Introdução
O papiloma escamoso é uma proliferação benigna do epitélio escamoso estratificado, que resulta em uma massa papilar ou verrucosa, a qual, presumivelmente, é induzida pelo papiloma vírus humano (HPV).1 Atualmente, existem pelo menos 24 tipos de HPV associados a lesões de cabeça e pescoço, porém a patogênese do papiloma escamoso está relacionada com os HPV tipos 6 e 11.2 Quanto à virulência e à taxa de contaminação dos papilomas orais, sabe-se que são extremamente baixas, diferentemente de outras lesões induzidas por HPV.1
Clinicamente, o papiloma oral apresenta-se, com frequência, com crescimento exofítico, isolado, peduncular, indolor, menor do que 1 cm, cuja superfície mostra projeções digitiformes ou verrucosas, assemelha-se a uma couve-flor, e a coloração varia do rosa ao branco pálido, depende do grau de ceratinização associado. São mais comumente encontrados em língua e palato, acometem igualmente ambos os sexos e indivíduos entre 30 e 50 anos.3 O diagnóstico diferencial se faz com verruga vulgar, hiperplasia epitelial focal e condiloma acuminado.4 As lesões verrucosas presentes na cavidade oral e geradas pela infecção viral têm características clínicas bastante semelhantes, é necessária análise histopatológica para confirmação diagnóstica.5
O tratamento para o papiloma oral é conservador, é necessária a remoção completa da lesão, não é obrigatória margem de segurança. Lesões não tratadas normalmente não mudam com o tempo. A excisão cirúrgica conservadora é uma boa escolha, são também indicadas a destruição por laser de CO2, a eletrocauterização ou a criocirurgia.6
Apesar de o papiloma escamoso apresentar-se, normalmente, com pequenas dimensões, alguns casos podem evoluir e atingir tamanhos maiores. O objetivo do presente artigo é relatar um caso raro de extenso papiloma escamoso oral com envolvimento em língua, tratado pela glossectomia parcial.
Relato de caso
Paciente do sexo feminino, 73 anos, compareceu ao ambulatório com queixa de aumento de volume e alteração de consistência na língua com, aproximadamente, 15 anos de evolução. Durante a anamnese, negou qualquer doença sistêmica ou uso de medicação de uso contínuo. Ao exame físico extraoral, não foram observadas alterações dignas de nota, inclusive o exame de palpação cervical. O exame físico intrabucal revelou lesão vegetante de aspecto verrucoso que envolvia praticamente toda a porção direita da língua, estendia-se do ápice lingual à região posterior, próximo às papilas valadas, com aproximadamente 6 cm no seu maior comprimento (figs. 1 e 2), porém sem envolvimento do ducto da glândula submandibular. À palpação, observou-se consistência amolecida e aveludada, com coloração semelhante à mucosa lingual associada a áreas de aspecto pálido. O exame hematológico pré-operatório constou da pesquisa Elisa para o HIV, o qual resultou negativo.
Sob anestesia local, foi feita biópsia incisional em diversas regiões para minimizar o risco de um subdiagnóstico de lesão maligna, a qual confirmou o diagnóstico de papiloma escamoso. Dessa forma, optou-se por tratamento cirúrgico para remoção completa da lesão por glossectomia parcial. No procedimento, também sob anestesia geral, foi usado um fio de algodão 2.0 agulhado em região de ápice lingual para melhor tracionamento e reparo lingual. Dessa forma, procedeu-se à ressecção delicada da lesão com uso de eletrocautério (figs. 3 e 4), preservou-se o ducto da glândula submandibular, e posterior sutura das margens da ferida cirúrgica com fio vicryl 3.0. Instalou-se sonda nasoenteral para nutrição durante o período cicatricial pós-operatório, com o intuito de evitar possíveis infecções e fornecer maior conforto para a paciente.
O exame histopatológico definitivo confirmou o diagnóstico inicial e foi caracterizado por paraceratose, acantose, papilomatose, atipias celulares leves, além de exocitose de leucócitos. Córion com hiperemia, focos de hemorragia e moderado infiltrado inflamatório difuso de mononucleares e eosinófilos.
Durante a consulta de retorno, foram observados pontos de deiscência na ferida pós-operatória, a qual foi tratada com higiene oral rigorosa e evoluiu sem sinais de infecção durante todo o quadro de reparação tecidual, com formação de tecido de granulação cicatricial adequado sobre o local. Após 10 dias, a sonda nasoenteral foi removida.
A paciente segue em acompanhamento ambulatorial por 20 meses, sem sinais de recidiva presentes (fig. 5). Dos pontos de vista fonético e nutricional, manteve adequado acompanhamento fonoaudiológico, o que permitiu satisfatório restabelecimento da fala e da capacidade de deglutição.
Discussão
Os papilomas orais normalmente apresentam-se clinicamente de forma assintomática, exofítica, e superfície com aspecto de couve-flor. São encontrados mais comumente na língua, nos lábios, na mucosa bucal, gengiva e no palato, com tamanho que varia de 0,2-1 cm. Autores como Kumar et al. (2013)3 e Martins Filho et al. (2009)5 observaram dimensões semelhantes às encontradas na literatura. O tempo de evolução é variável, pode ser encontrado com início em poucas semanas até 20 anos.7,8 No caso relatado, a paciente apresentava lesão com aproximadamente 15 anos de evolução.
A ocorrência dessas lesões é influenciada pelo tabagismo, pelas infecções coexistentes, deficiências nutricionais e alterações hormonais e imunológicas, como nos casos de pacientes soropositivos para o HIV, geralmente acometidos por múltiplas lesões orais.3,9 Papilomas escamosos são tradicionalmente divididos em dois tipos: isolados solitários e múltiplos recorrentes. O primeiro é geralmente encontrado na cavidade oral de adultos, enquanto o último é encontrado principalmente no complexo laringotraqueobrônquico de crianças.2 No presente caso, foi observado o tipo isolado solitário e não se encontrou qualquer tipo de alteração sistêmica ou fator predisponente.
Carneiro et al. (2009)7 fizeram uma pesquisa clônico-histopatológica em 12 pacientes com suspeita de papiloma escamoso. O sítio mais prevalente foi a língua (41,7%), seguido pelo palato (33,3%), lábio (16,7%) e pela comissura labial (8,3%), e o tamanho das lesões variou de 0,2 a 1,2 cm. Já Abbey et al. (1980)8 analisaram 464 papilomas de células escamosas orais e observaram que as lesões foram mais abundantes no palato, quando comparado com outras regiões, como, por exemplo, bordo lateral de língua e lábios. O tamanho da lesão foi registrado em 141 casos, dos quais 107 (75,9%) apresentavam-se menores do que 1 cm e 34 (24,1%) maiores do que 1 cm. Dentre esses, o tamanho máximo encontrado foi de 3 cm. No caso descrito, diagnosticou-se lesão com dimensões bastante extensas, o que não corroborou os achados descritos na literatura mundial.
Tal como no presente trabalho, Martins Filho et al. (2009)5 e Jaju et al. (2014)9 observaram, na análise histopatológica, a presença do epitélio de revestimento do tipo pavimentoso estratificado paraqueratinizado, acantose, papilomatose e coilocitose, o que ratificou o diagnóstico definitivo. No caso relatado, também se observou atipia celular leve, achado esse que justifica adicionalmente a remoção cirúrgica. Entretanto, é um achado discreto que apoia a exérese da lesão, exclui malignidade e é conclusivo para o papiloma oral. Como os exames clínico e histopatológico já apresentavam a indicação mandatória de ressecção extensa da lesão, optou-se pela não feitura da tipagem viral, por ser um exame oneroso, feito apenas nos grandes centros, o qual não alteraria nosso planejamento cirúrgico.
Embora o tratamento definitivo sob anestesia local seja a forma mais usada,2 que fornece resultados satisfatórios, essa técnica não foi a preconizada para o caso relatado. Optou-se pela anestesia geral devido às proporções da lesão, à maior segurança e ao conforto para o paciente, no que tange a possíveis intercorrências e manutenção dos sinais vitais.
A literatura aborda diversas formas de tratamento possíveis para o correto recurso terapêutico do papiloma escamoso oral. Dentre as formas de tratamento propostas, existem excisão cirúrgica convencional, criocirurgia, ablação a laser, injeção intralesional de interferon e aplicação de ácido salicílico;10 A remoção cirúrgica conservadora que envolve a base da lesão representa o padrão ouro para o tratamento dessa patologia, com baixo risco de recorrência relatado na literatura.1,3,9 No caso descrito, optou-se pela remoção cirúrgica com margens conservadoras, o que permitiu a obtenção de resultados funcionais satisfatórios no acompanhamento em longo prazo, além de ausência de sinais de recidiva.
Conclusão
O papiloma escamoso oral, por ser assintomático e geralmente se apresentar com pequenas dimensões, normalmente é tratado por remoção cirúrgica durante biópsia excisional. Porém, algumas lesões podem tomar dimensões maiores, causar desconforto, dificuldade de fonação e mastigação e comprometimento social, como também pode resultar em maiores mutilações após o tratamento definitivo.
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Como citar este artigo: Nogueira EF, Lopes PH, Souza BL, Bezerra CB, Vasconcellos RJ, Torres BC. Partial glossectomy for treating extensive oral squamous cell papilloma. Braz J Otorhinolaryngol. 2017. https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.07.002
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A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
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- 10 Singh AP, Jain S, Chaitra TR, Kulkarni AU. Oral squamous papilloma: report of a clinical rarity. BMJ Case Rep. 2013.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Oct 2020
Histórico
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Recebido
31 Out 2015 -
Aceito
19 Jul 2016