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CAPITAL MONOPOLISTA, APARELHOS PRIVADOS DE HEGEMONIA E DOMINAÇÃO BURGUESA NO BRASIL: o caso do grupo Odebrecht

MONOPOLY CAPITAL, PRIVATE DEVICES OF HEGEMONY AND BOURGEOIS DOMINATION IN BRAZIL: the case of the Odebrecht group

CAPITAL MONOPOLISTE, DISPOSITIFS PRIVÉS D’HÉGÉMONIE ET DOMINATION BOURGEOISE AU BRÉSIL: le cas du groupe Odebrecht

Resumos

O presente artigo pretende desenvolver uma reflexão teórica e analítica acerca das formas específicas assumidas pelo capital monopolista e pela dominação burguesa nas sociedades capitalistas contemporâneas. Nossa hipótese é de que dado o desenvolvimento das estruturas corporativas e o avanço do próprio capitalismo, alguns grupos econômicos assumem grau tão elevado de organização que passam a operar com características semelhantes aos aparelhos privados de hegemonia na terminologia gramsciana. Para desenvolver tal questão, elaboramos, em uma primeira parte do texto, uma breve reflexão teórica sobre o capitalismo contemporâneo e, em um segundo momento, analisamos o caso específico do grupo Odebrecht, um conglomerado que pode ser indicado como representante do capital monopolista brasileiro até a operação Lava Jato e que atuava, de certa forma, com funções semelhantes a um aparelho privado de hegemonia na sociedade brasileira.

Capital monopolista; Odebrecht; Grupos econômicos; Capitalismo contemporâneo; Aparelho privado de hegemonia


This article intends to carry out a theoretical and analytical reflection on the specific forms assumed by monopoly capital and bourgeois domination in contemporary capitalist societies. Our hypothesis is that given the development of corporate structures and the advance of capitalism itself, some economic groups assume such a high degree of organization that they begin to operate with characteristics similar to the private devices of hegemony in Gramscian terminology. To develop this question, in the first part of the text, we elaborated a brief theoretical reflection on contemporary capitalism and, in a second moment, we analyzed the specific case of the Odebrecht group, a conglomerate that can be appointed as representative of Brazilian monopoly capital until the operation Lava Jato and that acted in a certain way with functions similar to a private apparatus of hegemony in Brazilian society.

Keywords: Monopoly capital; Odebrecht; Economic groups; Contemporary capitalism; Private apparatus of hegemony


Cet article vise à développer une réflexion théorique et analytique sur les formes spécifiques prises par le capital monopoliste et la domination bourgeoise dans les sociétés capitalistes contemporaines. Notre hypothèse est qu’étant donné le développement des structures d’entreprise et l’avancée du capitalisme lui-même, certains groupes économiques assument un tel degré d’organisation qu’ils commencent à fonctionner avec des caractéristiques similaires aux dispositifs privés d’hégémonie dans la terminologie de Gramsci. Pour développer cette question, dans la première partie du texte, nous élaborons une brève réflexion théorique sur le capitalisme contemporain et, dans un second temps, nous analysons le cas spécifique du groupe Odebrecht, un conglomérat que l’on peut désigner comme représentant du capitalisme brésilien. capital monopoliste jusqu’à l’opération Lava Jato et qui a agi, en quelque sorte, avec des fonctions similaires à un appareil privé d’hégémonie dans la société brésilienne.

Capital monopoliste; Odebrecht; Groupements économiques; Capitalisme contemporain; Appareil privé d’hégémonie


INTRODUÇÃO

O meio acadêmico brasileiro possui uma forte tradição nos estudos sobre empresariado/burguesia, sobre suas formas de representação e sobre sua atuação junto ao Estado. Estudos clássicos sobre a burguesia brasileira foram produzidos nos anos 60 e 70, a exemplo de Luciano Martins, Fernando Henrique Cardoso, Nelson Werneck Sodré, Octávio Ianni, Florestan Fernandes, Eli Diniz e Renato Boschi. As discussões, no período, referiam-se à natureza da burguesia brasileira – revolucionária ou reformista, liberal ou autoritária, se nacionalista ou não –, seu grau de organização e autonomia e suas formas de representação. Nas últimas décadas, assistimos, com exceções – é certo –, a uma perda de importância da temática (Boito, 2007BOITO Jr., A. Estado e burguesia no capitalismo neoliberal. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 28, p. 57-73, 2007.; Mancuso, 2007MANCUSO, W. P. O empresariado como ator político no Brasil: balanço da literatura e agenda de pesquisa. Revista Sociologia Política, n. 28, p. 131-146, 2007.). Para alguns, isso decorreria de um relativo alijamento do marxismo nas universidades, que, de um modo ou de outro, marcara o período anterior. Contudo, as mudanças sofridas no capitalismo contemporaneamente exigem um esforço mais sistemático e concentrado sobre a temática, tão marcante nas origens do pensamento social brasileiro.

O presente artigo pretende jogar luz sobre as principais mudanças no capitalismo contemporâneo que estão a demandar um esforço coletivo de pesquisa e análise, particularmente no que diz respeito às formas atuais da dominação burguesa. Em que pesem importantes contribuições recentes sobre o debate, destacadas ao longo deste ensaio, parece restar um campo ainda pouco, ou pelo menos insuficientemente, explorado da economia política brasileira.

É verdade que, nas últimas décadas, a organização do mundo empresarial se alterou drasticamente, exigindo a atualização da agenda de pesquisa sobre o tema. Embora os processos de concentração e centralização de capitais não sejam novidades, economias periféricas como a brasileira assistem a um acelerado processo de oligopolização, especialmente no contexto pós-privatizações (Lazzarini, 2011LAZZARINI, S. G. Capitalismo de Laços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.; Rocha, 2013ROCHA, M. A. M. da. Grupos Econômicos e Capital Financeiro: uma história recente do grande capital brasileiro. 2013. 183 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Universidade Estadual de Campinas, 2013.). Assiste-se à formação de grupos econômicos, entendidos como conjunto de empresas juridicamente independentes, mas que se encontram conectadas pelo capital e, normalmente, sob o controle de holdings financeiras.1 1 A presença de grupos econômicos no Brasil já é constatada no início dos anos 1960, conforme o pioneiro estudo de Maurício Vinhas de Queiroz (1965), que mapeou os grupos bilionários e multibilionários no país, com destaque para a forte presença de grupos estrangeiros, notadamente americanos.

Os grupos econômicos trazem complexidade para o campo da atuação empresarial e de sua relação com o Estado. A organização atual da propriedade capitalista cria novos constrangimentos às instituições políticas, o que requer um enorme esforço de pesquisa e reflexão. Ou, pondo a questão de outro modo, resta avançar na compreensão de como os capitais monopolistas exercem sua hegemonia na atual etapa da acumulação capitalista, sob o domínio financeiro. Como afirma Gramsci (2000GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3., p. 33) “[...] se a hegemonia é ético-política também é econômica; não pode deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica.”

A concentração de poder de mercado e político tende hoje à hipertrofia por meio de estruturas reticulares de propriedade centralizadas em poucas mãos, cuja atuação em rede conecta diferentes setores e empresas, em âmbito doméstico e também transnacional. Ademais, a existência de instituições financeiras centralizando o controle de tais grupos não apenas põe em discussão a natureza contemporânea do “capital financeiro” como chama a atenção para uma tendência de intensificação e aceleração da extração de mais-valor por parte desses grupos. Ao mesmo tempo, grupos econômicos estendem atualmente sua atuação para o setor de serviços sociais, como de previdência, saúde, transporte, saneamento e educação, bem como de commodities, terras (urbanas e rurais) e biodiversidade.

A complexidade e amplitude da estrutura de propriedade desses grupos econômicos, bem como sua submissão à dominação (ou “governança”) financeira, impõe o reconhecimento do quanto a propriedade capitalista ganha, nessa escala, uma dimensão organizativa per se. O fenômeno traz implicações ainda pouco exploradas e compreendidas sobre as estratégias de dominação, do exercício da hegemonia por parte das frações monopolistas da burguesia.

O próprio Gramsci irá afirmar a importância da atuação do empresariado para além da esfera estritamente econômica, incidindo sobre o campo político-ideológico. Uma atuação que se realiza não apenas por meio de organizações de classe, mas pelo empresariado enquanto tal.

Deve-se notar o fato de que o empresário representa uma elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica (isto é intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade dirigente e técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua inciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menos nas próximas da produção econômica (...) Os empresários – se não todos, pelo menos uma elite deles – devem possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de serviços, inclusive no organismo estatal, em vista da necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe [...] (Gramsci, 1982GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982., p. 4).

Importa, pois, caracterizar a atual configuração do capital monopolista, particularmente na sua forma “grupo econômico”, que imprime enorme alcance e complexidade sobre a atuação burguesa e sua relação com a “sociedade política” e “sociedade civil”. Do ponto de vista organizativo da propriedade e da gestão dos grupos econômicos, chama atenção a interpenetração e associação de capitais, incluindoa interpenetração entre capitais públicos e privados, domésticos e forâneos; a interligação de corpos diretivos/administrativos, incluindo a burocracia pública, os chamados interlocking directorates; a verticalização e concentração da propriedade, implicando separação entre propriedade e controle/gestão.

Como afirma Gonçalves (1991GONÇALVES, R. Grupos econômicos: uma análise conceitual e teórica. Revista Brasileira de Economia, v. 45, n. 4, p. 491-518, out./dez. 1991., p. 512-513) em uma rara reflexão no meio acadêmico brasileiro sobre grupos econômicos,

[...] o fenômeno fundamental a ser destacado é o desenvolvimento de um ‘capitalismo institucional’ através do qual geram-se formas de organização social, como por exemplo, a rede transcorporativa composta de diretores e altos executivos de grandes grupos econômicos, que participam das diretorias e dos conselhos de administração dos grandes grupos econômicos. Esta rede transcorporativa, que se caracteriza pela sua coesão social e convergência ideológica, é capaz de defender e promover os interesses dos grupos econômicos. [...] Esta rede transcorporativa tem uma concepção sistêmica dos interesses de longo prazo dos grupos econômicos e, conseqüentemente, organiza-se para influenciar a política governamental e a opinião pública. Os seus membros fazem parte da ‘elite do poder’ e caracterizam-se por ocupar cargos importantes dentro dos grupos econômicos e ter algum tipo de liderança junto à classe empresarial, inclusive o controle das associações patronais. Ademais, os membros deste inner circle têm uma coesão social importante e estão próximos (ou são membros natos) das classes sociais mais poderosas e ricas da sociedade, o que lhes garante uma capacidade significativa de mobilização de recursos para promover os interesses sistêmicos do grande capital.

As dimensões organizativas da propriedade capitalista em meio ao padrão de acumulação financeira impõem mudanças na forma como se pode entender a atuação econômica e política destas corporações ou grupos econômicos. Como veremos a seguir, a agenda de pesquisa que emerge daí é bastante vasta. Partimos aqui da tradição do pensamento marxista sobre a dominação burguesa, particularmente de Gramsci, para buscar avançar nessa compreensão. Porém, a intenção aqui é também de sugerir o quanto o capitalismo contemporâneo está a exigir, dialeticamente, uma atualização no manejo das categorias.

Exemplo disso, a natureza organizativa dessas “redes transcorporativas” impõe um refinamento, desde uma perspectiva gramsciana sobre como o mundo corporativo atua hoje no campo da “sociedade civil” e “sociedade política”. Defendemos aqui a hipótese de que, dado o grau de desenvolvimento do capitalismo e das estruturas empresariais do capitalismo contemporâneo, certos grupos econômicos representantes do capital monopolista podem desenvolver formas análogas ao que Gramsci (2000, p. 11-109) denominou de “aparelho privado de hegemonia”, atuando enquanto tal junto ao Estado ampliado.

A noção gramsciana de “aparelho hegemônico” ou “aparelho privado de hegemonia” remete à concepção do autor sobre “Estado integral” ou “ampliado”. Para Gramsci (2000), o exercício do poder político se realiza pela combinação de consenso e coerção, que se estruturam e se articulam via organizações da sociedade civil (“aparelhos privados de hegemonia”) e “aparelhos governamentais-coercitivos” da sociedade política (o Estado em sentido estrito), respectivamente. O poder político é entendido aqui como a capacidade que uma classe desenvolve para agir como uma classe em relação às demais classes.

Hoeveler (2020)HOEVELER, R. C. O conceito de aparelho privado de hegemonia e seus usos para a pesquisa histórica. Revista Práxis e Hegemonia Popular, v. 4, n. 5, p. 145-159, 2020. resgata contribuições de importantes intérpretes de Gramsci sobre o conceito de “aparelho privado de hegemonia”. A exemplo de Gianni Francioni (1984 apud Hoeveler, 2020HOEVELER, R. C. O conceito de aparelho privado de hegemonia e seus usos para a pesquisa histórica. Revista Práxis e Hegemonia Popular, v. 4, n. 5, p. 145-159, 2020., p. 151) que vai dizer que “um aparelho hegemônico pode ser definido como qualquer instituição, espaço ou agente que organize, medeie e confirme a hegemonia de uma classe sobre outra”. Assim como a leitura de Peter Thomas, para quem o conceito de “aparelho hegemônico” tenta mapear os modos pelos quais a classe ascende ao poder através de uma “intrincada rede de relações sociais na sociedade civil” ou “quando deixam de ser uma massa incoerente de interesses corporativos no terreno da sociedade civil” (Thomas, 2009 apud Hoeveler, 2020HOEVELER, R. C. O conceito de aparelho privado de hegemonia e seus usos para a pesquisa histórica. Revista Práxis e Hegemonia Popular, v. 4, n. 5, p. 145-159, 2020., p. 153-154).

Gramsci (2000)GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3. identifica em associações políticas, imprensa e sindicatos, os aparelhos hegemônicos ou as organizações típicas do trabalho político-ideológico das classes. Sem perder de vista a importância das entidades representativas de classe, nosso argumento é de que a forma de organização do mundo corporativo, em grupos econômicos, assume também uma função político-ideológica no exercício da dominação política burguesa hodierna.

Isso porque a estrutura em rede da atual propriedade capitalista monopolista, que se configura a partir do entrelaçamento de capitais e de seus representantes em diferentes corpos diretivos, desempenha um papel político-organizativo intraclasse, no seio da sociedade civil. Papel fundamental na produção de coesão interna da fração monopolista da burguesia. Coesão capaz de conferir poder hegemônico não apenas sobre as classes trabalhadoras, mas também sobre outras frações da classe burguesa, traduzido no domínio da fração monopolista no interior da sociedade política via controle de aparelhos governamentais-coercitivos.

Para dar conta da hipótese provocativa do artigo de que certos grupos econômicos, altamente complexos e típicos do capital monopolista, parecem assumir certas características de aparelhos privados de hegemonia na acepção gramsciana, analisamos a trajetória e as ações do grupo Odebrecht, utilizando como fontes memórias de agentes da organização, material de imprensa sobre o conglomerado, boletins e documentos confeccionados pela construtora e suas subsidiárias, além de fontes estatais, como documentos parlamentares que fazem referência à ação política do grupo econômico. O método proposto foi o de tentar mapear algumas ações e movimentos do grupo Odebrecht, verificando a semelhança com o que foi entendido por Gramsci e os autores gramscianos como típicos dos aparelhos privados de hegemonia.

Na primeira parte do texto, realizamos alguns apontamentos para uma agenda de pesquisa sobre a dominação política burguesa, no contexto do capitalismo monopolista e financeiro. Na segunda, discutiremos mais especificamente sobre a nossa hipótese quanto aos grupos econômicos exercerem, per se, funções típicas dos aparelhos privados de hegemonia, recorrendo ao caso do grupo Odebrecht. Fechamos o presente artigo, indicando, nas considerações finais, o caráter aberto da discussão aqui proposta.

APONTAMENTOS PARA UMA AGENDA DE PESQUISA SOBRE A DOMINAÇÃO POLÍTICA BURGUESA NO CONTEXTO DO CAPITALISMO FINANCEIRO2

As “redes transcorporativas”, características da organização grupo econômico, são marcadas por diferentes interconexões em suas relações intraclasse. A interpenetração entre capitais privados pode se dar, de um lado, no âmbito intracorporativo com estruturas piramidais profundamente hierarquizadas, em que os proprietários, exteriores à gestão e produção, submetem toda a sua cadeia de comando ao imperativo da valorização financeira; de outro, na esfera intercorporativa, seja via posições acionárias compartilhadas em diferentes grupos, seja via compartilhamento de posições diretivas em organizações representativas do setor. Exemplos disso podem ser vistos nos estudos de Minella (2013)MINELLA, A. C. Análise de redes sociais, classes sociais e marxismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28 n. 83, p. 185-242, out. 2013. e de Dowbor (2017)DOWBOR, L. A Era do Capital Improdutivo: por que oito famílias têm mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017., em que ficam demonstrados o quanto grandes grupos financeiros internacionais compartilham posições em diferentes associações representativas do setor na América Latina e no mundo, respectivamente.

Sobre a interpenetração entre capitais privados e públicos, vale destacar no caso brasileiro que muitos grupos econômicos privados possuem empresas públicas como sócias (majoritárias ou minoritárias) que atuam na alavancagem e segurança do negócio, em detrimento do interesse público. Nesse caso, verifica-se aquilo que Dardot e Laval (2018) chamam do “governo empresarial” ou da forma “Estado-empresa”, em que o próprio Estado passa a se mover pela lógica empresarial, financeira. Além do que, por conta das participações de empresas públicas no capital de grupos privados ou vice-versa, membros do poder público compartilham assentos com representantes privados em conselhos de administração de empresas, que se encontram fora do alcance da vigilância pública (ver Pinto; Mansoldo, 2017PINTO, J. R. L.; MANSOLDO, F. A Fibria, o BNDES e o ‘novo’ papel do Estado no capitalismo brasileiro: do ‘Estado-empresário’ ao ‘Estado-empresa’. Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas, ano II, n. 2, p. 41-84, 2017.; Pinto et al., 2010).

A natureza reticular da propriedade capitalista, bem como a sua própria estratégia de acumulação e gestão sob domínio financeiro, põe também em tela a necessidade de superar determinadas leituras setorizadas da burguesia, particularmente da sua fração monopolista. Tais frações podem não apenas atuar em diferentes setores da economia, como também articular diversas funções, sejam elas industriais, comerciais e/ou financeiras. Ademais, em sua estrutura de propriedade, o grupo econômico pode congregar, e normalmente é o que acontece, capitais domésticos e estrangeiros, cuja diferença entre eles, em meio ao domínio financeiro, diz respeito à maior capacidade de mobilidade dos segundos do que a um suposto compromisso dos primeiros com um desenvolvimento nacional (Pinto, 2017PINTO, J. R. L. Contra a privatização do BNDES: qual a melhor defesa? Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro: Corecon, junho, 2017.).

Essas características oferecem um maior raio de ação por parte das grandes corporações, proporcionando certa margem de reversibilidade em suas decisões e, por conseguinte, maior capacidade para lidar com crises. Tais corporações se valem das crises para centralizar capitais depreciados, visando a valorização futura – uma realidade em que as crises nem conduzem a colapso, nem tampouco a crescimento, mas servem para alimentar a própria acumulação financeira. Como afirma Braga (1995, p. 230):

[...] as corporações industriais não detinham o poder financeiro e a liquidez de hoje, dado que participam, simultaneamente, da circulação industrial e financeira. Anteriormente, suas decisões de investir implicavam uma rentabilidade ‘amarrada’ à duração dos contratos de dívidas e do retorno esperado nos lucros operacionais. Nas condições atuais, suas operações financeiras e patrimoniais permitem reverter investimentos, vendendo unidades operacionais no corporate control market, alterar as características dos contratos de dívidas, montar equações de rentabilidade financeira que compensem reversões de expectativas acerca do retorno de decisões pretéritas de investimento.

Da perspectiva das relações de produção e da extração de valor, chama a atenção o atual domínio da lógica financeira presidindo os grupos, como direitos sobrepostos de participação na apropriação do mais-valor, que descola, como já assinalado, a propriedade do controle e da produção. Como afirma Braga (1997)BRAGA, J. C. de S. Financeirização global: o padrão sistêmico da riqueza do capitalismo. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. da C. (org). Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 195-242., todo grupo econômico é um grupo financeiro. Isso porque tais grupos são controlados, invariavelmente, por instituições financeiras, voltadas ao imperativo de gerar rentabilidade aos seus acionistas e/ou cotistas.3 3 Para um levantamento bibliográfico da produção em língua inglesa sobre a financeirização, ver Palludeto e Felipini (2019). Os autores constatam uma produção acadêmica tímida de apenas 25 publicações sobre o tema em 2008, quando ocorre um rápido crescimento com o número de publicações chegando a 326, em 2017.

Aqui também se coloca a necessidade de atualização da compreensão sobre o chamado “capital financeiro”, entendido original e historicamente como a fusão do capital bancário com o capital industrial em benefício do primeiro. Como proposto por autores como Chesnais (1998)CHESNAIS, F. A Mundialização Financeira. São Paulo: Xamã, 1998., Braga (1997)BRAGA, J. C. de S. Financeirização global: o padrão sistêmico da riqueza do capitalismo. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. da C. (org). Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 195-242. e Paulani (2009)PAULANI, L. M. A crise do regime de acumulação com dominância da valorização financeira e a situação do Brasil. Estudos Avançados, v. 23, n. 66, p. 25-39, 2009., trata-se hoje não apenas de estratégias financeiras que, de algum modo, presidiam grandes corporações em economias capitalistas centrais, mas de um novo regime de acumulação que subordina todo sistema à sua lógica. Ele tem origem nos anos 70 do século passado e em toda a desregulamentação financeira ocorrida desde então – processo alimentado pelas dívidas soberanas, pelas privatizações e pela multiplicação de ativos financeiros no pós-crise 2008.4 4 Para uma discussão mais aprofundada relativa às origens do domínio financeiro sobre o sistema capitalista, ver Braga (1997); Belluzzo (1997); Chesnais (1997; 2005); e Streeck (2018).

Essa perspectiva vai afirmar, portanto, que, embora a lógica financeira sempre estivesse presente, ela só assumiria o domínio sobre o sistema a partir do final do século passado. Isso significa também reconhecer que os grupos econômicos estão sob a égide do capital financeiro, sem que para isso estejam, exatamente, sob o controle de bancos. Do contrário, escapariam do conceito não apenas instituições financeiras não bancárias, que exercem o controle de grupos privados, como também as variadas formas como as corporações contemporâneas integram hoje no seu interior as dimensões financeiras, industriais e comerciais.5 5 Como afirma Bottomore (1983, p. 50), “tal identificação (com o capital bancário) significa que formas de articulação entre o capital de financiamento e o capital industrial que não estão compreendidas nos laços entre os bancos e empresas ficam excluídas da análise teórica (e de boa parte da investigação empírica), embora o conceito de capital financeiro pretenda ser mais geral”.

Sobre a natureza singular do atual domínio financeiro, Paulani (2009PAULANI, L. M. A crise do regime de acumulação com dominância da valorização financeira e a situação do Brasil. Estudos Avançados, v. 23, n. 66, p. 25-39, 2009., p. 27) escreve:

A ideia básica é que os detentores das ações e de volumes importantes de títulos de dívida privados e públicos são efetivamente proprietários situados numa posição de exterioridade à produção, e não ‘credores’ como normalmente se caracteriza, o que leva à distinção entre finanças intermediadas, que caracterizariam o regime de acumulação anterior, e finanças diretas, que prevalecem no regime atual. Para Chesnais, o termo ‘credor’ remete a ‘empréstimo’ e a um papel das finanças que é em última instância o de direcionar as poupanças para quem deseja investir. Mas a finança atual não é, como essa, movida pelas necessidades da produção e da criação de riqueza nova. Sua instituição central é o mercado secundário de títulos, o qual só negocia ativos já emitidos. A existência e a difusão desses mercados fazem que os aplicadores de recursos jamais conheçam quem são seus devedores, não lhes importando ‘saber quem pagará o mico’, mas saber se os mercados permanecerão líquidos.

É esse imperativo de valorização financeira que determina a forma como a “hegemonia econômica” de tais frações monopolistas da burguesia é hoje exercida. No capitalismo dominado pela finança, observa-se, pois, uma transferência cada vez mais acentuada da produção para a propriedade, geradora de direitos (futuros) e, portanto, dá lugar a novos e crescentes fluxos do capital portador de juros (Lavinas; Gentil, 2018LAVINAS, L.; GENTIL, D. L. Brasil anos 2000: a política social sob a regência da financeirização. Novos Estudos Cebrap, v. 37, n. 2, p. 191-211, maio-ago. 2018.). Ou ainda, nos termos de Belluzzo (1997BELLUZZO, L. G. Dinheiro e as transfigurações da riqueza. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. da C. (org.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. São Paulo: Vozes, 1997. p. 151-193., p. 156), transitamos de uma “economia monetária da produção para uma economia da produção monetária”.

Tal hegemonia financeira se manifesta por meio das atuais e agressivas estratégias de acumulação via a exploração máxima do trabalho, seja por meio dos regimes flexíveis de produção (lean production), seja através da desregulamentação de direitos trabalhistas e do avanço da precarização; da oligopolização crescente de mercados; da mercantilização de bens públicos e comuns, por meio do avanço do capital financeiro sobre bens e serviços sociais – a exemplo das privatizações no campo previdenciário, da saúde, do saneamento e da educação6 6 Sobre a financeirização das políticas sociais, ver Lavinas; Gentil (2018). –, sobre a terra (land grabbing), as commodities (bolsa mercantil de futuros) e a biodiversidade (“economia verde”); e da expropriação do fundo público e da poupança das famílias, via endividamento crescente.

Estamos hoje diante da dominação daquilo que Marx já havia identificado no volume III do “Capital” como sendo o “capital fictício”, gerado pelo desenvolvimento e multiplicação da forma do “capital portador de juros”.

Ao desenvolverem-se o capital portador de juros e o sistema de crédito todo capital parece duplicar e às vezes triplicar pelos diversos modos que o mesmo capital ou o mesmo título de dívida aparece sobre diferentes formas em diferentes mãos. Esse ‘capital monetário’ é, em sua maior parte, puramente fictício (Marx, 2017MARX, K. O Capital (Livro III). São Paulo: Boitempo, 2017., p. 527).

Embora Marx tenha usado a expressão “fictício”, exatamente para se referir ao fato que a multiplicação desses capitais se processa no âmbito da circulação via processo especulativo, importa reconhecer que a valorização dessa riqueza fictícia não pode prescindir do processo de valorização produtiva, via extração de mais valia. Outra forma de valorização desse capital são os próprios salários, via endividamento das famílias e do próprio Estado. Paulani (2009PAULANI, L. M. A crise do regime de acumulação com dominância da valorização financeira e a situação do Brasil. Estudos Avançados, v. 23, n. 66, p. 25-39, 2009., p. 28) também nos ajuda a dissecar a natureza desse “capital fictício” sob o domínio do qual estão hoje as economias capitalistas:

Trata-se, em geral, de títulos de propriedade sobre direitos, direitos de valorização futura no caso de ações; de renda de juros a partir de valorização futura, no caso de títulos de dívida privados; e de recursos oriundos de tributação futura, no caso de títulos públicos.

Os gestores dos grandes grupos de capital devem buscar, antes de tudo, a maximização do valor acionário da empresa, fazendo para isso o que for necessário. Essa lógica rentista é que determina os movimentos e fluxos no interior das “redes transcorporativas” dos grupos econômicos. Movimentos e fluxos altamente predatórios sobre o trabalho, bem como nos processos de espoliação de bens públicos e comuns, convertidos em mercadorias para alimentarem os fluxos financeiros. Se, de um lado, assistimos a uma intensa exploração e precarização do trabalho, por outro, avança também o processo de expropriação de bens e serviços públicos, submetendo-os a regimes privados de propriedade como forma de alargar a fronteira da acumulação em bases financeiras (Harvey, 2014HARVEY, D. O Novo Imperialismo. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.; Fontes, 2010FONTES, V. O Brasil e o capital-imperalismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010.).

Sobre as instituições financeiras que centralizam, de fato, o poder no interior dessas “redes transcorporativas” chama a atenção para além de bancos e holdings patrimoniais, os fundos de investimento ou também chamados “instituições financeiras não bancárias”, cuja participação no controle de ativos financeiros cresceu enormemente após a crise de 2008. O relatório de 2019 do Financial Stability Board (Conselho de Estabilidade Financeira), criado pelo G20 como resposta à crise de 2008 para monitorar as finanças globais, demonstra que a movimentação de ativos financeiros no mundo, ao contrário de ser contida, se acelera a partir de 2008.

Como afirma o referido relatório, “os ativos do sistema financeiro global continuam crescendo, puxados pelas instituições financeiras não bancárias” (Financial..., 2020, p. 10). Embora os bancos sigam como principais agentes financeiros, chama particular atenção o crescimento dos chamados fundos como segunda maior instituição em volume de ativos no sistema financeiro global. Isso se deve, exatamente, ao fato de os fundos sofrerem menor regulação que os bancos.

Segundo o referido relatório, a participação dos fundos no sistema financeiro global quase que dobra de 2008 a 2017. O sistema financeiro cresce, assim, em vulnerabilidade sistêmica à medida que os fundos vão aumentando sua participação em face dos bancos. Em 2017, o valor total de ativos no sistema se aproxima dos US$ 400 trilhões, ou seja, quase 5 vezes o PIB mundial naquele ano, que foi de US$ 80 trilhões (Financial..., 2020).

Os bancos, como já dito, sofrem maior regulação que os fundos, como a necessidade de observância de níveis de liquidez, alavancagem e adicional de capitais – após a crise de 2008, o G20 estabeleceu a necessidade de os bancos constituírem reservas como amortecedores (buffers) para eventuais crises (Basiléia III). Porém não se pode perder de visa que os bancos atuam hoje como importantes gestores e administradores de fundos de investimento, além de terem nos fundos instrumentos para sua capitalização.

Vale aqui, em razão da sua relativa novidade, abrir um parêntese para explicar o que são fundos de investimento e qual a função do gestor de um fundo. O fundo de investimento é uma espécie de condomínio de investidores, constituído para aplicação em ativos financeiros. Uma estrutura formal de investimento coletivo em que diversos investidores reúnem seus recursos para investirem de forma conjunta no mercado financeiro. Já o gestor do fundo é aquele responsável pela gestão da carteira de ativos do fundo, ou seja, por tomar as decisões de investimento (compra e venda de ativos), não detendo necessariamente cotas no fundo do qual é gestor. Uma outra “vantagem” dos fundos frente aos bancos é que os fundos não possuem personalidade jurídica, dificultando não apenas a responsabilização, mas o próprio conhecimento sobre a atuação dos seus maiores cotistas.7 7 Sobre os fundos de investimento, ver importante trabalho de Roberto Moraes Pessanha, “A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo” de 2019.

Fechado o parêntese, cabe agora nos aproximar de como tal dinâmica das finanças globais adentra o capitalismo no Brasil. Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2019, o total de ativos regulados por ela alcançaram o valor total de R$ 35 trilhões, equivalente a quase cinco vezes o PIB. Com a alavancagem financeira operada via elevados juros sobre a dívida pública e das famílias, bem como com o crescimento das operações de abertura do capital de empresas na bolsa,8 8 Segundo Lazzarini (2011), somente de 2004 a 2009 foram 115 empresas que abriram capital na Bolsa de Valores. assiste-se, mais recentemente, ao mesmo fenômeno verificado no nível das finanças globais, qual seja, o crescimento exponencial dos fundos de investimento no mercado financeiro. Ainda segundo dados da CVM, de 2008 a 2019, o patrimônio líquido dos fundos mais que quadruplicou, alcançando o valor de R$ 5,5 trilhões ou 75% do PIB.9 9 Outro fator que tem contribuído para o crescimento das aplicações em renda variável, particularmente em fundos de investimento em ações e imobiliário, deve-se ao fato de que as aplicações em renda fixa, especialmente nos títulos públicos, perdem atratividade com a atual queda na taxa básica de juros (Selic).

Os dados acima revelam o quanto a dominância financeira se aprofundou na última década no mundo e no Brasil. Há um claro aumento, no período, de inversões financeiros de grandes grupos privados estrangeiros sobre a economia brasileira, notadamente nos setores de infraestrutura, energia, petróleo e gás – o que, para alguns, explicaria mesmo o próprio golpe de 2016 (Boito, 2018BOITO Jr., A. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT. São Paulo: Unicamp/Unesp, 2018.).

Verifica-se a presença crescente, por exemplo, de fundos de investimento, domésticos e/ou forâneos, no controle de grupos econômicos no país. Em pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto Mais Democracia sobre “quem são os proprietários do saneamento no Brasil?”, foram identificados os principais grupos econômicos controladores das concessionárias privadas, que operam nos 245 municípios brasileiros em que o serviço de saneamento foi privatizado (Instituto Mais Democracia, 2018). A pesquisa constatou que apenas cinco grupos privados controlam 85% dos contratos de concessão. Em todos os grupos, os fundos de investimento figuraram como controladores ou como acionistas minoritários.

O caso do Grupo BRK (ex-Odebrecht Ambiental), que detém sozinho 45% dos contratos, está sob o controle da Brookfield, um dos maiores gestores de fundos de investimento do mundo, de origem canadense – o fundo possui 70% do grupo, sendo que os 30% restantes estão sob o controle do FI-FGTS.10 10 A pesquisa identificou que o vice-presidente de finanças da Caixa tinha assento no conselho de administração da BRK. A mesma Brookfield que, recentemente, adquiriu a TAG e BR Distribuidora, ativos vendidos pela Petrobras em 2019. O estudo de Lavinas e Gentil (2018)LAVINAS, L.; GENTIL, D. L. Brasil anos 2000: a política social sob a regência da financeirização. Novos Estudos Cebrap, v. 37, n. 2, p. 191-211, maio-ago. 2018. revela também a presença de fundos de investimento, em sua maioria estrangeiros, no controle dos principais grupos educacionais e de saúde suplementar no país.

Importa, pois, discutir como a atual estrutura da propriedade capitalista e suas relações de produção no interior dessas “redes transcorporativas” sob o domínio financeiro desempenham, no contexto da luta de classes do capitalismo contemporâneo, o papel organizativo dos interesses de classe ou da fração de classe monopolista. Uma vez que tais grupos possuem hoje uma enorme capacidade de centralizar, de conectar os interesses aparentemente dispersos de diferentes frações da burguesia, tanto no ambiente intra como extracorporativo; bem como de operar a interconexão com a “sociedade política”, via representação em seus “aparelhos repressivos burocráticos” e/ou pelo próprio compartilhamento com o capital estatal da propriedade e gestão de muitos desses grupos.

Uma das questões que chama atenção no debate com a teoria gramsciana é o fato de que, muito embora tais “redes transcorporativas” atuem por meio de “aparelhos privados de hegemonia”, há que se refletir e investigar em que medida tais “redes” não atuariam, por si mesmas, como aparelhos privados. Isso porque as relações intraclasse burguesa, como já visto, assumem uma dimensão organizativa clara, com o estabelecimento de vínculos não apenas de negócio, mas ideológicos, de propriedade e gestão intra e extracorporativa. A organização programática e ideológica, ou seja, a dimensão ético-política dos interesses de tais frações monopolistas se manifestaria, sem dispensar suas associações representativas, também no interior da própria rede de propriedade intraclasse.

Sobre isso, vale aqui recorrer, sobre a importância da análise de redes para o estudo das relações de classe, a Pizarro, citado por Minella (2013MINELLA, A. C. Análise de redes sociais, classes sociais e marxismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28 n. 83, p. 185-242, out. 2013., p. 190):

Para a perspectiva reticular [...] a estrutura de relações internas das classes ou frações de classe é o objeto privilegiado de estudo. Um pressuposto comum, embora às vezes implícito, das aproximações reticulares é, precisamente, que a exigência mesma de uma estrutura interna constitui o principal fator que determina a comunidade de interesses ou, se preferir os processos de coalizão de atores e a origem dos sujeitos coletivos na ação social.

Sem dúvida, este representa um enorme e, portanto, coletivo esforço de investigação e refinamento analítico. De um lado, a estrutura de rede dos grupos econômicos permite reconhecer o que, na literatura de análise de redes sociais, se denomina “atributos estruturais de influência”. Ou seja, a possibilidade de se identificar clusters ou agrupamentos, mais ou menos coesos e homogêneos, assim como, os chamados “atores de ligação” (hubs), que possuiriam um maior grau de centralidade e, portanto, de poder no interior da rede proprietária (Marques, 2006MARQUES, E. Redes Sociais e Poder no Estado Brasileiro: aprendizados a partir das políticas urbanas. Revista Brasileira de Ciências Sociais: Anpocs. São Paulo, v. 21, n. 60, p. 15-41, fev. 2006.; Nunes, 2014NUNES, Rodrigo Organization of the Organizationless: collective action after networks. Lüneburg: Post-Media Lab & Post Books, 2014.). De outro, desde uma perspectiva da sociologia econômica, as relações internas às redes podem também se traduzir em vínculos sociais (familiares, étnicos, religiosos, regionais) e morais, responsáveis por conferir um significado normativo e extra-econômico (ideológico) à própria ação econômica (Granovetter, 2005GRANOVETTER, M. Business Groups and Social Organization. In: SMELSER, N. J.; SWEDBERG, R. (org.). The Handbook of Economic Sociology. New York: Princeton University Press, 2005.).

Nesses termos, resta aí um campo de reflexão e estudo sobre o papel das atuais estruturas organizativas da propriedade capitalistas sob o domínio financeiro na difusão e no domínio cultural, ideológico. A proliferação das mídias digitais, muitas delas sob o controle de grandes corporações, representa um espaço privilegiado, até pelo acesso a informações pessoais de usuários da web, de disseminação e reprodução de valores que buscam justificar a ordem capitalista contemporânea, centradas no “empreendedorismo”, na “meritocracia”, na “gestão de riscos” e na “educação financeira”.11 11 As cincos maiores bigtechs (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) tem como seus dois principais controladores, os dois maiores fundos de investimento do mundo: Vanguard Group Inc. e Blackrock Inc, controladores também da Netflix (ver em https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/como-big-money-moldou-as-big-techs/). No levantamento bibliográfico sobre financeirização realizado por Palludeto e Felipini (2019)PALLUDETO, A. W. A.; FELIPINI, A. R. Panorama da literatura sobre a financeirização (1992-2017): uma abordagem bibliométrica. Revista Economia e Sociedade, v. 28, n. 2(66), p. 313-337, 2019., os autores destacam estudos em língua inglesa sobre o impacto da financeirização na vida cotidiana e na forma pela qual a cultura passa a ser permeada pelas finanças. Tal vertente discute como as finanças, por meio do endividamento, modificam o comportamento cotidiano; com normas, práticas, rotinas e o vocabulário próprios do sistema financeiro condicionando a sociabilidade do indivíduo contemporâneo.

Ao mesmo tempo, o alcance político de certos aparelhos privados de hegemonia parece depender do quanto se apresentam como expressão de tais redes transcorporativas, ou ainda de agrupamentos que centralizam o poder no interior de uma dada rede. A título de exemplo, tomemos a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), aparelho privado das principais instituições financeiras com atuação no mercado, conforme consta do portal eletrônico da instituição: “falamos em nome de instituições como bancos, gestoras, corretoras, distribuidoras e administradoras” (ANBIMA, [20--]). A Anbima atua na defesa dos interesses do setor, difundindo valores e propostas no campo da (des)regulação financeira. A considerar pelo seu corpo diretivo, composto pelos maiores bancos e gestores de fundos de investimento, poderíamos arriscar dizer que a Anbima é a expressão institucional da própria rede transcorporativa das instituições do mercado financeiro no Brasil.12 12 Sobre a atuação de um setor oligopolista no Brasil por meio de aparelhos privados de hegemonia e também diretamente na relação com a sociedade política, ver o importante trabalho de Campos (2014) sobre as empreiteiras e suas associações de classe durante a “ditadura empresarial-militar” (1964-88) no País.

Com efeito, a Anbima possui convênios com a CVM, agência executiva do Estado responsável por regular a bolsa de valores (B3 – ex-Bovespa), por meio dos quais realiza a “autorregulação” do mercado financeiro, inclusive na certificação de quem pode operar no mercado. Nesse caso, mais do que um “aparelho privado”, a Anbima se transveste de “aparelho governamental coercitivo”, ou seja, de parte integrante da própria sociedade política. Em recente artigo no jornal Valor, o superintendente-geral da Anbima, José Carlos Doherty (2018)DOHERTY, José Carlos. Autorregulação tem desafio de ultrapassar novas fronteiras. 2018. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias/autorregulacao-tem-desafio-de-ultrapassar-novas-fronteiras.htm
https://www.anbima.com.br/pt_br/noticias...
, louvava os “20 anos de autorregulação” e o fato de termos “o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos”. Talvez esse poder no interior da sociedade política se ancore, exatamente, na constatação de que a Anbima se constitui, propriamente, na face institucional da rede de instituições financeiras.

Por outra parte, a XP Investimentos, uma das maiores gestoras de fundos de investimento do país, cujo maior acionista é o grupo Itaú e também associada à Anbima, realiza diretamente ações de propaganda e difusão de ideias nas mídias sociais e na organização de atividades públicas com o alto escalão da gestão econômica do País (EM “LIVE”..., 2020). A XP possui, inclusive, como estratégia de propaganda, o financiamento de “influenciadores digitais”, na difusão de valores e propostas em torno do empreendedorismo e da educação financeira da população, visando a captura da poupança privada.13 13 Ver em https://www.infomoney.com.br/patrocinados/xp-investimentos/xp-e-grupo-primo-revelam-metodo-que-formou-os-maiores-influenciadores-de-financas/.

O papel organizativo da “rede transcorporativa” fica também evidente no caso de processos de oligopolização, cartelização de mercados. Ocorre aqui como se processasse a uma autorregulação de fato, mas não de direito, pois, nesse caso, a legislação brasileira simplesmente não possui instrumentos normativos capazes de regular e estabelecer limites. Isso pode se verificar no caso do Conselho de Administração do Direito Econômico (CADE), que não está instrumentalizado a mapear a existência de posições compartilhadas entre grupos, para efeito do julgamento de “atos de concentração” (ONTO, 2017ONTO, G. G. O agente econômico e suas relações: identificando concorrentes na política antitruste. Tempo Social, v. 29, n. 1, p. 109-130, abr. 2017.). A legislação também se mostra bastante silente no que se refere à existência de conselhos de administração entrelaçados, que também atuariam contrariamente ao direito econômico (Carbonai, 2017CARBONAI, D. Os interlocking no mercado brasileiro de capitais: uma hipótese sobre as relações entre setores econômicos. In: CONGRESSO ALACIP, 11., 2017, Montevidéo. Anais... Montevidéo: [s. n.], 2017.).14 14 “Contudo, a mera presença de interlocking não configura conduta anticompetitiva: conforme a Lei 12.529 de 2011 seria necessário demonstrar o intuito do administrador de múltiplas empresas de ‘promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes (art. 36)’” (Carbonai, 2017, p. 3).

O entendimento sobre a atuação dos grupos econômicos, das “redes transcorporativas” em relação à sociedade política e ao Estado stricto sensu, está também exige uma releitura de importantes categorias analíticas sobre formas de incidência e conexão da burguesia com órgãos e agentes públicos. Leituras como a de “anéis burocráticos”, “portas giratórias”, financiamento de campanhas e lobbies precisam ser também consideradas e requalificadas à luz da atuação em rede dos grupos econômicos.15 15 Sobre as diferentes formas de incidência ver Cardoso, 1975; Dias, 2015; Lazzarini, 2011; e Seligman e Melo, 2018. Uma das leituras recentes que contribuem para qualificar a compreensão da atuação em rede intraclasse é o já mencionado “interlocking directorates” (ver Carbonai, 2017). Ou seja, tais formas se referem a uma atuação direta da burguesia em relação aos aparelhos de Estado, porém tais formas ganham novos sentidos e alcance desde uma perspectiva de redes.

Como se vê, a perspectiva aqui é apenas a de levantar alguns apontamentos sobre as características da propriedade capitalista no atual regime financeiro da acumulação, bem como sobre desafios analíticos e de pesquisa impostos por tais características ao entendimento das formas contemporâneas da dominação burguesa. É fato de que se trata de um tema vasto e controverso, também pela sua relativa novidade. Para efeito de uma maior aproximação sobre uma das dimensões aqui tratadas, na sequência discutiremos em que medida, tomando o caso do grupo Odebrecht, os grupos econômicos podem ser pensados como “aparelhos privados de hegemonia” nos termos de Gramsci.

ESTUDO DE CASO, A ODEBRECHT: CAPITAL MONOPOLISTA E APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA

Conforme vimos, com o processo de desenvolvimento do capitalismo, as estruturas corporativas atingem condições cada vez mais complexas e com elevado grau de organização e diferenciação de funções. Assim, grandes grupos econômicos desenvolvem uma arquitetura institucional interna com intensa capacidade para atuação em distintas frentes, seja junto à sociedade política ou em relação à sociedade civil. Em especial, as empresas que são alçadas à condição de representantes do capital monopolista expressam um potencial para atuação mais ampla e significativa junto ao Estado restrito como em relação à sociedade, incluindo segmentos sociais organizados, imprensa, partidos políticos etc.

Por capital monopolista, não estamos nos aferrando à sua conceituação microeconômica, ou melhor, como um exclusivo vendedor em um determinado mercado, o que se referiria ao monopólio puro. Estamos nos arvorando na reflexão estabelecida dentro do materialismo histórico, que diz respeito a uma escala de organização e porte mais elevada do capital, inclusive na qual esse assume o que eram antes diferentes funções do capital (portador de juros, funcionante, comercial etc.). Assim, Paul Baran e Paul Sweezy avançaram bem na definição da categoria analítica ‘capital monopolista’:

Em todo este livro, exceto onde o contexto indique claramente que assim não é, usamos a palavra “monopólio” para nos referirmos não só ao caso de um vendedor único de uma mercadoria para a qual não há substitutos, mas também ao caso muito mais comum de “oligopólio”, isto é, uns poucos vendedores dominando os mercados para produtos que se substituem uns aos outros de forma mais ou menos satisfatória (Baran; Sweezy, 1966BARAN, P.; SWEEZY, P. O Capitalismo Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar, 1966., p. 16).

Dessa forma, historicamente o chamado capital monopolista se expressou mais na forma econômica de oligopólio. Trazendo um exemplo, as famosas sete irmãs – Standard Oil of New Jersey, Standard Oil of New York, Standard Oil of California, Gulf, Texaco, BP e Shell –, as empresas privadas norte-americanas e europeias que dominavam o mercado mundial de petróleo no período do pós-II Guerra Mundial, antes da onda de nacionalizações que percorreu o mundo desde os anos 1950, podem ser consideradas por seu porte, capacidade organizativa e poder econômico e político como representantes do capital monopolista, apesar de atuarem enquanto um oligopólio no mercado mundial do petróleo (Camargo, 2020CAMARGO NETO, S. T. Guerra por Recursos: a relação entre a política energética dos Estados Unidos e a descoberta do pré-sal no Brasil. 2020. 106 f. Dissertação (Mestrado em Economia Política Internacional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.).

Quanto ao aparelho privado de hegemonia, trata-se, como já mencionado, de um conceito desenvolvido por Gramsci em seus textos de prisão relacionado a outras categorias utilizadas por ele em sua obra, como hegemonia, sociedade civil e partido. De acordo com o próprio autor, a noção pode ser apreendida da seguinte forma:

Numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo, e não formal. Nesta multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo – natural e contratual ou voluntário –, uma ou mais prevalecem relativamente ou absolutamente, constituindo o aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da população (ou sociedade civil), base do Estado compreendido estritamente como aparelho governamental-coercivo. (Gramsci, 2000GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3., p. 253)

Dessa forma, o aparelho privado de hegemonia é uma forma de organização social com marca classista que reúne certas pessoas com condição, valores e concepções de mundo aproximadas e que, ao mesmo tempo, desenvolve projetos para atuação hegemônica, ou melhor, em toda a sociedade, pensando o Estado e a organização social como um todo.

É importante frisar que o conceito vem sendo utilizado em numerosas pesquisas desenvolvidas por autores gramscianos. Em nível internacional, a categoria é manuseada por diversos/as autores/as e a International Gramsci Society reúne muitos desses investigadores. Um esforço significativo na definição dos conceitos e no resgate da qualificação das categorias mencionadas por Gramsci em sua obra foi a organização do “Dicionário Gramsciano” (Liguori; Voza, 2017LIGUORI, G.; VOZA, P. (org.). Dicionário Gramsciano. São Paulo: Boitempo, 2017.). Já no Brasil, temos um conjunto bastante significativo de pesquisas que utilizam a categoria e reivindicam a tradição teórica de Gramsci. Esforços notáveis foram feitos por Coutinho (2003), Bianchi (2008)BIANCHI, A. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda, 2008., Dreifuss (1981), Mendonça (1997)MENDONÇA, S. R. de. O Ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997., Fontes (2010)FONTES, V. O Brasil e o capital-imperalismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010., del Roio (2005)ROIO, M. del. Os Prismas de Gramsci: a fórmula política da frente única (1919-1926). São Paulo: Xamã, 2005., Secco (2013)SECCO, L. Retorno a Gramsci. São Paulo: LCTE, 2013. e Casimiro (2018)CASIMIRO, F. A Nova Direita: aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2018., dentre muitos outros. Infelizmente não poderemos aqui dialogar diretamente com eles, nem problematizar ou comentar as contribuições e avanços que esses autores trouxeram para a reflexão teórica e análise empírica e histórica, mas estamos cientes das suas obras e abordagens, levando isso em consideração neste texto.

Dadas essas definições e indicações, postulamos a hipótese de que certos grupos econômicos de escala monopolista podem desenvolver, em dada situação das suas atividades, certas funções e prerrogativas de um aparelho privado de hegemonia, não atuando apenas como uma empresa que opera alguma atividade econômica, explora força de trabalho e almeja o lucro. Assim, apresentamos algumas situações recentes protagonizadas pelo grupo Odebrecht que parecem apontar para referendar tal hipótese.

A empresa possuía um grau de organização e uma escala de poder econômico e político realmente impressionantes antes de sofrer um abalo sistêmico com as ações da operação Lava Jato. Nos documentos vazados para o público em meio aos acordos de colaboração da referida operação, vieram a público alguns áudios gravados por políticos que denunciavam impressões e testemunhos em relação ao elevado poder do grupo econômico. Nesse sentido, o ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sergio Machado, em áudio gravado em um termo de delação premiada, lamentou a prisão de Marcelo Odebrecht, empresário que presidia o grupo, indicando que tinham detido o “dono do Brasil” (Borges, 2016). Antes disso, nos idos da organização da Copa do Mundo Fifa 2014, em meio às dificuldades para a construção e entrega dos estádios usados no torneio em tempo, em uma mesa redonda de debate sobre futebol no canal de televisão fechado ESPN Brasil, um comentarista assim se referiu a um estádio que passava por dificuldades para sua construção e administração: “Entrega logo para a Odebrecht que já é a dona do Brasil mesmo” (Borges, 2014BORGES, Lucas. O legado da Copa: o que será dos 12 estádios usados no Mundial. ESPN Brasil, 15 jul. 2014. Disponível em: http://www.espn.com.br/noticia/425068_o-legado-da-copa-o-que-sera-dos-12-estadios-usados-no-mundial. Acesso em: 6 set. 2020.
http://www.espn.com.br/noticia/425068_o-...
).

Esses dois casos mencionados no parágrafo acima parecem pitorescos, mas soam reveladores de como, em diferentes segmentos da sociedade, a empresa era vista como um grupo econômico com um grau de poder extremamente elevado no país, assim como os seus controladores. Os próximos exemplos avulsos mencionados parecem ainda mais gritantes em relação ao modus operandi da empresa enquanto uma organização política complexa e com intenso poder junto às agências do aparelho de Estado.

Durante os governos Lula, a Odebrecht se envolveu em um intenso conflito empresarial. A empresa realizou os estudos acerca das usinas hidrelétricas do rio Madeira – Santo Antônio e Jirau. O governo petista apontava para a retomada das obras das grandes centrais hidrelétricas, consoante o crescimento econômico razoável do período, com elevação de demanda de energia elétrica e com proximidade do momento em que o tratado de Itaipu completaria 50 anos – em 2023 – e iria caducar, fazendo com que o Paraguai passasse a ter direito a uso integral de metade da eletricidade gerada pela usina, responsável por aproximadamente 10% do fornecimento de energia elétrica ao Brasil. A Odebrecht dava como certa a vitória nos dois leilões das usinas, cada uma delas com aproximadamente 3.000 megawatts de potência. No entanto, após a vitória da concorrência para a construção e gestão de uma delas, a de Santo Antônio, em um consórcio formado junto com a construtora Andrade Gutierrez, a Odebrecht perdeu a licitação para a construção de Jirau para a Camargo Corrêa, que vinha associada ao grupo francês Suez. Deu-se, a partir de então, um duro embate entre as construtoras, dado que a Odebrecht alegava ter se sentido lesada no leilão, pela mudança do local da usina no projeto formado pelo consórcio rival que levou Jirau, e passou a usar a imprensa e seu poder no governo e no parlamento para tentar reverter o resultado, sem êxito. Em um desses momentos, foi publicada a seguinte nota na coluna de política de Elimar Franco, no jornal O Globo: “Jirau: Derrotada na licitação para a usina de Jirau, a empreiteira Norberto Odebrecht mobiliza sua bancada na Câmara para levar o presidente da Aneel, Jerson Kelman, e a ministra Dilma Rousseff a depor na Comissão de Minas e Energia” (Nota “Jirau”..., 2008, p. 2, grifo nosso).

A referência a uma bancada legislativa da Odebrecht na Câmara dos Deputados parece ser indicativa do elevado poder político do grupo econômico, que tinha a capacidade de mobilizar os deputados e senadores financiados e afinados com a empresa para atuar conforme os interesses do conglomerado. A intensa atuação da empreiteira no processo de financiamento eleitoral acabava tendo um peso significativo na consolidação do seu poder parlamentar nas legislaturas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

O poder político da Odebrecht foi apontado em outros momentos, não só por agentes externos ao grupo econômico, conforme vimos até agora, os próprios donos da empresa admitiam um capital político de destaque. Assim, em entrevista concedida pelo ex-presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, à Folha de São Paulo, nas famosas entrevistas do jornal publicadas às segundas-feiras, este assim se referiu à decisão política de rompimento da parceria com o governo cubano no âmbito do programa Mais Médicos no final de 2018: “Se a gente fosse a Odebrecht de antes da Lava Jato, no momento em que a gente percebesse que o governo está ameaçando o Mais Médicos, nós teríamos usado de nossa influência para tentar manter o programa. Não em cima de nada ilícito, mas provando ao governo que o Mais Médicos é que iria pagar o financiamento que Cuba pegou do Brasil”. (Entrevista Lula..., 2019)

Nesse caso, o dono do conglomerado admitiu que possuía, antes da operação Lava Jato, um grau de poder que permitia ao grupo econômico pressionar, limitar e pautar determinadas políticas públicas. Em uma leitura mais formalista e mecânica, tal prerrogativa, em perspectiva gramsciana, recairia basicamente aos aparelhos privados de hegemonia, como igrejas, partidos políticos, organizações empresariais etc. Não há, na obra de Gramsci, uma referência a grupos econômicos que desempenham essa sorte de funções, o que não deve ser motivo de crítica ao autor, dado que, naquele momento de desenvolvimento do capitalismo, tal dinâmica talvez não fosse tão flagrante ou significativa. E está claro que a organização empresarial em nível coletivo é bastante relevante, de modo que o autor sardo ajudou bastante a compreender as formas como se exerce a política nas sociedades capitalistas avançadas e como se realiza a dominação em sociedades com grau de consciência de classe mais maduro.

Outro exemplo que gostaríamos de trazer a título de motivação acerca do papel político exercido pelo grupo econômico Odebrecht não decorre de uma notícia pública ou matéria na imprensa, mas de um estudo acadêmico altamente competente e minucioso. Marcos Bezerra, antropólogo e professor de Sociologia da UFF, realizou estudos seminais sobre a temática da “corrupção”, tomando como análise de caso justamente a atuação da empreiteira Odebrecht. Após desenvolver sua premiada dissertação de mestrado sobre o tema, devidamente publicada na forma de livro e reeditada recentemente (2018), o autor redigiu um artigo em revista científica no qual traz um tratamento bastante cuidadoso acerca de relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a atuação da construtora no processo de tramitação do orçamento público. Cruzando com outras fontes de informação, Bezerra (2018)BEZERRA, M. O. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2018. identificou um trabalho legislativo extremamente sofisticado exercido pela empreiteira. Uma prática mantida pela Odebrecht era a de enviar presentes para políticos, secretárias, chefes de gabinete de mandatos parlamentares, diretores de estatais, ministros, prefeitos, governadores e agentes públicos em nível municipal, estadual e federal, no âmbito do Executivo e do Legislativo. Os presentes eram modulados conforme a relevância e escala de poder do agente que recebia. Além disso, o artigo aponta como a empresa desenvolvia uma atuação altamente meticulosa no processo de tramitação do orçamento federal, elaborando propostas de emendas parlamentares – que incluíam obras públicas de variável porte –, apresentando esses projetos aos legisladores, solicitando a sua inclusão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), agindo na comissão de análise da LDO, atuando junto ao relator da lei, na sua votação em plenário e no empenho de recursos por parte do poder Executivo para viabilizar a emenda. Por todo esse processo, a empreiteira oferecia recursos para financiamento eleitoral e outras facilidades aos agentes com os quais ela operava. Marcos Bezerra notou no texto que, muitas vezes, a empreiteira participava diretamente da elaboração de documentos públicos, demonstrando uma organização e expertise acerca da coisa pública superior à dos parlamentares, em especial os que estavam em primeiro mandato. Por conta disso, Bezerra conclui que não é concebível pensar uma separação do público com o privado e que empresas como a Odebrecht atuam em um processo de produção do Estado (Bezerra, 2017).

Esse caso parece bem revelador do alto grau de organização do grupo econômico, não só com vistas à atuação nas obras de engenharia, mas na área direta de interesse da empresa, qual seja a atuação junto ao aparelho de Estado, com vistas à apropriação do fundo público, fonte principal de recursos que alimenta as atividades de um grupo como o Odebrecht, tendo em vista a sua ação enquanto empreiteira e outras prerrogativas econômicas assumidas pelo conglomerado, que, em geral são associadas às ações estatais.

No recente livro publicado pela jornalista Malu Gaspar, é revelado todo um conjunto de ações da empreiteira que mostra a facilidade e a experiência dos dirigentes do grupo econômico para atuar junto ao aparelho de Estado e suas agências. A partir de depoimentos colhidos pela autora, muitos deles em off e usando também os termos de colaboração dos dirigentes da holding com a justiça, a reportagem mostra como a Odebrecht chegava a elaborar projetos de lei e propostas de medidas provisórias. Assim, dentre muitas revelações interessantes sobre a história da empresa, sua atuação no exterior e movimentação junto a certos agentes políticos, a jornalista, em certo momento da obra, aborda o interesse do grupo sobre a lei anticorrupção, aprovada no governo Rousseff. Gaspar afirma que o “governo já tinha pronta uma medida provisória regulamentando a lei anticorrupção. Mas a MP não estava ao gosto da Odebrecht. [...] Era preciso mudar a redação – e Emílio já tinha pronta uma nota com as mudanças as serem feitas” (Gaspar, 2020, p. 416). Logo em seguida, a autora indica que “[e]m 18 de dezembro, às vésperas do recesso parlamentar, numa solenidade pública com a presença de ministros e empresários, Dilma assinou a medida provisória exatamente na forma pedida pela Odebrecht” (Gaspar, 2020GASPAR, M. A Organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 417). O episódio é um dos vários relatados pela autora em seu livro que parecem revelar o significativo poder político de que a empreiteira dispunha junto ao aparelho de Estado brasileiro, a ponto de o grupo ter a capacidade de pressionar e influenciar os termos da aprovação de textos legais conforme os seus interesses. O caso parece indicar o peso particular que o capital monopolista desfruta sobre o funcionamento e a dinâmica do Estado.

Outro estudo, realizado por Nelma Gusmão de Oliveira (2012)OLIVEIRA, N. G. O Poder dos Jogos e os Jogos do Poder: os interesses em campo na produção de uma cidade para o espetáculo. 2012. 308 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., mostra como a mesma Odebrecht teve participação na elaboração do projeto do edital da parceria público-privada prevista na licitação do “Porto Maravilha” pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro. A empreiteira venceu a concorrência, associada à construtora OAS e à Carioca Engenharia, passando a gerir uma série de serviços públicos e explorar o terreno de uma vasta região da zona portuária da cidade do Rio. O caso reforça a tese do grupo econômico atuando enquanto um ator político relevante, em forma similar ao que Gramsci e os autores gramscianos associam às práticas dos aparelhos privados de hegemonia.

Se formos realizar uma aplicação mais formalista e restrita do aparato teórico-conceitual gramsciano, teremos dificuldade para enquadrar e compreender a ação individual do grupo Odebrecht em relação à sociedade política sem cair em uma leitura externa à noção de Estado integral, com a manipulação de conceitos de origem liberal, como lobbying e outros. Entendemos que a pesquisa mais fértil e profícua é justamente aquela que faz rever os pressupostos teóricos e conceituais constituídos, instigando adaptações, questionamentos e dúvidas em relação às categorias mais cristalizadas em um determinado campo e matriz analítica. A boa investigação não necessariamente irá comprovar os axiomas teóricos fundamentais, asseverando certas hipóteses de perfil teórico já pré-estabelecidas. Ela pode levar a rever e a atualizar certas premissas, tendo em vista o próprio caráter metamórfico da realidade e a alta capacidade renovadora típica da natureza do sistema capitalista.

Nesse sentido, pensando o caso concreto analisado, a impressão que é sugerida com essas situações apontadas é que – grosso modo – um grupo econômico como o Odebrecht ou de outras grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, não precisa, no limite, das suas entidades setoriais ou representações classistas. Literalmente falando, um conglomerado como o Odebrecht não carece do Sinicon (Sindicato Nacional da Construção Pesada) ou da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) para ter acesso ao Estado restrito ou para atuar junto à imprensa, aos partidos políticos, ao parlamento etc. No seu terreno específico, a Odebrecht é mais poderosa do que o Sinicon e, em certa medida, pode figurar mais relevante e impactante mesmo do que a própria Fiesp e a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Esse processo não parece algo restrito ao segmento da construção pesada. Poderíamos indicar o mesmo, por exemplo, em relação ao grupo Globo / Marinho e sua relação com a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais). O poder das organizações Globo parece ser flagrantemente mais relevante do que o dessas entidades coletivas das empresas e veículos de mídia.

Tal hipótese não exclui ou mitiga a importância, mesmo prática, das organizações empresariais. Pelo contrário, as mesmas expressam o elevado grau de consciência de classe da burguesia brasileira e de suas frações específicas. Além disso, empiricamente, notamos que empresas de grande porte como a Odebrecht não ignoravam ou minimizavam a importância das suas entidades orgânicas. Ao contrário, a Odebrecht está presente em associações como o Sinicon, a Fiesp, a Abdib (Associação Brasileira da Indústria Pesada) etc. No caso da organização específica das empreiteiras, o Sinicon, dentre outras funções e prerrogativas, assumia a condição de espécie de cartel das construtoras nacionais brasileiras. Uma de suas ações residia na divisão de obras entre as firmas associadas, com combinação de resultados em concorrências e outras formas de acertos. Além de haver documentos reveladores de tal papel datados da década de 1980 (Informe Sinicon, 1984), recentes documentos que vieram a público com as investigações da operação Lava Jato confirmam tal forma de operação (E-mails..., 2016).

Tal constatação se coaduna com a compreensão de Claus Offe acerca das características e necessidades de organização das classes dominantes e das classes subalternas. O autor assinala que a demanda de organização para atuação potente na arena da luta de classes é muito mais candente no que tange às classes populares. Já a burguesia, com o poder econômico que ela mobiliza, não carece tanto de associação para fazer frente aos trabalhadores e às trabalhadoras. Isso é ainda mais factível quando se trata de um grupo econômico em um padrão de acumulação de porte monopolista, com uma estrutura e capacidade organizativa que permite que ele tenha franco acesso às agências do poder estatal, como os mecanismos de mediação e forças organizadas da sociedade civil (OFFE, 1984).

O grupo Odebrecht não nasceu monopolista. Ele se tornou um grupo de grande porte através de um processo histórico complexo que levou em consideração políticas estatais voltadas para as atividades econômicas em que atuava originalmente o grupo; inserção política da família na classe dominante baiana e brasileira; contatos e conexões dos Odebrecht e dirigentes do grupo com figuras políticas de destaque, em especial no período da ditadura, dentre outros fatores. A família Odebrecht é originária da Pomerânea e desembarcou no Brasil em meados do século XIX, em Santa Catarina (Castro, 1994CASTRO, M. W. de. Missão na Selva: Emil Odebrecht (1835-1912), um prussiano no Brasil. Rio de Janeiro: AC&M, 1994.). Os descendentes se espalharam pelo país, e Emílio Odebrecht viu sua empresa de engenharia falir em Recife durante a Segunda Guerra Mundial. Seu filho, Norberto Odebrecht, engenheiro formado na Escola Politécnica em Pernambuco, fundou a construtora com o seu nome em 1944, em Salvador. Até hoje, a família Odebrecht mantém o controle sobre o grupo econômico. Para tal, eles utilizam o domínio que possuem sobre uma holding que é a Kieppe Patrimonial, de porte dos integrantes da família (Tygel, 2013TYGEL, A. F. et al. Renda ou poder? Os verdadeiros donos do capital brasileiro relevados pelo ranking dos proprietários do Brasil. Jornal dos Economistas, n. 283, p. 7-9, 2013.).

A construtora Norberto Odebrecht cresceu nos seus primeiros anos e décadas, realizando pequenas obras na Bahia e no Nordeste. Assim como outras construtoras nordestinas, a empresa teve sua trajetória associada às autarquias federais que atuavam na região, demandando serviços de infraestrutura, como a Petrobrás, o Banco do Nordeste (BNB), a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o Departamento Nacional de Obas Contra a Seca (Dnocs) e a Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco (Chesf). Até o final da década de 1960, a empreiteira tinha suas ações restritas à região Nordeste. Ao contrário das maiores construtoras mineiras, paulistas e cariocas, a Odebrecht não participou das obras de Brasília e das grandes rodovias realizadas no período Kubitschek (Dantas, 2007DANTAS, R. M. de A. Odebrecht: a caminho da longevidade sustentável? 2007. 285 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,Rio de Janeiro: 2007.).

A realidade da empresa mudou durante a ditadura quando ela conheceu uma ascensão meteórica após assumir duas obras de grande porte reconhecidas como de segurança nacional: a construção do super-aeroporto internacional do Galeão no Rio de Janeiro e das usinas termonucleares de Angra dos Reis. Essas duas obras correspondiam a projetos estratégicos da ditadura, relacionados aos planos militares de desenvolvimento de uma política nuclear e reequipamento das forças armadas. A empresa gozava de reputação e confiabilidade nos altos círculos militares por conta de sua intensa atuação na Petrobrás, empresa historicamente controlada por diretorias com grande quantidade de militares. Assim, foi durante a gestão de Ernesto Geisel à frente da presidência da Petrobrás, ao longo do governo Médici, que a Odebrecht conseguiu o seu primeiro contrato de obra fora do Nordeste, a construção do edifício-sede da estatal brasileira de petróleo no Rio de Janeiro, mais precisamente na Avenida Chile. Com a aquisição desses novos contratos no início da década de 70, a empresa saltou da 19ª posição entre as maiores empresas brasileiras de engenharia para a 3ª posição em apenas dois anos, apenas de 1971 a 1973 (O Empreiteiro, 1972, 1974).

Além da obtenção de contratos de obras vultosas, a empresa cresceu por outros caminhos, através do processo de centralização de capital vigente no setor ao final da ditadura. Isso se expressou na forma de uma série de fusões e aquisições, levando à redução do número de companhias que atuavam no mercado da construção pesada no Brasil, que passou a assumir uma forma cada vez mais oligopolizada. Assim, a Odebrecht se fundiu, em 1980, com a empreiteira paulista Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), uma das maiores construtoras do país, sendo ela uma das cinco empresas brasileiras de engenharia responsáveis pelas obras civis da usina hidrelétrica de Itaipu, a maior obra do Brasil feita durante a ditadura (O EMPREITEIRO, 1980). Com esse movimento, a Odebrecht fincava de vez os pés no Sudeste, passando a ter uma sede em São Paulo. Além disso, em 1986, a empreiteira de origem baiana adquiriu a Tenenge, maior empresa brasileira de montagem industrial, que atuava especialmente na fabricação de plataformas de petróleo (O Empreiteiro, 1986). Com isso, a Odebrecht reforçava sua atuação nesse segmento, que representava uma das especialidades da construtora.

Um movimento que a empresa fez e que começou na ditadura foi a diversificação das atividades. O grupo Odebrecht hoje é um conglomerado econômico que não tem como principal área de atividade a engenharia e construção, origem do grupo. O principal ramo econômico no qual atua a holding Odebrecht é a petroquímica, já que o grupo é o controlador da Braskem, maior empresa brasileira do ramo e oitava maior do setor no mundo. A ramificação das atividades em direção a esse segmento se explica pela inserção e proximidade da empreiteira com a Petrobrás. A Odebrecht foi obtendo seus ativos no setor através de compras e privatizações, até formar a Braskem no início dos anos 2000. No entanto, o grupo Odebrecht atua ainda na concessão de estádios, aeroportos, linhas de trens urbanos, fornecimento de água e esgotos, gestão de rodovias, construção e incorporação de imóveis urbanos, agropecuária, produção de etanol, dentre outros projetos. No balanço de 2006 do grupo publicado no jornal O Globo, é possível perceber o grau de conglomeração e superação do nicho de atividades original da empresa. Assim, de acordo com os dados divulgados no ano citado, 30,89% da receita bruta do grupo Odebrecht foi oriunda do setor de engenharia e construção, ao passo que 68,85% do faturamento da holding era decorrente de química e petroquímica. Assim, não se pode mais falar que a Odebrecht era prioritariamente uma empreiteira, mas sim um conglomerado econômico que havia transbordado o segmento inicial de atuação do grupo (E-mails..., 2006). Trata-se de um grande conglomerado que desenvolve negócios em diversos segmentos, sendo que vários ativos e concessões foram dissolvidas ou passadas adiante com os desdobramentos da operação Lava Jato (Campos, 2014CAMPOS, P. H. P. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Eduff, 2014.).

Outro processo encetado pela empresa no final da ditadura diz respeito à sua internacionalização. Desde 1979, a companhia adquiriu contratos para realização de obras no Peru e no Chile e, desde então, ela tem atuado crescentemente no exterior, com destaque para os países da América do Sul, África – em especial os países lusófonos – e mesmo Europa e Estados Unidos. A empresa passou a figurar como a maior multinacional brasileira da engenharia nos anos 90, superando as empresas que cumpriram antes essa condição, a Mendes Júnior e a Andrade Gutierrez. Ao total, a empresa acumulou já mais de 500 contratos realizados fora do Brasil, atuando em mais de 20 países e chegando a dispor de 80% das receitas da construtora obtidas fora do país (Fundação Dom Cabral, 2014FUNDAÇÃO DOM CABRAL. Ranking FDC das Multinacionais Brasileiras: 2014. Belo Horizonte: FDC, 2014.).

Por fim, a empresa, apesar de ter sentido um processo de significativa ascensão durante a ditadura, conseguiu realizar um processo de adaptação e transição para o novo regime político inaugurado com a Constituição de 1988. Assim, atuando mais intensamente no processo eleitoral, nos partidos políticos e no Legislativo, a companhia manteve o seu poder, malgrado os “escândalos de corrupção” que a atingiram periodicamente desde a redemocratização até o golpe final da Lava Jato. Mesmo com a queda da quantidade de obras na década de 1990, o conglomerado aproveitou o período para obter ativos privatizados e ampliar as suas atividades no exterior. Já nos anos 2000, ascendeu com a relativa retomada dos investimentos e novas ondas de concessões públicas realizadas nos segmentos de estádios de futebol, rodovias e aeroportos.

Além do envolvimento com casos de corrupção, cabe ressaltar a relação do grupo com diversos episódios, a acusação de alta exploração da força de trabalho e os seguidos casos de acidentes de trabalho envolvendo operários, muitas vezes de forma letal. Assim, o setor da construção civil como um todo liderou as estatísticas de acidentes laborais durante a ditadura, que tornaram o Brasil Um recordista internacional nesse quesito (Silva, 2019SILVA, A. B. R. B. Corpos para o Capital: acidentes de trabalho, prevencionismo e reabilitação profissional durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Jundiaí: Paco, 2019.). A Odebrecht esteve envolvida em diversos acidentes, vários letais, nesse período, mas também em período recente, como nas mortes de operários nos estádios construídos para a Copa do Mundo Fifa 2014. A empresa também é alvo de indenização na maior denúncia de uso de trabalho escravo da história do país (Odebrecht..., 2019).

A empresa estava em seu auge quando foi deflagrada a operação Lava Jato, chegando a constar como sexta maior construtora do mundo. Entre 2015 e 2019, a quantidade do pessoal direto empregado pelo grupo reduziu de 274 mil para apenas 48 mil pessoas. Com R$ 98 bilhões de dívidas acumuladas, o grupo abriu recentemente processo de falência (VALOR, 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolvemos, ao longo deste artigo, a hipótese de que certos grupos econômicos alçados ao patamar de expoentes do capital monopolista, dada a sua estrutura administrativa e organizacional, em meio ao processo de desenvolvimento e concentração do capitalismo, assumem formas e requisitos dos aparelhos privados de hegemonia, tal qual se referiu Antonio Gramsci (2000)GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3., galgando funções e prerrogativas de um ator político relevante no ambiente público. Usamos como exemplo o grupo Odebrecht, que teve uma ascensão associada à apropriação do fundo público e desenvolve uma atuação política muito ativa e consistente. Através de alguns exemplos mencionados, verificamos como o grupo econômico se colocou enquanto um agente político capaz de pressionar e buscar determinar e pautar políticas públicas favoráveis aos interesses dos proprietários e sócios do conglomerado. Como se viu, a empresa possuía uma intensa atuação no Legislativo, no financiamento de campanhas eleitorais, junto às agências do poder Executivo e em diferentes níveis do aparelho de Estado no Brasil.

As pesquisas desenvolvidas pelos autores gramscianos brasileiros conseguiram estabelecer uma rica radiografia da sociedade civil brasileira, identificando e analisando especificamente as organizações da classe dominante, conforme foram estruturadas ao longo dos séculos XIX e XX. No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo no Brasil a partir da segunda metade do século XX, além da presença do grande capital multinacional, verificamos o advento do capital monopolista de base nacional e controle nativo (Mantega; Moraes, 1991MANTEGA, G.; MORAES, M. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.). Esses grandes grupos – típicos do capital monopolista, presentes em setores como a indústria de base, a construção pesada, as comunicações e o setor bancário – passaram a exercer, a partir da sua própria estrutura organizativa, movimentos e funções que parecem ser típicos do que Gramsci (2000)GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere: Maquiavel: Notas sobre o Estado e a Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. v. 3. identificou nos aparelhos privados de hegemonia. Entendemos que os episódios mencionados neste artigo acerca das ações do grupo Odebrecht vão justamente nessa direção.

A proposta aqui não é afirmar definitivamente a flexibilização e inovação quanto ao conceito de aparelho privado de hegemonia ou as diferentes funções e prerrogativas assumidas pelo capital em seu grau de acumulação de nível monopolista, mas lançar o debate e provocar com ideias as reflexões dos colegas e outros/as autores/as no sentido de contribuir e tentar avançar no processo de compreensão das novas feições e roupagens assumidas pelo capitalismo contemporâneo. Sem ter qualquer pretensão no sentido de ter desvelado um segredo ou novidade fundamental da dinâmica atual do capital, buscamos proceder um singelo aporte no debate no sentido de tentar atualizar e adaptar as categorias às novas condições específicas do sistema econômico e social vigente hoje. Pensamos que o próprio caso Odebrecht e seus descaminhos, com seu processo de intensa e veloz devastação após a operação Lava Jato – sugerindo um processo de conflito intercapitalista ou enquadramento por parte dos capitais e potências imperialistas mais poderosas e centrais – indicam a necessidade de revisão e atualização das nossas noções e visões de modo a dar conta da complexidade da realidade do capitalismo no momento atual.

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  • 1
    A presença de grupos econômicos no Brasil já é constatada no início dos anos 1960, conforme o pioneiro estudo de Maurício Vinhas de Queiroz (1965)QUEIROZ, M. V. de. Grupos Econômicos no Brasil. Revista do Instituto de Ciências Sociais, v. 2, n. 1, 1965., que mapeou os grupos bilionários e multibilionários no país, com destaque para a forte presença de grupos estrangeiros, notadamente americanos.
  • 2
    Agradecemos aos alunos de graduação e pós-graduação do Grupo de Pesquisa ECOPOL/NELUTAS da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), pela interlocução sobre as questões aqui tratadas, eximindo-os, porém, da responsabilidade dos eventuais desacertos.
  • 3
    Para um levantamento bibliográfico da produção em língua inglesa sobre a financeirização, ver Palludeto e Felipini (2019)PALLUDETO, A. W. A.; FELIPINI, A. R. Panorama da literatura sobre a financeirização (1992-2017): uma abordagem bibliométrica. Revista Economia e Sociedade, v. 28, n. 2(66), p. 313-337, 2019.. Os autores constatam uma produção acadêmica tímida de apenas 25 publicações sobre o tema em 2008, quando ocorre um rápido crescimento com o número de publicações chegando a 326, em 2017.
  • 4
    Para uma discussão mais aprofundada relativa às origens do domínio financeiro sobre o sistema capitalista, ver Braga (1997)BRAGA, J. C. de S. Financeirização global: o padrão sistêmico da riqueza do capitalismo. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. da C. (org). Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 195-242.; Belluzzo (1997)BELLUZZO, L. G. Dinheiro e as transfigurações da riqueza. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. da C. (org.). Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. São Paulo: Vozes, 1997. p. 151-193.; Chesnais (1997; 2005); e Streeck (2018)STREECK, W. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. São Paulo: Boitempo, 2018..
  • 5
    Como afirma Bottomore (1983, p. 50), “tal identificação (com o capital bancário) significa que formas de articulação entre o capital de financiamento e o capital industrial que não estão compreendidas nos laços entre os bancos e empresas ficam excluídas da análise teórica (e de boa parte da investigação empírica), embora o conceito de capital financeiro pretenda ser mais geral”.
  • 6
    Sobre a financeirização das políticas sociais, ver Lavinas; Gentil (2018)LAVINAS, L.; GENTIL, D. L. Brasil anos 2000: a política social sob a regência da financeirização. Novos Estudos Cebrap, v. 37, n. 2, p. 191-211, maio-ago. 2018..
  • 7
    Sobre os fundos de investimento, ver importante trabalho de Roberto Moraes Pessanha, “A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo” de 2019.
  • 8
    Segundo Lazzarini (2011)LAZZARINI, S. G. Capitalismo de Laços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., somente de 2004 a 2009 foram 115 empresas que abriram capital na Bolsa de Valores.
  • 9
    Outro fator que tem contribuído para o crescimento das aplicações em renda variável, particularmente em fundos de investimento em ações e imobiliário, deve-se ao fato de que as aplicações em renda fixa, especialmente nos títulos públicos, perdem atratividade com a atual queda na taxa básica de juros (Selic).
  • 10
    A pesquisa identificou que o vice-presidente de finanças da Caixa tinha assento no conselho de administração da BRK.
  • 11
    As cincos maiores bigtechs (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) tem como seus dois principais controladores, os dois maiores fundos de investimento do mundo: Vanguard Group Inc. e Blackrock Inc, controladores também da Netflix (ver em https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/como-big-money-moldou-as-big-techs/).
  • 12
    Sobre a atuação de um setor oligopolista no Brasil por meio de aparelhos privados de hegemonia e também diretamente na relação com a sociedade política, ver o importante trabalho de Campos (2014)CAMPOS, P. H. P. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Eduff, 2014. sobre as empreiteiras e suas associações de classe durante a “ditadura empresarial-militar” (1964-88) no País.
  • 13
  • 14
    “Contudo, a mera presença de interlocking não configura conduta anticompetitiva: conforme a Lei 12.529 de 2011 seria necessário demonstrar o intuito do administrador de múltiplas empresas de ‘promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes (art. 36)’” (Carbonai, 2017CARBONAI, D. Os interlocking no mercado brasileiro de capitais: uma hipótese sobre as relações entre setores econômicos. In: CONGRESSO ALACIP, 11., 2017, Montevidéo. Anais... Montevidéo: [s. n.], 2017., p. 3).
  • 15
    Sobre as diferentes formas de incidência ver Cardoso, 1975CARDOSO, F. H. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.; Dias, 2015DIAS, A. C. et al. The Revolving Door: Evidence from the United Kingdom, Germany, France, Spain, Belgium, Greece and Brazil. Working Papers: Lisbon School of Economics and Management, Lisboa, p. 1-14, 2015.; Lazzarini, 2011LAZZARINI, S. G. Capitalismo de Laços. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.; e Seligman e Melo, 2018. Uma das leituras recentes que contribuem para qualificar a compreensão da atuação em rede intraclasse é o já mencionado “interlocking directorates” (ver Carbonai, 2017CARBONAI, D. Os interlocking no mercado brasileiro de capitais: uma hipótese sobre as relações entre setores econômicos. In: CONGRESSO ALACIP, 11., 2017, Montevidéo. Anais... Montevidéo: [s. n.], 2017.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2021
  • Aceito
    05 Jun 2023
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