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Pesquisa IṢẸ́: contribuições da terapia ocupacional afrorreferenciada nos processos de formação e restituição das subjetividades negras

Resumo

Historicamente, na diáspora brasileira, a formação, as práticas profissionais e a produção de conhecimento pouco têm priorizado epistemologias, saberes e fazeres ancestrais negros, negligenciando direitos, singularidades e necessidades inerentes às pessoas negras. Estatisticamente configurada como maioria no Brasil, esta população deve ser alvo de ações políticas, acadêmicas e práticas que contemplem seus singulares modos de ser e estar no mundo, revertendo lógicas universais. Este manuscrito tem como objetivo apresentar de que forma a Pesquisa Iṣẹ́: construção de abordagens clínicas, culturais e educacionais voltadas para a população negra, vinculada ao Lab-Iṣẹ́/UFRJ, tem contribuído nos processos de formação e de restituição das subjetividades negras no Brasil. Caracteriza-se com um método de pesquisa qualitativa de abordagem cartográfica. A proposta é realizar a cartografia das bases teóricas e conceituais negras nas produções científicas, clínicas, culturais e educacionais nos cursos de graduação do país. Para este artigo, o recorte se deu para o curso de graduação em Terapia Ocupacional da UFRJ, mais especificamente no Lab-Iṣẹ́, por ser o primeiro Laboratório de Terapia Ocupacional do Brasil dedicado à temática da população negra. Além do levantamento e análise de materiais teóricos e documentais, as narrativas da equipe do laboratório possibilitaram considerar como resultado o quanto a terapia ocupacional afrorreferenciada tem sido uma importante construção condutora dos processos de formação e subjetivação das pessoas negras envolvidas nas ações do Laboratório. Espera-se que este trabalho inspire o campo para a reformulação de suas práticas embranquecidas.

Palavras-chave:
População Negra; Formação Profissional; Terapia Ocupacional; Subjetividade

Abstract

Historically, in the Brazilian diaspora, training, professional practices, and the production of knowledge have not prioritized epistemologies, knowledge, and ancestral black practices, neglecting rights, singularities and needs inherent to black people. Statistically configured as the majority in Brazil, this population should be the target of political, academic, and practical actions that contemplate their unique ways of being in the world, reversing universal logics. This manuscript aims to present how the Iṣẹ́ Research: construction of clinical, cultural and educational approaches aimed at the black population, linked to the Lab-Iṣẹ́/UFRJ, has contributed to the processes of formation and restitution of black subjectivities in Brazil. The research method is qualitative with a cartographic approach. The proposal is to carry out the mapping of black theoretical and conceptual bases in scientific, clinical, cultural, and educational productions in undergraduate courses in the country. For this article, the focus was on the occupational therapy undergrad course at UFRJ, more specifically at Lab-Iṣẹ́, as it is the first occupational therapy laboratory in Brazil dedicated to the black population. In addition to the survey and analysis of theoretical and documentary materials, the narratives of the laboratory team made it possible to consider as a result how much afro-referenced occupational therapy has been an important construction leading to the processes of formation and subjectivation of black people involved in the actions of the Laboratory. It is hoped that this work will inspire the entire field for the reformulation of its whitened practices.

Keywords:
Black Population; Professional Training; Occupational Therapy; Subjectivity

Introdução

A construção epistêmica das universidades oriundas do Ocidente preserva uma base estrutural de formação acadêmica, prática profissional e produção de conhecimento científico apartada das epistemologias e dos saberes e fazeres ancestrais negros, tanto africanos quanto afrodiaspóricos, presentes no cotidiano. Santos (2015)Santos, A. B. (2015). Colonização, quilombos: modos e significados. Brasília: UNB/INCTI., mais conhecido como Nêgo Bispo, em seu livro intitulado Colonização, Quilombos: modos e significados, discute acerca dos saberes orgânicos e saberes sintéticos, distinguindo-os como saberes relacionados ao envolvimento do ser e saberes relacionados ao envolvimento do ter, respectivamente. Com base nessa diferenciação, é possível denotar o saber sintético como um saber da Academia que é desconectado de uma realidade que os territórios apresentam, fragilizando o saber orgânico pautado na tradição oral e na convivência com figuras ancestrais precursoras do saber-fazer existente nas comunidades negras, como os terreiros, por exemplo, e nos diferentes quilombos rurais e urbanos, por meio do que é vivido e, tão logo, encarnado na totalidade do ser (Bâ, 2010Bâ, A. H. (2010). A tradição viva. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África, I: metodologia e pré-história da África (pp. 167-212). Brasília: UNESCO.). Na conjuntura pautada na lógica eurocêntrica, visualiza-se uma ruptura com processos biointerativos1 1 Conceito cunhado por Nêgo Bispo (2015), que afirma as relações orgânicas e harmônicas entres os viventes e os não viventes. e a adoção de um modelo colonial exploratório.

Como informa Obenga (2004, pObenga, T. (2004). Egypt: ancient history of African philosophy. In K. Wiredu (Ed.), A companion to African philosophy (pp. 31-49). Malden: Blackwell Publishing.. 49), dentro da concepção histórica sobre a origem das civilizações e das ciências contemporâneas, o Antigo Egito contribuiu efetivamente para “uma contínua filosofia, ética ou consciência do mundo de tempos posteriores, recebendo e educando muitos estudiosos e filósofos gregos. Por exemplo, Platão (427-347 a.C.) registra ele mesmo que Tales (624-546 a.C.) [...] foi educado no Egito sob os sacerdotes”. Reorienta-se, portanto, a ótica do berço civilizatório da humanidade mitificada na Europa, mais precisamente na Grécia, para o seu surgimento no nordeste da África, compreendida em Ta-Seti e Kemet, posteriormente nomeadas de Núbia e Egito, entre aproximadamente seis mil e treze mil anos atrás (Finch III, 2009Finch III, C. S. (2009). A afrocentricidade e seus críticos. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 174-175). São Paulo: Selo Negro.). Esses registros são estabelecidos frente à pesquisa realizada e publicada por Cheikh Anta Diop, polímata senegalês, em 1974, que explicita a criação das primeiras universidades e o surgimento das ciências e dos estudos filosóficos no continente africano, externando críticas aos filósofos gregos estudiosos das instituições keméticas que não as mencionam em suas produções literárias.

Para tanto, Diop (1974, pDiop, C. A. (1974). The African origin of civilization: mith or reality? Westport: Lawrence Hill.. 262) revela a necessidade do reconhecimento de que “o primeiro Homo sapiens era um ‘Negróide’ e que as outras raças, branca e amarela, apareceram mais tarde. [...] Recusando-se a aceitar esses fatos, estudiosos substituem hipóteses para eles”; é importante relatar que o termo “Negróide”, apesar de ser um termo ilusório2 2 Diop (1974, pp. 262-263) afirma que ‘‘em escrita científica, ele pertence ao grupo de palavras usadas para encobrir os fatos. [...] Seu oposto, ‘brancóide’ [...] não foi inventado. Assim, detecta-se a inconsciente base sentimental de ‘hipóteses científicas’.” , faz menção à “raça negra”. Nessa lógica, o pesquisador senegalês ainda reivindica a importância do reconhecimento da própria história enquanto povo para promover uma consciência de si, a fim de preservar a memória cultural e ancestral de sua existência com base na localidade em que se encontra (Diop, 1974Diop, C. A. (1974). The African origin of civilization: mith or reality? Westport: Lawrence Hill.).

Sob essa busca pela conservação, o epistemicídio é um desafio formalizado no decorrer dos processos coloniais, do aniquilamento e da oposição tanto da elaboração quanto da difusão e fruição do conhecimento dos povos subalternizados, em que o Ocidente, utilizando-se dessa ferramenta para eliminar os processos de subjetivação da população negra, busca reorganizar as epistemes africanas para um viés colonial e eurocêntrico (Ramose, 2011Ramose, M. B. (2011). Sobre a legitimidade e o estudo da filosofia africana. Ensaios Filosóficos, 4, 9-25.). Seguindo pelos factuais registros dos estudiosos africanos, compreende-se que a tentativa de apagamento histórico da população negra é uma ação do racismo sistêmico e estrutural que segue até os dias atuais não somente nos processos diaspóricos adjacentes, mas simultaneamente na diáspora brasileira (Almeida, 2018Almeida, S. L. (2018). O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento.).

No Brasil, as propostas encontradas para o resgate das epistemologias africanas e afrodiaspóricas, no que concerne à anulação de práticas e teorizações eurocêntricas, foram fomentadas com maior ênfase com a implementação da Lei n. 11.645/08, que altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelecem as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (Brasil, 2008Brasil. (2008, 10 de março). Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 4 de fevereiro de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). A constituição da Lei abrange prioritariamente o ensino básico, compreendido nos níveis de Ensino Fundamental e Ensino Médio; entretanto, no respectivo grau de escolaridade, há a dificuldade de incorporação nas instituições escolares pela fragilidade curricular nos campos da cultura afro-brasileira e indígena (Noguera, 2011Noguera, R. (2011). O ensino de Filosofia e a Lei 10.639. Rio de Janeiro: CEAP.), embora se apresente no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE uma taxa de 54% da população brasileira tendo como parte constituinte a população negra (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2011Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2011, 22 de julho). Censo demográfico 2010. IBGE. Recuperado em 3 de fevereiro de 2022, de https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=1933&t=ibge-divulga-resultados-estudo-sobre-cor-raca&view=noticia
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).

Pode-se dizer que no Ensino Superior e nos programas de pós-graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, a aparição de disciplinas e projetos relacionados à temática é contada como o principal desafio a ser vencido, sendo informado também no texto do CNE, Parecer CNE/CEB n. 14/2015, que “percebe-se que ainda persistem muitas incompreensões em torno do que determina a Lei n. 11.645/2008 em seu componente curricular referente à história e culturas afro-brasileiras e dos povos indígenas” (Brasil, 2015, pBrasil. (2015, 11 de novembro). Parecer CNE/CEB 14/2015, de 11 de novembro de 2015. Define as Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das culturas dos povos indígena na Educação Básica, em decorrência da Lei nº 11.645/2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 4 de fevereiro de 2022, de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=27591-pareceres-da-camara-de-educacao-basica-14-2015-pdf&category_slug=novembro-2015-pdf&Itemid=30192
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. 6). A panorâmica orientação propõe, por conseguinte, um currículo afroameríndio (Noguera, 2011Noguera, R. (2011). O ensino de Filosofia e a Lei 10.639. Rio de Janeiro: CEAP.), demarcando as cosmopercepções concernentes à ancestralidade africana e indígena, como os modos de ser, perceber, sentir e agir desses povos. Para as perspectivas negras na formação de terapeutas ocupacionais, por exemplo, permitiria não somente o enriquecimento curricular, mas a conexão com o contexto, a cultura e as possibilidades na experimentação com o outro (Machado, 2017Machado, V. (2017). Prosa de Nagô: educando pela cultura. Salvador: EDUFBA.), de modo a garantir uma produção afrorreferenciada nos processos de formação e de subjetivação de pessoas negras.

À vista dessa conjuntura dentro do Ensino Superior, Costa (2017)Costa, M. C. (2017). Clínica Anímica: Agenciamentos entre corpos humanos e não-humanos como produção de subjetividade (Tese de doutorado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. enuncia que a formalização dos vetores de subjetivação com a interface na arte, cultura e saúde se expressa em inúmeras ciências e produções de conhecimento científico, inclusive no campo da terapia ocupacional, com base na compreensão das atividades humanas. Perante esse levantamento, questiona-se o entendimento da terapia ocupacional no que tange à população negra e às atividades nas perspectivas africanas e afro-brasileiras dentro das Instituições de Ensino de Nível Superior (IES) no Brasil em concomitante articulação com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a qual apresenta como um dos públicos-alvo de suas estratégias a população negra, os quilombolas e as comunidades tradicionais de matriz africana ou de terreiros (Brasil, 2009Brasil. (2009, 13 de maio). Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a política nacional de saúde integral da população negra. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 3 de fevereiro de 2022, de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
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).

Destarte, o presente artigo surge da Pesquisa Iṣẹ́: construção de abordagens clínicas, culturais e educacionais voltadas para a população negra, desenvolvida no curso de Terapia Ocupacional da UFRJ, mais especificamente no Laboratório de Estudos Africanos integrado às Atividades e à Terapia Ocupacional - Iṣẹ́ (Lab-Iṣẹ́), do Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), primeiro Laboratório de Terapia Ocupacional do Brasil dedicado à população negra. Este estudo tem como objetivo apresentar de que forma a Pesquisa Iṣẹ́ tem contribuído nos processos de formação e de restituição das subjetividades negras no Brasil. Para tal finalidade, propôs-se a levantar e analisar materiais teóricos e documentais, bem como as narrativas da equipe do laboratório, considerando como fio condutor a terapia ocupacional afrorreferenciada (Costa et al., 2021Costa, M. C., Santos, A. C., & Costa, J. C. (2021). Terapia ocupacional afrorreferenciada. In F. N. G. Oliveira, B. A. Takeiti & C. R. A. Carvalho (Orgs.), Terapia ocupacional, saberes e fazeres (pp. 143-155). Curitiba: Brazil Publishing.).

Método

Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativa, com abordagem cartográfica, que está dividida nas seguintes etapas: cartografia das bases teóricas e conceituais negras nas produções científicas, clínicas, culturais e educacionais em terapia ocupacional no Brasil, em especial, as que são desenvolvidas nos cursos de terapia ocupacional do país. Para este artigo, foi realizado um recorte inicial em que serão apresentadas apenas as ações desenvolvidas no curso de Terapia Ocupacional da UFRJ, mais especificamente no Lab-Iṣẹ́/UFRJ, por ser o primeiro Laboratório acadêmico de terapia ocupacional do Brasil a dedicar seus estudos às atividades nas perspectivas africanas e/ou afro-brasileiras e simultaneamente um importante campo de investigação sobre as ações de pesquisa, ensino e extensão conjugadas em um só lugar (Costa et al., 2021Costa, M. C., Santos, A. C., & Costa, J. C. (2021). Terapia ocupacional afrorreferenciada. In F. N. G. Oliveira, B. A. Takeiti & C. R. A. Carvalho (Orgs.), Terapia ocupacional, saberes e fazeres (pp. 143-155). Curitiba: Brazil Publishing.). Além do levantamento de materiais teóricos e documentais, serão apresentadas as análises das narrativas obtidas após a transcrição das entrevistas com a equipe do laboratório.

Para Alvarez & Passos (2009), aAlvarez, J., & Passos, E. (2009). Cartografar é habitar um território existencial. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 131-149). Porto Alegre: Sulina. pesquisa cartográfica se constitui em uma perspectiva de construção de um território existencial que

[...] não nos coloca de modo hierárquico diante do objeto, como um obstáculo a ser enfrentado. [...] Não se trata, portanto, de uma pesquisa sobre algo, mas uma pesquisa com alguém ou algo. Cartografar é sempre compor com o território existencial, engajando-se nele (Alvarez & Passos, 2009, pAlvarez, J., & Passos, E. (2009). Cartografar é habitar um território existencial. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 131-149). Porto Alegre: Sulina.. 135).

Diante dessa reflexão, fundamenta-se que o percurso da cartografia estabelece uma aproximação ampla e ativa enquanto sujeito da pesquisa propriamente dita, rompendo com a percepção hegemônica de objeto da pesquisa como um fator a ser confrontado ou, ainda que superficialmente, apresentado e não experimentado.

O estudo é fruto do Projeto de Pesquisa Iṣẹ́:​ construção de abordagens clínicas, culturais e educacionais voltadas para a população negra​, coordenado pela Profa. Dra. Marcia Cabral da Costa, vinculado ao Lab-Iṣẹ́/UFRJ, que está ligado ao Eixo Educação — responsável pelo levantamento de produções no campo da terapia ocupacional ligadas à população negra no país; vale dizer que no laboratório, além do eixo Educação, há também os da Clínica e da Afroacessibilidade Cultural com objetivos específicos — com o enfoque de dar visibilidade e incitar no campo da terapia ocupacional recursos, ações e saberes para a produção de uma subjetividade negra.

Torna-se coerente dizer sobre a característica desta pesquisa que se performatiza como processual. Dirão Barros & Kastrup (2009)Barros, L. P., & Kastrup, V. (2009). Cartografar é acompanhar processos. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 52-75). Porto Alegre: Sulina. a esse respeito que:

[...] estamos no coração da cartografia. Quando tem início uma pesquisa cujo objetivo é a investigação de processos de produção de subjetividade, já há, na maioria das vezes, um processo em curso. Nessa medida, o cartógrafo se encontra sempre na situação paradoxal de começar pelo meio, entre pulsações. Isso acontece não apenas porque o momento presente carrega uma história anterior, mas também porque o próprio território presente é portador de uma espessura processual (Barros & Kastrup, 2009, pBarros, L. P., & Kastrup, V. (2009). Cartografar é acompanhar processos. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 52-75). Porto Alegre: Sulina.. 52).

O presente trabalho contou com sete entrevistados, todos compondo a equipe do Laboratório de Estudos Africanos integrado às Atividades e à Terapia Ocupacional - Iṣẹ́ (Lab-Iṣẹ́), do Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), envolvidos em ações da pesquisa e da extensão, com diferentes tempos de participação, desde participações com a implementação do Lab-Iṣẹ́, em 2018, até os com menos de 6 meses de inclusão. Vale ressaltar que toda a equipe era constituída de pessoas negras, sendo um dos critérios para composição de membros no laboratório. Todos concordaram com a participação, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), incluindo a sua identificação.

No período entre janeiro e abril de 2020, foram consultadas na plataforma digital e-MEC (Brasil, 2017Brasil. (2017). Cadastro e-MEC de instituições e cursos de educação superior. Ministério da Educação. Recuperado em 3 de fevereiro de 2022, de https://emec.mec.gov.br/emec/nova-index/consulta-avancada
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) as matrizes curriculares dos cursos de graduação em Terapia Ocupacional das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Brasil, a fim de investigar disciplinas ligadas à negritude. Paralelamente, houve um levantamento no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq para identificar grupos e/ou linhas de pesquisa com a respectiva temática com base nos seguintes Termos de Busca: negritude; terapia ocupacional; atividades afrorreferenciadas. No levantamento de dados, foi encontrada a linha de pesquisa AAAfroNTO: Atividades Afrorreferenciadas e Afroacessibilidade Cultural, Negritude e Terapia Ocupacional, inserida no grupo de pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional (AHTO). Nas entrevistas com os membros do Laboratório, foi identificado que a linha foi impulsionada à criação no Grupo AHTO pelos pesquisadores do laboratório.

Dentre as matrizes curriculares dos Cursos de Graduação em Terapia Ocupacional das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Brasil, foram encontradas seis IES atestadas pelo e-MEC3 3 Salienta-se que até abril de 2020, recorte temporal do levantamento, em adição à UFRJ, apenas existiam na plataforma digital e-MEC as demais cinco IES apresentadas com disciplinas relacionadas ao tema. que ofertavam disciplinas ligadas à negritude, citadas a seguir: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pelo fato de o recorte deste estudo estar centrado no Laboratório Iṣẹ́ da UFRJ, as disciplinas optativas AAfroNTO: Atividades, Afrocentricidade, Negritude e Terapia Ocupacional e Lab-Afro: Laboratório de Atividades Afrocêntricas serão também objetos de análise. As demais instituições serão futuramente mapeadas.

Dessa forma, houve a sistematização cartográfica do levantamento de dados referente ao Lab-Iṣẹ́ com fundamentação na técnica de entrevista cartográfica (Tedesco et al., 2013Tedesco, S. H., Sade, C., & Caliman, L. V. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. Revista de Psicología, 25(2), 299-322. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922013000200006.
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), tendo realizado quatro entrevistas ao todo com os membros efetivos do corpo laboratorial — três entrevistas contaram com um participante cada e uma entrevista contabilizou cinco participantes, onde um destes fez participação individual em uma das demais —, as quais envolveram enredos sobre ensino, pesquisa e extensão em diferentes eixos temáticos. Para tanto, propôs um roteiro de natureza semiestruturada, seguindo o procedimento questão-resposta para iniciar o processo interativo de acolhimento do que viria a ser verbalizado, a fim de que em um determinado momento fosse possível ocorrer a intervenção pelo encontro processual que a pesquisa cartográfica pressupõe como diferencial (Tedesco et al., 2013Tedesco, S. H., Sade, C., & Caliman, L. V. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. Revista de Psicología, 25(2), 299-322. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922013000200006.
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).

Pôs-se, portanto, a pensar que:

No trabalho da pesquisa e da clínica, de alguma forma, é sempre de narrativas que tratamos. Os dados coletados a partir de diferentes técnicas (entrevistas, questionários, grupos focais, observação participante) indicam maneiras de narrar - seja dos participantes ou sujeitos da pesquisa, seja do pesquisador ele mesmo - que apresentam os dados, sua análise e suas conclusões segundo certa posição narrativa (Passos & Barros, 2009, pPassos, E., & Barros, R. B. (2009). Por uma política da narratividade. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 150-171). Porto Alegre: Sulina.. 150).

Assim, a narrativa é um conceito chave para expressar sob diferentes aspectos o que compõe o falar e o escutar, frente aos afetos próprios inerentes à experiência e à receptividade de múltiplos fatores determinantes do sentido presente na experiência do dizer que está em percurso (Tedesco et al., 2013Tedesco, S. H., Sade, C., & Caliman, L. V. (2013). A entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. Revista de Psicología, 25(2), 299-322. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922013000200006.
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). Tão logo, a análise da cartografia envolveu a transcrição das narrativas de forma íntegra a partir do acesso às gravações pela plataforma Google Drive, objetivando produzir uma escrita com o próprio caminhar ao rememorar os relatos no processo do encontro da pesquisa (Barros & Kastrup, 2009Barros, L. P., & Kastrup, V. (2009). Cartografar é acompanhar processos. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 52-75). Porto Alegre: Sulina.). O período de realização das entrevistas, bem como da sistematização e análise dos dados, compreendeu maio a dezembro de 2021 e identificou na processualidade da análise as seguintes categorias: a) Experimentação no Grupo de Estudos Ìbírí; b) Experimentação no Troca de Iṣẹ́; e c) Interface com a Afroacessibilidade Cultural. Todas elas transversalizadas pelas orientações da terapia ocupacional afrorreferenciada, que segundo Costa et al. (2021)Costa, M. C., Santos, A. C., & Costa, J. C. (2021). Terapia ocupacional afrorreferenciada. In F. N. G. Oliveira, B. A. Takeiti & C. R. A. Carvalho (Orgs.), Terapia ocupacional, saberes e fazeres (pp. 143-155). Curitiba: Brazil Publishing. se refere a uma abordagem em terapia ocupacional que descentraliza concepções universais, assumindo um compromisso ético-político de produções teóricas e práticas centradas em epistemologias, saberes e fazeres ancestrais negros, para e com pessoas negras.

Resultados e Discussão

O primeiro traço da cartografia deste estudo se presentifica com a apresentação da construção do Laboratório Iṣẹ́, baseando-se nas narrativas da coordenadora e fundadora da ação: Marcia Cabral da Costa, mulher negra e única professora negra do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestra e doutora em Psicologia nos Estudos da Subjetividade pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Em seguida, haverá a contextualização dos principais resultados decorrentes do Lab-Iṣẹ́, contando com a participação da co-fundadora de honra acerca da experimentação no Grupo de Estudos Ìbírí4 4 O Grupo de Estudos Ìbírí é uma composição do Laboratório Iṣẹ́ que vem a ser elucidado no processo de discussão dos resultados. : Anna Carolina Santos, mulher negra, no momento da entrevista graduanda em Terapia Ocupacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fazendo parte do Eixo Educação como estudante de iniciação científica do Projeto de Pesquisa Iṣẹ́: construção de abordagens clínicas, culturais e educacionais voltadas para a população negra e bolsista do Projeto de Extensão Troca de Iṣẹ́.

Haverá também a exposição de relatos dos extensionistas do Troca de Iṣẹ́ no quesito da experimentação das atividades dentro do projeto de extensão, sendo dois membros do gênero masculino (Jean e Tiago) e três do gênero feminino (Ana Célia, Anna Carolina e Janette), com a observação de que três dos cinco extensionistas são voluntários e dois se enquadram como bolsistas; e da idealizadora e fundadora do Instituto de Atividades Afrorreferenciadas Opaxorô (IAAO): Juli Cabral da Costa, mulher negra, formada em Artes Visuais pela Universidade do Grande Rio (Unigranrio), graduada em Terapia Ocupacional e especialista em Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuando como parceira e colaboradora do Eixo Afroacessibilidade Cultural do Lab-Iṣẹ́.

Cartografia do Laboratório Iṣẹ́

O Laboratório de Estudos Africanos, integrado às Atividades e à Terapia Ocupacional - Isé (Lab-Isé), é alicerçado com o caminhar da descentralização de perspectivas ocidentais na construção de atividades e experimentações destinadas à população negra. A Profa. Dra. Marcia Cabral da Costa, ao longo da entrevista, repercute que sua base provém de uma trajetória iniciada após a tese de doutorado que instigou incluir temáticas ligadas à população negra, no segundo semestre de 2017, na disciplina obrigatória que leciona no Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da UFRJ denominada de Terapia Ocupacional, Antropologia e Sociologia. Foram as discussões voltadas para a população negra na disciplina que possibilitaram institucionalizar a implementação da temática no plano de ensino e em materiais didáticos sobre subjetividades negras.

Esperava-se que, com base neste estudo, pudesse promover a importância de se estudar as atividades de perspectivas africanas e/ou afro-brasileiras na área da terapia ocupacional, pois, de acordo com ela:

Foi a partir dessa disciplina obrigatória que comecei a desenvolver projetos de extensão. Então, no final de 2017 e início de 2018, eu elaborei e passei a coordenar um projeto de extensão denominado “Identidades Abertas”, que era um projeto desenvolvido no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira, o MUHCAB, que fica no bairro da Gamboa aqui no Rio de Janeiro, numa região conhecida como Pequena África, que é uma região que tinha um dos maiores portos que exportaram os negros africanos sequestrados para esse território nomeado de Brasil. É ali que tem todo um arcabouço de história e cultura afro-brasileira. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Fundamentado em perspectivas pluriversais (Costa et al., 2020Costa, M. C., Santos, A. C., Souza, J. V., & Costa, J. C. (2020). Laboratório ISẸ́: construções de estratégias para restituição histórica e existencial de pessoas negras. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional,4(5), 734-741. https://10.47222/2526-3544.rbto36913.
https://doi.org/https://10.47222/2526-35...
), o Projeto de Extensão Identidades Abertas (IA), em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) do Rio de Janeiro, dedicou-se a desenvolver atividades voltadas para crianças e adolescentes negros e não-negros moradores da Pequena África por intermédio de oficinas de criação e experimentação de atividades culturais afro-brasileiras. Embora estabelecido dentro de um equipamento cultural preto, o acervo histórico era cunhado à época de Centro Cultural José Bonifácio e tinha diversos desafios quanto ao fornecimento de produções literárias sobre a história e cultura dos povos africanos na diáspora brasileira, apresentando-se de maneira escassa e apartada da realidade dos jovens do território.

Quando a gente chega e identifica as crianças acessando várias literaturas brancas, aquilo salta os olhos e coloca para a gente na verdade a urgência de se criar propostas de atividades que dialogassem com a história e cultura negra, portanto também que fazem parte da história das crianças e adolescentes negros. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

É importante frisar que anteriormente ao desenvolvimento do IA, a disciplina de Terapia Ocupacional, Antropologia e Sociologia reivindicou veementemente a possibilidade de encontros na universidade que pressupunham a identificação primária com uma docente negra no corpo acadêmico por parte dos discentes da respectiva instituição. Expandiu-se um sentimento de comunidade e o não estar só, prática essa que está centralizada no princípio do aquilombamento e no acolhimento provindos desses encontros que se estabeleceram entre a fase da primeira ministração da disciplina e a criação do Identidades Abertas.

Precedente à idealização do Lab-Iṣẹ́, o IA aderiu à pauta da acessibilidade voltada para pessoas negras com deficiência no mês da Consciência Negra, em 2018, a partir da participação voluntária da terapeuta ocupacional Juli Cabral da Costa, na época estudante do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ, tendo como fruto dessa experiência no projeto IA a defesa do Trabalho de Conclusão do Curso intitulado, inicialmente, como Afro-Acessibilidade Cultural que, após revisões da monografia da especialização, adaptou-se para Afroacessibilidade Cultural, e contou como orientador o Prof. Dr. Marcus Vinícius Machado de Almeida e co-orientadora a professora e coordenadora do Lab-Iṣẹ́. Em vista disso, informa que a Afroacessibilidade Cultural é um conceito que

pensa em disponibilizar e criar condições de acesso de pessoas negras com e sem deficiência às culturas negras. O que acontece muita das vezes é de pessoas negras com deficiência acessarem a cultura e arte branca. Quando se tem os recursos de acessibilidade, como audiodescrição, braille e tantas outras tecnologias assistivas para favorecer o acesso à arte e à cultura nesses espaços, muitas vezes não presenciam isso nos espaços culturais negros ou mesmo nos espaços culturais brancos que tenham os seus acervos ligados à cultura negra. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Atuando para instigar a participação social da população negra nos equipamentos culturais afro-diaspóricos da cidade do Rio de Janeiro, como exercício pleno de cidadania e de uma subjetividade marcada por um saber-fazer ancestral, concomitantemente, discentes do curso demandavam ações institucionais para esse direcionamento, ou seja, para o investimento de estudos e ações para a população negra. Foi nessa urgência que, próximo ao final de 2018, foi criada uma breve ação de acolhimento com estudantes negros da Terapia Ocupacional da UFRJ, coordenada pela professora Marcia, com o intuito de fomentar práticas de cuidado coletivo permeado por atividades pautadas em perspectivas africanas e/ou afro-brasileiras, o que, posteriormente, com a experiência do projeto de extensão IA, incitou a criação de um dispositivo fixo voltado para a população negra nas instituições de formação de terapeutas ocupacionais no Brasil. Assim, em dezembro de 2018, é criado o primeiro dispositivo dedicado a esses estudos, o Laboratório Iṣẹ́, sob forte influência da abordagem epistemológica da Afrocentricidade, de Asante (2009)Asante, M. K. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-96). São Paulo: Selo Negro..

Nesse sentido, converte a imprescindibilidade de

começar a pensar em uma construção onde as perspectivas negras sejam agências, ou seja, centrais e não paralelas na construção de uma perspectiva afrorreferenciada em terapia ocupacional, que é uma elaboração que está tendo dentro do laboratório. A partir disso, a importância de uma terapia ocupacional afrorreferenciada. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

É crucial compreender que Asante (2009)Asante, M. K. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-96). São Paulo: Selo Negro. flexiona a discussão sobre o processo permanente de desagência5 5 ‘‘Dizemos que se encontra desagência em qualquer situação na qual o africano seja descartado como autor ou protagonista em seu próprio mundo” (Asante, 2009, p. 95). na crescente expansão territorial da colonização, indicando observar a localização da pessoa africana apartada da sua origem nas dimensões de contexto, lugar, situação e ocasião para proporcionar uma nova agência. Desse modo, o primeiro passo para pensar o Laboratório Iṣẹ́ é a sua própria nomeação centrada em palavras africanas. A palavra Iṣẹ́ é escolhida como aquela que pode expressar o sentido em que se pretende marcar a ética do laboratório. Iṣẹ́ tem etimologia Yorùbá (Beniste, 2011Beniste, J. (2011). Dicionário yorubá-português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.) e descende da raiz do verbo “ṣe”, com sentido próximo no português para o conceito do “fazer”. É nessa conjuntura do ato do fazer que a terapia ocupacional, na sua metodologia para produção de conhecimento, observará como atividade, ocupação ou trabalho, discernindo o que a ciência da saúde propõe nas diferentes sociedades.

O Laboratório Iṣẹ́, orientado pela perspectiva Yorùbá, instituiu em sua composição três enredos de trabalho: ensino, pesquisa e extensão. No que concerne às atividades de ensino, a entrevistada destaca que:

A própria disciplina obrigatória que é a Terapia Ocupacional, Antropologia e Sociologia, que é onde todos os estudantes de Terapia Ocupacional iniciam de modo geral os estudos ligados à terapia ocupacional e população negra. Com a criação do Lab-Iṣẹ́, são criadas também duas disciplinas optativas que têm uma proposta de estudo das atividades e também a pensar em acessar autores e autoras negros e negras, tentando construir uma perspectiva mais contundente e exclusivamente em questões inerentes à população negra. [...] A disciplina AAfroNTO: Atividades, Afrocentricidade, Negritude e Terapia Ocupacional e o Lab-Afro: Laboratório de Atividades Afrocêntricas. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Na disciplina AAfroNTO: Atividades, Afrocentricidade, Negritude e Terapia Ocupacional, a professora da UFRJ repercute que o estudo é consolidado no levantamento de epistemologias e experimentações de atividades afrocêntricas, estruturadas em repertórios teóricos e, com menor presença, práticos para a formação de terapeutas ocupacionais como mediadores de processos de subjetivação e reontologização do ser africano e/ou africano em diáspora, e que ainda hoje é subalternizado para os variados tipos de genocídio existentes (ontológico, corporal, epistemológico, étnico, cultural etc.). Em menção ao Lab-Afro: Laboratório de Atividades Afrocêntricas, a ordem de atenção é alterada e são priorizadas as experimentações e vivências de atividades orientadas pela cultura africana e/ou afrodiaspórica, emaranhada mais com os repertórios práticos em relação aos teóricos.

Como incompatibilidade da matriz curricular do Curso para com as propostas dessas duas disciplinas optativas, Marcia Costa afirma na entrevista:

É um curso integral, então poucas vezes tem brechas para fazer optativas, pois às vezes bate em horário das disciplinas obrigatórias. É uma situação que a gente vem refletindo muito sobre ter disciplina obrigatória que trate exclusivamente dos temas voltados à negritude e população negra e, no caso, da terapia ocupacional voltados às atividades de perspectivas negras.

Ainda que se imperem dificuldades de execução pelos empecilhos do corpo acadêmico, a fundadora do Lab-Iṣẹ́ tem buscado em meio a essas questões promover uma construção mútua com o público atendido. Ciclicamente, a tendência de se isolar e produzir enquanto corpos únicos e individuais torna o ritmo perpétuo de se agir enquanto um ser colonizado e é por essa razão que relata o seguinte:

Há um estudo aqui dentro dos laboratórios da UFRJ e das salas em que uma coisa era junto com as crianças, o que fazia com que os relatos fossem interessantes, de estudantes se vendo num questionamento de “como que vou fazer isso se as crianças não ficam quietas?” e “como é que eu coordeno essa atividade?”. O interessante é eu, presente, tentando fazer o processo de mediação junto aos estudantes, e depois que terminava aquele encontro, a gente sentava para fazer uma supervisão e falar sobre a diferença entre construir essa atividade, onde traçamos o público-alvo e os objetivos, e a outra é o encontro com a realidade e com os sujeitos reais. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Sustentado em transgredir esse prisma, o Lab-Iṣẹ́ inicia as suas atividades na pesquisa em 2019 com o Projeto de Pesquisa Iṣẹ́: construção de abordagens clínicas, culturais e educacionais voltadas para a população negra, inaugurado para fundamentar o conceito de atividade afrorreferenciada de forma autêntica, esquadrinhando o seu uso em diferentes eixos: Eixo Educação, Eixo Clínica e Eixo Afroacessibilidade Cultural. Tratando de conceber o primeiro eixo, trilha em cartografar as questões étnico-raciais dentro dos cursos de graduação em Terapia Ocupacional das IES públicas do Brasil, instituindo também as produções científicas para facilitar o acesso de epistemologias negras incorporadas à vida e às demandas da população negra com ou sem deficiência.

No Eixo Educação, temos três sub-eixos, os quais são: História 1, História 2 e Metodologia. O sub-eixo História 1, Sankofa 1, é estar cartografando influências negras na construção da terapia ocupacional, que quando a gente vai buscar as histórias da terapia ocupacional, a gente não tem nenhuma construção teórica que aponte para uma personalidade negra que tenha construído uma prática de terapia ocupacional. Hoje, tem um artigo que saiu esse ano que recorda a Dona Ivone Lara6 6 O artigo mencionado se trata do intitulado “Dona Ivone Lara e terapia ocupacional: devir-negro da história da profissão”, de autoria dos terapeutas ocupacionais Leite Junior et al. (2021). , nossa ancestral sambista que trabalhou com Nise da Silveira, psiquiatra que exerceu na década de 1940 no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, hoje o Instituto Municipal Nise da Silveira. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

É reafirmado que, a partir da década de 2000, começou um movimento de terapeutas ocupacionais negros em diferentes campos do saber, o qual demarcou também a pensar nessas outras personalidades pioneiras da terapia ocupacional. A construção do Grupo Dona Ivone Lara, que é conectado com a história de Dona Ivone Lara, abre espaço para dar visibilidade a uma influência negra na constituição da terapia ocupacional (Leite Junior et al., 2021Leite Junior, J. D., Farias, M. N., & Martins, S. (2021). Dona Ivone Lara e terapia ocupacional: devir-negro da história da profissão. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-13. http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoARF2171.
http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoA...
), adentrando como catalisador para a ação do sub-eixo História 1, na pesquisa Iṣẹ́, tendo um novo achado com a história de outra grande ancestral da terapia ocupacional, a Margarida Trindade.

A história de Margarida também é uma história que precisa ser contada. A gente sabe que Ivone Lara encarregava as propostas de levar grupos de samba para dentro do Engenho de Dentro para os pacientes psiquiátricos da época terem essas experiências com o samba. Logo, queremos também saber sobre Margarida Trindade, o que ela levava como proposta de cultura, se levava ou não levava e afins, mas seguindo uma proposta de cartografia. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Narrando a ação do sub-eixo História 2, é delimitada a função de fazer um levantamento de histórias de abordagens negras nos cursos de Terapia Ocupacional no Brasil.

É importante ressaltar que o Brasil é um país construído por pessoas que se autodeclaram negras, então mais de 50% da população, fora aquelas que pelo projeto bem-sucedido do branqueamento não se reconhecem como pessoas negras, mas como morenas. Então se a gente tem um país que a maior parte é negra, a gente precisa construir abordagens voltadas para essa população. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

O sub-eixo Metodologia, coração da gênese sobre perspectiva afrorreferenciada, formaliza o modus operandi de se atuar, perceber, conceber e fazer dentro do Laboratório Iṣẹ́. É nesse sub-eixo que é criado o Grupo de Estudos Ìbírí, reivindicando uma nova orientação para se trabalhar, estudar e compor as atividades experimentadas na ação institucional.

Esse grupo de estudos sempre foi pautado com textos de autores negros, mas na medida que a gente foi estudando, fomos vendo que é impossível dar conta de todos os materiais e perspectivas negras. A gente fez então um recorte de começar a se debruçar sobre as perspectivas Yorùbá, que são perspectivas mais de terreiro, se dedicando a esses estudos porque também o próprio Laboratório carrega no seu símbolo os elementos do Òrìṣà Ọyá, Yánsàn, que são elementos que marcam muito uma perspectiva de transformação. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Os demais eixos, Clínica e Afroacessibilidade Cultural, deparam-se, respectivamente, com a validação da população negra e profissionais dos mais diversos campos de conhecimento interessados nos estudos dessas atividades e com a fortificação de propostas de acessibilidade cultural dentro de uma perspectiva africana e afro-brasileira, estendendo as barreiras urbanas, arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais que chegam embarreirando o acesso às pessoas com deficiência, mas que estas não são as únicas devido a uma nova barreira descoberta: a barreira histórico-cultural preta. Com isso, reconta:

Quando a gente vai estudando e ouve, por exemplo, a filósofa e Dra. Marimba Ani que vai dizer: “Nossa cultura é nosso sistema imunológico”, entendemos que, por exemplo, se estamos falando de um período de Pandemia e que se trata muito da questão da imunidade, tendo esse chamamento que a cultura é o sistema imunológico das pessoas, pensamos que “nossa, precisamos criar uma ação em que as pessoas possam acessar essas atividades que aumentem as suas imunidades”. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Encaixando-se igualmente dentro dos últimos eixos contextualizados, o Projeto de Extensão Troca de Iṣẹ́ segue com o propósito que seu nome carrega: trocar atividades, onde a idealizadora contextualiza como

uma ideia vinculada nessa perspectiva africana de que a gente está sempre em um movimento de troca que deveríamos cultivar sob um olhar da circularidade de saberes e fazeres. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Suas ações foram aplicadas no período da Pandemia do COVID-19, em 2020, logo após a conclusão das atividades do Projeto de Extensão Identidades Abertas, que demandavam ações presenciais, mas que o período exigia o distanciamento social como medida protetiva. O Projeto de Extensão Troca de Iṣẹ́ é então criado a partir da identificação da necessidade de criar estratégias de promoção do autocuidado e de aprimoramento profissional para a população negra. Como bem informado pela coordenadora,

O Troca de Iṣẹ́ é organizado em quatro encontros mensais, atualmente sendo conduzidos às quintas-feiras durante 2h a partir de encontros remotos pelo Google Meet. Foi pensado em encontros semanais, mas hoje temos outro grupo com encontros quinzenais junto aos técnicos e usuários de um CAPS AD. Já o público que iniciamos o trabalho continua semanalmente com as inscrições que são divulgadas nas redes sociais do Laboratório. (Marcia Costa, fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Firmado em meados de 2021, o Troca de Iṣẹ́ estabelece uma parceria com um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas (CAPS-AD), localizado nas mediações do campus da Cidade Universitária/UFRJ. No momento compreendido pelo seu início até o levantamento da presente pesquisa, contabiliza 4 (quatro) módulos instruídos no modelo remoto, coordenados intercaladamente pelos extensionistas do Troca de Iṣẹ́ e profissionais negros que tenham como enfoque as atividades afrorreferenciadas ou afrocêntricas, convidados a integrar as ações. Desta experiência, foi possível identificar relatos das equipes sobre o quanto as atividades desenvolvidas pelo projeto com os usuários repercurtiam em novos modos de sujeitos negros serem escutados e acolhidos. A inclusão das atividades de perspectivas negras incitadas pelo projeto no CAPS possibilitava questionamentos do lugar das discussões étnicorraciais nas práticas de cuidado em saúde mental do serviço, bem como a implementação de novas práticas de cuidado ancoradas em perspectivas afrorreferenciadas. As devolutivas dos usuários e técnicos sobre o valor dessas atividades nos processos de cuidado em saúde mental engendravam nos integrantes do projeto a busca por novas práticas de cuidado, com base em saberes e fazeres ancestrais negros.

Outrossim, o Laboratório Iṣẹ́ tem também conquistado, ao longo de sua caminhada, o fortalecimento dessa discussão afrorreferenciada no campo de produção de conhecimento da terapia ocupacional para além dos muros da UFRJ. A Linha de Pesquisa AAAfroNTO: Atividades Afrorreferenciadas e Afroacessibilidade Cultural, Negritude e Terapia Ocupacional, cadastrada no Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional (AHTO), é uma dessas conquistas. Coordenada pela professora Marcia Costa, da UFRJ, foi construída em parceria com outros integrantes da Universidade Federal de São Carlos, com intuito de afirmar a importância das discussões sobre as atividades nas perspectivas negras em âmbito nacional, dentro de uma das mais renomadas agências de fomento de produção de conhecimento, como é o CNPq. Fruto dessa criação, em dezembro de 2020, foi criado o evento de extensão que celebrou a inauguração da Linha em 2021, o I Encontro de Terapia Ocupacional, Atividades Afrorreferenciadas e População Negra, em comemoração dos 3 anos de Lab-Iṣẹ́, 1 ano da linha AAAfroNTO e o lançamento oficial do parceiro Instituto de Atividades Afrorreferenciadas Opaxorô (IAAO), antiga Organização Opaxorô Cultural, que se articula com a acessibilidade cultural na perspectiva africana e/ou afro-brasileira voltada para pessoas pretas com e sem deficiência (Costa et al., 2020Costa, M. C., Santos, A. C., Souza, J. V., & Costa, J. C. (2020). Laboratório ISẸ́: construções de estratégias para restituição histórica e existencial de pessoas negras. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional,4(5), 734-741. https://10.47222/2526-3544.rbto36913.
https://doi.org/https://10.47222/2526-35...
).

Experimentação no Grupo de Estudos Ìbírí

Uma das maiores atribuições do corpo do Laboratório é o Grupo de Estudos Ìbírí. O formato pensado para as discussões dentro da equipe não se contentou somente em levantar estudos e promovê-los nos campos da ciência, mas equitativamente possibilitar o alcance incorporado nas pessoas que mantêm contato com esse órgão vivo e imponente. Anna Carolina Santos, condutora do grupo de estudos que a priori não tinha o termo Ìbírí vinculado ao seu nome, faz um panorama sobre a desenvoltura dessa ação, iniciada no começo do ano de 2020, no período pandêmico da Covid-19. Sobre a perspectiva dos estudos das atividades ligadas à cultura de terreiro, narra:

Nós do Laboratório sempre tivemos uma posição de que para nós fazia muito sentido pensar as atividades enquanto potência daquilo que nós somos. (Anna Santos, co-fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Nesse realce, a co-fundadora expressa que as discussões sobre a violência e a negligência com corpos negros são importantes e devem ser acompanhadas no que se perpetuam as modificações para as produções existentes; no entanto, o cuidado maior é sobre não subjugar a população negra nessa sistemática racista e descartar os grandiosos feitos pelos ancestrais. Como um grupo de estudos, adverte que a linha temporal de textos trazidos pelos membros teve diferentes diretrizes étnicas dos povos africanos no início dos estudos. Contudo, em virtude da pluralidade de saberes e fazeres da diáspora brasileira, verbaliza:

A gente tinha uma diretriz que era a perspectiva Yorùbá, e as pessoas que estavam se aproximando do Laboratório não tinham proximidade com essa perspectiva. Assim, comecei a trazer algumas proposições nesse sentido, pensando “poxa, a gente está dentro do Laboratório que recebe o nome de Iṣẹ́, que tem na sua logo as tecnologias de Ọyá...” e a gente começou a trazer algumas discussões nos nossos encontros [...] perguntando para os integrantes do Laboratório Iṣẹ́ se eles sabiam o porquê eram aquelas tecnologias, o porquê de ser Ọyá e o porquê a gente pensou essa logo para o Laboratório. Começamos por aí a entender que a nossa equipe precisava pesquisar sobre perspectiva Yorùbá. (Anna Santos, co-fundadora do Lab-Iṣẹ́).

Seguindo essa ontologia, percebe-se que, no Brasil, a cultura Yorùbá tem intrínseca influência trazida pelas matriarcas que criaram o Candomblé, religião da diáspora brasileira de matriz africana. Objetivando ter essa conexão entre óticas negras, pessoas negras e contexto diaspórico para a experimentação de atividades, começa a ser estudado no grupo de estudos as perspectivas de terreiro, movidas por autores com pesquisas sobre a temática em diferentes campos, como na educação, filosofia, literatura, entre outros. Mediante a essa nova proposição, tem se levantado uma metodologia que se expressa na interação cotidiana em terreiro, exaltando a sabedoria, a troca, a valorização e a preservação dessas atividades. Anna, em entrevista, continua a proporcionar o entendimento de que não se trata simplesmente de falar sobre Candomblé e os seus segredos, mas sobre como se constitui uma organização afrorreferenciada de comunidade:

E o que eu também acho interessante falar, é que esse processo inclusive de pensar o quanto que as proposições que são trazidas pelas pessoas da equipe do Laboratório também é muito uma relação meio que de abyan 7 7 Significa “aquele que nasceu do yan”, em Yorùbá, e exprime, dentro do Candomblé, a condição de “novato”. Nesse caso, trata-se de alguém que ainda não passou pelos preceitos iniciáticos (Machado, 2013). , sabe? Quando você está ali, querendo saber tudo e qualquer coisa que o mais velho fala, você vai lá e pergunta, e aí o mais velho vai lá, às vezes fala, às vezes não fala... Então eu tenho percebido algumas semelhanças em relação a essa metodologia que a gente escolheu e que compõe muito inclusive com quando a gente pensa a própria atividade na terapia ocupacional, essa construção de sentido com o outro, essa ideia de, enquanto terapeutas ocupacionais, nós não estamos ali propondo algo que o outro não tenha, mas a gente está ali construindo coletivamente.

Outrora, entre Ogò e Ìbírí para nomear o Grupo de Estudos, instituiu-se o segundo termo com base na correlação com a ferramenta do Òrìṣà Nàná que se faz presente como uma tecnologia ancestral. Para Anna Santos,

pensar o barro de Nàná como esse material que foi utilizado na criação dos seres humanos é pensar o material que auxiliou nesse processo de esculpir um ser humano, que o ser humano está aí agindo no mundo e se alinhando com os seus propósitos. Então, poder pensar essa representação do Ìbírí e a utilização desse material é também reafirmar isso, que essas atividades afrorreferenciadas, a partir desse processo de criação, produzem uma vida e inclusive nos ajudam a cada vez mais se alinhar com aquilo que temos como propósito do nosso Orí8 8 Orí, termo Yorùbá, vincula-se com a ideia de cabeça tanto física quanto espiritual. Seguir seus propósitos é sinônimo de alinhá-lo com a própria destinação (Odu) no mundo. .

É com essa orientação que o Grupo de Estudos Ìbírí solidifica uma base de referências pensando os ìtàns (contos Yorùbá que retratam as histórias dos Òrìṣàs em suas experiências terrenas), provérbios, produções literárias, como o livro “A Pele da Cor da Noite”, de Vanda Machado, e o próprio saber-fazer cotidiano dentro do terreiro em conectividade com os corpos não-humanos9 9 Costa (2017, p. 2) destaca como “objetos, coisas e materialidades muito presentes em nossa experiência clínica de interface arte, cultura e saúde. [...] corpos não-humanos possuem poder de afetar e de serem afetados nas relações com os corpos-humanos, e que desses agenciamentos advêm processos de subjetivação”. . Vivenciando desafios de como ter em prática a comunicação de algo que é pautado em ações entendidas na própria experiência, o grupo vem buscando alternativas para o processo de formação, que está em constante movimento, ao atender propostas de atividades semanais que fazem jus a uma coordenada qualificação profissional-pessoal entre os membros internos. Essa primeira aproximação com as atividades movidas por essa perspectiva deve ser feita dentro do Grupo de Estudos Ìbírí para que seja expandida com o público externo no Troca de Iṣẹ́.

Experimentação no Troca de Iṣẹ́

Na ação de extensão, as atividades afrorreferenciadas ultrapassam os limites do Lab-Iṣẹ́ e se alinham com a manifestação atuante do público externo. Com experimentações verbais e corporais fundamentadas na expressão da oralidade, a reconexão com a episteme de base africana e afrodiaspórica se permeia pela condução das atividades não somente com interessados nas ações para atribuição pessoal, mas profissional também. Com isso, o Projeto de Extensão Troca de Iṣẹ́ ganha finalidades que os extensionistas da ação dividem de acordo com suas demandas específicas:

A ideia é que os participantes dos nossos módulos sejam multiplicadores das ações e das atividades, tendo o objetivo de multiplicar essa troca, levando essas atividades para o seu ambiente de trabalho, na sua família e na rotina de estudos e assim sucessivamente. (Tiago, extensionista, estudante de Terapia Ocupacional).

Eu acho que é importante a gente também explanar e salientar que o Troca de Iṣẹ́, enquanto proposta de projeto de extensão da UFRJ, para além de ter essa expertise de trazer o público externo da UFRJ e profissionais de diversas áreas, também serve e é um campo de formação dos estudantes e integrantes do próprio projeto. [...] Então, além de ter a proposta de aprimoramento profissional e autocuidado com a população preta, ele também é um campo de formação para quem está mediando as ações no corpo da extensão, servindo e entendendo esse lugar como proposta de aplicabilidade daquilo que a gente tem estudado dentro e fora da UFRJ, sendo da UFRJ ou não. (Jean, extensionista, estudante de História da Arte).

Além de aplicar aqui algumas alternativas que não são as da universidade, a gente também, enquanto população preta, consegue se olhar com uma visão pessoal para o interpessoal. (Ana Célia, extensionista, nutricionista).

Destaca-se que, no processo de análise da entrevista com os integrantes, percebeu-se uma forte repercussão do Grupo de Estudos Ibiri nas ações do Projeto de Extensão. Os títulos dos módulos foram inspirados em termos ligados aos saberes e fazeres ancestrais negros, como por exemplo o Módulo V “Terra: Fonte de cuidado da população negra”. No exemplo destacado, a utilização de termos ligados aos elementos da natureza é, segundo os integrantes, elementos estruturantes nas perspectivas de terreiro. Desta forma, em processos de articulação e convite aos profissionais parceiros, condutores da atividade, é afirmado o referencial na perspectiva de terreiro, possibilitando a construção da ideia de que a terra é fonte para a vida e germinação de novos seres, portanto, canal de construção de cuidado. Tendo uma realidade acoplada no contexto da Pandemia do Covid-19, os membros do projeto de extensão, ilustramente nos módulos formalizados, vêm criando estratégias para que sejam contemplados e eternizados os seus objetivos unidos ao propósito de proporcionar o autocuidado e o aperfeiçoamento profissional dos participantes.

Vale ressaltar também que o Troca de Iṣẹ́ tem alguns eixos, como o Eixo Clínica, que atua nessa garantia de saber justamente como que as pessoas que estão participando dos módulos estão experimentando as atividades no seu cotidiano. E aí a gente pensou na criação de um grupo no WhatsApp para ter esse momento de partilha, de como está sendo a semana e o que foi possível ser feito, e nesse sentido, também é importante pontuar o quanto que a acessibilidade nos ajuda nessa garantia, pensando nesse processo de acessibilizar essa linguagem. (Anna Carolina, extensionista, estudante de Terapia Ocupacional).

A dinamização das atividades afrorreferenciadas segue reintroduzindo os sujeitos negro-africanos com o ato do en-sinar, tradição esta que é “colocar o outro dentro do seu odu, dentro da sua própria sina, do seu caminho, do seu jeito de ser no mundo do jeito como ele é” (Machado, 2013, pMachado, V. (2013). Pele da cor da noite. Salvador: EDUFBA.. 41), proposição veementemente discutida nos encontros do Grupo de Estudos Ìbírí e que convida para a sabedoria da vivência pré-existente nas comunidades negras, entendendo que o caminhar das aprendências e ensinâncias apenas são repercutidas quando partem do ser e não do estar.

A proposta de pensar as metodologias que são trazidas pelos próprios participantes do Troca de Iṣẹ́. Então, no Módulo IV, em que nós trabalhamos com o cuidado do corpo, percebemos que a partir da experimentação das atividades afrorreferenciadas desse módulo as narrativas que os convidados e participantes trouxeram foi de que nesse período pandêmico tem sido um desafio ter uma boa alimentação e um contato com a terra, no sentido amplo. A gente tem se debruçado a pensar sobre como estamos produzindo as nossas ações porque cada encontro do Troca de Isé é mediado por um convidado, mas também tem um encontro que a gente media enquanto uma pessoa da equipe de extensão. É preciso ter essa escuta ativa para ter um olhar e atenção para o que os nossos participantes estão trazendo para nós. (Jean, extensionista, estudante de História da Arte).

Os mesmos eixos que estão presentes no projeto de pesquisa estão presentes no projeto de extensão. [...] E a gente tem percebido que, por exemplo, os eixos também nos ajudam a construir os módulos. O quanto que o Eixo Educação, fazendo o recorte da metodologia, nos ajuda na elaboração dessas atividades a partir das perspectivas de terreiro, o quanto que essa perspectiva de terreiro também vai nos auxiliando nesse processo de relação da Clínica, nesse acompanhamento com as pessoas pretas que fazem parte dos módulos e o quanto que essa perspectiva de terreiro também é presente quando a gente pensa nessa dimensão da Afroacessibilidade Cultural, entendendo que nos convida para um cuidado mais individualizado a partir daquilo que cada um tem como demanda específica. (Anna Carolina, extensionista, estudante de Terapia Ocupacional).

Não sei se por ser o eixo onde estou envolvida, mas eu acho que o que sofre mais reformulações é a Afroacessibilidade Cultural porque o nosso objetivo é de alcançar pessoas pretas com e sem deficiência em diferentes níveis de escolaridade. Isso é uma questão. Só de você estar em um encontro on-line, tem o acesso à rede social, acesso ao e-mail, acesso a um computador, acesso à internet, então tudo isso tem que ser pensado por nós, senão não chega. (Janette, extensionista, estudante de Terapia Ocupacional).

A Afroacessibilidade Cultural tem se mostrado como um diferencial nas ações do Troca de Iṣẹ́; tem sido central para a elaboração das oficinas na extensão e o quanto está focada em mudar a estrutura capacitista do sistema. Esta não somente contesta ações do Ocidente eurocêntrico, mas reorienta para ferramentas, recursos, metodologias, perspectivas e narrativas que sejam agências ao povo preto. Outrem, persistir e coexistir na diretriz da Afroacessibilidade Cultural é estar em equilíbrio com os princípios do fazer em comunidade, necessitando conhecer essa intervenção para que sejam efetivadas atividades afroacessíveis ao povo preto.

Interface com a Afroacessibilidade Cultural

As aproximações para essa configuração que visa afroacessibilizar recursos, tecnologias, espaços, atividades e os ditos corpos não-humanos para a inclusão de pessoas negras não surgiram despropositadamente. Juli Cabral da Costa, adotando o papel de terapeuta ocupacional e mulher negra, vem contribuindo com suas pesquisas e iniciativas para agregar uma população negra com diferentes necessidades específicas, entendendo o contexto dentro de múltiplas vivências. Partilhando seus contributos na área para a equipe que integra o Lab-Iṣẹ́, a pesquisadora relata que:

Como desenvolvimento dessas atividades afrorreferenciadas, eu presto essa supervisão para o próprio Lab-Iṣẹ́, que é uma forma de difundir e de fazer manutenção desse trabalho com as meninas que fazem parte do Eixo Afroacessibilidade Cultural. [...] A própria supervisão que eu presto já é uma intervenção porque elas vêm com atividades que são direcionadas para o público do Troca de Iṣẹ́, que faz a intervenção lá no CAPS AD, mas também para as próprias pessoas que fazem inscrição para as atividades nos encontros virtuais. Desde aí já existe esse despertar! (Juli Costa, presidente do IAAO).

A presidente do IAAO, ao decorrer da narrativa, faz alusão ao processo de sensibilização. Ela reivindica que, antes de pensar em acessibilizar e afroacessibilizar, é preciso, primeiramente, sensibilizar as pessoas com a pauta da deficiência e seus direitos de acesso. Assim, a observação e a subjetivação do público que está sendo assistido são pontos importantes para a condução da Afroacessibilidade Cultural, sendo uma proposta também para o Laboratório Iṣẹ́.

É importante prestar atenção no que está ao nosso redor e no fazer da atividade, de forma que traga essa informação comunicacional para ser direcionada a públicos específicos e diferenciados dentro do próprio eixo da Afroacessibilidade Cultural. Vamos dizer assim… “Ah, a gente está tratando da população negra”, existem milhares de possibilidades, a gente não pode falar de uma forma acadêmica para uma pessoa que está chegando e entendendo agora uma perspectiva afrorreferenciada. Então, o caminho que eu venho traçando é muito ligado com essas intervenções que estão sendo feitas no Lab-Iṣẹ́. (Juli Costa, presidente do IAAO).

Atuando não somente como supervisora, mas como parceira com o órgão Instituto de Atividades Afrorreferenciadas Opaxorô, mantém um histórico de articulação com outras organizações e instituições para a promoção da Afroacessibilidade Cultural nos espaços do Lab-Iṣẹ́ e fora dele. Marcando esses passos, a construção do IAAO, no que delimita o seu nome até as suas ações, correlaciona-se também com as propostas do Lab-Iṣẹ́ em virtude da perspectiva em terreiro e cultura Yorùbá. Mediante o termo Opaxorô, explica:

Esse nome veio a partir do que eu chamo de “tecnologia assistiva ancestral” porque Òṣàlá, o Òrìṣà da criação dos seres humanos, tem essa tecnologia, onde utiliza o Opaxorô para se locomover. E eu, pensando nesse público que a gente trabalha, público das pessoas com deficiência que precisam de tecnologias para o seu cotidiano, vi muito o Opaxorô como o representante dessa tecnologia. [...] Pensar também que Òṣàlá é quem foi o feitor da humanidade a partir da matéria-prima de Nàná, que é a matéria da argila ou do barro, e que no momento da feitura dessas pessoas, ao se embriagar com o vinho de palma, molda corpos ditos como “não-normativos”. (Juli Costa, presidente do IAAO).

Nessa altura, correlacionar os contos do Òrìṣà Òṣàlá com as práticas desenvolvidas é retomar e fazer jus a técnicas e saberes ancestrais. Para essa finalidade, Juli qualifica o processo da intervenção, enfatizando que a forma que será desenvolvido o plano de ação com essa população não carece de um sentido específico e singular dependendo para quem está sendo direcionado. Por fim, finaliza:

Juntos com a terapia ocupacional, a gente vê toda uma percepção tátil, a atenção, a organização espacial, em que a gente precisa estar em roda e ter uma sequência, e tantos outros elementos. Então essas atividades traziam o lazer, que é o brincar, mas também outros eixos trabalhados na terapia ocupacional. Quando a gente propõe uma atividade, tem sempre um sentido. Segue um sentido cultural e existencial, mas também um sentido dessa intervenção terapêutica que é essa organização. (Juli Costa, presidente do IAAO).

Considerações Finais

Diante da necessidade de traçar os fios condutores finais dessa cartografia, destacam-se alguns dos feitos do Laboratório Iṣẹ́, mas desde já afirmando a impossibilidade de apresentar uma conclusão. Afirma-se, no entanto, uma proposta de reconstrução subjetiva de pessoas negras com base em processos de formação e de experimentação de atividades afrorreferenciadas, tal como se propõe a terapia ocupacional afrorreferenciada. São proposições de cuidado e de aprimoramento profissional germinadas na experiência comunitária do Grupo de Estudos Ìbírí. Experiência esta que orienta processos de erradicação do “embranquecimento” da subjetividade para os corpos e mentes de pessoas negras, bem como das atividades cotidianas desses sujeitos negros com e sem deficiência.

Assim, este estudo tem por finalidade ser um convite a discutir, perceber, sensibilizar, afetar e ser afetado pelo pensamento e agir africano e/ou afrodiaspórico, seguindo a tradição dos mais velhos e a composição entre corpos humanos e corpos não-humanos precursores de Àṣẹ, ou seja, de energia vital que emana a singularidade de cada sujeito. Logo, com as críticas às bases ocidentais preponderantes na sociedade, é possível mostrar o comprometimento com o desenvolvimento de uma nova orientação das epistemologias negras-africanas, condução de fazeres e saberes ancestrais e localização histórica do povo negro. Assim, como um exercício contra o racismo epistêmico, ontológico e estrutural, pretende-se evidenciar que a existência da população negra não está atrelada às mazelas diaspóricas como a todo tempo a sociedade quer afirmar, mas, sim, à potência enquanto povo.

Ademais, a pesquisa serve como um dispositivo para a incorporação de perspectivas afrorreferenciadas nas instituições de ensino, pesquisa e intervenção em terapia ocupacional no Brasil. Espera-se que este trabalho seja um sonho sonhado junto com todo o campo da terapia ocupacional, e que novos tempos possam desenhar matrizes curriculares e abordagens teórico-práticas em terapia ocupacional destinadas à população negra enquanto agência e potência, e assim, restituir seus processos de subjetivação afrorreferenciados.

  • 1
    Conceito cunhado por Nêgo Bispo (2015), que afirma as relações orgânicas e harmônicas entres os viventes e os não viventes.
  • 2
    Diop (1974Diop, C. A. (1974). The African origin of civilization: mith or reality? Westport: Lawrence Hill., pp. 262-263) afirma que ‘‘em escrita científica, ele pertence ao grupo de palavras usadas para encobrir os fatos. [...] Seu oposto, ‘brancóide’ [...] não foi inventado. Assim, detecta-se a inconsciente base sentimental de ‘hipóteses científicas’.”
  • 3
    Salienta-se que até abril de 2020, recorte temporal do levantamento, em adição à UFRJ, apenas existiam na plataforma digital e-MEC as demais cinco IES apresentadas com disciplinas relacionadas ao tema.
  • 4
    O Grupo de Estudos Ìbírí é uma composição do Laboratório Iṣẹ́ que vem a ser elucidado no processo de discussão dos resultados.
  • 5
    ‘‘Dizemos que se encontra desagência em qualquer situação na qual o africano seja descartado como autor ou protagonista em seu próprio mundo” (Asante, 2009, pAsante, M. K. (2009). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In E. L. Nascimento (Org.), Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora (pp. 93-96). São Paulo: Selo Negro.. 95).
  • 6
    O artigo mencionado se trata do intitulado “Dona Ivone Lara e terapia ocupacional: devir-negro da história da profissão”, de autoria dos terapeutas ocupacionais Leite Junior et al. (2021)Leite Junior, J. D., Farias, M. N., & Martins, S. (2021). Dona Ivone Lara e terapia ocupacional: devir-negro da história da profissão. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-13. http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoARF2171.
    http://dx.doi.org/10.1590/2526-8910.ctoA...
    .
  • 7
    Significa “aquele que nasceu do yan”, em Yorùbá, e exprime, dentro do Candomblé, a condição de “novato”. Nesse caso, trata-se de alguém que ainda não passou pelos preceitos iniciáticos (Machado, 2013Machado, V. (2013). Pele da cor da noite. Salvador: EDUFBA.).
  • 8
    Orí, termo Yorùbá, vincula-se com a ideia de cabeça tanto física quanto espiritual. Seguir seus propósitos é sinônimo de alinhá-lo com a própria destinação (Odu) no mundo.
  • 9
    Costa (2017, pCosta, M. C. (2017). Clínica Anímica: Agenciamentos entre corpos humanos e não-humanos como produção de subjetividade (Tese de doutorado). Universidade Federal Fluminense, Niterói.. 2) destaca como “objetos, coisas e materialidades muito presentes em nossa experiência clínica de interface arte, cultura e saúde. [...] corpos não-humanos possuem poder de afetar e de serem afetados nas relações com os corpos-humanos, e que desses agenciamentos advêm processos de subjetivação”.
  • Como citar: Costa, M. C., Bukola, A. F., & Santos, A. C. (2023). Pesquisa IṢẸ́: contribuições da terapia ocupacional afrorreferenciada nos processos de formação e restituição das subjetividades negras. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3435. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO263234351

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Marta Carvalho Almeida

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2022
  • Revisado
    14 Out 2022
  • Revisado
    10 Jan 2023
  • Aceito
    01 Mar 2023
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