a principal via de entrada no organismo é pela mucosa nasal (fig. 2).22 Das G, Mukherjee N, Ghosh S. Neurological insights of COVID-19 pandemic. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1206-1209.,1414 Butowt R, Bilinska K. SARS-CoV-2: olfaction, brain infection, and the urgent need for clinical samples allowing earlier virus detection. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1200-1203.,1515 Nakagawara K, Masaki K, Uwamino Y, Kabata H, Uchida S, Uno S, et al. Acute onset olfactory/taste disorders are associated with a high viral burden in mild or asymptomatic SARS-CoV-2 infections. Int J Infect Dis. 2020;99:19-22.

Figura 2
Mecanismo de entrada do vírus na célula‐alvo com o uso do receptor de ACE2 auxiliado pela protease TMPRSS2.

Possível mecanismo de anosmia

A anosmia condutiva ocorre devido à obstrução nasal, que é comum em muitos quadros virais, e pode ser acompanhada por rinorreia e sintomas de rinite; entretanto, estudos sugerem que a perda do olfato no Covid‐19 ocorre, na maioria dos casos, independentemente desses sintomas.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11

17 Islamoglu Y, Gemcioglu E, Ates I. Objective evaluation of the nasal mucosal secretion in COVID-19 patients with anosmia. Ir J Med Sci. 2020;13:1-3.
-1818 Jalessi M, Barati M, Rohani M, Amini E, Ourang A, Azad Z, et al. Frequency and outcome of olfactory impairment and sinonasal involvement in hospitalized patients with COVID-19. Neurol Sci. 2020;41:2331-2338. Assim, essa hipótese, no caso do SARS‐CoV‐2, pode ser descartada como o principal mecanismo causador da anosmia. A lesão do epitélio olfativo é o mecanismo identificado como a causa mais provável de distúrbios olfativos causados pelo SARS‐CoV‐2, que podem ser agravados por danos ao sistema nervoso central (fig. 3).1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586.,2020 Cazzolla AP, Lovero R, Lo Muzio L, Testa NF, Shirinzi A, Palmieri G, et al. Taste and smell disorders in COVID-19 patients: role of interleukin-6. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2774-2781.

Figura 3
(A) Células‐tronco basais; (B) Células sustentaculares; (C) Célula de Bowman; (D) Neurônios receptores olfativos; (E) Bulbo olfatório; (F) Muco. (1) Epitélio olfativo intacto; (2) Chegada e invasão do SARS‐CoV‐2; (3) Danos às células sustentaculares, perda de cílios dos neurônios receptores olfativos e interrupção da produção de muco; (4) Regeneração do epitélio olfativo.

Lesão no epitélio olfativo

Análises baseadas no sequenciamento de RNA mostraram expressão considerável de ACE2 e TMPRSS2 em células sustentaculares (SUS), células de Bowman e uma pequena fração em células‐tronco; em contraste, a presença de ACE2 em neurônios receptores olfativos não foi confirmada.55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801.,66 Bilinska K, Butowt R. Anosmia in COVID-19: a bumpy road to establishing a cellular mechanism. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2152-2155.,1212 Kerslake R, Hall M, Randeva HS, Spandidos DA, Chatha K, Kyrou I, et al. Co-expression of peripheral olfactory receptors with SARS-CoV-2 infection mediators: potential implications beyond loss of smell as a COVID-19 symptom. Int J Mol Med. 2020;46:949-956.,1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586.

Sabe‐se que o vírus invade células através da ACE2 em conjunto com a TMPRSS2, ou seja, o SARS‐CoV‐2 tem como alvo principal células não neuronais. Além disso, a média de recuperação do olfato é de 2 semanas, um intervalo de tempo não compatível com a regeneração de células neuronais, o que confirma essa hipótese.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586.

Em experimentos com hamsters infectados com SARS‐CoV‐2 via instilação nasal, foram encontrados danos maciços ao epitélio olfativo apenas dois dias após a infecção. No quarto dia após a infecção, a maior parte do epitélio havia desaparecido. Após 14 dias, o epitélio dava sinais de recuperação, mas ainda não havia voltado ao normal. Verificou‐se que nas regiões onde o dano foi mais intenso os axônios dos neurônios receptores olfativos estavam praticamente em contato com o meio externo. As principais observações neste experimento foram: a infecção e descamação do epitélio olfativo, a preferência do vírus por células sustentaculares em vez de células neuronais e o intenso recrutamento de células imunes.1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586.

Os danos às células sustentaculares e às células de Bowman afetam diretamente a percepção de odores, não pela transmissão do vírus para os neurônios receptores olfativos (ORN), mas pelo fato de comprometer algumas das funções necessárias ao metabolismo funcional desses neurônios.11 Gupta K, Mohanty SK, Mittal A, Kalra S, Kumas S, Mishra T, et al. The cellular basis of the loss of smell in 2019-nCoV-infected individuals. Brief Bioinform. 2020:bba168.,55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801. Danos às células de Bowman causariam uma interrupção na produção de muco nasal, necessário para a dissolução de partículas odoríferas; além disso, danos às células sustentaculares resultariam na supressão da remoção de produtos voláteis, pela via do citocromo P450, na interrupção da endocitose de complexos proteicos que se ligam a odorantes após a transdução de sinais para os ORNs e interrupção do fornecimento de glicose adicional aos cílios dos ORNs e um desequilíbrio de eletrólitos e água.55 Brann DH, Tsukahara T, Weinreb C, Lipovsek M, Berge K.VD, Gong B, et al. Non-neuronal expression of SARS-CoV-2 entry genes in the olfactory system suggests mechanisms underlying COVID-19-associated anosmia. Sci Adv. 2020;6:eabc5801. Por essa razão, o dano às células sustentaculares certamente refletiria na percepção do odor, característica da anosmia e da hiposmia. Além disso, a infecção das células sustentaculares gera perda dos cílios dos receptores olfativos, o que se reflete na impossibilidade de transmitir o estímulo odorífero e, assim, detectar odores.66 Bilinska K, Butowt R. Anosmia in COVID-19: a bumpy road to establishing a cellular mechanism. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2152-2155. Os estudos de ressonância magnética mostram uma correlação entre o tamanho do bulbo olfatório e sua disfunção, refletem uma menor atividade sensorial no epitélio olfativo, o que leva a menor sinaptogênese no bulbo olfatório, diminui seu volume. Essa redução na atividade epitelial olfativa é resultado de danos às células não neuronais, corrobora ainda mais essa hipótese.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586. O restabelecimento da normosmia seria devido à rápida regeneração das células de sustentação a partir das células‐tronco.66 Bilinska K, Butowt R. Anosmia in COVID-19: a bumpy road to establishing a cellular mechanism. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2152-2155.

O dano ao epitélio olfativo pode ser agravado por uma resposta inflamatória, leva à morte celular, conhecida como piroptose. O sistema imunológico é ativado após o reconhecimento do patógeno, causa um aumento na secreção de citocinas pró‐inflamatórias e quimiocinas: interleucina‐6 (IL‐6), interferon‐gama (IFN‐γ), proteínas quimioatraentes da proteína‐1 quimioatraente de monócitos (MCP ‐1) e proteína 10 induzível por interferon (IP‐10). Essas citocinas são indicativas de uma reação mais focada no recrutamento de monócitos e linfócitos T.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,2020 Cazzolla AP, Lovero R, Lo Muzio L, Testa NF, Shirinzi A, Palmieri G, et al. Taste and smell disorders in COVID-19 patients: role of interleukin-6. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2774-2781.,2121 Butowt R, von Bartheld CS. Anosmia in COVID-19: underlying mechanisms and assessment of an olfactory route to brain infection. Neuroscientist. 2020;11:1-22. Além disso, um estudo demonstrou uma possível correlação entre anosmia e níveis de IL‐6. A IL‐6 induz a expressão de várias proteínas de fase aguda, entre elas a proteína C‐reativa, a amiloide A sérica, a alfa‐1‐antiquimotripsina, a haptoglobina, fibrinogênio e componentes do complemento. Portanto, pacientes com níveis mais elevados de IL‐6 podem estar associados a casos mais intensos de distúrbios olfativos.2020 Cazzolla AP, Lovero R, Lo Muzio L, Testa NF, Shirinzi A, Palmieri G, et al. Taste and smell disorders in COVID-19 patients: role of interleukin-6. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2774-2781. A alta produção de citocinas pode provocar a morte de neurônios olfativos. A substituição dos neurônios epiteliais olfativos por células‐tronco basais requer um tempo de recuperação mais longo, dessa forma explica os casos de anosmia persistente.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,2020 Cazzolla AP, Lovero R, Lo Muzio L, Testa NF, Shirinzi A, Palmieri G, et al. Taste and smell disorders in COVID-19 patients: role of interleukin-6. ACS Chem Neurosci. 2020;11:2774-2781.,2222 Aragão MF.VV, Leal MC, Cartaxo Filho OQ, Fonseca TM, Valença MM. Anosmia in COVID-19 associated with injury to the olfactory bulbs evident on MRI. Am J Neuroradiol. 2020;41:1703-1706.

A perda do olfato pode ser devida à inflamação do bulbo olfatório desencadeada pela infecção viral.1616 Eshraghi AA, Mirsaeidi M, Davies C, Telischi FF, Chaudhari N, Mittal R. Potential mechanisms for COVID-19 induced anosmia and dysgeusia. Front Physiol. 2020;11,1919 Bryche B, Albin AS, Murri S, Lacôte S, Pulido C, Gouihl MA, et al. Massive transient damage of the olfactory epithelium associated with infection of sustentacular cells by SARS-CoV-2 in golden Syrian hamsters. Brain Behav Immun. 2020;89:579-586.,2323 Eliezer M, Hamel A.-L, Houdart E, Herman P, Housset J, Jourdaine C, et al. Loss of smell in COVID-19 patients: MRI data reveals a transient edema of the olfactory clefts. Neurology. 2020;95:e3145-e3152.,2424 Kandemirli SG, Altundag A, Yildirim D, Tekcan Sanli DE, Saatci O. Olfactory bulb MRI and paranasal sinus CT findings in persistent COVID-19 anosmia. Acad Radiol. 2020;28:28-35. O SARS‐CoV tem a capacidade de infectar o sistema nervoso central através das sinapses, usa as aferências do nervo olfatório para atingir o bulbo olfatório, levanta a possibilidade de o SARS‐CoV‐2 também usar essa via de infecção.2121 Butowt R, von Bartheld CS. Anosmia in COVID-19: underlying mechanisms and assessment of an olfactory route to brain infection. Neuroscientist. 2020;11:1-22.,2222 Aragão MF.VV, Leal MC, Cartaxo Filho OQ, Fonseca TM, Valença MM. Anosmia in COVID-19 associated with injury to the olfactory bulbs evident on MRI. Am J Neuroradiol. 2020;41:1703-1706.,2525 Lu Y, Li X, Geng D, Nan Mei MD, Pu-Yeh W, Chu-Chang U, et al. Cerebral micro-structural changes in COVID-19 patients - an MRI-based 3-month follow-up study. EClinicalMedicine. 2020;25:100484.

Discussão

Fatores epidemiológicos como idade e estilo de vida interferem diretamente na prevalência de distúrbios olfativos. Estudos têm apresentado uma correlação entre a expressão do receptor da ACE2 e a idade, a ACE2 é mais prevalente em adultos do que em crianças.44 Bilinska K, Jakubowska P, Von Bartheld CS, Butowt R. Expression of the SARS-CoV-2 entry proteins, ACE2 and TMPRSS2, in cells of the olfactory epithelium: identification of cell types and trends with age. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1555-1562.,2626 Somekh I, Yakub Hanna H, Heller E, Bibi H, Somekh E. Age-dependent sensory impairment in COVID-19 infection and its correlation with ACE2 expression. Pediatr Infect Dis J. 2020;39:e270-e272. Em concordância com essa informação, os jovens geralmente expressam um prognóstico menos grave.2727 Beltrán-Corbellini Á, Chico-García JL, Martínez-Poles J, Rodríguez-Jorge F, Natera-Villalba E, Gómez-Corral J, et al. Acute-onset smell and taste disorders in the context of COVID-19: a pilot multicentre polymerase chain reaction based case-control study. Eur J Neurol. 2020;27:1738-1741.

28 Foster KJ, Jauregui E, Tajudeen B, Bishehsari F, Mahdavinia M. Smell loss is a prognostic factor for lower severity of coronavirus disease 2019. Ann Allergy Asthma Immunol. 2020;125:481-483.

29 Izquierdo-Domínguez A, Rojas-Lechuga MJ, Chiesa-Estomba C, Calvo-Henríquez C, Ninchrtiz-Becerra E, Soriano-Reixach M, et al. Smell and taste dysfunction in COVID-19 is associated with younger age in ambulatory settings: a multicenter cross-sectional study. J Investig Allergol Clin Immunol. 2020;30:346-357.

30 Rojas-Lechuga MJ, Izquierdo-Domínguez A, Chiesa-Estomba C, Calvo-Henríque C, Villareal IM, Cuesta-Chasco G, et al. Chemosensory dysfunction in COVID-19 out-patients. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2020;19:1-8.
-3131 Zahra SA, Iddawela S, Pillai K, Choudhury RY, Harky A. Can symptoms of anosmia and dysgeusia be diagnostic for COVID-19? Brain Behav. 2020;10:e01839.Em relação aos hábitos de vida, verificou‐se que fumantes têm maior chance de desenvolver distúrbios olfativos devido à Covid‐19, que é uma consequência de uma maior expressão do receptor da ACE2 estimulado pelo receptor nicotínico da acetilcolina (nAChR).22 Das G, Mukherjee N, Ghosh S. Neurological insights of COVID-19 pandemic. ACS Chem Neurosci. 2020;11:1206-1209. Outro conjunto de evidências mostrou que as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver distúrbios olfativos do que os homens.3030 Rojas-Lechuga MJ, Izquierdo-Domínguez A, Chiesa-Estomba C, Calvo-Henríque C, Villareal IM, Cuesta-Chasco G, et al. Chemosensory dysfunction in COVID-19 out-patients. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2020;19:1-8.

31 Zahra SA, Iddawela S, Pillai K, Choudhury RY, Harky A. Can symptoms of anosmia and dysgeusia be diagnostic for COVID-19? Brain Behav. 2020;10:e01839.

32 Barillari MR, Bastiani L, Lechien JR, Manelli G, Molteni G, Cantarella G, et al. A structural equation model to examine the clinical features of mild-to-moderate COVID-19: a multicenter Italian study. J Med Virol. 2020;93:983-994.
-3333 Lechien JR, Chiesa-Estomba CM, De Siati DR, Horoi M, Le Bon SD, Rodriguez A, et al. Olfactory and gustatory dysfunctions as a clinical presentation of mild-to-moderate forms of the coronavirus disease (COVID-19): a multicenter European study. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2020;277:2251-2261. Uma possível explicação seria que a inativação incompleta do cromossomo X contribuiria para o aumento da expressão da ACE2.3434 Butowt R, Bilinska K, Von Bartheld CS. Chemosensory dysfunction in COVID-19: integration of genetic and epidemiological data points to d614g spike protein variant as a contributing factor. ACS Chem Neurosci. 2020;11:3180-3184.

Além dos hábitos de vida e da idade, as mutações genéticas do SARS‐CoV‐2 e das populações também contribuem para uma prevalência diferente de anosmia. No início da pandemia, a cepa mais comum do SARS‐CoV‐2 era a D614, o que significa que a proteína spike do vírus tem o aminoácido D (ácido aspártico) na posição 614. Ao longo da evolução da pandemia, o aminoácido glicina passou a ocupar a posição 614, deu origem à variante G614, considerada a dominante no continente europeu. No leste asiático, a variante dominante ainda é a D614. Comparando as duas variantes, verificou‐se que a D614 estava ligeiramente correlacionada com distúrbios quimiossensoriais, como a anosmia, enquanto a G614 estava altamente correlacionada, consistente com o fato de a prevalência de anosmia encontrada na população europeia ser três vezes maior em comparação com a população do leste asiático.

Estudos têm demonstrado que a substituição de aminoácidos na posição 614, do ácido aspártico por glicina, favoreceu o estado de abertura conformacional da proteína spike, resultou em uma exposição aumentada do domínio de ligação desta proteína e, como resultado, aumentou a probabilidade de ligação com ACE2. Devido a essa maior probabilidade de ligação ao receptor do hospedeiro, a variante G614 está diretamente associada não apenas a uma maior incidência de anosmia, mas também a uma maior infectividade e transmissibilidade.3434 Butowt R, Bilinska K, Von Bartheld CS. Chemosensory dysfunction in COVID-19: integration of genetic and epidemiological data points to d614g spike protein variant as a contributing factor. ACS Chem Neurosci. 2020;11:3180-3184.,3535 Korber B, Fischer WM, Gnanakaran S, Yoon H, Theiler J, Abfalterer W, et al. Tracking changes in SARS-CoV-2 spike: evidence that D614G increases infectivity of the COVID-19 virus. Cell. 2020;182:812-827.e19.

Além disso, estudos têm demonstrado que há uma variação genética no receptor humano para o vírus, a ACE2, na população europeia, o que aumenta a expressão desse receptor. Como resultado, os europeus estariam mais predispostos à anosmia em comparação com os asiáticos, justamente por terem mais receptores para a entrada do SARS‐CoV‐2.3636 Cao Y, Li L, Feng Z, Wan S, Huang P, Sun X, et al. Comparative genetic analysis of the novel coronavirus (2019-nCoV/SARS-CoV-2) receptor ACE2 in different populations. Cell Discov. 2020;6:1-4.,3737 Gourtsoyannis J. COVID-19: possible reasons for the increased prevalence of olfactory and gustatory dysfunction observed in European studies. Clin Infect Dis Off Publ Infect Dis Soc Am. 2020;71:3017-3018.

Conclusão

A via de entrada do SARS‐CoV‐2 requer um receptor da ACE2, favorecido pelo uso da protease TMPRSS2. Vários órgãos expressam tanto a ACE2 quanto a TMPRSS2, inclusive o epitélio olfativo. Distúrbios olfativos como anosmia e hiposmia podem ser causados pela Covid‐19 e o principal mecanismo está associado à lesão do epitélio olfativo, tem como alvo células predominantemente não neuronais. Entretanto, células neuronais também podem ser afetadas, o que piora o quadro de perda olfativa.

  • Como citar este artigo: Las Casas Lima MH, Cavalcante AL, Leão SC. Pathophysiological relationship between Covid‐19 and olfactory dysfunction: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:793-801.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2021
  • Aceito
    3 Abr 2021
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
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