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Dor lombar, índices antropométricos e flexibilidade em trabalhadores rurais

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O estudo justifica-se pelo expressivo contingente de trabalhadores rurais que não são acompanhados quanto à saúde, ao mesmo tempo que apresentam alterações musculoesqueléticas como dor lombar. Dessa forma, o objetivo foi verificar se há relação entre a dor lombar, medidas antropométricas e níveis de flexibilidade de trabalhadores rurais.

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo transversal com trabalhadores rurais que utilizou a escala analógica visual para mensurar a dor lombar. Foram obtidas as medidas de índice de massa corporal, percentual de gordura, circunferência da cintura, relação cintura-quadril e área de gordura visceral, além da aferição da flexibilidade de cadeia posterior.

RESULTADOS:

Foram avaliados 55 trabalhadores rurais, com predomínio do sexo feminino e casados. Dos sujeitos avaliados 37 (67,3%) referiram queixas de dor lombar, sendo a pontuação média de dor de 3,4±2,7. Mais da metade da amostra apresentava valores de índice de massa corporal, percentual de gordura, circunferência da cintura e relação cintura-quadril classificados em categorias indesejáveis. Aqueles com dor apresentaram valores de índice de massa corporal e área de gordura visceral superiores.

CONCLUSÃO:

Os trabalhadores rurais com dor lombar apresentaram valores de índice de massa corporal e área de gordura visceral maiores, assim como aqueles com flexibilidade inadequada na mesma região apresentam valores maiores de área de gordura visceral e dor. Também é possível inferir que há associação entre os valores de índice de massa corporal e área de gordura visceral com o nível de dor, bem como a relação cintura-quadril se associa aos níveis de flexibilidade.

Descritores:
Agricultores; Amplitude de movimento; Antropometria; Dor lombar

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

This study is necessary considering the expressive number of rural workers that are not assisted by a health professional despite the presence of musculoskeletal changes such as low back pain. Thus, the objective was to check if there is a relationship among low back pain levels, anthropometric measures and range of motion of rural workers.

METHODS:

A cross-sectional study with rural workers that used the visual analog scale to measure low back pain. The data on body mass index, fat percentage, waist circumference, waist-hip ratio and visceral fat area were obtained, as well as the assessment of posterior chain range of motion.

RESULTS:

Fifty-five rural workers were evaluated, with a predominance of women and married. Of the subjects evaluated, 37 (67.3%) reported low back pain, with an average pain of 3.4±2.7. More than half of the sample presented values of body mass index, fat percentage, waist circumference and waist-hip ratio considered undesirable. Those with pain had higher values of body mass index and visceral fat area.

CONCLUSION:

Rural workers with low back pain presented higher values of body mass index and visceral fat area, as well as those with an inadequate range of motion in the same region who had higher values of visceral fat area and pain. It is also possible to infer that there is an association between the values of body mass index and visceral fat area with the level of pain, just as the waist-hip ratio is associated with the levels of the range of motion.

Keywords:
Anthropometry; Farmers; Low back pain; Range of motion

INTRODUÇÃO

A saúde do trabalhador tem recebido destaque em pesquisas na área da saúde coletiva, fato esse que está relacionado à incidência de problemas de saúde advindos da atividade laboral. Entretanto, em algumas populações, essas questões precisam ser aprofundadas, como é o caso dos trabalhadores rurais11 Silva MR, Ferretti F, Lutinski JA. Dor lombar, flexibilidade muscular e relação com o nível de atividade física de trabalhadores rurais. Saúde Debate. 2017;41(112):183-94.. Esses trabalhadores apresentam mais agravos à saúde e doenças, quando comparados aos trabalhadores da zona urbana, ao mesmo tempo que apresentam dificuldades de acesso aos serviços de saúde22 Befort CA, Nazir N, Perri MG. Prevalence of obesity among adults from rural and urban areas of the United States: findings from NHANES (2005-2008). J Rural Health. 2012;28(4):392-7..

Os produtores rurais costumam desempenhar atividades que necessitam de esforço físico intenso, sendo frequentes os distúrbios osteomusculares. Como consequência, referem dor e desconforto que interferem nas atividades de vida diária. Entre os principais desconfortos identificados nesses trabalhadores está a dor lombar (DL). A DL pode ocorrer devido a diversos fatores, como a redução da flexibilidade da cadeia muscular posterior, relacionada à sobrecarga laboral e à falta de ações de prevenção aos agravos, bem como pode vincular-se com a presença de obesidade. Estimativas apontam que de 60 a 80% da população geral apresentará, em algum momento da vida, dor na região lombar11 Silva MR, Ferretti F, Lutinski JA. Dor lombar, flexibilidade muscular e relação com o nível de atividade física de trabalhadores rurais. Saúde Debate. 2017;41(112):183-94..

Tais desordens na coluna, que se expressam em dor, levam ao comprometimento das atividades laborais e alterações posturais. Esses trabalhadores podem apresentar dores de elevada intensidade, que associadas a disfunções musculoesqueléticas, ocasionam alterações na estabilidade postural. Além disso, é frequente o excesso de peso nessa população, fato esse, que pode agravar sua condição. A sobrecarga física durante a atividade laboral, pode favorecer o surgimento de DL e diminuição da flexibilidade dessa população, sendo importante a detecção dessas alterações para o desenvolvimento de ações que visem prevenir distúrbios relacionados22 Befort CA, Nazir N, Perri MG. Prevalence of obesity among adults from rural and urban areas of the United States: findings from NHANES (2005-2008). J Rural Health. 2012;28(4):392-7..

Considerando que o Brasil possui um contingente expressivo de trabalhadores no setor que não são acompanhados em suas necessidades em saúde, fica evidente a importância de conhecer o seu perfil de adoecimento.

Nesse contexto, o presente estudo justifica-se por dar ênfase aos sintomas dolorosos, referidos como comum em trabalhadores rurais, buscando identificar os elementos contributivos associados à aptidão física. Sabe-se que devido às características do trabalho rural, é comum prevalências elevadas de DL, chegando a 98%, porém ainda existe uma lacuna a ser preenchida nas pesquisas sobre esse tema na população. Além disso, tem sido descrito o aumento exponencial de doenças crônicas não transmissíveis no meio rural, sobretudo a obesidade11 Silva MR, Ferretti F, Lutinski JA. Dor lombar, flexibilidade muscular e relação com o nível de atividade física de trabalhadores rurais. Saúde Debate. 2017;41(112):183-94.,33 O'Sullivan D, Cunningham C, Blake C. Low back pain among Irish farmers. Occup Med. 2009;59(1):59-61.. Portanto, o objetivo foi verificar se há relação entre a DL, medidas antropométricas e níveis de flexibilidade de trabalhadores rurais.

MÉTODOS

Trata-se de estudo retrospectivo transversal44 Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady DG, Newman TB. Delineando a pesquisa clínica. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015. 386p. realizado com trabalhadores rurais de Santa Cruz do Sul e municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Rio Pardo (COREDE-VRP). Para estimar o poder estatístico foi considerado α (two-sided) 0,05 e poder de 80%. Dessa forma, com 55 trabalhadores foi possível atingir magnitude de efeito de 0,4544 Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady DG, Newman TB. Delineando a pesquisa clínica. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2015. 386p.. O tamanho da amostra foi calculado pelo software G*Power. A amostra foi selecionada por meio de seminários externos de apresentação do projeto, sendo os sujeitos convidados a participarem do estudo.

O presente estudo faz parte da pesquisa "Triagem de fatores de risco relacionados ao excesso de peso em trabalhadores da agroindústria usando novas tecnologias analíticas e de informação em saúde - Fase III" desenvolvido na Universidade de Santa Cruz do Sul. Foram selecionados sujeitos com idade entre 18 e 65 anos, que exercem atividade laboral no meio rural e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram indivíduos que não conseguiram finalizar todos os testes ou que já realizaram procedimento cirúrgico na coluna vertebral.

Para a caracterização da amostra foi aplicado um questionário autorreferido sobre dados sociodemográficos e de estilo de vida. Os trabalhadores responderam questões sobre sexo (feminino/masculino), idade (em anos), classe socioeconômica (critérios da Associação Brasileira de Empresas), estado civil (casado/outros), jornada doméstica (menos de 2h e mais de 2h), tempo de atividade no ramo (em anos), horas de trabalho por dia, número de filhos, postura predominante no trabalho (em pé, sentado, alternado) e prática de atividade física (sim/não).

A DL foi mensurada por meio da escala analógica visual (EAV). Os indivíduos foram orientados que zero seria sem dor e 10 seria a dor máxima, olhando a escala referiram o valor correspondente. Os resultados foram classificados em "sem dor" (pontuação zero), "dor leve a moderada" (pontuação de 1 a 5) e "dor moderada a intensa" (pontuação de 6 a 10)55 Sociedade Brasileira para Estudo da Dor [Internet]. 5º Sinal Vital. 2009. [cited 2018 May 17]. Available from: http://www.sbed.org.br/materias.php?cd_secao=65.
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Para a avaliação antropométrica foram considerados índices de obesidade total, como índice de massa corporal (IMC) e percentual de gordura (%G), e de regionalização da gordura, como circunferência da cintura (CC), relação cintura-quadril (RCQ) e área de gordura visceral (AVG).

O peso e a altura foram obtidos em balança analógica com estadiômetro para o cálculo do IMC (kg/m2), sendo classificado de acordo com as categorias da World Health Organization66 World Health Organization [Internet]. BMI classification. 2006. [cited 2018 May 17]. Available from: http://apps.who.int/bmi/index.jsp?introPage=intro_3.html.
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e posteriormente dicotomizados em "faixa recomendável" e "excesso de peso". O %G de sete dobras cutâneas, obtido com Compasso de Lange, sendo todas as mensurações realizadas no hemicorpo direito, e calculado através da equação de Jackson e Pollock, seguido da equação de Siri, foi classificado utilizando a proposta por Pollock e Wilmore77 Pollock M, Wilmore J. Exercícios na saúde e na doença: avaliação e prescrição para prevenção e avaliação. Rio de Janeiro: Medsi; 1993., sendo os resultados "excelente", "bom" e "acima de média" considerados como "adequado" e "média", "abaixo da média", "ruim" e "muito ruim", como "inadequado".

A CC foi obtida com fita antropométrica, no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca. Ela foi classificada de acordo com Lean, Han e Morrison88 Lean ME, Han TS, Morrison CE. Waist circumference as a measure for indicating need for weight management. BMJ. 1995;311(6998):158-61. em "normal" considerado "adequado" e "risco aumentado" e "alto risco" sendo "inadequado". A RCQ, calculada pela razão entre CC e quadril, sendo obtida a circunferência do quadril no trocânter maior do fêmur, foi classificada de acordo com Heyward99 Heyward VH. Avaliação Física e Prescrição de Exercício: técnicas avançadas. 6th ed. Porto Alegre: Artmed; 2013. 485p. em "risco baixo" como "adequado" e "risco moderado", "risco alto" e "risco muito alto" considerado "inadequado". A AVG, obtida através de bioimpedanciometria (InBody 720®) e expressa em cm3, foi classificada de acordo com Pitanga et al.1010 Pitanga CP, Pitanga FJ, Gabriel RE, Moreira MH. Associação entre o nível de atividade física e a área de gordura visceral em mulheres pós-menopáusicas. Rev Bras Med Esporte. 2014;20(4):252-4. em "normal" e "elevada".

A flexibilidade foi medida em cm com o teste de sentar e alcançar no Banco de Wells, sendo realizadas três manobras e considerada a de melhor resultado. Foi classificada de acordo com Wells e Dillon1111 Wells KF, Dillon EK. The sit and reach: a test of back and leg flexibility. Res Q Exerc Sport. 1952;23:115-8. em "fraco", "regular", "médio" classificados como "inadequado" e "bom" e "ótimo" como "adequado".

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob parecer de número 2.349.234/2017.

Análise estatística

Os resultados foram apresentados em tabelas e expressos através de média e desvio padrão para dados numéricos e frequência e percentual para dados categóricos e analisados através do software SPSS Statistics®. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Para a análise correlacional foram utilizados os testes de Pearson (variáveis paramétricas) e Spearman (variáveis não paramétricas). A comparação de médias entre os grupos foi verificada através do teste t de Student para amostras independentes e ANOVA com post hoc GT2 de Hochberg (variáveis paramétricas) e U de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis (variáveis não-paramétricas). Para as variáveis categóricas utilizou-se o teste de Qui-quadrado, considerando p<0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 55 indivíduos com média de idade de 48,4±12,2 anos, sendo 30 (54,5%) do sexo feminino, na maioria casados (76,4%) com filhos (85,5%) e classificação socioeconômica C1 e C2 (56,4%). O tempo médio de atuação na agricultura foi de 26,64±15,88 anos. Com relação ao trabalho doméstico, a maioria da amostra relatou realizar menos de 2h diárias (72,2%), não havendo relação entre trabalho doméstico e dor. Também não foram observadas diferenças entre sexo sobre tempo de jornada doméstica (p=0,269), embora apenas as mulheres tenham referido se dedicar de 4 a 6h para tais atividades (n=5).

Na comparação das variáveis sociodemográficas e de estilo de vida nos grupos de dor, observou-se que não há diferença para sexo, idade, estado civil, jornada doméstica, tempo de atividade, horas de trabalho por dia, número de filhos e prática de atividade física. Entretanto, é possível constatar que indivíduos da classe socioeconômica B apresentam mais dor que aqueles pertencentes à classe C. Além disso, indivíduos com maior intensidade de dor realizam as atividades laborais alternando entre em pé e sentado (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra quanto aos dados sociodemográficos e estilo de vida

Ao serem questionados sobre DL, 37 (67,3%) referiram queixas de algia nessa região, sendo a pontuação média de dor na EAV de 3,4±2,7. Com relação às variáveis avaliadas, mais da metade da amostra apresentava os valores de IMC, %G, CC e RCQ classificados em categorias indesejáveis (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização dos sujeitos quanto às variáveis antropométricas e de flexibilidade

Ao comparar as médias das variáveis antropométricas e de flexibilidade dos indivíduos sem DL, com dor leve a moderada e moderada a intensa, foi identificado que aqueles com dor apresentaram valores de IMC e AVG superiores, sendo que os valores dessas variáveis aumentam com a intensidade de dor referida. Nas comparações múltiplas, foram identificadas diferença da AVG e IMC entre os grupos sem dor e dor moderada a intensa (p=0,031; p=0,046, respectivamente) (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação de médias entre grupos de dor

Quando comparados os valores antropométricos e da EAV considerando as categorias de flexibilidade, verifica-se que os indivíduos com níveis inadequados de flexibilidade apresentam valores maiores de AGV (p=0,035) e DL (p=0,014) (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação de médias entre grupos de flexibilidade

Além disso, observa-se associação entre a EAV da região lombar e as variáveis de IMC (r=0,304; p=0,024) e AVG (r=0,314; p=0,020), assim infere-se que quanto maior o IMC e AVG maior a pontuação de dor referida. Também foi identificada uma associação fraca e inversa entre o RCQ e a flexibilidade que envolve a região lombar, sendo que quanto maior a RCQ menor os valores no TSA (r=-0,276; p=0,042).

Na comparação das variáveis quanto à idade, observou-se que não houve diferença para valores de IMC, AVG, TSA e EAV, indicando que a idade não influencia na dor e flexibilidade. Entretanto, valores de adiposidade central, avaliada pela CC e RCQ aumentam progressivamente com a idade, bem como de obesidade total pelo %G. Nas comparações múltiplas foi observada diferenças entre 18 e 39 e 40 e 59 anos para %G (p=0,025), entre 40-59 e 60-65 anos para RCQ (p=0,015) e entre 18 e 39 e 60 e 65 anos para CC (p=0,026) e RCQ (0,004) (Tabela 5).

Tabela 5
Comparação de médias entre os grupos de idade

DISCUSSÃO

A agricultura caracteriza-se por um trabalho manual pesado, os agricultores precisam manusear consideráveis quantidades de peso para transportar seus materiais e produtos. Durante essa atividade, adotam posturas inadequadas que podem causar lesões aos tecidos, especialmente músculos e articulações, que favorecem o surgimento da DL1212 Keawduangdee P, Puntumetakul R, Swangnetr M, Laohasiriwong W, Settheetham D, Yamauchi J, et al. Prevalence of low back pain and associated factors among farmers during the rice transplanting process. J Phys Ther Sci. 2015;27(7):2239-45.. A DL pode estar associada à dor irradiada ou a dores em membros inferiores, especialmente em trabalhadores rurais, que passam longas jornadas de trabalho em pé1313 Essien SK, Trask C, Dosman J, Bath B. Investigating the association between lower extremity and low back symptoms among Saskatchewan farmers using the Standardized Nordic Questionnaire. Spine. 2017;42(19):1147-54.. No presente estudo, observou-se que os indivíduos com valores elevados de dor realizavam suas atividades alternando entre em pé e sentado, podendo esse fato estar relacionado à adaptação da rotina de trabalho em função da dor.

Apesar da atividade agrícola ser considerada como um fator de risco para o desenvolvimento de DL, ela permanece pouco explorada sobre como influencia na saúde do trabalhador, especialmente nos quadros álgicos1414 Meucci RD, Fassa AG, Faria NM, Fiori NS. Chronic low back pain among tobacco farmers in southern Brazil. Int J Occup Environ Health. 2015;21(1):66-73.. Os presentes resultados revelam que tanto o IMC quanto a AVG se relacionam com a dor e a sua intensidade em trabalhadores rurais. Também é possível observar que a dor, a AVG e RCQ estão associadas à flexibilidade, podendo ser explicada por uma possível sobrecarga na coluna lombar e alteração do centro de gravidade.

Estudo de Briggs et al.1515 Briggs MS, Givens DL, Schmitt LC, Taylor CA. Relations of C-reactive protein and obesity to the prevalence and the odds of reporting low back pain. Arch Phys Med Rehabil. 2013;94(4):745-52. observou que sujeitos com CC aumentada apresentam valores de dor significativamente maiores (OR=2,39; IC: 1,09-5,21), resultado diferente do observado no presente estudo. Entretanto, também observaram que sujeitos classificados pelo IMC com sobrepeso ou obesidade apresentaram maior frequência de DL, bem como inflamação sistêmica que pode contribuir para o agravamento do quadro álgico.

Hashimoto et al.1616 Hashimoto Y, Matsudaira K, Sawada SS, Gando Y, Kawakami R, Sloan RA, et al. Association between objectively measured physical activity and body mass index with low back pain: a large-scale cross-sectional study of Japanese men. BMC Public Health. 2018;18(341):1-8. em estudo de larga escala realizado com homens japoneses encontraram que a chance de DL é maior em indivíduos com excesso de peso quando comparados àqueles que têm resultados desejáveis no IMC, destacando a necessidade do controle do IMC tanto para prevenção quanto tratamento da DL. Já em inquérito nacional nos Estados Unidos1717 Peng T, Pérez A, Pettee Gabriel K. The association among overweight, obesity, and low back pain in U.S. adults: a Cross-Sectional Study of the 2015 National Health Interview Survey. J Manipulative Physiol Ther. 2018;41(4):294-303. foi observado que indivíduos com sobrepeso ou obesidade, avaliado pelo IMC, apresentavam maior chance de apresentar DL (OR=1,21; IC: 1,11-1,32 e OR=1,55; IC: 1,44-1,67 respectivamente). Esse inquérito constatou que homens e mulheres brancos apresentavam maior risco de desenvolver DL. Considerando as características da nossa região, essa poderia ser uma justificativa para a alta prevalência de dor observada neste estudo. Os achados descritos corroboram os encontrados no presente estudo. Dessa forma, pode-se inferir que o excesso de peso está relacionado à chance aumentada de desenvolver DL.

Iizuka et al.1818 Iizuka Y, Iizuka H, Mieda T, Tsunoda D, Sasaki T, Tajika T, et al. Prevalence of chronic nonspecific low back pain and its associated factors among middle-aged and elderly people: an analysis based on data from a musculoskeletal examination in Japan. Asian Spine J. 2017;11(6):989-97. analisaram a prevalência de DL crônica não específica e fatores relacionados em indivíduos de meia idade e idosos, sendo que não identificaram relação entre IMC e a presença de dor (p=0,422). Esse resultado, oposto ao observado no presente estudo, pode ter sido devido à amostra apresentar baixa prevalência de DL (24,8%). Entretanto, apontaram que o hábito tabágico e a qualidade de vida se relacionam com a DL (p=0,021; p=0,016, respectivamente), porém os autores não trazem uma justificativa para tais resultados.

Su et al.1919 Su CA, Kusin DJ, Li SQ, Ahn UM, Ahn NU. The association between body mass index and the prevalence, severity, and frequency of low back pain: data from the osteoarthritis initiative. Spine. 2018;43(12):848-52. estudaram a associação do IMC com a prevalência, gravidade e frequência de DL. Quando comparada a frequência de DL com a classificação do IMC, foi observado que a frequência é maior (p<0,05) no excesso de peso e obesidade, assim como na obesidade grave e mórbida (p<0,01), quando comparado ao grupo com peso normal ou baixo peso. Assim, esses dados corroboram os deste estudo, considerando que quanto maior o IMC e AVG maior a intensidade da dor. Entretanto, os autores não identificaram uma relação do IMC com a gravidade dos episódios ou frequência da lombalgia.

Rahmani et al.2020 Rahmani N, Kiani A, Mohseni-Bandpei MA, Abdollahi I. Multifidus muscle size in adolescents with and without back pain using ultrasonography. J Bodyw Mov Ther. 2018;22(1):147-51. utilizaram a ultrassonografia para verificar as dimensões do músculo multífido em adolescentes com e sem DL e encontraram associação entre o tamanho do músculo e o IMC, sendo esta uma possível explicação para a alta prevalência de DL em indivíduos com excesso de peso observada na presente pesquisa. Além disso, observaram que todas as medidas do músculo se correlacionam inversamente com a intensidade da dor e a incapacidade funcional, sugerindo que quanto menor as dimensões, maior a dor e a incapacidade.

Em estudo com trabalhadores rurais de uma região de Santa Catarina11 Silva MR, Ferretti F, Lutinski JA. Dor lombar, flexibilidade muscular e relação com o nível de atividade física de trabalhadores rurais. Saúde Debate. 2017;41(112):183-94. foi verificada a prevalência de 98,3% de DL, com média de dor na EAV de 5,89±2,49, sendo mais intensa nas mulheres (média: 6,14±2,45. Houve relação entre dor e TSA (r=-0,42; p<0,01). Esses dados vão ao encontro dos presentes resultados considerando que indivíduos com flexibilidade inadequada apresentaram valores maiores de dor.

Silva et al.2121 Silva RK, Reckziegel MB, Burgos MS, Pohl HH. Dor lombar e sua relação com a flexibilidade e os desvios posturais em trabalhadores rurais de municípios da microrregião sul do Vale do Rio Pardo/RS. Fisioter Bras. 2017;18(2):130-9. encontraram resultados semelhantes com trabalhadores rurais no Vale do Rio Pardo, RS sendo observado que os indivíduos com elevadas intensidades de dor, apresentaram menores níveis de flexibilidade e consideráveis alterações posturais. A DL é comum em agricultores tailandeses da borracha. Udom, Janwantanakul e Kanlayanaphotporn2222 Udom C, Janwantanakul P, Kanlayanaphotporn R. The prevalence of low back pain and its associated factors in Thai rubber farmers. J Occup Health. 2016;58(6):534-42. encontraram alta prevalência de DL (55,7%) com elevada intensidade, identificando relação entre IMC e dor (p=0,048), corroborando com o presente estudo. Assim, é possível inferir que o IMC é um importante preditor da DL em diferentes populações. Diversos estudos observaram que há associação entre os marcadores antropométricos, como peso, IMC, CC, e a DL, confirmando que o aumento da adiposidade é um fator de risco para o desenvolvimento de DL2323 Brooks C, Siegler JC, Marshall PWM. Relative abdominal adiposity is associated with chronic low back pain: a preliminary explorative study. BMC Public Health. 2016;16(1):700-8.,2424 Heuch I, Heuch I, Hagen K, Zwart JA. A comparison of anthropometric measures for assessing the association between body size and risk of chronic low back pain: the HUNT Study. PLoS One. 2015;10(10):e0151268..

Trabalhadores de diversos setores estão expostos à redução de elementos da aptidão física de acordo com a atividade laboral desempenhada. Nepomuceno et al.2525 Nepomuceno P, Braz CD, Dummel KL, Wendt D, Campos GD, Couto AN, et al. Perfil antropométrico e a relação da flexibilidade com a dor e desconforto em trabalhadores da indústria de Santa Cruz do Sul - RS. Cinergis. 2016;17(4):313-8. analisaram o perfil de trabalhadores industriários e detectaram prevalência de dor, redução da flexibilidade e alterações antropométricas, reforçando os resultados encontrados no presente estudo. Também observaram uma tendência na associação entre a flexibilidade e a presença de dor. Portanto, a flexibilidade pode exercer influência na dor.

Paz et al.2626 Paz GA, Maia MF, Santiago FL, Lima VP. Correlação entre incapacidade funcional lombar e índices da aptidão física para a saúde. Saúde em Rev. 2012;12(31):23-30. identificaram que as variáveis antropométricas não se relacionaram à incapacidade funcional lombar. Entretanto, a amostra do estudo foi considerada relativamente saudável, o que pode ter contribuído para esse resultado. Foi destacado que a flexibilidade lombar, avaliada pelo TSA, apresentou maior associação com a incapacidade.

A obesidade pode exercer influência não somente na dor e na flexibilidade, mas também na resistência muscular. Ummunah, Ibkunle e Ezeakunne2727 Ummunah JO, Ibikunle PO, Ezeakunne AC. Relationship between isometric endurance of back extensor muscles and selected anthropometric indices among some Nigerian undergraduates. J Back Musculoskelet Rehabil. 2014;27(3):291-8. identificaram relação inversa entre o IMC e a circunferência do quadril com o tempo de sustentação de contração isométrica máxima. Isso significa que quanto maior a adiposidade, menor o tempo de manutenção da contração muscular, podendo esses resultados serem importantes na explicação da DL em indivíduos com excesso de peso.

Considerou-se que o tamanho da amostra pode ter sido um fator limitante do estudo, em parte decorrente da dificuldade de acesso a essa população, historicamente desassistida. Entretanto, este estudo traz importantes considerações sobre a saúde da população rural e também para o planejamento de ações de promoção da saúde e prevenção de agravos relacionados à DL. Além disso, constatou-se que indivíduos com classe socioeconômica mais elevada apresentam mais dor. Entretanto, os mecanismos que associam essa variável à dor ainda permanecem desconhecidos.

CONCLUSÃO

Evidenciou-se, no presente estudo, que os trabalhadores rurais com DL apresentaram valores de IMC e AVG maiores, assim como aqueles com flexibilidade inadequada na mesma região apresentam valores maiores de AGV e dor. Também é possível inferir que há associação entre os valores de IMC e AVG com o nível de dor, bem como a RCQ se associa aos níveis de flexibilidade.

  • Fontes de fomento: não há.

AGRADECIMENTOS

À Professora Tania Cristina Malezan Fleig, do curso de Fisioterapia da Universidade de Santa Cruz do Sul, pela valiosa contribuição na elaboração deste projeto de pesquisa e manuscrito.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2018
  • Aceito
    18 Fev 2019
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