Acessibilidade / Reportar erro

BRASIL, MAJOR POWER

TRINKUNAS, Harold. Brazil’s rise. : seeking influence on global governance. 2014. Brookings Institution, Washington: 310p.

Após a intensa euforia suscitada pelo “efeito Lula” na sedução do meio internacional, a propósito do Brasil, começam a surgir reflexões mais verdadeiramente sopesadas e consequentes com relação ao lugar do país nesse disperso momento contemporâneo do após socialismo real, após o 11 de setembro 2001 e após a crise financeira de 2008. Brasil’s rise: seeking influence on global governance de Harold Trinkunas – diretor do Latin America Initiative in the Foreign Policy da Brookings Institution – contribui, decididamente, nesse sentido. Compacto na forma e denso no conteúdo, o texto de Trinkunas, dividido em seis partes, somadas a longa introdução e longa conclusão, publicado pelo principal think tank do mundo, que é a Brookings Institution, com sede nos Estados Unidos, reconhece que, na transição de poder do presidente Lula à presidente Dilma, o Brasil era tido como uma voz a ser ouvida no meio internacional e que, passados quatro anos, às vésperas de sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016, todo tipo de hesitação e inquietude, toda conta das análises nacionais e internacionais acerca do país. Mas, em sua avaliação, nem tudo está perdido. As possibilidades são diversas. Resta à sociedade brasileira tomar posição e decidir se continua emerging ou rising power ou se ascende à condição major power. Para chegar à condição de major power, o Brasil, pelo seu prisma, deveria seguir quatro direções. A primeira vai no sentido de ampliar a sua capacidade de contribuir às operações de manutenção de paz (international peacekeeping), tendo como base o padrão de liderança e atuação operacional executado no Haiti. A segunda indica a necessidade de melhoria na participação financeira brasileira na gestão de assuntos humanitários – o Brasil é a sétima economia do mundo e o 63º contribuinte internacional à área. A terceira e a quarta estão vinculadas à reconsideração da relação brasileira com seus vizinhos (near abroad) e com os países centrais (established powers) entre eles, os Estados Unidos. Essas direções e sugestões estão ancoradas numa leitura muito sofisticada do avanço histórico do sistema internacional desde as vésperas da primeira grande guerra mundial levando em conta toda a inserção do Brasil nesse processo. Mesclando teorias tradicionais e outras mais recentes, Trinkunas acaba por lançar elementos para possíveis aproximações à compreensão dos mecanismos de ascensão e queda de potências nesse limiar de século 21. Assim, segundo ele, a demografia, o território e o sucesso econômico são importantes, mas não efetivamente decisivos para a transição de um emerging ou rising para major power. Major power, em verdade, atém maior escala e densidade de abrangência no mundo. E, por isso, acaba sendo, na impressão do autor, reconhecido pelo seu papel na determinação do sistema internacional. O caminho para essa distinção impõe dispersos embaraços e constrangimentos. O uso de hard military and economic power para convencer aos demais talvez seja o principal deles após o imperativo nuclear. O Brasil não dispõe e, seguramente, também por isso, resiste ao emprego de hard power como mecanismo de afirmação no meio internacional. Mas a história e a geografia da tessitura do presente tornaram esses mecanismos diversos e complexos. Aos amantes de esquemas teóricos vigentes nas Relações Internacionais, como é o caso de Trinkunas, neorealista confesso, foi ficando progressivamente diminuta a hipótese de revolucionar o sistema internacional, como fizeram os franceses no século 18 e os russos no século 20. Assim, sobram ambições, apenas, de sua reforma e revisão. Reformas de poder estilo as americanas nos pós guerras com o presidente Wilson e o presidente Roosevelt vêm se revelando remotas, mas não impossíveis. Como seguem, absolutamente plausíveis e desejáveis, as propostas de revisão do sistema internacional com vista a participação de novos membros. Para Trinkunas, a dinâmica internacional brasileira segue historicamente aninhada nessa aspiração de revisar e reformar o sistema internacional a partir de sua capacidade de atração e convencimento por outros meios que não o hard. Desde muito antes do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, o país possui a consciência de sua condição de líder natural da América do Sul. Assíduo e competente interlocutor internacional desde fins do século 19, foi espontânea a sua aproximação aos Estados Unidos no início do século 20, quando os europeus, seus parceiros tradicionais, se viram envoltos em demandas internas restritivas. Confiante e altivo na discussão do destino do mundo após a primeira guerra mundial, o Brasil mostrou sua constância ao sair sem remorsos do arranjo League of Nations, quando teve inutilizadas suas demandas de modificação da ordem mundial. Por razões similares, modificou a qualidade de suas relações com os Estados Unidos quando percebeu certa “ingratitude” americana após a segunda guerra mundial. Sobretudo quando se fez evidente que sua nascente indústria de base fora perversamente feita dependente de tecnologia e assistência militar e econômica americana. A estratégia brasileira diante disso foi estender sua solidariedade aos pequenos e novos países emergidos da descolonização na África e na Ásia. A resposta americana veio com o apoio massivo ao golpe militar de 1964. O reverso brasileiro adveio com o desenvolvimento de seu aparato nuclear, com apoio alemão, e sua consequente não ratificação do tratado americano de não-proliferação nuclear. No mesmo diapasão, o fim dos trinta anos de crescimento glorioso nos países centrais coincidiu com o “milagre brasileiro” e permitiu ao Brasil adentrar, ainda mais eficazmente, nos novos clubes e blocos, estilo Mercosul, BRICs, IBAS, BASIC. A redemocratização, a partir de 1985, permitiu serenar a relação com a Argentina, o que conduziu à afirmação do projeto de integração regional da América do Sul. Tendo o México centrado seus interesses ao Norte, a partir da consolidação do acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, restou ao Brasil a condição de liderança absoluta na região. A afirmação dessa condição regional coincidiu com a estabilização política e econômica do país durante os governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). E, ainda, com o momento internacional de multiplicação de “emerging powers” (p. 12) nos rastros do desaparecimento do socialismo real e da quimera do mundo unipolar. A tranquilidade regional e a tendência ao multilateralismo da governança mundial conferem ao Brasil as condicionantes imprescindíveis para o avanço de sua peregrinação rumo ao tão ansiado major power ao longo dos primeiros lustros do século 21. O contexto econômico internacional favoreceu as commodities brasileiras e alçou o país à sétima economia do mundo ao longo dos governos do presidente Lula. Suas vantagens comparativas lançaram-lhe em situação de proa na discussão da reforma e revisão dos organismos mundiais saídos da segunda guerra mundial. A demanda de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas foi ficando mais consequente a partir da demonstração de seu competente savoir faire no comando da missão de paz no Haiti desde 2004. Sua relevância no bojo do grupo dos emergentes envoltos em IBAS, BRICS, G77 e etc. tornou incontornável a centralidade de seu lugar no G20 e nos primeiros momentos de gestão da crise financeira de 2008. O destacado papel de sua diplomacia nas rodadas de negociação de assuntos globais referentes a comércio, clima, saúde, direitos humanos consolidou a sua condição de global player incontestável. O governo da presidente Dilma Rous- seff, avança o autor, depreciou sobremodo essa condição. As instabilidades políticas domésticas, materializadas em protestos populares, não raro violentos, vêm se somando a acentuado descrédito internacional, advindo de manobras controversas como as referentes aos dossiês sírio, líbio, iraniano e, porque não, ucraniano, para ficar apenas em alguns. Mesmo assim, nem tudo está perdido. Do contrário, o país está em momento decisivo, ao raciocínio de Trinkunas, para deliberar se avança sua marcha rumo ao major ou se continua entre os emergings. Mesmo que cuidadosamente meditado e solidamente apresentado, o argumento e as sugestões de Trinkunas podem ser amplamente contestados em muito de suas premissas teóricas e empíricas. Suas provocações e ironias induzem diversas reações. Nem sempre as mais positivas e agradáveis. Não fica evidente a diferença entre emerging e rising powers. Seria uma escala de hierarquia de atores internacionais? Em se tratando do Brasil, que realmente quer dizer? Major power, ou seja, atores determinadores do meio internacional, deve ser o destino final de todos os membros do sistema internacional? Essas e outras questões poderiam abrir imensas discussões Trinkunas. Mas, enfim, o texto fora produzido para o público americano e tem por objetivo evidente apresentar uma ideia de Brasil aos mesmos. Entretanto, lido por brasileiros, sua essência pode servir de combate a certa malaise ambiente com relação ao destino do Brasil. Para o bem e seu contrário, Trinkunas repõe de modo oportuno e inteligente a eterna e indigesta questão brasileira que é saber se o Brasil tem jeito e tem futuro. E, na mesma sintonia, sugere, de modo incisivo, a resposta do conhecimento de todos, a saber: sim, temos jeito e temos futuro; mas depende da determinação de todos nós.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos Estrada de São Lázaro, 197 - Federação, 40.210-730 Salvador, Bahia Brasil, Tel.: (55 71) 3283-5857, Fax: (55 71) 3283-5851 - Salvador - BA - Brazil
E-mail: revcrh@ufba.br