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Efeito da mobilização neural em indivíduos com dor lombar crônica

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da técnica de mobilização neural em indivíduos com lombalgia crônica, assim como possíveis alterações na dor, no comportamento motor e na quantificação de citocinas antes e após o tratamento.

MÉTODOS:

Foram avaliados 16 indivíduos com idade média de 30,45±10,32 anos. A técnica consistiu em um total de 10 intervenções, com duração total de 10 minutos, divididas em quatro séries de 2 minutos cada, com intervalo de 30 segundos entre cada série. Os desfechos a seguir foram avaliados: intensidade da dor utilizando a escala analógica visual; mobilidade da coluna lombar com o terceiro dedo ao solo e goniometria do quadril; concentração de citocinas no soro com a técnica multiplex; e qualidade de vida com o Oswestry Disability Index, Roland-Morris Disability Questionnaire and the World Health Organization Quality of Life Questionnaire-bref.

RESULTADOS:

Os presentes resultados demonstraram uma redução na intensidade da dor de aproximadamente 70% entre as avaliações (p<0,001). Foram observadas melhoras na mobilidade lombar de aproximadamente 25,5% no teste do terceiro dedo ao solo (p<0,04) e nos ângulos da articulação do quadril (p<0,04). Também foi observada entre as avaliações diferença nas concentrações de citocinas, tanto pró-inflamatórias (p<0,009) quanto anti-inflamatórias (p<0,03).

CONCLUSÃO:

A técnica foi capaz de reduzir a intensidade da dor e consequentemente aumentar a mobilidade dos voluntários. Além disso, foi observada uma diferença na concentração de citocinas no final do tratamento e uma melhoria na qualidade de vida dos indivíduos.

Descritores:
Dor; Dor lombar; Qualidade de vida

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The objective of this study was to evaluate the effect of neural mobilization technique on individuals with chronic low back pain, as well as analyze possible changes in pain, motor behavior and on cytokine quantification before and after treatment.

METHODS:

Sixteen individuals with mean age of 30.45±10.32 years old were evaluated. The technique consisted of a total of 10 interventions, with a total duration of 10 minutes, divided into four series of 2 minutes each, with a 30-second interval between each series. The following outcomes were evaluated: pain intensity using the visual analog scale; mobility of the lumbar spine with the third finger to the ground test and hip goniometry; concentration of cytokines in serum with the multiplex technique; and quality of life with the Oswestry Disability Index, the Roland-Morris Disability Questionnaire and the World Health Organization Quality of Life Questionnaire-bref.

RESULTS:

Results showed a reduction in pain intensity of approximately 70% between the assessments (p<0.001). Improvements in lumbar mobility of approximately 25.5% on the third finger to the ground test (p<0.04) and improvement in the hip joint angles (p<0.04) were also observed. A difference in cytokine concentrations, both pro-inflammatory (p<0.009) and anti-inflammatory (p<0.03), was also observed between the assessments.

CONCLUSION:

The technique was able to reduce pain intensity and consequently increase the mobility of the volunteers. Additionally, a difference in cytokine concentration at the end of the treatment and an improvement in the individuals quality of life were observed.

Keywords:
Low back pain; Pain; Quality of life

INTRODUÇÃO

A dor na região lombar é uma condição que afeta os indivíduos de ambos os sexos e reduz a sua capacidade de realizar atividades do dia a dia, o que resulta num custo econômico substancial para a sociedade(11 Briganó JU, Macedo CSG. Análise da mobilidade lombar e influência da terapia manual e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. 2005;26(2):75-82.,22 Kurt V, Aras O, Buker N. Comparison of conservative treatment with and without neural mobilization for patients with low back pain: a prospective, randomized clinical trial. J Back Musculoskelet Rehabil. 2020;28. [Epub ahead print].). É importante notar que cerca de 70% da população brasileira pode ter um episódio de dor lombar em algum momento da vida(33 Lima ICM, Seguchi HHK, Imamura M, Saito ET, Pinho CP, Imamura ST. Tratamento da lombalgia crônica pela inativação de pontos-gatilho miofasciais - experiência da Divisão de Medicina Física da FMUSP. Acta Fisiátrica. 1999;6(1):10-3.,44 Teixeira MJ, Figueiró JAF, Yeng LT, Pimenta CAM. Tratamento multidisciplinar do doente com dor. Dor um Estudo Multidisciplinar. 1995;62(2):233-40.).

A etiologia do desenvolvimento das dores lombares ainda não é clara devido aos inúmeros fatores que podem levar ao seu aparecimento, alguns dos quais podem estar relacionados com trabalho repetitivo, puxar e empurrar, quedas, má postura, agachamento, levantamento de pesos, desequilíbrio muscular, síndromes compressivas, entre outros. A dor crônica está entre as principais causas de absenteísmo no trabalho, licença médica, baixa por doença, compensação dos trabalhadores e baixa produtividade no trabalho(11 Briganó JU, Macedo CSG. Análise da mobilidade lombar e influência da terapia manual e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. 2005;26(2):75-82.,55 Loney PL, Stratford PW. The prevalence of low back pain in adults: a methodological review of the literature. Phys Ther. 1999;79(4):384-96.

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-88 Neto T, Freitas SR, Marques M, Gomes L, Andrade R, Oliveira R. Effects of lower body quadrant neural mobilization in healthy and low back pain populations: a systematic review and meta-analysis. Musculoskelet Sci Pract. 2017;27:14-22.).

É importante enfatizar que a mobilidade limitada da coluna lombar devido a dor pode muitas vezes estar associada a esta condição(55 Loney PL, Stratford PW. The prevalence of low back pain in adults: a methodological review of the literature. Phys Ther. 1999;79(4):384-96.). Outro ponto extremamente relevante no que diz respeito às lesões do nervo espinhal, particularmente na região lombar, é que são frequentemente causadas por síndromes compressivas, como as hérnias discais. Tais compressões resultam frequentemente em dor neuropática, caracterizada por dor ardente espontânea, seguida de alodínia e hiperalgesia, que podem ser observadas nas vias nervosas dos membros inferiores(66 Antonio SF. Abordagem diagnóstica e terapêutica das dores lombares. Rev Bras Med. 2002;59(6):449-61.).

Para além dos tratamentos farmacológicos e cirúrgicos, existem tratamentos não invasivos ou não farmacológicos, tais como a fisioterapia. Em relação aos tratamentos fisioterapêuticos existentes, podem levar à redução da dor e da tensão muscular, bem como um possível aumento da amplitude de movimento. Um dos tratamentos disponíveis é a mobilização neural (MN), caracterizado por um conjunto de técnicas que visam impor maior tensão no sistema nervoso periférico por meio de certas posturas; movimentos lentos e rítmicos são aplicados nos nervos periféricos e na medula espinal, melhorando a condução do impulso nervoso(88 Neto T, Freitas SR, Marques M, Gomes L, Andrade R, Oliveira R. Effects of lower body quadrant neural mobilization in healthy and low back pain populations: a systematic review and meta-analysis. Musculoskelet Sci Pract. 2017;27:14-22.

9 Scheller J, Chalaris A, Schmidt-Arras D, Rose-John S. The pro- and anti-inflammatory properties of the cytokine interleukin-6. Biochim Biophys Acta. 2011;1813(5):878-88.

10 Coppieters MW, Butler DS. In Defense of Neural Mobilization. J Orthop Sports Phys Ther. 2001;31(9):520-1.

11 Cornelson SM, Johnnie ED, Kettner NW. Neural mobilization in a 54-year-old woman with postoperative spinal adhesive arachnoiditis. J Chiropr Med. 2018;17(4):283-8.
-1212 Basson A, Olivier B, Ellis R, Coppieters M, Stewart A, Mudzi W. The effectiveness of neural mobilizations in the treatment of musculoskeletal conditions: a systematic review protocol. JBI Database System Rev Implement Rep. 2015;13(1):65-75.).

Estudos demonstraram os efeitos benéficos da MN, incluindo a melhoria da dor articular em pacientes com artrite reumatoide(1313 Lau YN, Ng J, Lee SY, Li LC, Kwan CM, Fan SM, et al. A brief report on the clinical trial on neural mobilization exercise for joint pain in patients with rheumatoid arthritis. Z Rheumatol. 2018;78(5):474-8) e a melhoria da dor cervicobraqueal(1414 Sanz DR, Solano FU, López DL, Corbalan IS, Morales CR, Lobo CC. Effectiveness of median nerve neural mobilization versus oral ibuprofen treatment in subjects who suffer from cervicobrachial pain: a randomized clinical trial. Arch Med Sci. 2018;14(4):871-9.). A MN demonstrou um excelente prognóstico em pacientes com dor neuropática, para além de apresentar outras vantagens, tais como baixo custo operacional, fácil aplicação e ausência de efeitos adversos. Os resultados dos estudos descritos mostraram os efeitos benéficos do tratamento com MN.

As questões da investigação foram:

  1. A MN foi eficaz para diminuir a dor e melhorar o comportamento motor em indivíduos com dor lombar crônica?

  2. A MN foi capaz de interferir na modulação das citocinas?

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da MN em indivíduos com dor lombar crônica, bem como analisar possíveis alterações na dor, no comportamento motor e na quantificação das citocinas antes e depois do tratamento.

MÉTODOS

Durante o período de julho de 2016 a setembro de 2017, 60 indivíduos foram avaliados para elegibilidade. Dezesseis indivíduos completaram todo o protocolo do estudo de acordo com os critérios de inclusão e exclusão.

Foram incluídos no estudo indivíduos de ambos os sexos que preenchiam os seguintes critérios: presença de lombalgia crônica, irradiando ou não para um dos membros inferiores; idade igual ou superior a 18 anos; pontuação ≥4 na escala análoga visual (EAV).

Foram excluídos indivíduos: com dor lombar aguda; espondilolistese ou fibromialgia; que passaram por cirurgia vertebral prévia; que possuíam quaisquer sequelas causadoras de limitações na amplitude de movimento do membro inferior ou deformidade articular; placas metálicas, parafusos, distúrbios neurológicos que determinam cautela em relação à MN; câncer; perturbações cognitivas ou limitações aparentes; qualquer tipo de dor em outras regiões que não seja característica de dor lombar; diabetes mellitus avançada; sob tratamento fisioterapêutico pela mesma razão; doenças cardiovasculares não compensadas; alterações significativas da sensibilidade; edema nos membros inferiores; e mulheres grávidas.

Após a confirmação da elegibilidade, todos os procedimentos a serem realizados durante o estudo foram elucidados e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde - Brasil, confirmando a sua participação na pesquisa.

Após o cumprimento dos critérios de elegibilidade, foi realizada uma avaliação clínica e avaliações da intensidade da dor, mobilidade vertebral e goniometria do quadril, tendo sido aplicado um questionário de qualidade de vida.

Dezesseis voluntários participaram neste estudo e foram tratados com a técnica MN.

Para preservar a precisão da eficácia da intervenção, os participantes que faltaram a mais de duas sessões foram excluídos do estudo. Todos os participantes foram averiguados por um avaliador cego. Tanto os participantes como os avaliadores foram encorajados a não discutir a intervenção.

Intervenção

A MN foi realizada pelo mesmo fisioterapeuta desde a primeira até a última sessão em dias alternados. O tratamento com a técnica consiste na aplicação de um total de 10 intervenções em cada paciente, com duração total de 10 minutos, divididas em quatro séries de 2 minutos cada, com um intervalo de 30 segundos entre cada série, de acordo com o protocolo proposto em 2012 pelo estudo(1515 Santos FM, Silva JT, Giardini AC, Rocha PA, Achermann AP, Alves AS, et al. Neural mobilization reverses behavioral and cellular changes that characterize neuropathic pain in rats. Mol Pain. 2012;8:57.) e adaptado de Butler(1010 Coppieters MW, Butler DS. In Defense of Neural Mobilization. J Orthop Sports Phys Ther. 2001;31(9):520-1.).

A técnica foi aplicada com o participante sentado numa cadeira adequada, com o quadril flexionado (90º) e joelhos estendidos. Em seguida, o fisioterapeuta aplicou a técnica apenas ao membro inferior que apresentou alguma deficiência devido à dor lombar, observada no exame físico anterior; em caso de ausência de radiação de dor em qualquer dos membros, a técnica foi aplicada apenas ao membro inferior direito, de acordo com o estudo(1515 Santos FM, Silva JT, Giardini AC, Rocha PA, Achermann AP, Alves AS, et al. Neural mobilization reverses behavioral and cellular changes that characterize neuropathic pain in rats. Mol Pain. 2012;8:57.) (Figura 1).

Figura 1
Representação da aplicação de mobilização neural

1 - com o paciente sentado em uma cadeira normal, a perna a ser tratada é levantada até o membro inferior estar completamente estendido; 2 - após a adução seguida de rotação interna, continuou-se com a extensão até o paciente sentir algum desconforto (não necessariamente dor); 3 e 4 – iniciou-se movimentos alternados de dorsiflexão e flexão plantar, aproximadamente cinco vezes cada; 5 e 6 - no final, o membro inferior é elevado e abaixado alternadamente, aproximadamente cinco vezes. Os passos 3-4 e 5-6 foram alternados até ao final de cada série de dois minutos cada.


Dimensão da amostra

A dimensão da amostra foi calculada com base na EAV para dor, considerada o desfecho primário. Para tanto, foi utilizada a variância relatada no estudo(1616 Murphy DR, Hurwitz EL, Gregory AA, Clary R. A non-surgical approach to the management of lumbar spinal stenosis: a prospective observational cohort study. BMC Musculoskelet Disord. 2006;7:16.), cujo objetivo era avaliar a MN como técnica de tratamento. Considerando a média e o desvio padrão da pré-intervenção e pós-intervenção deste estudo, com um valor alfa (α) de 0,05 e 90%, determinou-se que eram necessários 20 indivíduos para o grupo experimental.

Medições dos resultados

Em primeiro lugar, foram obtidos todos os dados pessoais de cada indivíduo, incluindo idade, profissão e educação. Após esta primeira etapa, os participantes foram submetidos a duas avaliações, uma no início e outra no final do programa terapêutico. Ambas as avaliações avaliaram a qualidade de vida Oswestry Disability Index (ODI), Roland-Morris Disability Questionnaire (RMDQ) e o World Health Organization Quality of Life Questionnaire-bref (WHOQOL-bref), intensidade da dor, mobilidade da coluna lombar e medidas de citocinas.

Oswestry Disability Index

Foi utilizado o ODI versão 2.0, validado em português em 2007(1717 Vigatto R, Alexandre NM, Correa Filho HR. Development of a Brazilian Portuguese version of the Oswestry Disability Index: cross-cultural adaptation, reliability, and validity. Spine. 2007;32(4):481-6.). A escala é constituída por uma lista de 10 perguntas com seis respostas possíveis. Cada resposta tem uma pontuação de zero a 5 na ordem em que são listadas, ou seja, o primeiro valor é zero e o último valor é 5. A primeira pergunta avalia a intensidade da dor e as outras avaliam o efeito da dor no desempenho de atividades da vida diária, tais como tarefas pessoais, vestir-se, dormir etc(1818 Roland M, Fairbank J. The Roland-Morris Disability Questionnaire and the Oswestry Disability Questionnaire. Spine. 2000;25(24):3115-24.).

A pontuação total obtida neste questionário foi analisada utilizando uma fórmula matemática. Após a soma de todas as pontuações individuais do questionário, foi calculada a pontuação total em porcentagem para cada voluntário. A pontuação total foi dividida pelo número de perguntas respondidas multiplicado por 5. O resultado desta divisão foi multiplicado por 100, sendo os valores finais dados em porcentagens ([pontuação (número de perguntas respondidas × 5)] × 100)(1818 Roland M, Fairbank J. The Roland-Morris Disability Questionnaire and the Oswestry Disability Questionnaire. Spine. 2000;25(24):3115-24.).

Roland-Morris Disability Questionnaire

A versão em português do RMDQ foi aplicada nos participantes do estudo(1919 Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10.). O questionário consiste em avaliar a gravidade e o nível de incapacidade física induzida pela dor lombar por meio de 24 alternativas com respostas dicotômicas (sim ou não). O questionário deve ser preenchido pelos voluntários, demonstrando o seu sucesso ou dificuldade no desempenho das tarefas diárias associadas à sua dor, e o resultado do questionário é a soma das respostas positivas ou marcadas. Como alguns pacientes tiveram alguma dificuldade em ler ou compreender as instruções do questionário, a leitura foi feita em conjunto com os investigadores.

World Health Organization Quality of Life Questionnaire-bref (WHOQOL-bref)

A fim de padronizar a avaliação da qualidade de vida dos pacientes, utilizou-se o WHOQOL-bref, que consiste num questionário curto e de rápida aplicação desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O WHOQOL-bref é composto por um total de 26 questões, divididas em domínios físicos, psicológicos, de relações sociais e ambiente. Para averiguar a qualidade de vida antes e depois do tratamento proposto, este questionário foi aplicado em dois períodos, a medição inicial (MI), antes do tratamento, e a medição final (MF) após o final de 100 sessões de tratamento.

Este questionário foi avaliado pelo método desenvolvido por(2020 Pedroso B, Pilatti LA, Gutierrez GL, Picinin CT. Cálculo dos escores e estatística descritiva do WHOQOL-bref através do Microsoft Excel. RBQV. 2010;2(1):31-6.), uma análise por questionário que utiliza o Microsoft Excel para identificar as médias e desvios padrão para cada indivíduo e unificá-los em um gráfico que vai de zero a 100 e contém todos os domínios analisados pelo questionário.

Escala analógica visual

A EAV foi utilizada para a avaliação da intensidade da dor; ela consiste numa linha que vai de zero a 10, em que zero representa a ausência de dor e 10 representa a pior dor. Após instruções sobre como utilizar a escala, foi solicitado aos voluntários que marcassem um ponto na linha que indicasse a intensidade da dor que sentiam no momento da avaliação(2121 Serrano SC. A importância da mensuração da dor na escolha de opióides na dor crônica. âmbito Hosp. 2002;156(1):14-7.).

Mobilidade da coluna vertebral lombar

Foram utilizados dois testes para avaliar a mobilidade da coluna lombar: o terceiro dedo ao solo e a goniometria. O teste do terceiro dedo ao solo consiste em teste ativo em que o indivíduo é colocado numa posição ortostática, com os pés separados em linha com os quadris, mantendo o joelho estendido e o calcanhar a tocar o solo. Em seguida, o participante foi solicitado a realizar a flexão do tronco com os braços estendidos e a tentar aproximar a mão do chão. Depois, usando uma fita métrica, mede-se a distância entre a ponta do terceiro dedo e o solo e o valor em centímetros é considerado a mobilidade da coluna lombar do voluntário(11 Briganó JU, Macedo CSG. Análise da mobilidade lombar e influência da terapia manual e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. 2005;26(2):75-82.,2222 Puppin MAFL, Marques AP, Silva AG, Futuro Neto HA. Alongamento muscular na dor lombar crônica inespecífica: uma estratégia do método GDS. Fisioter Pesqui. 2011;18(2):116-21.).

A goniometria refere-se à medição dos ângulos articulares dos indivíduos; aplicada antes da primeira sessão e após a última sessão de MN. Para minimizar erros, o fisioterapeuta responsável foi submetido a treinamento. As medidas goniométricas da articulação do quadril dos participantes neste estudo foram utilizadas para ambas as flexões da coxa; a amplitude variou entre zero - 131º±6,4º, e a amplitude articular variou entre zero e 13º±5,4º; as medidas podem variar de indivíduo para indivíduo mais ou menos dentro destes valores estabelecidos(2323 Zhang JM, An J. Cytokines, inflammation and pain. Int Anesthesiol Clin. 2007;45(2):27-37.).

Medições das citocinas

Foi coletado sangue de cada grupo para avaliar o possível impacto da técnica nas citocinas pró e anti-inflamatórias. Foram realizadas duas recolhas: a medição inicial (I) e a medição final após a última sessão (F) de tratamento. Para avaliar a concentração de citocinas, foi utilizado o soro sanguíneo dos indivíduos para estas análises.

Para as citocinas específicas IL-1β, IL-4, IL-6 e TNF-α, os reagentes específicos contidos no kit de mapa Milliplex®TM (Millipore Corporation, Darmstadt-Alemanha) foram avaliados por Multiplex (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) de acordo com o protocolo especificado pelo fabricante. Todos os procedimentos do estudo foram conduzidos de acordo com o Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (CAAE: 56978016.1.0000.5467). O ensaio foi também registado nos Clinical Trials (clinicaltrials.gov - NCT02671409).

Análise estatística

Os resultados são apresentados como a média±SEM. As análises estatísticas dos dados foram geradas utilizando GraphPad Prism, versão 5 (Graph-Pad Software Inc., San Diego, CA). A comparação estatística foi realizada utilizando um teste t emparelhado. Em todos os casos o valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

A figura 2 mostra a caracterização dos indivíduos do estudo. Foram selecionados 60 indivíduos para elegibilidade e apenas 16 indivíduos completaram todo o protocolo do estudo de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. De todos os indivíduos analisados, utilizou-se 8 homens e 8 mulheres, com idade entre 25 e 45 anos.

Figura 2
Caracterização dos indivíduos para o estudo

Oswestry Disability Index

Após a medição inicial do ODI, a fórmula matemática foi aplicada para avaliar o grau de incapacidade dos indivíduos. Na medida inicial (I), o ODI pode ser classificado em cinco níveis ou fases de incapacidade. O primeiro nível, entre zero e 20%, caracteriza incapacidade mínima associada às atividades. O segundo nível, entre 21 e 40%, caracteriza incapacidade moderada. O intervalo entre 41 e 60% caracteriza incapacidade grave e o intervalo entre 61 e 80% caracteriza dor lombar incapacitante. Finalmente, o intervalo entre 81 e 100% caracteriza a imobilidade na cama.

Dos pacientes que participaram deste estudo, um estava no nível 4 e um no nível 3, com um nível de incapacidade elevado, e os outros pacientes tinham uma pontuação média entre os estágios 2 e 1, com incapacidade moderada. Na medida final (F) do questionário ODI, foi avaliado o efeito do tratamento nas alterações da condição clínica após a aplicação da fórmula matemática. Comparando as medidas iniciais (I) e finais (F) do ODI, observou-se melhoria da condição clínica em todos os indivíduos; muitos dos indivíduos analisados após o tratamento obtiveram excelentes resultados com o protocolo.

Todos os pacientes diminuíram a incapacidade em um nível, e, ao final do programa, quase todos os indivíduos alcançaram o primeiro nível, na faixa de 0 a 20%, o que classifica a mudança como excelente (Tabela 1).

Tabela 1
Análise dos resultados obtidos nas medições iniciais (I) e finais (F) do Oswestry Disability Index antes e depois do tratamento proposto

Roland-Morris Disability Questionnaire

Neste questionário, respostas afirmativas e um valor igual ou inferior a 10 pontos indica que a pessoa com dor lombar apresenta um pequeno nível de incapacidade, ou seja, apesar da dor, não há impedimento para as tarefas diárias. Quando o total varia entre 11 e 14 alternativas indicadas como positivas, há incapacidade leve ou moderada para realizar atividades diárias. Quando as respostas positivas são iguais ou superiores a 15, o indivíduo sofre de um grave nível de incapacidade.

Na mensuração inicial, 14 indivíduos apresentaram o parâmetro normal, não apresentando qualquer tipo de incapacidade para realizar as atividades da vida diária. Na medição inicial, dois indivíduos do mesmo grupo apresentavam uma incapacidade grave para realizar atividades diárias. No final do tratamento este questionário foi aplicado novamente e 15 dos indivíduos apresentaram parâmetros normais, enquanto um dos indivíduos com incapacidade grave alcançou os níveis normais; o outro indivíduo que também apresentava incapacidade grave inverteu parcialmente a sua condição, atingindo uma incapacidade leve/moderada na realização de atividades diárias (Tabela 2).

Tabela 2
Análise dos resultados obtidos nas medições iniciais (I) e finais (F) do Roland-Morris Disability Questionnaire, antes e depois do tratamento proposto

World Health Organization Quality of Life Questionnaire-bref

No questionário WHOQOL-bref foi observada uma redução importante, principalmente no domínio físico e ambiental, quando comparados os momentos antes e depois do tratamento. Nos domínios psicológico e das relações sociais, não se observaram quaisquer alterações durante o período analisado (Figura 3).

Figura 3
Análise dos resultados obtidos nas medições iniciais e finais do questionário WHOQOL-bref.

Os símbolos representam a diferença estatisticamente significativa entre valores antes e depois do tratamento para cada domínio * p<0,05.


Intensidade da dor

Como mostra a figura 4, quando foram analisadas as médias obtidas para cada período, a pontuação inicial (I) foi de 7,16 para a EAV, indicando dor de intensidade moderada. A partir da segunda sessão de intervenção com a MN, já foi observada diferença estatisticamente significativa em relação à medida inicial (I) até o tratamento final (F) (*p<0,001). Na medida final, ou seja, após 10 sessões de MN, os indivíduos apresentaram pontuação igual a 1,61 na EAV, quase a pontuação mais baixa possível na escala. Assim, sugere-se que a MN foi capaz de reduzir a intensidade da dor dos indivíduos com dores lombares crônicas em cerca de 70% em comparação com a intensidade da dor inicial.

Figura 4
Intensidade da dor medida pela escala analógica visual

Os símbolos representam a diferença estatisticamente significativa entre valores antes e depois do tratamento para cada domínio * p<0,05.


Mobilidade da coluna vertebral lombar:

Teste do terceiro dedo ao solo:

Antes do tratamento, na medida inicial (I), a distância média ao solo dos indivíduos era de 20,67cm. Posteriormente, estes mesmos indivíduos iniciaram o tratamento com a MN. No final das 10 intervenções do tratamento com MN (medida final F), a mobilidade do teste da coluna lombar foi novamente realizada para verificar a eficácia do tratamento, tendo sido obtida uma média de 15,4 cm de distância ao solo. Esta melhoria foi estatisticamente significativa para a mobilidade da coluna lombar após o tratamento de acordo com o protocolo (*p<0,04). Este resultado leva a sugerir que a MN poderia melhorar a mobilidade lombar de indivíduos com dores lombares crônicas baixas em cerca de 25,5% (Figura 5).

Figura 5
Mobilidade da coluna lombar de acordo com o teste do terceiro dedo ao solo

I = medida inicial; F = medida final.


Mobilidade da coluna lombar antes (I=medida inicial) e depois (F=medida final) do tratamento. Os símbolos representam a diferença estatisticamente significativa entre os grupos * p<0,04. Os dados são apresentados como média±SEM.

Goniometria do quadril

Antes do tratamento, foi observada uma flexão média do quadril de 87,92º, medida pela flexão do quadril em decúbito dorsal, como mostra a figura 6A.

Figura 6
Goniometria da flexão do quadril (A) e da extensão do quadril (B)

Antes (I=medida inicial) e depois (F=medida final) do tratamento. Os símbolos representam a diferença estatisticamente significativa entre os grupos * p<0,04. Os dados são apresentados como média±SEM.


Posteriormente, os pacientes começaram a ser tratados com a MN. No final do tratamento, foi feita uma medição final (F) para verificar a eficácia do tratamento. No final das 10 intervenções com a técnica MN, observou-se uma média de 98,57º de flexão do quadril. Esta melhoria foi estatisticamente significativa para a goniometria após o tratamento com o protocolo proposto (*p<0,04).

Adicionalmente, relativamente à medição da extensão do quadril em decúbito ventral, como mostra a figura 6B, na medição inicial (I) observou-se uma média de 13,8º de extensão do quadril. No final do tratamento foi obtida uma média de 18,2º de extensão do quadril. Esta melhoria foi estatisticamente significativa para a goniometria após o tratamento com o protocolo proposto (*p<0,04).

Citocinas

Relativamente ao ensaio de citocinas, foi avaliado o envolvimento de citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias (Figura 7). Em relação às citocinas pró-inflamatórias, foram analisadas IL-1β, IL-6 e TNF-α, antes e depois da última sessão de tratamento com MN. Os resultados mostram que houve diminuição estatisticamente significativa nas concentrações de IL-1β e TNF-α (Figuras 7A e B, respectivamente) entre as médias iniciais (I) e finais (F), ou seja, antes e depois da aplicação do protocolo de tratamento.

Figura 7
Concentração de citocinas IL-1 (A), FTN-α (B), IL-6 (C) e IL-4 (D).

Medição antes do tratamento inicial (I) e depois do tratamento final (F) de MN. Os símbolos representam a diferença estatisticamente significativa entre os grupos; * p<0,04. Os dados são apresentados como média ± SEM.


Além disso, a análise da citocina IL-6, que é considerada uma citocina pró-inflamatória e modulatória, mostrou aumento estatisticamente significativo na medição final (F) em comparação com a medição inicial (antes do tratamento MN) (*p<0,009) (Figura 7C). A análise da citocina anti-inflamatória IL-4 (Figura 7D) revelou uma diferença significativa antes (I) e depois (F) da aplicação do tratamento, ou seja, um aumento desta citocina após o tratamento (* p<0,03).

DISCUSSÃO

A dor lombar pode levar a incapacidade ao longo do tempo e representa importante impacto econômico(2424 Nee RJ, Butler D. Management of peripheral neuropathic pain: Integrating neurobiology, neurodynamics, and clinical evidence. Phys Ther Sport. 2006;7(1):36-49.,2525 Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2015;386(9995):743-800.).

Com base nos resultados do presente estudo, sugere-se que a técnica MN, quando aplicada em indivíduos com dores lombares crônicas, sozinhos ou combinados com terapia farmacológica, foi capaz de melhorar a qualidade de vida, reduzir a intensidade da dor e aumentar a mobilidade funcional, bem como proporcionar uma enorme diminuição das citocinas pró-inflamatórias.

O questionário ODI é utilizado para medir o nível de incapacidade de todos os indivíduos. Embora a maioria dos pacientes tenha sido classificada na fase dois de incapacidade antes da aplicação da técnica, observou-se redução no nível de incapacidade de todos os pacientes após a aplicação do protocolo. Além disso, foi alcançado sucesso na melhoria da qualidade de vida de todos os pacientes do estudo.

O RMDQ é utilizado para analisar o nível de incapacidade física induzida pela lombalgia. No presente trabalho, sugere-se que o protocolo proposto foi capaz de melhorar a incapacidade de quase todos os indivíduos tratados, de leve a normal.

Foi também observada importante melhora na qualidade de vida de acordo com o questionário WHOQOL-bref. O tratamento foi capaz de melhorar o domínio físico após a última sessão de tratamento da MN. Este domínio inclui a percepção de dor e desconforto na vida dos pacientes e está associado a outros fatores como a fadiga, a mobilidade e o sono. No domínio do ambiente, houve uma redução na medida final em relação à medida inicial, mas esta diferença é atribuída à interpretação dos indivíduos antes das questões analisadas. Não foi observada diferença no domínio das relações psicológicas e sociais entre os dois períodos em que o questionário foi aplicado. Estes dados corroboram os dados encontrados pelo estudo(2626 Stefane T, Santos AM, Marinovic A, Hortense P. Dor lombar crônica: Intensidade de dor, incapacidade e qualidade de vida. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):14-20.), cujos autores observaram, utilizando o WHOQOL-bref, que o domínio físico foi o mais intensamente alterado, sugerindo que esta alteração estava fortemente associada ao nível de incapacidade dos indivíduos.

Em relação à escala da dor, observou-se melhora significativa na dor dos pacientes tratados com a técnica MN. Todos os indivíduos tiveram melhora significativa, uma redução média de 70% na dor após o tratamento avaliada pela EAV. Os resultados corroboram os autores que observaram melhora da dor em todos os indivíduos com lesão do nervo ciático(2727 Rittner HL, Brack A, Stein C. The other side of the medal: how chemokines promote analgesia. Neurosci Lett. 2008;437(3):203-8.) e dor lombar(22 Kurt V, Aras O, Buker N. Comparison of conservative treatment with and without neural mobilization for patients with low back pain: a prospective, randomized clinical trial. J Back Musculoskelet Rehabil. 2020;28. [Epub ahead print].,88 Neto T, Freitas SR, Marques M, Gomes L, Andrade R, Oliveira R. Effects of lower body quadrant neural mobilization in healthy and low back pain populations: a systematic review and meta-analysis. Musculoskelet Sci Pract. 2017;27:14-22.). O presente trabalho também corrobora os resultados obtidos pelos estudos(2424 Nee RJ, Butler D. Management of peripheral neuropathic pain: Integrating neurobiology, neurodynamics, and clinical evidence. Phys Ther Sport. 2006;7(1):36-49.,2828 Sweeney J, Harms A. Persistent mechanical allodynia following injury of the hand. Treatment through mobilization of the nervous system. J Hand Ther. 1996;9(4):328-38.), que observaram uma inversão de alodínia e hiperalgesia e melhora na amplitude de movimento do membro afetado após a aplicação da técnica de MN.

Quando se analisou a capacidade funcional de todos os pacientes, observou-se melhora na sua mobilidade. Foi observada uma melhoria estatisticamente significativa na mobilidade da coluna lombar, avaliada pelos testes de distância do terceiro dedo e de avaliação da goniometria do quadril. Os resultados mostraram aumento médio de 25% na mobilidade da coluna lombar, uma melhoria importante e estatisticamente significativa após o tratamento. Foi também observada melhora nos ângulos articulares dos indivíduos tratados com MN, tanto para a flexão como para a extensão. Esta melhoria foi de aproximadamente 24,17% para a extensão e 10,8% para a flexão.

Vale a pena mencionar que os autores observaram também melhora na mobilidade dos pacientes utilizando o teste de Shöber, outro teste clínico semelhante para avaliar a mobilidade lombar. Estudos recentes observaram também melhora estatisticamente significativa da mobilidade lombar em indivíduos tratados com MN após lesão do nervo ciático(2929 Barbosa APB, Leal SS. Analysis of the efficacy of neural mobilization of the sciatic nerve in improving ROM. ConScientiae Saúde. 2015;14(3):463-9.) ou após dores lombares(88 Neto T, Freitas SR, Marques M, Gomes L, Andrade R, Oliveira R. Effects of lower body quadrant neural mobilization in healthy and low back pain populations: a systematic review and meta-analysis. Musculoskelet Sci Pract. 2017;27:14-22.).

Uma vez que se observou melhora da gravidade da dor e do estado motor dos pacientes associada à técnica MN, foi então avaliada a concentração sérica de citocinas. Já se sabe que as citocinas pró-inflamatórias estão envolvidas na geração de hiperalgesia e alodinia devido a síndromes compressivas. Estudos já demonstraram um aumento das citocinas pró-inflamatórias no sangue e nos tecidos de indivíduos e animais com dores neuropáticas e crônicas(3030 Cui JG, Holmin S, Mathiesen T, Meyerson BA, Linderoth B. Possible role of inflammatory mediators in tactile hypersensitivity in rat models of mononeuropathy. Pain . 2000;88(3):239-48.,3131 Puehler W, Zöllner C, Brack A, Shaqura MA, Krause H, Schäfer M, et al. Rapid upregulation of µ opioid receptor mRNA in dorsal root ganglia in response to peripheral inflammation depends on neuronal conduction. Neuroscience. 2004;129(2):473-9.).

Os resultados do presente estudo demonstraram diminuição das citocinas pró-inflamatórias e aumento das citocinas anti-inflamatórias após o tratamento com MN. Observou-se diminuição da IL-1β e da TNF-α e aumento das citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias da IL-4. Os resultados corroboram estudos anteriores que mostraram aumento das citocinas pró-inflamatórias do plasma em pacientes com dor neuropática(3232 Kraychete DC, Sakata RK, Issy AM, Bacellar O, Jesus RS, Carvalho EM. Proinflammatory cytokines in patients with neuropathic pain treated with tramadol. Braz J Anesthesiol. 2009;59(3):297-303.) e redução da concentração de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β e TNF-α) após o tratamento de animais com MN(3333 Zhu GC, Tsai KL, Chen YW, Hung CH. Neural mobilization attenuates mechanical allodynia and decreases proinflammatory cytokine concentrations in rats with painful diabetic neuropathy. Phys Ther. 2018;98(4):214-22.).

Em relação a IL-6, observou-se um aumento desta citocina após o tratamento. Esta citocina é também caracterizada como uma citocina pró-inflamatória e moduladora. Alguns estudos mostram que a IL-6, juntamente com a IL-1β e a TNF-α, pode estimular a síntese de receptores pró-inflamatórios de citocinas e opioide no gânglio radicular posterior, conduzindo a um efeito duplo(99 Scheller J, Chalaris A, Schmidt-Arras D, Rose-John S. The pro- and anti-inflammatory properties of the cytokine interleukin-6. Biochim Biophys Acta. 2011;1813(5):878-88.,2323 Zhang JM, An J. Cytokines, inflammation and pain. Int Anesthesiol Clin. 2007;45(2):27-37.,2727 Rittner HL, Brack A, Stein C. The other side of the medal: how chemokines promote analgesia. Neurosci Lett. 2008;437(3):203-8.,3131 Puehler W, Zöllner C, Brack A, Shaqura MA, Krause H, Schäfer M, et al. Rapid upregulation of µ opioid receptor mRNA in dorsal root ganglia in response to peripheral inflammation depends on neuronal conduction. Neuroscience. 2004;129(2):473-9.).

É sabido que, na prática clínica, a dificuldade de tratar a dor neuropática tem sido altamente evidenciada, devido à falta de conhecimento dos mecanismos celulares e moleculares envolvidos no desenvolvimento e/ou manutenção deste tipo de dor. Com base nos resultados deste estudo, o modelo pode ser de grande valor pois esta técnica é não invasiva, uma vez que foi capaz de reduzir as citocinas pró-inflamatórias e aumentar as citocinas anti-inflamatórias.

Com base nos resultados do presente estudo e e na literatura, é possível afirmar que a técnica de MN pode diminuir a intensidade da dor e melhorar a capacidade funcional, demonstrando a sua importância para a prática clínica. A MN também pode ser sugerida como um possível tratamento para indivíduos com dores lombares, uma vez que não foram observados efeitos secundários durante o tratamento de um mês. Recomenda-se a utilização deste modelo junto aos médicos para tratar pacientes com este tipo de dor, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e, consequentemente, reduzindo o uso de fármacos.

Limitações do estudo

Foram encontradas encontradas limitações no recrutamento e manutenção dos pacientes para aderir ao tratamento, uma vez que a maioria mostrou uma rápida melhoria no seu estado inicial, abandonando o tratamento antes do seu fim. Outra limitação foi o horário de tratamento de três vezes por semana, que pode coincidir com as obrigações dos pacientes e o horário de trabalho. Outra limitação prevista pelo estudo foi que os indivíduos a serem recrutados para tratamento deveriam ter um nível de educação que lhes permitiam ler, interpretar e responder aos questionários sobre qualidade de vida. Todas as limitações enumeradas não impedem que o trabalho seja realizado, mas limitaram o número de indivíduos que podem ser recrutados para tratamento.

CONCLUSÃO

O tratamento com MN implementado no presente estudo reduziu a intensidade da dor e aumentou a mobilidade lombar de indivíduos com dores lombares crônicas, o que, em geral, acelerou o processo de melhoria/recuperação da capacidade funcional destes indivíduos e acelerou o seu regresso às atividades normais do dia a dia.

Além disso, o protocolo utilizado no estudo melhorou significativamente a qualidade de vida dos pacientes e indicou uma alteração na concentração de citocinas pró e anti-inflamatórias no final do tratamento com MN em indivíduos com dores lombares crônicas. É importante salientar que a MN também pode ser combinada com outros tratamentos convencionais não invasivos, como o tratamento farmacológico, o que o torna também um instrumento coadjuvante no tratamento de dores lombares crônicas.

  • Fontes de fomento: FAPESP 2017/05218-5.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Kelle Vanessa de Oliveira Carvalho e Mirian Cristina Rocha pela ajuda na anamnese dos pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2020
  • Aceito
    25 Maio 2020
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