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Avaliação de uma equipe multidisciplinar no tratamento da dor crônica: estudo intervencionista e prospectivo

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A abordagem multiprofissional envolve mais de um especialista da área da saúde para obter tratamento mais efetivo do paciente com dor crônica. O objetivo deste estudo foi avaliar se a abordagem multidisciplinar possui eficácia no tratamento de pacientes com dor crônica, assim como analisar a resposta terapêutica destes pacientes com a utilização de escalas para aferição de dor neuropática, intensidade da dor e qualidade de vida.

MÉTODOS:

Foram avaliados 27 pacientes, com idade média de 56,85±12,17 anos. Permaneceram em acompanhamento com equipe multidisciplinar por 4 meses e foram avaliados no início e ao final do tratamento pela escala analógica visual, Leeds Pain Scale for Neuropathic Signs and Symptoms e o questionário de qualidade de vida Short Form-36.

RESULTADOS:

Observou-se melhora sintomática dos pacientes, no que diz respeito à redução da intensidade da dor, aperfeiçoamento da capacidade funcional, saúde mental e estado geral de saúde, sendo os valores encontrados pré e pós-intervenção de 30,10% para 58,80% (p=0,004), 33,7% para 57,78% (p<0,001), 43,41% para 67,56% (p=0,002), 40,19% para 65,07% (p=0,001), respectivamente, além da redução da sensação subjetiva de dor aferida pela escala analógica visual com mediana pré-tratamento de 8 e ao final de 2 (p<0,001).

CONCLUSÃO:

O estudo confirmou que o tratamento realizado por equipe multidisciplinar especializada em dor apresentou melhora e aumento da qualidade de vida dos pacientes.

Descritores:
Dor; Dor crônica; Qualidade de vida

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The multidisciplinary approach involves more than one specialist in the health field in order to obtain more effective treatment for patients with chronic pain. The aim of this study was to assess whether the multidisciplinary approach is effective in the treatment of patients with chronic pain, as well as to analyze the therapeutic response of these patients using scales for measuring neuropathic pain, pain intensity and quality of life.

METHODS:

Twenty-seven patients were evaluated, with a mean age of 56.85±12.17 years. They remained in follow-up with a multidisciplinary team for 4 months and were evaluated at the beginning and end of treatment using the visual analog scale, Leeds Pain Scale for Neuropathic Signs and Symptoms and the Short Form-36 quality of life questionnaire.

RESULTS:

Results showed a symptomatic improvement of the patients, with regard to the reduction of pain intensity, improvement of functional capacity, mental health and general health condition, with the values found before and after intervention from 30.10% to 58.80% (p=0.004), 33.7% to 57.78% (p<0.001), 43.41% to 67.56% (p=0.002), 40.19% to 65.07% (p=0.001), respectively, in addition to the reduction of the subjective pain sensation measured by the visual analog scale with a pre-treatment median of 8 and median at the end of 2 (p<0.001).

CONCLUSION:

The study confirmed that the treatment performed by a multidisciplinary team improves not only the level of pain, but also directly affects the quality of life of patients.

Keywords:
Chronic pain; Pain; Quality of life

INTRODUÇÃO

A prevalência de dor crônica (DC) no Brasil variou entre 29,3 e 73,3%, afetando mais as mulheres que os homens e acometendo mais frequentemente a região dorsal/lombar; porém, faltam dados mais precisos11. Vasconcelos FH, Araújo GC. Prevalence of chronic pain in Brazil: a descriptive study. BrJP. 2018;1(2):176-9.,22. Ferreira KASL, Bastos TRPD, Andrade DC, Silva AM, Appolinario JC, Teixeira MJ, et al. Prevalência de dor crônica em área metropolitana de um país em desenvolvimento: um estudo populacional. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(12):990-8.. O tratamento multiprofissional da dor envolve mais de um especialista da área da saúde, entre eles médico especialista, enfermeiro, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo ou educador físico, para que possa ser realizada abordagem ampla para compreensão das esferas biopsicossociais que envolvem o paciente para controlar a dor33. Stanos S, Houle TT. Multidisciplinary and Interdisciplinary management of chronic pain. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2006;17(2):435-50..

O estudo sobre o impacto da atividade física em pacientes com DC cresceu exponencialmente nos últimos 25 anos, e a maior parte dos estudos avalia a melhora da terapia física associada à terapia cognitivo-comportamental (TCC), adaptada às necessidades do paciente, incluindo atividade física, tratamento farmacológico, terapia comportamental e psicoeducação, podendo ser uma forma mais eficaz para o tratamento da DC e melhora da qualidade de vida (QV)44. Ambrose KR, Golightly YM. Physical exercise as non-pharmacological treatment of chronic pain: Why and when. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2015;29(1):120-30.,55. Björnsdóttir SV, Arnljótsdóttir M, Tómasson G, Triebel J, Valdimarsdóttir UA. Health-related quality of life improvements among women with chronic pain: comparison of two multidisciplinary interventions. Disabil Rehabil. 2016;38(9):828-36..

O objetivo deste estudo foi avaliar se a abordagem multidisciplinar foi eficaz no tratamento de pacientes com DC, além de analisar a resposta destes pacientes com a terapêutica.

MÉTODOS

Estudo analítico intervencionista, longitudinal, prospectivo, não randomizado, realizado entre fevereiro de 2018 e dezembro de 2019, que incluiu pacientes com diagnóstico de DC atendidos em ambulatório de hospital terciário.

Os pacientes receberam atendimento com profissionais de fisioterapia, hidroterapia, psicologia, educador físico e médico fisiatra com duração de 4 meses. Os atendimentos foram individuais ou coletivos dependendo do tipo de terapia e necessidade de cada participante. Dessa forma, durante a semana, cada paciente frequentou duas sessões individuais de fisioterapia, sendo aplicadas técnicas de alongamento, fortalecimento e cinesioterapia; uma sessão de psicoeducação em dor realizada pelo médico fisiatra; uma sessão coletiva de psicoterapia, com abordagem de TCC e hipnoterapia; e uma sessão de conscientização corporal. Dois meses após o início das terapias, os pacientes também realizaram uma sessão semanal de hidroterapia em água quente com técnicas de relaxamento e flutuação, além de uma sessão de atividade física acompanhada por educador físico com o objetivo de alongamento e fortalecimento.

Os critérios de inclusão foram pacientes portadores de dor com duração maior que 3 meses, atendidos no ambulatório de dor com intensidade maior ou igual a 3 ou valores maiores que 12 na Leeds Pain Scale for Neuropathic Signs and Symptoms (LANSS).

Os critérios de exclusão foram idade inferior a 17 anos, três faltas consecutivas nas terapias sem adequada justificativa, incapacidade para realizar atividade física devido a risco cardiovascular e aqueles com necessidade de outro tratamento.

Após análise e identificação de pacientes com perfil de DC no ambulatório de dor, consultas para avaliação dos critérios de inclusão e exclusão foram agendadas através de contato telefônico para aplicação de questionário e de instrumentos.

A avaliação da dor em paciente apresenta inúmeros instrumentos de aferição, que podem ser usados tanto de forma quantitativa como de forma qualitativa.

Os pacientes foram avaliados com os instrumentos LANSS, escala analógica visual (EAV), questionário de QV Short Form-36 adaptado (SF-36) no momento da admissão e no final do processo. No decorrer do tratamento, os membros da equipe multidisciplinar realizaram encontros mensais para discutir os casos, com objetivo de adequar o tratamento para cada participante.

A EAV consiste em uma linha horizontal ou vertical com 10cm de comprimento, assinalada em uma extremidade com a classificação “sem dor” e, na outra, a classificação “dor máxima”. Quando se adiciona termos descritivos como “leve”, “moderado” e “intenso” ou números crescentes de zero a 10, nomeia-se de Escala de Avaliação Gráfica. A diferença na intensidade da dor mensurada em dois momentos diferentes pela EAV representa a diferença real na magnitude da dor, sendo a maior vantagem dessa ferramenta em comparação com outras. A redução de 20% na DC e de 12% para a aguda é considerada clinicamente significativa66. Haefeli M, Elfering A. Pain assessment. Eur Spine J. 2006;15(Suppl 1):S17-24.,77. Katz J, Melzack R. Measurement of pain. Surg Clin North Am. 1999;79(2):231-52..

A LANSS foi utilizada para distinguir o tipo predominante de dor, haja vista a coexistência de dor neuropática e nociceptiva no mesmo paciente. São avaliados 5 itens descritivos e 2 itens baseados no exame físico, com escores de zero a 24 pontos, sendo que uma seção explora os aspectos qualitativos e a outra os aspectos sensitivos da dor. Quando os valores encontrados estão abaixo de 12, pode-se classificar com “dor predominante nociceptiva”; superiores ou igual a 12 pontos, fala a favor de “dor predominante neuropática”88. Schestatsky P, Félix-Torres V, Fagundes Chaves ML, Câmara-Ehlers B, Mucenic T, Caumo W, et al. Brazilian Portuguese Validation of the Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs for patients with chronic pain. Pain Med. 2011;12(10):1544-50..

O SF-36 é constituído por 36 perguntas, uma que mensura a transição do estado de saúde no período de um ano e não é empregada no cálculo das escalas, e as demais, que são agrupadas em oito escalas ou domínios. As pontuações mais altas indicam estado de saúde melhor (100 pontos)99. Ware JE Jr, Kosinski M, Gandek B. The SF-36 Health Survey: Manual and Interpretation Guide. Boston New England Medical Centre. Boston, Massachusetts: The Health Institute, New England Medical Center; 1993. 1-27p..

As oito escalas do SF-36 são: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5 itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais (3 itens) e saúde mental (5 itens), e em duas medidas sumárias: componente físico e o mental1010. Ware JE. SF-36 Health Survey Update. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3130-9..

O SF-36 proporciona um perfil útil para a compreensão das diferenças populacionais no estado de saúde física e mental, nas doenças crônicas e outras condições médicas, e para avaliação do efeito dos tratamentos sobre o estado de saúde geral, com níveis de confiabilidade e validade que excedem os padrões mínimos recomendados, tornando esse instrumento atraente para uso combinado com outros questionários em inquéritos populacionais99. Ware JE Jr, Kosinski M, Gandek B. The SF-36 Health Survey: Manual and Interpretation Guide. Boston New England Medical Centre. Boston, Massachusetts: The Health Institute, New England Medical Center; 1993. 1-27p.,1111. Hays RD, Morales LS. The RAND-36 measure of health-related quality of life. Ann Med. 2001;33(5):350-7..

Os pacientes foram contatados via telefone para avaliação ambulatorial e aqueles que preencheram todos os critérios para inclusão no estudo foram convidados a participar.

O cálculo amostral foi realizado utilizando o programa G Power 3.1 baseado no método de obtenção do poder amostral a posteriori. A diferença média dos escores antes e após a intervenção foi utilizada a fim de se obter o tamanho do efeito da amostra. Considerando um erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%, a amostra mínima significativa para o estudo foi de 21 pacientes, alcançando assim poder amostral de 99,2%.

Os dados foram salvos em prontuário eletrônico da instituição, sendo identificados pelo respectivo número e armazenados em planilha do software Excel. Todos os participantes iniciaram as terapias e foram submetidos a nova coleta de dados e aplicação de questionários no final dos 4 meses de tratamentos. Foi realizada a análise dos dados obtidos antes e no final das terapias, com o pacote estatístico SPSS (26,0). A caracterização da amostra foi realizada por meio de frequência absoluta (n) e frequência relativa (%). O gráfico histograma foi feito a fim de demonstrar a distribuição da idade dos pacientes. Foram realizados testes estatísticos paramétricos e não paramétricos em cada variável contínua por meio do teste de Shapiro-Wilk. A comparação da LANSS, EAV e a QV no momento inicial e final do estudo foi realizada pelos testes tpareado e de Wilcoxon. A correlação de Spearman foi realizada a partir dos deltas (final – inicial) de cada variável para identificar a relação entre a variação observada nos dados. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

Foi aplicado e assinado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e de Assentimento por todos os participantes, os quais esclareciam os procedimentos da pesquisa. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Brasília – CEP/UniCEUB, sob parecer 031083/2019 com o CAAE 10491819.9.0000.0023.

Análise estatística

Os dados colhidos foram tabulados no programa Excel 2019, analisados descritivamente à luz da literatura existente sobre o assunto.

RESULTADOS

De 79 pacientes avaliados, 27 foram excluídos na avaliação inicial, 52 iniciaram o programa de reabilitação, 25 pacientes abandonaram o tratamento e 27 concluíram o período de 4 meses de acompanhamento com equipe multidisciplinar de dor.

As causas de abandono foram: 22 pacientes apresentaram mais de 3 faltas consecutivas nas terapias, 2 necessitaram de outro tratamento durante o decorrer do estudo e 1 paciente não foi liberado pelo cardiologista para realização de atividades devido a alto risco cardiovascular.

A maioria dos pacientes era do sexo feminino (81.5%), sendo 51,9% com idade entre 35 e 59 anos e 48,1% de 60 a 79 anos. A maioria (66,7%) apresentava apenas 1 diagnóstico, sendo que 25,9% apresentavam 2 diagnósticos e 7,4%, 3 diagnósticos, cuja prevalência é apresentada na tabela 1, destacando que um paciente poderia apresentar mais de uma síndrome ou doença, motivo pelo qual há maior número de diagnósticos do que pacientes.

Tabela 1.
Prevalência de diagnósticos na amostra

A característica da dor avaliada pela LANSS no início e no término do tratamento é apresentada na figura 1 e a intensidade da dor avaliada pela EAV no início e no término do tratamento é apresentada na figura 2.

Figura 1.
Característica da dor avaliada pela Leeds Pain Scale for Neuropathic Signs and Symptoms no início e no término do tratamento
Figura 2.
Intensidade da dor avaliada pela escala analógica visual no início e no término do tratamento

A qualidade da dor avaliada pelo SF-36 no momento do início e no término do processo evidenciou melhora em todos os subgrupos avaliados, como está evidenciado na tabela 2.

Tabela 2.
Qualidade de vida no início e no término do tratamento

Houve significativa melhora da intensidade da dor dos pacientes como se constatou ao comparar o grau de correlação entre a variação verificada nos escores obtido pelas escalas LANSS e EAV, e significância entre a melhora da QV e redução do escore de LANSS nos domínios de capacidade funcional, vitalidade, saúde mental, dor e estado geral de saúde, porém não houve melhora quando se comparou a intensidade da dor pela EAV associada ao SF-36 (Tabela 3).

Tabela 3.
Variação nos escores obtidos pelas escalas LANSS e EAV e os domínios do SF-36

Discussão

A abordagem multidisciplinar durante 4 meses apresentou efeito positivo no tratamento de pacientes com DC, possivelmente porque o paciente submetido à reabilitação com a equipe especializada vivenciou um processo complexo e contínuo de aceitação do sofrimento crônico, pois instruído sobre a etiologia e fisiopatologia da dor ele aprende a lidar com os fatores desencadeantes e a importância do processo terapêutico para o sucesso do tratamento.

Neste estudo, a maior prevalência de DC foi no sexo feminino (81,5 vs 18,5%) e na faixa etária entre 50 e 60 anos com 52,85%, de acordo com os dados do estudo epidemiológico22. Ferreira KASL, Bastos TRPD, Andrade DC, Silva AM, Appolinario JC, Teixeira MJ, et al. Prevalência de dor crônica em área metropolitana de um país em desenvolvimento: um estudo populacional. Arq Neuropsiquiatr. 2016;74(12):990-8., que também demonstrou maior prevalência neste sexo (34,7 vs 20,6%) e faixa etária entre 45 e 64 anos (33,9%), padrão evidenciado em outra revisão11. Vasconcelos FH, Araújo GC. Prevalence of chronic pain in Brazil: a descriptive study. BrJP. 2018;1(2):176-9..

Apenas 25% dos estudos revisados reportaram alguma lesão devido a terapia específica para dor, evidenciando que a atividade física em geral é aceitável sendo improvável que cause lesões para os pacientes. Dentre os riscos, destacam-se a hipotensão em terapias aquáticas e surgimento de nova dor quando a terapia não é realizada por profissional especializado1212. Geneen LJ, Moore RA, Clarke C, Martin D, Colvin LA, Smith BH. Physical activity and exercise for chronic pain in adults: an overview of Cochrane Reviews (Review). Cochrane Database Syst Rev 2017;4(4):CD112279.13..

Os dados deste estudo evidenciaram melhora sintomática dos pacientes quanto a redução da intensidade álgica, aperfeiçoamento da capacidade funcional, saúde mental e estado geral de saúde, como mostram os valores encontrados antes e depois da intervenção de 30,10 para 58,80% (p=0,004), 33,7% para 57,78% (p<0,001), 43,41% para 67,56% (p=0,002), 40,19% para 65,07% (p=0,001), respectivamente, além da redução na sensação subjetiva de dor aferida pela EAV com mediana pré-tratamento de 8 e final de 2 (p<0,001). De modo semelhante aos dados da literatura, o programa de reabilitação multidisciplinar usado neste estudo trabalhou componentes como psicoterapia no enfrentamento da doença; TCC e hipnoterapia; fisioterapia, com técnicas de alongamento e dessensibilização central; hidroterapia; técnicas de respiração; e atividades físicas, como fortalecimento e exercícios aeróbicos. Uma parcela considerável do programa de reabilitação foi a educação em dor, aconselhamento para solução de problemas e estabelecimento de metas1313. Guzmán J, Esmail R, Karjalainen K, Malmivaara A, Irvin E, Bombardier C. Multidisciplinary rehabilitation for chronic low back pain: systematic review. BMJ. 2001;322(7301):1511-6.,1414. Scascighini L, Toma V, Dober-Spielmann S, Sprott H. Multidisciplinary treatment for chronic pain: A systematic review of interventions and outcomes. Rheumatology. 2008;47(5):670-8..

Na visão das TCC, na catastrofização da dor, que pode ser definida pelo pensar pior do que uma situação pode acontecer, o paciente trata como intolerável qualquer experiência ou evento negativo durante seu cotidiano, sem levar em consideração outros fatores. Este comportamento foi identificado como preditor significativo para a desistência do tratamento, ou seja, pacientes com este componente psicocomportamental foram mais propensos a abandonar o programa de gerenciamento da DC. Este fato pode estar associado ao abandono por 25 dos pacientes incluídos neste estudo, aproximadamente 48% do total e prevalência maior do que 19%, encontrada no estudo1515. Oosterhaven J, Wittink H, Dekker J, Kruitwagen C, Devillé W. Pain catastrophizing predicts dropout of patients from an interdisciplinary chronic pain management programme: a prospective cohort study. J Rehabil Med. 2019;51(10):761-9.. O alto percentual de desistências deste estudo também pode estar relacionado ao número pequeno de participantes1515. Oosterhaven J, Wittink H, Dekker J, Kruitwagen C, Devillé W. Pain catastrophizing predicts dropout of patients from an interdisciplinary chronic pain management programme: a prospective cohort study. J Rehabil Med. 2019;51(10):761-9..

A abordagem realizada pela equipe multiprofissional propiciou efeito benéfico nas comorbidades associadas a DC, incluindo todos os domínios do SF-36, com aumento estatisticamente significativo de 71,45% na capacidade funcional (p<0,001), 325% na limitação por aspectos físicos (p=0,002), 157,17% na limitação por aspectos emocionais (p=0,006), 64,82% na vitalidade (p=0,001), 55,63% na saúde mental (p=0,002), 53,99% em aspectos sociais (p<0,001), 95,34% na dor (p=0,004) e 61,90% no estado geral de saúde (p=0,001). Assim como observado no estudo1616. Lang E, Liebig K, Kastner S, Neundörfer B, Heuschmann P. Multidisciplinary rehabilitation versus usual care for chronic low back pain in the community: effects on quality of life. Spine J. 2003;3(4):270-6., o comparativo entre o tratamento multidisciplinar e o modelo biomédico em pacientes com dor lombar crônica, julgando os quesitos interferência na vida diária, autocontrole, humor, aspectos sociais, ansiedade e depressão, concluiu que não há relação entre a melhora da intensidade da dor pela EAV e a QV avaliada pelo SF-36.

Os pacientes tratados de forma multidisciplinar que não tiveram alívio expressivo da dor apresentaram melhora em outros aspectos biopsicossociais relevantes na QV. Tal discrepância também foi encontrada na comparação entre a gravidade da dor mensurada pela EAV e o Inventário Multidirecional de Dor Sueco (MPI-S), ao comparar os efeitos antes e depois da abordagem terapêutica, em que a intervenção de 4 semanas não afetou a dor avaliada na EAV, mas afetou a gravidade avaliada pelo MPI-S1616. Lang E, Liebig K, Kastner S, Neundörfer B, Heuschmann P. Multidisciplinary rehabilitation versus usual care for chronic low back pain in the community: effects on quality of life. Spine J. 2003;3(4):270-6.,1717. Pietilä Holmner E, Fahlström M, Nordström A. The effects of interdisciplinary team assessment and a rehabilitation program for patients with chronic pain. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(1):77-83.,1818. Lamé IE, Peters ML, Vlaeyen JW, Kleef Mv, Patijn J. Quality of life in chronic pain is more associated with beliefs about pain, than with pain intensity. Eur J Pain. 2005;9(1):15-24..

O presente estudo deixou evidente que o tratamento de paciente com DC por uma equipe multidisciplinar pode ser positivo, todavia apresenta algumas limitações, como a pequena capacidade de generalização dos resultados, considerando o número de pacientes na amostra utilizada, número de pacientes portadores de DC com diferentes etiologias e a falta de grupo controle, que também pode ser considerado um fator limitante, impossibilitando a comparação entre dois grupos expostos a diferentes intervenções. Mais estudos são necessários para averiguar a eficácia da continuidade após o término do programa de reabilitação, determinar a duração do programa de reabilitação e qual a melhor técnica de tratamento, bem como para avaliar a relação custo-benefício.

Conclusão

O estudo confirmou que o tratamento realizado por uma equipe multidisciplinar especializada em dor apresenta melhora não só na intensidade da dor, como também na QV dos pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2021
  • Aceito
    27 Set 2021
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