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Avaliação da dor pós-operatória em pacientes submetidos à artrodese de coluna lombar: aplicação de escala unidimensional e multidimensional

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

É possível que pacientes submetidos a cirurgia de coluna lombar apresentem dor crônica e necessitem de avaliação multidimensional da dor pós-operatória devido às variáveis que influenciam a dor. O objetivo deste estudo foi avaliar a correlação entre as escalas uni e multidimensional para avaliação de dor pós-operatória.

MÉTODOS:

Estudo longitudinal e observacional desenvolvido nas unidades de internação de um hospital ortopédico de referência em São Paulo. Foram selecionados 53 pacientes no pré-operatório de artrodese da coluna lombar, 28 foram excluídos e 25 avaliados com a escala verbal numérica e o Inventário Breve de Dor no dia do pré-operatório e no 2° dia de pós-operatório.

RESULTADOS:

Na amostra todos os pacientes apresentavam dor crônica com tempo médio de dor prévia de 9,24 anos. Observou-se variação entre o pré e pós-operatório no Inventário Breve de Dor em quase todos os itens, mas apenas o item sobre a dor ‘’neste momento” se equiparou à escala verbal numérica (Kappa=correlação quase completa).

CONCLUSÃO:

A escala verbal numérica e o Inventário Breve de Dor não foram equiparáveis uma vez que a Escala Verbal Numérica evidenciou piora da dor pós-operatória, enquanto o Inventário Breve de Dor refletiu melhora na percepção da dor pós-operatória. O Inventário Breve de Dor pareceu ser melhor instrumento para avaliação de dor neste estudo.

Descritores:
Artrodese; Dor; Dor crônica; Dor lombar; Dor pós-operatória; Medição da dor

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

It is possible that patients submitted to lumbar spine surgery present chronic pain and need a multidimensional assessment of postoperative pain due to the variables that influence pain. The objective of this study was to evaluate the correlation between uni and multidimensional scales for postoperative pain assessment.

METHODS:

Longitudinal and observational study carried out in the inpatient units of an orthopedic reference hospital in São Paulo. 53 patients were selected in the preoperative period of lumbar spine arthrodesis, 28 were excluded and 25 were evaluated with the numerical verbal scale and Brief Pain Inventory on the preoperative day and on postoperative day 2.

RESULTS:

In the sample, all patients had chronic pain with a mean previous pain time of 9.24 years. There was variation between the pre and postoperative periods on the Brief Pain Inventory in almost all items, but only the item regarding the amount of pain ‘’right now’’ (in the moment) was equivalent to the numerical verbal scale (Kappa=almost complete correlation).

CONCLUSION:

The numerical verbal scale and Brief Pain Inventory were not comparable since the Numerical Verbal Scale showed a worsening of postoperative pain, while the Brief Pain Inventory reflected improvement in the perception of postoperative pain. The Brief Pain Inventory seemed to be a better tool for pain assessment in this study

Keywords:
Arthrodesis; Chronic pain; Low back pain; Pain; Pain measurement; Postoperative pain

INTRODUÇÃO

A dor atualmente é definida como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. Quando aguda, serve de alerta para a necessidade de assistência e, quando a dor se torna crônica (DC), deixa de ser um sintoma e torna-se uma doença11 De Santana JM, Perissinotti DMN, Oliveira Jr JO, Correia LMF, Oliveira MC, Fonseca PRB. Definição de dor revisada após quatro décadas. 2020;3(3):197-8.

2 Pain as 5th vital sign. Center for practical bioethics. PAINS Policy Brief. Pain as a 5th Vital Sign. 2017. Disponível em https://practicalbioethics.org/files/pains/PAINS-policy-brief-8.pdf.
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-33 SBED. Campanha Nacional pelo tratamento e controle da Dor Aguda e Crônica - Disponível em: <https://sbed.org.br/wp-conteud/uploads/2019/campanha-nacional-pelo-tratamento-e-controle-da-dor-aguda-e-cr%c3%94nica-3-mb.pdf> Acesso em: 08/04/2019.
https://sbed.org.br/wp-conteud/uploads/2...
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Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a DC é definida como uma dor que persiste por um período maior que 3 meses e estima-se, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que 22% da população mundial é acometida por essa condição. A dor da coluna lombar é uma das mais frequentes na população geral e grande parte dos motivos que levam pacientes a serem tratados cirurgicamente, por cronicidade da dor e diminuição da qualidade de vida dos indivíduos44 de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN, de Oliveira Junior JO, da Fonseca PRB, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830.,55 Barros MB, Francisco PM, Zanchetta LM, César CL. Trends in social and demographic inequalities in the prevalence of chronic diseases in Brazil. PNAD: 2003-2008. Cien Saude Colet. 2011;16(9):3755-68..

No contexto hospitalar, a avaliação da dor é uma rotina, no entanto a sua avaliação inadequada, especialmente em pacientes com DC, pode resultar no manejo inadequado da dor pós-operatória (DPO) e persistência do quadro doloroso, aumentando o tempo de permanência hospitalar, uma vez que a dor parece ser um preditor de imobilismo em situações de pós-operatório (PO)66 Borges VM, Oliveira LR, Peixoto E, Carvalho NA. Motor physiotherapy in intensive care adult patients. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(4):446-52.,77 Chung JW, Lui JC. Postoperative pain management: study of patients’ level of pain and satisfaction with health care providers responsiveness to their reports of pain. Nurs Health Sci. 2008;5(1):13-21..

O padrão-ouro para avaliação da dor é o autorrelato e as escalas mais comumente utilizadas neste ambiente são as unidimensionais. No entanto, durante os processos de avaliação da dor, ocorrem situações enigmáticas para a equipe quando, por exemplo, nessas escalas que vão de zero a 10, o paciente diz ter dor 10, mas demonstra semblante tranquilo, movimentos ligeiros e nenhum sinal aparente que poderia definir um paciente com dor intensa. Isto acontece porque é possível que em pacientes com histórico de DC as escalas unidimensionais não sejam capazes de avaliar adequadamente a dor, uma vez que não contemplam os aspectos biopsicossociais da dor prévia e, dessa forma, as escalas multidimensionais são mais apropriadas porque contemplam outros aspectos da dor, que vão além da intensidade e podem retratar de maneira mais fidedigna o estado de dor do paciente88 Minatti SP. O psicanalista no tratamento da dor. Rev Latinoam Psicopat Fund. 2012;15(4):825-37.,99 Martinez JE, Grassi DC, Marques LG. Análise da aplicabilidade de três instrumentos de avaliação de dor em distintas unidades de atendimento: ambulatório, enfermaria e urgência. Rev Bras Reumatol. 2011;51(4):304-8..

É possível que pacientes com histórico de DC submetidos à cirurgia de artrodese da coluna necessitem de uma avaliação da dor considerando os aspectos biopsicossociais, a fim de adequar o manejo analgésico através de protocolos assistenciais específicos e individualizados.

O objetivo deste estudo foi avaliar pacientes submetidos à artrodese de coluna lombar através das escalas de dor uni e multidimensional, respectivamente: escala verbal numérica (EVN) e Inventário Breve de Dor (BPI), e observar se houve correlação entre elas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo longitudinal, prospectivo e observacional, realizado entre julho e setembro de 2019 no Hospital da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), em São Paulo.

Foi utilizada amostra de conveniência, com dados iniciais de 53 pacientes adultos, de ambos os sexos, internados para a realização de cirurgia de artrodese lombar via posterior em até 4 níveis. Os critérios de exclusão foram pacientes sem prescrição de fisioterapia, pacientes submetidos a outros procedimentos cirúrgicos associados, pacientes que receberem alta hospitalar precoce antes do 2° PO, restrição médica para saída do leito, revisão cirúrgica na coluna lombar prévia com menos de 3 meses de PO, infecção, grau de força muscular menor que 3 para os grupos musculares do aparelho extensor de quadril e joelho e dificuldade ou incapacidade para compreender as escalas de dor propostas. A seleção dos pacientes foi realizada através do relatório diário de previsão de cirurgias, via sistema TASY®. Os dados pessoais e de internação foram coletados do prontuário eletrônico do paciente. O avaliador aplicou as escalas de dor em dois momentos, no mesmo dia antes da cirurgia e no 2° dia de PO.

As ferramentas utilizadas para avaliação da dor foram a EVN e o BPI. A EVN é uma escala unidimensional muito utilizada no ambiente hospitalar e que a avalia a presença e intensidade da dor, sendo zero ausência de dor, 1-3 dor leve, 4-6 moderada, 7-9 intensa e 10 insuportável. Já o BPI é uma escala multidimensional com boas propriedades psicométricas, constituída por 15 itens que avaliam: existência, intensidade, localização, interferência funcional, estratégias terapêuticas aplicadas e eficácia do tratamento1010 Garg A, Pathak H, Churyukanov MV, Uppin RB, Slobodin TM. Low back pain: critical assessment of various scales. Eur Spine J. 2020;29(3):503-18.,1111 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11..

Os fármacos prescritos para o controle da DPO também foram anotados e contemplaram fármacos respeitando as recomendações da OMS quanto à escada analgésica: para dor leve, dipirona e anti-inflamatório não hormonal; moderada, opioides fracos (tramadol, codeína) e dipirona e anti-inflamatório não hormonal (AINHS); intensa/insuportável, opioides fortes (morfina, metadona), dipirona e AINHS e adjuvantes (pregabalina ou gabapentina); e dor refratária, que não respondeu às propostas farmacológicas para dor intensa e avaliação para medidas intervencionistas e/ou instalação de analgesia controlada pelo paciente (ACP).

Este estudo foi conduzido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição parecer número 3.412.093.

Análise estatística

Os testes estatísticos e figuras foram executados no software R 3.5.0 GUI 1.70, El Capitan build (1) e RStudio (Version 1.1.453 - © 2009-2018 RStudio, Inc.). As variáveis qualitativas foram descritas pela frequência e intervalo de confiança. As variáveis quantitativas foram descritas por medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão. A associação entre as variáveis qualitativas foi avaliada através do teste de Qui-quadrado. A concordância entre as escalas de dor foi avaliada através do teste de Kappa (Cohen’s Kappa), com classificação qualitativa dada por Landis (2) como ausente (=0), pobre (0,00 a 0,19), fraca (0,20 a 0,39), moderada (0,40 a 0,59), substancial (0,60 a 0,79) e quase completa (acima de 0,60). O teste utilizado para buscar a associação entre a força analgésica do fármaco e as respostas às escalas de dor foi Kruskal-Wallys. Foram considerados significantes todos os resultados com nível descritivo menor que 5% (valor de p<0,05).

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 53 pacientes e todos apresentaram histórico de DC. Vinte e oito foram excluídos da análise de equiparação das escalas no PO por: não compreenderem as perguntas realizadas pelo observador, alta hospitalar precoce, restrição ao leito e cirurgia cancelada. Vinte e cinco pacientes atenderam aos critérios do estudo para avaliação da DPO e correlação entre as escalas. O perfil observado neste grupo quanto ao sexo: 52% eram mulheres e 48% homens. A idade média foi 49,5 anos, o tempo médio de dor prévia de 9,24 anos e o tempo médio de internação hospitalar 4 dias.

Variação da dor na escala verbal numérica no pré e pós-operatório

Com relação à intensidade de dor mensurada pela EVN, observou-se aumento da intensidade da dor no PO, com variação estatisticamente significativa entre os tempos observados, sendo que a intensidade mais observada foi moderada à intensa, isto é, foi acima de 5 com p=0,00044 (Figura 1).

Figura 1
Dor pela escala verbal numerica no pre e pos-operatorio

Relação entre as variáveis pré e pós-operatórias do Inventário Breve de Dor

Quando comparados os resultados do BPI no pré e PO, pôde-se determinar que houve melhora da condição dos pacientes para quase todos os itens avaliados entre os tempos, como na redução do escore médio de dor e aumento do percentual de melhora da dor após intervenção. Os itens de maior relevância estatística foram: dor leve p=0,0001, média de dor p<0,0001 e percentual de melhora p=0,0001. Não foram observadas diferenças nos itens que dizem respeito a trabalho, caminhada, sono, apreciação da vida e presença de dor de localização “diferente” - dor em localização não habitual (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis do Inventário Breve de Dor no pré e pós-operatório

Concordância entre a escala verbal numérica e o Inventário Breve de Dor

A EVN possui uma medida única e, para estabelecer sua concordância com o BPI, que possui múltiplos componentes, foi optado por avaliar a concordância entre a EVN e o BPI para cada item através do teste de Kappa. Observou-se que alguns itens do BPI têm relação com a intensidade de dor da EVN, mas a única variável que apresentou forte relação de concordância foi o item “Quantidade de dor neste momento” (Tabela 2).

Tabela 2
Concordância entre as variáveis da escala verbal numérica e e o Inventário Breve de Dor

Resultados da escala verbal numérica e inventário Breve de Dor frente ao esquema analgésico de rotina utilizado

Quanto à percepção do paciente para itens avaliados tanto na EVN como no BPI em relação à potência analgésica dos fármacos utilizados, foram comparados os grupos de acordo com o esquema analgésico recebido; fármacos para dor leve, moderada, intensa e as escalas de dor. Verificou-se que, apesar de a maioria ter recebido fármacos para dor forte, 68% (Tabela 2), nenhum item das escalas apresentou variação significante, ou seja, independente da potência do fármaco, não houve alteração significativa nos níveis de dor mesmo com analgésicos mais fortes, não houve recusa de fármacos pelos pacientes, nem casos de pacientes com dor refratária na amostra (Tabela 3).

Tabela 3
Esquema analgésico utilizado e as variáveis da escala verbal numérica e Inventário Breve de Dor no pós-operatório

DISCUSSÃO

Os dados apresentados se referem a um perfil específico composto por indivíduos submetidos a artrodese de coluna, todos com histórico de DC e tempo médio de dor prévia de mais de 9 anos.

Segundo estudo44 de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN, de Oliveira Junior JO, da Fonseca PRB, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830., cerca de 39% da população do Brasil apresenta quadros de DC, que, de acordo com a IASP, caracteriza-se quando o indivíduo apresenta um quadro de dor que persiste por mais de 3 meses44 de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN, de Oliveira Junior JO, da Fonseca PRB, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830..

Entretanto, dados epidemiológicos de outros países são variáveis quanto às prevalências de DC. No Reino Unido, 59% da população apresentava dor lombar crônica1212 Stranialis G, Tsamandouraki K, Sakas DE, Alamanos Y. Low back pain in a representative sample of Greek population: analysis according to personal and Socioeconomic characteristics. Spine. 2004;29(12):1355-60., na Grécia a prevalência foi de 31,7%1313 Papageorgiou AC, Croft PR, Ferry S, Jayson MI, Silman AJ. Estimating the prevalence of low back pain in the general population. Evidence from the South Manchester Back Pain Survey. Spine. 1995;20(17):1889-94., já nos Estados Unidos 74,5% das pessoas com DC apresentavam dor lombar de alto impacto1414 Pitcher MH, Von Korff M, Bushnell MC, Porter L. Prevalence and profile of high-impact chronic pain in the United States. J Pain. 2019;20(2):146-60.. A falta do rigor metodológico e de padronização dos critérios adotados para definição e classificações de dor lombar crônica foram algumas das explicações a respeito das diferenças encontradas1515 Meucci RD, Fassa AG, Faria NM. Prevalence of chronic low back pain: systematic review. Rev Saude Publica. 2015;49:1..

A respeito da DPO de artrodese lombar, sua evolução parece variável. No estudo1616 Amaral R, Ferreira R, Marchi L, Jensen R, Nogueira-Neto J, Pimenta L. Artrodese lombar intersomática anterior por via única - Complicações e resultados perioperatórios. Rev Bras Ortop. 2017;52(5):569-74. foi observado que pacientes submetidos à cirurgia de artrodese lombar apresentaram diminuição dos quadros álgicos uma semana após a cirurgia e, quanto à qualidade de vida, observou-se melhora após seis semanas. Já outro estudo1717 Marchi L, Nogueira-Neto J, Amaral V, Amaral R, Faulhaber N, Coutinho E, et al. Workers´ compensation is associated with worst clinical reuslts after lumbar fusion. Coluna/Columna, 2017;16(4):310-3. observou melhora da DPO em pacientes submetidos à cirurgia de artrodese lombar somente após 6 meses.

Os achados neste estudo não se assemelham à literatura quanto a evolução e temporalidade da DPO. Os pacientes com DC relataram piora da DPO comparada à dor prévia à cirurgia quando avaliados pela EVN, em contrapartida, referiram melhora da percepção da dor (p<0,0001) e de outros aspectos que refletem funcionalidade e qualidade de vida como humor e relacionamento com as pessoas quando avaliados pelo BPI. Segundo autores1818 Bajwa SJS. Pain relief following spinal surgeries: a challenging task. J Spine. 2015;4:3., a resposta inflamatória e o manejo da dor em pacientes de DC são mais complexos.

Além disso, estes achados parecem sugerir que a natureza multidimensional da DC não é refletida apenas por definições baseadas na duração e intensidade da dor1414 Pitcher MH, Von Korff M, Bushnell MC, Porter L. Prevalence and profile of high-impact chronic pain in the United States. J Pain. 2019;20(2):146-60., mas requer ferramentas que contemplem os outros aspectos da dor para uma avaliação mais fidedigna, a fim de adequar o manejo analgésico através de protocolos assistenciais específicos e individualizados.

Apesar dos itens trabalho, caminhada, sono e apreciação da vida não terem apresentado variação significativa, estes aspectos dizem respeito à rotina do paciente e talvez o tempo necessário para que o paciente perceba o impacto destes itens a médio e longo prazo, levando em consideração o estilo de vida dos pacientes, tenha que ser maior do que o período avaliado1919 Garcia JB, Hernandez-Castro JJ, Nunez RG, Pazos MA, Aguirre JO, Jreige A, et al. Prevalence of low back pain in Latin America: a systematic literature review. Pain Physician. 2014;17(5):379-91..

Perceber a necessidade da individualização no tratamento para pacientes com DC é primordial inclusive na abordagem farmacológica, que deve ser mais dirigida ao mecanismo da dor do que da sua causa2020 Clauw DJ. Diagnosing and treating chronic musculoskeletal pain based on the underlying mechanism(s). Best Pract Res Clin Rheumatol. 2015;29(1):6-19.. Observou-se neste estudo que, mesmo quando utilizado um protocolo institucional para DPO, a administração de fármacos, independentemente da classe ou potência, não alterou a percepção dos pacientes quanto aos itens da escala multidimensional. Segundo autores2121 Gandhi K, Heitz JW, Viscusi ER. Challenges in acute pain management. Anesthesiol Clin. 2011;29(2):291-309., dentre os possíveis fatores que contribuem para o tratamento inadequado da DPO estão a DC prévia, a hiperalgesia induzida pelos opioides em usuários crônicos desses fármacos e a tolerância aos opioides.

Em um estudo de revisão de 20172222 Tompkins DA, Hobelmann JG, Compton P. Providing chronic pain management in the “Fifth Vital Sign” Era: Historical and treatment perspectives on a modern-day medical dilema. Drug and Alcohol Dependence. 2017;173(1):11-21., ensaios clínicos apontaram para o alívio da dor através do uso de opioides, mas não relataram outros resultados relacionados à dor, incluindo qualidade de vida, funcionalidade ou retorno ao trabalho. Ao contrário, foi observado neste estudo que a DPO no paciente com DC não esteve totalmente relacionada à potência dos fármacos analgésicos utilizados, uma vez que a dor pode estar relacionada a outros fatores não responsivos à analgesia, como os psicológicos, por exemplo2323 Fletcher D, Stamer UM, Pogatzki-Zahn E, Zaslansky R, Tanase NV, Perruchoud C, et al. Chronic postsurgical pain in Europe: an observational study. Eur J Anaesthesiol. 2015;32(10):725-34..

Neste cenário, é preciso cautela quanto ao manejo da dor, uma vez que a sua intensidade pode ou não ser indicativo de fármacos analgésicos insuficientes e por isso é importante considerar o histórico de dor, a complexidade cirúrgica e todo o contexto biopsicossocial da dor, já que são parâmetros para a abordagem analgésica diferenciada destes pacientes2424 Pereira FM, Penido MA. Aplicabilidade teórico-prática da terapia cognitivo comportamental na psicologia hospitalar. Rev Bras Ter Cogn, 2010;6(2):189-220.,2525 Sapeta P. Dor total versus sofrimento: a interface com os cuidados paliativos. Rev Dor. 2007;1(15):17-2..

Promover o alívio da dor por meio de avaliação com ferramentas específicas e tratamento adequado inclusive no âmbito hospitalar deve ser um aspecto de atenção. Saber identificar esses aspectos que impactam na modulação da dor pelo paciente pode levar a um melhor entendimento, direcionamento para protocolos institucionais específicos de dor de diferentes tipos e melhores abordagens para estes pacientes. Quando a dor não é avaliada corretamente, pode implicar em tratamento inadequado que está associado ao aumento de complicações pós-operatórias e maior morbimortalidade2626 Argoff CE. Recent management advances in acute postoperative pain. Pain Pract. 2014;14(5):477-87., em contrapartida, a avaliação e controle adequado da dor inclusive no período perioperatório está relacionada à melhora dos desfechos clínicos, bem como redução do tempo de internação e diminuição no número de complicações2727 Lenart MJ, Wong K, Gupta RK, Mercaldo ND, Schildcrout JS, Michaels D, et al. The impact of peripheral nerve techniques on hospital stay following major orthopedic surgery. Pain Med 2012;13(6):828-34.,2828 Devin CJ, McGirt MJ. Best evidence in multimodal pain management in spine surgery and means of assessing postoperative pain and functional outcomes. J Clin Neurosci. 2015 Jun;22(6):930-8..

Para melhor entendimento do tema, faz-se necessário mais dados científicos acerca destas questões, os autores sugerem a realização de estudos com maior número amostral, outras doenças de origem e maior frequência de reavaliações com instrumentos que também considerem o contexto de dor total e itens avaliativos adaptados para o contexto hospitalar. Quanto às limitações do estudo, o tamanho da amostra e o tempo de reavaliação podem não ter sido suficientes para apontar outras variáveis significantes do aspecto biopsicossocial.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos demostraram que a aplicação de uma escala multidimensional como o BPI parece ser um instrumento que melhor reflete a evolução na percepção de dor do paciente com DC no PO de artrodese lombar quando comparado à escala unidimensional, uma vez que, embora a EVN tenha apontado para um aumento na intensidade da DPO, os pacientes relataram uma percepção de melhora geral pós-operatória, evidenciada pela maioria dos itens do BPI.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2020
  • Aceito
    13 Jul 2021
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