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O espaço da negritude e o reverso da africanidade: crítica sobre as relações raciais contemporâneas

Blackness and reverse africanness: a critique of contemporary race relations

L'espace de la négritude et le revers de l'africanité: critiques à propos des relations raciales contemporaines

Resumos

O presente trabalho discute as dimensões sociais que parecem estar adquirindo o espaço da negritude e a experiência negra na atualidade. Devido a uma série de transformações políticas, sociais e culturais, parte-se da ideia de que os afrodescendentes expandiram os cenários de suas interações, suscitando modificações na forma como constroem suas identificações sociais. Jovens negros, por exemplo, protagonizam um processo de individualização e diferenciação social que contribui para desestabilizar identificações culturais ancoradas nas já clássicas noções de africanidade e comunidade. Nesse sentido, realiza-se uma crítica sobre as formas que adquirem as relações raciais contemporâneas, supondo que os marcos referenciais clássicos de constituição do espaço da negritude não parecem continuar correspondendo ao que, de fato, está sendo vivido por muitos afrodescendentes hoje.

Espaço da negritude; Relações raciais; Africanidade; Afrodescendentes; Racismo


This article discusses the social dimensions which blackness and the black experience seem to be acquiring in our current days. Due to a series of political, social and cultural transformations, there has arisen the idea that African Brazilians have expanded their scenario of interactions, leading to changes in the way that they construct their social identifications. Black youths, for instance, are protagonists in a process of individualization and social differentiation which helps destabilize cultural identifications anchored in classical notions of Africanness and community. In this regard, this is a critique of the shape that contemporary race relations have taken, supposing that the classical referential markers which constitute blackness no longer seem to be legitimatizing what is really being experienced by many African Brazilians today.

Blackness; Race relations; Africanness; African Brazilians; Racism


Ce travail présente les dimensions sociales que l'espace de la négritude semble être en train d'occuper ainsi que l'expérience noire dans l'actualité. Etant donné toute une série de transformations politiques, sociales et culturelles, nous partons de l'idée selon laquelle les afro-descendants ont amplifié les scénarios de leurs interactions, suscitant des changements dans leur manière de construire leurs identifications sociales. De jeunes Noirs, par exemple, sont à la tête d'un processus d'individualisation et de différenciation sociale qui contribue à déstabiliser les identifications culturelles ancrées dans les notions classiques d'africanité et de communauté. C'est dans ce sens qu'une critique des configurations des relations sociales contemporaines est faite, en partant du principe que les points de repère classiques de constitution de l'espace de la négritude ne semblent pas continuer à légitimer ce qui est, de fait, vécu actuellement par de nombreux afro-descendants.

Espace de la négritude; Relations raciales; Africanité; Afro-descendants; Racisme


ARTIGOS

L'espace de la négritude et le revers de l'africanité: critiques à propos des relations raciales contemporaines

Carlos A. Gadea

Pós-doutorado no Center for Latin American Studies na University of Miami. Doutor em Sociologia Política. Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista de Produtividade do CNPq. Av. Unisinos, 950. Cristo Rei. Cep: 93022-000. São Leopoldo - Rio Grande do Sul - Brasil. cgadea@unisinos.br

RESUMO

O presente trabalho discute as dimensões sociais que parecem estar adquirindo o espaço da negritude e a experiência negra na atualidade. Devido a uma série de transformações políticas, sociais e culturais, parte-se da ideia de que os afrodescendentes expandiram os cenários de suas interações, suscitando modificações na forma como constroem suas identificações sociais. Jovens negros, por exemplo, protagonizam um processo de individualização e diferenciação social que contribui para desestabilizar identificações culturais ancoradas nas já clássicas noções de africanidade e comunidade. Nesse sentido, realiza-se uma crítica sobre as formas que adquirem as relações raciais contemporâneas, supondo que os marcos referenciais clássicos de constituição do espaço da negritude não parecem continuar correspondendo ao que, de fato, está sendo vivido por muitos afrodescendentes hoje.

Palavras-chave: Espaço da negritude. Relações raciais. Africanidade. Afrodescendentes. Racismo.

ABSTRACT

This article discusses the social dimensions which blackness and the black experience seem to be acquiring in our current days. Due to a series of political, social and cultural transformations, there has arisen the idea that African Brazilians have expanded their scenario of interactions, leading to changes in the way that they construct their social identifications. Black youths, for instance, are protagonists in a process of individualization and social differentiation which helps destabilize cultural identifications anchored in classical notions of Africanness and community. In this regard, this is a critique of the shape that contemporary race relations have taken, supposing that the classical referential markers which constitute blackness no longer seem to be legitimatizing what is really being experienced by many African Brazilians today.

Key words: Blackness. Race relations. Africanness. African Brazilians. Racism.

RÉSUMÉ

Ce travail présente les dimensions sociales que l'espace de la négritude semble être en train d'occuper ainsi que l'expérience noire dans l'actualité. Etant donné toute une série de transformations politiques, sociales et culturelles, nous partons de l'idée selon laquelle les afro-descendants ont amplifié les scénarios de leurs interactions, suscitant des changements dans leur manière de construire leurs identifications sociales. De jeunes Noirs, par exemple, sont à la tête d'un processus d'individualisation et de différenciation sociale qui contribue à déstabiliser les identifications culturelles ancrées dans les notions classiques d'africanité et de communauté. C'est dans ce sens qu'une critique des configurations des relations sociales contemporaines est faite, en partant du principe que les points de repère classiques de constitution de l'espace de la négritude ne semblent pas continuer à légitimer ce qui est, de fait, vécu actuellement par de nombreux afro-descendants.

Mots-clés: Espace de la négritude. Relations raciales. Africanité. Afro-descendants. Racisme.

[...] la diferenciación e individualización

aflojan el lazo social que nos une

a los que están más inmediatos,

pero en cambio crean un vínculo nuevo

- real o ideal - con los más alejados.

Georg Simmel.

INTRODUÇÃO

A identificação racial resulta de uma atribuição realizada pelos próprios indivíduos ao inserirem-se numa específica relação na qual se veem apelados a definir "marcas" como sinônimo de distinções ou fronteiras grupais. Assim, a manifestação de certas práticas dependerá da situação e dos interesses individuais ou grupais em cena. Nesse esquema interpretativo, o objetivo é o de refletir acerca das características que parecem assumir, na atualidade, as relações raciais, procurando contemplar a possibilidade de que certas dinâmicas sociais possam sugerir algumas mudanças significativas nas próprias dinâmicas discriminatórias e racistas, no antirracismo e, fundamentalmente, no que aqui se tem denominado espaço da negritude.

A hipótese de trabalho se nutre de uma simples apreciação: o indivíduo autopercebido situacional-mente como negro parece ter ingressado num novo "sistema de coordenadas", de forma tal, que toda nova interação social e suas correlatas relações de poder, toda nova filiação social e "grupo de pertença" determina que se reconsiderem os atuais espaços do racismo e do antirracismo, bem como, de maneira fundamental, o espaço da negritude. A identificação com "o negro", numa heterogênea população de diversas afiliações grupais, parece estar pautada por duas questões básicas: por um lado, pela "indiferença" crescente, entre muitos jovens, ao discurso da Africanidade como apelativo para a elaboração identitária e política, reduzindo-o a uma narrativa que só parece colaborar em momentos pontuais de projeção política concreta e de "marcação grupal" em situações de um conflito social que "reclama" a sua estratégica emergência; e, por outro lado, pela constatação de que são as diferentes situações de conflito vivenciadas por cada indivíduo as constitutivas fundamentais da autopercepção e do "reconhecimento" como indivíduo negro, constituindo-se em referentes importantes e tornando o espaço da negritude um "evento relacional" de diversas dimensões. Como os indivíduos negros contemporâneos navegam em sistemas classificatórios raciais diversos, dependentes das "fronteiras de significados": linhas de cor, contextos sociais e lugares de residência, linguísticos e culturais? De que maneira a "ampliação dos círculos sociais" (Simmel, 1977 [1908]) entre a população negra do Brasil desenha novas dinâmicas de sociabilidade e, em consequência, elabora um espaço da negritude transformado?

Responder acerca dos contornos atuais do que representa esse espaço de identificação racial, social, cultural e individual é o desafio lançado nas reflexões a seguir. Para isso, apela-se, como simples exemplo empírico, a pesquisas e observações realizadas no Parque da Redenção da cidade de Porto Alegre com jovens negros, que são referências incipientes das mudanças nas sociabilidades entre um significativo número de jovens do país. Assim mesmo, necessário será introduzir, na discussão, o sentido e o significado do que se entende por negritude, suas alterações semânticas e sentidos atribuídos na atualidade. Também será preciso realizar uma reflexão crítica em relação ao discurso da africanidade como sinônimo de carga identitária inquestionável para o espaço da negritude. Por último, interessa desenvolver uma crítica aos modelos de sociabilidade que, aparentemente, têm dado sustento e legitimidade à "pertença racial": a comunidade, o movimento social e a narrativa de uma memória coletiva politicamente ativa sob os signos da africanidade.

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Os estudos culturais e sociais recentes têm sido protagonistas de uma série de interessantes discussões em torno de temas como o racismo e o antirracismo, as identidades coletivas e as diferenças culturais. Seus repertórios analíticos e implicações teóricas manifestaram inegáveis conexões com problemas políticos e culturais concretos, relacionados, frequentemente, com as chamadas políticas de reconhecimento, o multiculturalismo e a democracia. No geral, as formas de interpretação do racismo em sociedades particulares têm sido o centro das atenções, assim como a análise e a descrição de diferentes estratégias político-culturais impulsionadas para poder "superar" práticas sociais discriminatórias. A transcendência dessas discussões se mostrou indiscutível. Não obstante, parece não terem sido contemplados, com clareza, diagnósticos que permitissem considerar uma diversidade de transformações socioculturais na atualidade. Tudo parecia ter-se limitado a gestos que, simplesmente, evidenciaram uma série de batalhas discursivas em demasia abstratas.

Talvez seja a ausência de uma espécie de impressionismo sociológico uma dessas principais limitações, um olhar atento sobre a realidade, ao que, de fato, está sendo vivido. Por isso, o interesse por reavaliar a presumível problemática do racismo e do antirracismo revela um objetivo mais desafiador: compreender a forma como se está reelaborando o espaço da negritude ou a experiência negra entre os afrodescendentes na atualidade. Ao tentar compreender em que medida o cenário das desigualdades, dos preconceitos e das discriminações raciais, enraizadas historicamente na vida social, têm efetivamente adquirido novos contornos, pergunta-se em que sentido se faz possível considerar que se assiste a uma redefinição das formas e das relações raciais contemporâneas ao sugerir-se certa "superação" do uso de categorias sociológicas vinculadas a noções próprias de uma "sociedade racializada".

Isso, em absoluto, não significa negar ou relativizar a existência de "sentimentos de superioridade" baseados em relações sociais de dominação, assim como da existência de "estratégias de inferiorização" ligadas à afirmação de desigualdades sociais. Fora isso, o que, de certa forma, está em debate é uma reconsideração das noções de racismo e de antirracismo como construções culturalmente surgidas de situações de conflito que cada vez se apresentam mais diversificadas. Por isso, são insuficientes, ou simplesmente parciais, aquelas explicações centradas no privilegio da variável econômica ou racial para compreender as múltiplas lógicas de discriminação social. Se alguns dos debates clássicos destacam a eventual formalização de relações sociais sob o signo da "raça" e a consequente institucionalização do racismo como prática social, o que atualmente parece estar em jogo é um processo de individualização e diferenciação social (Simmel, 1977 [1908]) que estaria contribuindo para a desestabilização de um espaço da negritude elaborado a partir de uma estratégia política (e pedagógica) associada a uma já clássica noção de Africanidade.1 1 Compreende-se por africanidade um espaço de elaboração discursiva e política que pretende sintetizar a pertença coletiva de um grupo humano a uma comunidade presumivelmente fundamentada em determinadas especificidades históricas e culturais referenciadas no continente africano. Trata-se, ao mesmo tempo, de um gesto pedagógico e de "técnica de subjetivação" que estabelece o resgate de uma origem africana comum entre a população negra, chave para o reconhecimento intragrupal e valorização cultural particular. Politicamente, trata-se de um projeto de contraidentidade ou de identidade de resistência, consequente com o projeto histórico da modernidade, que questiona a aparente superioridade moral do modelo eurocêntrico de uma historia universal. O termo foi discutido sob diferentes óticas, por exemplo, em Asante (2009), Finch III, Charles S.; Nascimento, E. (2009), Moore (2010) e Wade (1997).

Isso tem suas vinculações, em grande medida, com a constatação de que aquele período de uma "política negra" associada à "política da luta comunitária" parece ter ingressado em uma profunda recessão (Hall, 2003), sem que isso se traduza na falsa ideia de uma suposta deflação militante das ações coletivas motivada por esses processos de individualização e diferenciação social. Trata-se de contemplar a possibilidade de que certas dinâmicas sociais atuais estejam a sugerir algumas mudanças significativas nas próprias dinâmicas discriminatórias e racistas, no antirracismo e, fundamentalmente, no espaço da negritude. Pense-se, por exemplo, e com referência ao Brasil, nas interações sociais surgidas (e as consequentes) do contato com as novas políticas sociais que estão sendo implementadas com relação à redução da pobreza e ao combate ao racismo, assim como nas discussões que se originam como consequência dos conflitos sociais suscitados por ter-se levado adiante políticas de affirmatives action ou programas de inclusão social em universidades públicas. Pense-se, também, nas interações cotidianas que pressupõem a existência de regras sociais e um marco jurídico de criminalização de práticas discriminatórias e, inclusive, naquelas que se traduzem na visibilidade comunicacional dos afrodescendentes nos meios. Também, obviamente, nos renovados desafios na elaboração de estratégias de sobrevivência material e simbólica que, na atualidade, muitos afrodescendentes empreendem em situações de contínua segregação socioespacial. É com referência a isso que, justamente, torna-se possível visualizar que muitos afrodescendentes parecem estar expandindo os cenários de interações e as redes de comunicação sociais, dando lugar a certas modificações no contexto que em realizam as suas escolhas, elaboram os seus projetos e constroem suas identificações sociais. Dessa maneira, afirma-se, seguindo uma linha de pensamento simmeliano, que o indivíduo afrodescendente "sairia reforçado" desse contato com a diversidade e a multiplicidade de interações sociais e, longe de considerar que uma eventual fragmentação das experiências conduza a uma perda ou dissolução de seus supostos "grupos de pertença" e de sua própria individualidade, essa multiplicação de experiências e afiliações a grupos reforça, paradoxalmente, o caráter propriamente individual de sua vivência como afrodescendente. Pareceria que tal determinação individual conduz a visões plurais do mundo social vivido, ao ser a construção individual sempre um olhar particular sobre o mundo (Simmel, 1977 [1908]). Assim, o afrodescendente parece ter ingressado num novo "sistema de coordenadas", de forma tal que toda nova interação social e suas correlativas relações de poder, toda nova afiliação social e "grupo de pertença" o determina suficientemente como para que se reconsiderem os espaços do racismo e do antirracismo, assim como, de forma fundamental, o espaço da negritude.

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No Brasil, por exemplo, a problemática apresentada pelo afrodescendente se tem consolidado a partir da constatação de que a denominada "democracia racial" deu sustento ideológico e político à inexistência de "barreiras de cor" e de segregações raciais na configuração da moderna nação brasileira. Como já havia observado Florestan Fernandes (1972), os setores favorecidos economicamente pela dinamização do desenvolvimento capitalista iam dar as costas ao drama humano dos descendentes dos ex-escravos e ignorariam as implicações negativas da falta de integração da sociedade nacional no âmbito das relações raciais. Sendo assim, tanto a tonalidade da pele quanto outras formas figuradas de linguagem "naturalizaram" grandes desigualdades sociais e legitimaram práticas discriminatórias que, aos poucos, foram comprometendo a autoimagem brasileira de democracia racial (Guimarães, 2005, p.40).

Não obstante, a partir dos anos 50, e no âmbito da Frente Negro Brasileira, foi possível, por exemplo, uma articulação mobilizatória que colocava o racismo como problemática iniludível na discussão sobre a cultura nacional. A suposta "discriminação racial" nos diferentes espaços de sociabilidade provocou estratégias que veiculariam uma "valorização do legado afro-brasileiro" e uma ênfase na importância desse grupo populacional na formação econômica e cultural do país. Sem dúvida, este gesto pareceria contestar o chamado "racismo científico", muito presente e divulgado como doutrina ou ideologia em fins do século XIX e começos do XX, segundo o qual existiriam raças cujas características biológicas ou físicas corresponderiam a capacidades psicológicas e intelectuais, simultaneamente coletivas e válidas para cada indivíduo (Wieviorka, 2006, p. 167). Assim, pode-se afirmar, como primeira constatação, que esses primeiros "movimentos antirracistas" iniciados nos anos 50, assim como o denominado "racismo científico", enquadravam-se em situações de conflito surgidas de lógicas sociais de discriminação baseadas numa série de preceitos ideológicos herdeiros do positivismo filosófico e do evolucionismo social, baluartes do projeto da modernidade brasileira. De todas as maneiras, as primeiras mobilizações também pareciam criticar a série de mecanismos institucionais que permitiriam manter os afro-brasileiros em situação de inferioridade social, sem que se tornasse necessário que os preconceitos racistas se manifestassem, e sem ser necessária uma ideologia racista para legitimar a exclusão e a discriminação.

Posteriormente, no contexto dos movimentos pela democratização política surge, em fins dos anos 70, o Movimento Negro Unificado. Esse movimento procuraria dar uma nova perspectiva ao tratamento das desigualdades raciais no Brasil, muitas vezes amparado em estudos que demonstravam o caráter racista da desigualdade social. Para o Movimento Negro Unificado, a constatação do "caráter negro da desigualdade" no Brasil converter-se-ia em fundamento político válido para levar adiante uma luta social que associava demandas culturais com a luta por uma igualdade de oportunidades. De fato, nos anos 80 e 90, o que se desenhava no horizonte das lutas antirracistas no Brasil era uma constatação política de grande peso: que não unicamente os que ocupam os estratos sociais inferiores são fundamentalmente afro-brasileiros, senão que a desigualdade aludida é persistente. Ao se compararem diferentes gerações de brancos e de negros, um branco teria maiores possibilidades de ascensão social que um negro, inclusive quando os pais de ambos apresentam níveis socioeconômicos parecidos (Costa, 2002). Essa constatação, dentre outras, seria a que, fundamentalmente, derrubaria qualquer pretensão por considerar a "democracia racial" o modelo funcional na configuração da moderna nação brasileira. Se o caráter individualista da "ascensão social" era coerente com o projeto da "democracia racial", pode-se observar que as condições de existência da população afro-brasileira não comportaram a "lógica igualitária" pretendida pelo projeto de nação. Enquanto, para alguns, as condições materiais de existência poderiam ser melhoradas num esquema emanado desse projeto de "democracia racial", podendo-se, dessa forma, anular eventuais desigualdades herdadas, pode-se perceber que a negação de uma identidade particular e a desigualdade aludida estão relacionadas a fatores mais subjetivos, próprios da questão racial: o preconceito, o estigma e a impossibilidade de uma construção discursiva própria.

A partir desse diagnóstico, como bem menciona Guimarães (2005, p.51), qualquer análise sobre o racismo no Brasil não poderia negligenciar as particularidades de três grandes processos históricos: primeiramente, as que fazem referência ao processo de formação da nação; em segundo lugar, as que resultam do "intercruzamento" ideológico e discursivo da ideia de "raça" com outros conceitos de hierarquia social (classe, status, gênero); e, por último, as que acompanharam as transformações econômicas, sociais e regionais. Em tese, esses processos históricos estariam confirmando "[...] a diferenciação entre tipos de racismo (que) só pode ser estabelecida através da análise de sua formação histórica particular." (2005, p. 37). Nesse sentido, se a ideia de racismo só existe a partir de uma realidade histórica específica e, dessa maneira, com relação a outras formas sociais existentes, interessa saber quais seriam as "condições concretas" que tornam essa forma de diferenciação social algo socialmente pertinente na atualidade.

O importante a ser destacado é que o racismo, se bem que possa conservar certas características gerais, adquire significação numa determinada prática social histórica e espacialmente contextualizada (Hall, 2003). Isso não quer dizer que preconceitos e atitudes racistas não pareçam depender, de forma direita, da existência prévia de uma ideologia ou doutrina racista, já que um indivíduo "[...] só pode ter cor e ser classificado num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor das pessoas tenha algum significado." (Guimarães, 2005, p.47). Não obstante, presume-se que essa "ideologia" sofre uma mutação e um deslocamento considerável ao se inserir na especificidade histórica dos (e nos) contextos e entornos em que entra em cena. O "local do racismo" estaria determinado por situações de conflito e manifestações de instabilidade constantes, explicando-se como simples "espaço narrativo" usado instrumentalmente por certos grupos sociais ou indivíduos em função de uma suposta posição numa determinada ordem de "relações raciais pré-existentes". Por isso, não é possível, por exemplo, considerar que os "sentimentos de superioridade" racial se produziram durante o regime escravocrata, senão que se deve compreender que esse regime só gerou uma forma particular de racismo.2 2 Apreciação análoga ao que Hall (2003, p.335) afirma: "[...] que tipo de momento é este para se colocar a questão da cultura popular negra? Esses momentos são sempre conjunturais. Eles têm sua especificidade histórica; e embora sempre exibam semelhanças e continuidades com outros momentos, eles nunca são o mesmo momento. E a combinação do que é semelhante com o que é diferente define não somente a especificidade do momento, mas também a especificidade da questão [...]".

Não obstante, o uso sociológico da categoria "raça" se fundiu com as estratégias políticas (e pedagógicas) antirracistas dos movimentos sociais de afro-brasileiros, assim como das diversas organizações sociais e comunitárias que compartilhavam o diagnóstico da existência das desigualdades sociais como causadas, em grande medida, pelas adscrições raciais (Costa, 2006, p.205-210). Essa política da negritude pareceria sustentar-se, de forma geral, na ideia de que, se os próprios "[...] negros consideram que as raças não existem, (acabariam) também por achar que eles não existem integralmente como pessoas, posto que é assim que são, em parte, percebidos e classificados por outros". (Guimarães, 2005, p.67). Quer dizer que o combate ao racismo passou a ser efetivado racializando a sociedade, já que a ideia de "raça" é a que continua a diferenciar e privilegiar as oportunidades de vida das pessoas.

Para os chamados estudos das desigualdades raciais, ou os "estudos raciais" (Costa, 2006), em que desigualdades socioeconômicas podem ser explicadas por variáveis como cor ou "raça", esse gesto analítico teve como objetivo, por um lado, pautar politicamente uma luta contra as segregações e discriminações raciais e, por outro lado, uma luta pela recuperação da autoestima negra, algo que o movimento negro passa a assumir a partir de um "discurso racialista"3 3 "Racialista no sentido de evocar o carisma da raça negra e de visar à formação de uma identidade racial negra" (Guimarães, 2005, p.227). . Ressuscita-se a ideia de "raça" como estratégia de luta contra o mito da "democracia racial", numa atitude que, ao supor racializar a sociedade, acredita na visibilidade deliberada de situações de conflito construídas em torno das desigualdades e discriminações raciais.

AFRICANIDADE E "PERTENÇA RACIAL"

Nesse "uso político" da categoria "raça", num gesto narrativo que parece redefinir a dinâmica cultural e histórica de pertença identitária, argumenta-se que:

Aos poucos, a pessoa pode passar a ter atitudes mais abertas e menos defensivas, voltadas para a valorização das matrizes africanas. O grupo negro torna-se o principal grupo de referência, sendo seu vínculo determinado por qualidades do próprio grupo e, não mais, exclusivamente, por fatores externos a ele. [...] A referência raça e a cultura africana, antes vistas como de pouca importância, tornam-se fundamentais para a vida diária. O afrodescendente passa a sentir-se aceito, com propósito de vida, sentindo-se profundamente enraizado na cultura negra, sem deixar de perceber as condições às quais está submetido num mundo que o vê com preconceito. As matrizes africanas passam a ser efetivamente afirmadas (Ferreira; 2002 p.80, Grifos nossos).

Estas apreciações são sintomáticas de uma narrativa que se constrói com base num exercício de "contato" com uma "África imaginada" trazida como "memória", convertendo-se em instrumento de interpretação e em recurso hermenêutico. É também o resultado de um gesto por "controlar politicamente" um "passado fragmentado", reinterpretando "voluntariamente" supostas "lembranças" que adquirem organicidade ou ordem numa "memória coletiva". Mas qual o sentido dado a "tornar-se negro" a partir das chamadas "matrizes africanas"? E quais seriam os elementos concretos que definiriam "a cultura africana"? Como compreender esse exercício de identificação social em que o espaço da negritude é o aparente resultado de um "corpo político" enraizado numa ideia de africanidade? Enquanto se ensaiam respostas, compreenda-se, de inicio, que a memória pode ser um campo de imprecisões, de perturbações, de "esquecimentos voluntários", um campo de elaboração discursiva de "recursos da cultura", com o simples propósito de outorgar um sentido ao mundo e à experiência social (Montesperelli, 2004).

Não obstante, e de acordo com John French (2002, p. 111), ao se referir ao trabalho de Michel Hanchard, existem limitações claras nos "discursos totalizadores dentro da experiência da diáspora africana", admitindo que uma suposta "[...] esperança em torno de uma afinidade universal e absoluta para e entre povos da diáspora africana tem sido tão ilusória quanto a formação de um proletariado internacional". Por isso, no trabalho de Ferreira (2002), torna-se evidente um "discurso racialista" que se desenhou a partir de "uma identidade" que se supõe "consciente de si mesma" e, assim, projetada no jogo da politização da diferença racial. Num sentido, "a identidade" pareceria preceder qualquer experiência social. Em outro, "a identidade" seria a consequência de uma ação militante em torno das questões próprias do racismo e do antirracismo. Analogamente, Sérgio Costa (2006, p. 208) argumentará que [...] o problema mais óbvio que se manifesta na estratégia racializante dos estudos raciais é naturalmente o sentido instrumental atribuído à identidade, que faz da cultura uma variável dependente da política antirracista e da estética um mero instrumento da política [...]", a partir de considerar que "[...] as referências à 'cultura negra' no Brasil, desde os anos 70, encerram uma farta variedade de sentidos e interpretações, não cabendo reduzir esse universo heterogêneo e plural ao momento de construção racial de um sujeito antirracista [...]". A preocupação para uma análise inspirada nos estudos pós-estruturalistas se manifesta na natureza "essencializante" de um "discurso racialista" que pareceria construir, arbitrariamente, uma identidade cultural sob o destino de uma identidade política que a precederia.

Mas em que consiste essa "estratégia" específica de racialização da sociedade? Sem dúvida, a percepção racializada de si mesmo e do outro passou pela "[...] reconstrução da negritude a partir da rica herança africana - a cultura afro-brasileira do candomblé, da capoeira, dos afoxés, etc. - , mas também da apropriação do legado cultural e político do 'Atlântico Negro'" (Guimarães; 2005, p.61). Um "discurso racialista de autodefesa" dessa característica era o único possível para poder recuperar um sentimento de dignidade abalado e, dessa forma, exercitar um "ressurgimento étnico" amparado na ideia de "uma terra" a ser recuperada através da memória (Guimarães; 2005). Assim, a noção de africanidade se define por um potencial político de dupla direção: por um lado, como narrativa geradora de um "grupo de pertença" e, por outro, como discursividade demarcadora de uma ação política e estratégica a ser empreendida. Os afrodescendentes, dessa forma, estariam em condições práticas de desenvolver estratégias antirracistas, de mapear cenários de conflito social e estabelecer pautas políticas de acordo com seu autorreconhecimento como herdeiros de uma "descendência comum". Esse "pertencimento" tornar-se-ia chave para atuar com referência a outros grupos socialmente existentes.

Outra maneira de compreender esse processo de racialização da sociedade provém da suposta existência de um eventual vínculo entre "a comunidade" e a "pertença racial", sugerindo-se que a categoria "raça" não poderia existir sem se ter consciência dela e, assim, que a própria "pertença comunitária" seria traduzível, de certa forma, em alguns fenômenos históricos que resultaram em processos sociais de "guetização". O "gueto", termo derivado dos estudos da denominada Escola de Chicago (Coulon, 1995), parece ter um significado histórico e um alcance sociológico que, justamente, permitiria compreender alguns dos processos de exclusão social. Loïc Wacquant (2005, 2004, 1996) assim o considerou, ao definir o processo de "guetização" da população afrodescendente como um processo histórico de exclusão pelo critério da raça: o "gueto" é uma formação socioespacial uniforme, delimitada por critérios raciais ou culturais e baseada no afastamento forçado de uma população negativamente tipificada. O "gueto" seria "[...] uma formação étnico-racial que reúne as quatro principais 'formas elementares' de dominação racial - o preconceito, a discriminação, a segregação e a violência excludente." (Wacquant, 1996, p.148). Como é notório, tem sido a herança da sociologia de Chicago o que permitiu a Wacquant sugerir a associação entre um processo de "exclusão social forçado" e o estabelecimento de princípios de organização social que respondem a estratégias singulares de sobrevivência material e simbólica. Quer dizer que a uma profunda segregação socioespacial correspondem princípios ordenadores de uma realidade sociocultural que os próprios afrodescendentes elaboram dentro dos seus enclaves territoriais.

Se o "gueto" é uma forma organizacional elaborada sob o critério racial e uma resposta a uma "segregação estrutural", o afrodescendente se apresenta salvaguardado por uma série de dispositivos institucionais e de solidariedade típicos do "ideal comunitário" (Tönnies, 2002, [1887]). Não obstante, ele foi adquirindo, com o passar das gerações, significados e sentidos muito diferentes. Aquela evidente "âncora de negritude", geradora de um específico espaço da negritude e paradigmática da experiência negra norte-americana pareceu ir tomando novas formas. Por exemplo, o "gueto"4 4 Para os argumentos a seguir, interessa defini-lo como sendo não simplesmente "[...] uma entidade espacial, nem mesmo um mero conjunto de famílias pobres, preso na estrutura inferior da estrutura de classes: é sua qualidade singular de formação racial que dá origem a uma teia de associações materiais e simbólicas entre cor, lugar e uma série de outras características cujo valor social é negativo" (Wacquant, 2005, p.147). passa a adquirir um caráter estigmatizador com relação aos seus integrantes, tratando-se de um fenômeno que conjuga aspectos espaciais e raciais. Assim, os afrodescendentes norte-americanos "[...] acumulam o capital simbólico negativo atribuído à cor e à consignação a um território específico, reservado e interior, ele próprio desvalorizado por ser o repositório dos elementos da classe mais baixa da sociedade e por ser uma reserva racial." (Wacquant, 2005, p.148). O que se pretende afirmar é que um espaço de contenção de valores sociais concretos, como pode ser o "gueto", não comporta as novas dinâmicas individuais e coletivas de acesso a bens tanto materiais quanto simbólicos. Por um lado, apresenta-se uma plausível intolerância subjetiva à própria noção de pertença a um espaço socioespacial considerado "inferior" e denotativo de imobilidade social institucionalizada. Pelo outro, e de forma fundamental, o pertencimento a uma determinada classe social e a adscrição racial já não parecem funcionar como projeto de realização pessoal ou coletiva, continuamente renovado e reconfirmado na vida diária. Se o "coletivismo" foi "[...] a primeira opção de estratégia para aqueles situados na ponta receptora da individualização, mas incapazes de se autoafirmar enquanto indivíduos se limitados a seus próprios recursos individuais" (Bauman, 2001, p. 42), tudo indica que os integrantes daqueles espaços sociais estigmatizados tendem, cada vez mais, a adotar estratégias altamente individualizadas, voltadas para realizações individuais. Dessa maneira, pode-se dizer que, por exemplo, para muitos dos jovens negros dos centros urbanos atuais, o que os distingue é precisamente um processo de individualização5 5 Faz-se referência à "formação da individualidade" segundo Simmel (1977 [1908], p.742-743), segundo o qual a individualidade cresce na medida em que se amplia o círculo social em torno do indivíduo e, ao aumentar a individualização (e, assim, a repulsão dos elementos do grupo) surgirá uma tendência centrífuga que servirá de ponte para outro grupo. e diferenciação social que parece contradizer os espaços típicos de afirmação pessoal e coletiva pré-constituídos.

JOVENS NEGROS NO PARQUE DA REDENÇÃO6 6 Também conhecido como Parque Farroupilha. Trata-se de um espaço público historicamente importante da cidade de Porto Alegre, capital do estado de Rio Grande do Sul. É um conhecido ponto de encontro nos fins de semana, por existir uma feira de artesanato e, em algumas ocasiões, há festivais culturais e uma espontânea infinidade de expressões artísticas. É um espaço de sociabilidade frequentemente escolhido pelos mais jovens.

É um dia de domingo ensolarado. O Parque da Redenção novamente está lotado e sugere, cada vez mais, que se observe uma cena social por demais significativa. É que, além de possuir as qualidades típicas de um espaço coletivo frequentado por um heterogêneo público, inclusive em torno a uma "feira de artesanato", não se pode definir mais como um espaço de sociabilidades onde certos jovens procuram expressar pertencimentos "neotribais" e estéticos. "Skateros", "neo-punkys" e "emos" não fazem parte, sozinhos, da sua geografia espacial e social. Também o estão "ocupando" uma grande quantidade de jovens dos bairros mais populares da cidade, e em cuja expressividade se encontra um significativo componente racial. Nos fins de semana, é inquestionável assistir ao contínuo trânsito de jovens que recordam o movimento que Wacquant (2005, p. 147) descreve sobre aqueles adolescentes das "Banlieues" pobres da cidade de Paris:

[...] vão sempre 'passear' nos distritos mais conceituados da cidade para fugir de seus bairros e para curtir a badalação. Ao atravessar espaços que não apenas simbolizam como também abrigam as classes altas, os suburbanos podem viver por algumas horas uma fantasia de inclusão social e participar, embora desempenhando o papel do outro, da sociedade mais abrangente.

Por isso, para muitos desses jovens vindos dos bairros populares de Porto Alegre, e em particular para aqueles jovens negros, "passear" no Parque da Redenção não é uma simples forma de lazer, mas sim da experiência de certa "dualidade de contextos", de "troca de consciência" (Wacquant, 2005), na qual parecem estimular-se práticas de distanciamento com aquele espaço socioespacial de procedência.

Talvez, de fato, a experiência do afrodescendente nos Estados Unidos ou desses jovens dos subúrbios parisienses tenha suficientes diferenças para tornar inviável basear-se nela para descrever alguns fenômenos sociais e raciais no Brasil. Não obstante, é possível realizar algumas analogias com um simples interesse analítico.7 7 Faço próprias as palavras de Simmel (1977 [1908], p.747) e a sua lição metodológica sugerida: "No se entienda, sin embargo, esto en el sentido de una 'ley natural' sociológica, sino, por decirlo así, como una mera fórmula fenomenológica [...]". Pretende-se considerar, dessa forma, que, se na experiência norte-americana, o "gueto" derivou em "hipergueto" (Wacquant, 1996), por força da quebra dos laços de sociabilidade e dos referenciais institucionais sob a matriz racial, no caso do Brasil (ou melhor, de algumas experiências sociais no heterogêneo Brasil), aqueles espaços da negritude construídos em torno "da comunidade" ou da africanidade também parecem estar sendo modificados a partir de um processo social muito semelhante. Refere-se aqui a um processo de individualização e diferenciação social que esses jovens protagonizam na tarefa por "insurgir-se" contra a situação coletiva em que se encontram e, de alguma maneira, poderem desenvolver estratégias de distanciamento e de "saída". Ante isso, Wacquant afirmaria que esse tipo de atitudes estaria convalidando as "percepções negativas" que se tem arbitrariamente elaborado sobre eles, tratando-se, dessa maneira, de um gesto que se apresenta próprio de ter internalizado os dispositivos de segregação e estigma existentes. Não obstante, pode-se realizar uma interpretação um tanto diferente: que o aparente significado dessa experiência de "dualidade de contextos", para muitos jovens negros, é o de um jogo de reversão das identificações sociais atribuídas como dados inegáveis da realidade. Trata-se de uma atitude que procura, justamente, desconstruir essas identificações e transformá-las em um projeto de responsabilidade e autodeterminação, experiência social ancorada, paradoxalmente, na eventual instabilidade dos marcos individuais de referência. Parafraseando Bauman (2001, p. 42), pode-se dizer que, para esses jovens, "[...] não são fornecidos 'lugares' para a 'reacomodação', e os lugares que podem ser postulados e perseguidos mostram-se frágeis". Por tal motivo, à noção um tanto pessimista de Wacquant perante esse processo de individualização e diferenciação social, opõe-se uma perspectiva sociológica que simplesmente procura compreender o sentido dessas atitudes que levam muitos jovens negros, neste caso, a elaborarem e participarem de "lógicas situacionais" que repercutem na própria percepção sobre uma pertença racial e social que precederia suas próprias experiências sociais.

Por outro lado, e de maneira semelhante, alguns estudos recentes sobre as próprias dinâmicas sociais discriminatórias advertem que o racismo contemporâneo não parece seguir explorando o simples "distanciamento" ou "estranhamento" entre as pessoas, e sim a "proximidade" e o temor dos indivíduos de tornarem-se, presumivelmente, cada vez "mais iguais". Assim o constata Michel Wieviorka (2006), ao afirmar que o suposto "novo racismo" parece constituir-se com base em processos de "diferenciação social", sugerindo que é o próprio temor pela diferença cultural que traz, por consequência, estratégias de segregação, de estigma e de marginalização. Dessa maneira, a discriminação e o racismo contemporâneos se materializam na suspeita de que os indivíduos ou grupos culturais se apresentam cada vez "mais iguais": iguais em direitos, em oportunidades concretas, em circulação e visibilidade, em capacidades discursivas e pressão política. Isso em absoluto supõe o esquecimento eventual de estratégias ainda vigentes de estigmatização e de segregação, da própria presença do racismo na atualidade. Do que se trata é de um racismo que opera com base em específicos contextos e situações sociais, que atua a partir de novas ideologias individualistas e competitivas na sociedade. Um exemplo pode estar no que Andrews (1998) destaca ao estudar as mudanças no mundo do trabalho da população afrodescendente da cidade de São Paulo. Menciona, por exemplo, que a situação de "mais liberdade" gerada pelas mudanças modernizadoras na economia a partir dos anos 50 e 60 levou a uma competição aberta entre a população branca e os afrodescendentes, uma competição de grande intensidade, ao perceberem os primeiros que aqueles espaços por eles definidos a priori como próprios na escala social e laboral estariam agora em visível risco. Em linhas gerais, a ascensão social estaria delimitando novas estratégias racistas e novas reações antirracistas, considerando-se, dessa forma, que é a percepção de vulnerabilidade e os riscos próprios dos espaços sociais atuais uma das fontes do "novo racismo".

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Uma resposta interessante que se pode oferecer às estratégias de racialização da sociedade e às narrativas políticas (e pedagógicas) enraizadas na noção de africanidade provém do viés pós-estruturalista de Stuart Hall (2003), para quem o eixo da polêmica parece estar na maneira de como se deveriam considerar as identidades culturais na atualidade. Numa linha de argumentação próxima a Foucault, Hall lembra que o sujeito é sempre o resultado de "técnicas de produção", significação e dominação que se instituem como discursos e verdades, formas de relações sociais e instituições, evidenciando-se a impossibilidade de pensar o sujeito como algo dado a priori. Por isso, o sujeito é sempre produção e incessante resignificação, sugerindo-se pensar noções como "raça" e racismo como "práticas contextuais", como o resultado de variáveis inerentes às lógicas de poder8 8 Não estaria demais lembrar que, para Foucault (1992), o poder não se materializa, necessariamente, numa instituição ou estrutura socioeconômica, ou se define, simplesmente, como uma "força" com que estão investidas determinadas pessoas: o poder seria o nome dado a uma complexa relação estratégica em uma sociedade dada; significa relações, uma rede mais ou menos organizada, hierarquizada, coordenada. e às condições sociais concretas. Daí que, por exemplo, Hall (2003, p. 345) observe com desconfiança algumas tentativas discursivas em torno de noções como "raça", ao considerar que o

[...] momento essencializante é fraco porque naturaliza e des-historiciza a diferença, confunde o que é histórico e cultural com o que é natural, biológico e genético. No momento em que o significante 'negro' é arrancado de seu encaixe histórico, cultural e político, e é alojado em uma categoria racial biologicamente construída, valorizamos, pela inversão, a própria base do racismo que estamos tentando desconstruir.

Isso parece desenvolver estratégias políticas contraditórias e conflitos intersubjetivos por demais interessantes, como, de certa maneira, assinala Costa (2006, p.213), ao afirmar que

[...] se a reificação ideológica da cultura nacional inclusiva funcionou historicamente no Brasil como instrumento de opressão das diferenças e bálsamo político para a manutenção da ordem social iníqua, o elogio da consciência (racial) pode meramente inverter os termos de uma equação complexa, de sorte a prescrever a todos 'não brancos' uma identidade ideal e um ideário político determinado, como se coubesse à política antirracista restabelecer o suposto elo (sócio)lógico entre corpo negro, a cultura negra e o ativismo político.

Tudo pareceria indicar que tem sido uma estratégia de politização da diferença racial o que estaria delimitando os conteúdos propriamente "raciais" e culturais nos afrodescendentes, "[...] fazendo com que aqueles que não constroem suas identidades com base na polarização entre brancos e negros sejam tratados como portadores de uma consciência racial pouco desenvolvida (Costa, 2006, p. 216). Mais oportuno resulta considerar que esses elementos discursivos e políticos têm pouco para aportar a uma sociologia atenta a mudanças sociais gerais e às formas que as relações sociais e raciais estão passando a adquirir. Sem, obviamente, reduzir o central protagonismo dessas ações em prol da igualdade de condições sociais e o combate ao preconceito e a discriminação, torna-se imprescindível contemplar outras variáveis nos conflitos próprios do racismo e do antirracismo. Como questão de fundo, e tal qual manifesta Hall (2003), o que se apresenta com clareza é o estabelecimento de relações sociais que evidenciam a insuficiência do significante "negro", já que, não necessariamente, um indivíduo pode "esgotar" a sua identidade com base nessa única adscrição. Isso parece dever-se a que nem sempre os indivíduos estão fazendo parte de relações que interpelam esse caráter de identificação cultural específico, pois a dinâmica de seleção de "grupos de referência", entre os diversos grupos a que pertence o indivíduo, se encontra cada vez mais assumindo grande relevância. Por isso, o espaço da negritude não parece reduzir-se, simplesmente, a um "pertencimento racial" (com seus atributos culturais e políticos), senão que se projeta no diverso jogo de relações sociais e formações de grupos de forma constante.9 9 Nesse sentido, o recado de Hall (2003, p.356) parece não ser: "[...] mas é para a diversidade e não para a homogeneidade da experiência negra que devemos dirigir integralmente a nossa atenção criativa agora".

Pergunta-se, então, qual é a importância relativa da categoria "raça" e dos subgrupos dos quais indivíduos afrodescendentes fazem parte? Quais as circunstâncias que predispõem os afrodescendentes, na atualidade, a escolherem como "ponto de referência significativo" indivíduos que não se encontram na "mesma situação" ou "grupo racial"? As respostas não podem evitar a necessidade de relativizar a ideia de que a pertença a determinado grupo social, per se, estaria proporcionando a armação de referência significativa nos indivíduos; ou seja, que o grupo tomado como ponto de referência é invariavelmente o grupo do qual o indivíduo é membro. Esse suposto equívoco conceitual não permitiu visualizar que, por exemplo, o "grupo dos afrodescendentes" não necessariamente se tornaria o principal "grupo de referência" para os indivíduos negros, tal qual o fazem interpretações como as realizadas por Ferreira (2002) e citadas aqui anteriormente. Atualmente, devido a mudanças socioculturais e políticas diversas, devem-se considerar as novas condições sob as quais os grupos dos que "não pertencem" também possam constituir uma significativa fonte de referência para os indivíduos. As "lógicas situacionais" que se apresentam aos afrodescendentes, como pertencentes a determinada classe social, a determinada experiência sexual, idade, grau de escolaridade, formação acadêmica, lugar de residência, dentre outras, outorgam graus de significados diversos sobre a própria experiência individual e o espaço da negritude. Principalmente os mais jovens, aos quais se lhes apresentam tensões cada vez mais diversificadas e evidentes, têm multiplicado as suas afiliações a grupos, ocasionando, de forma fundamental, uma decorrente multiplicação de grupos de referência. Essa presunção e esse diagnóstico se apresentam de grande importância, na medida em que se sugere observar diferenças na redefinição das formas e relações sociais nas que estão envolvidos indivíduos afrodescendentes atualmente. Em certa medida, trata-se de levar em consideração que as principais mudanças sociais advindas do amplo repertório de políticas sociais, assim como da própria presença negra em crescentes âmbitos de sociabilidade, trazem, de forma implícita, variações significativas na própria experiência negra.

SOBRE A PERTENÇA E A REFERÊNCIA A GRUPOS SOCIAIS

Mas essa presunção e esse diagnóstico merecem especial atenção. Apela-se, assim, à tradição sociológica que se intersecta com certa psicologia social. Lembre-se que Newcomb (s.d., [1975]), por exemplo, tinha argumentado que os "grupos de pertença" servem, quase inevitavelmente e em graus diversos, como "grupos de referência" para seus membros. Décadas antes, o próprio Mead (1982 [1934]) já havia sustentado algo muito semelhante, ao apresentar a hipótese de que são os grupos aos quais pertence o indivíduo, como membro, que proporcionam os elementos de referência significativos. Nessa linha argumentativa, estar-se-ia em condições de afirmar que, para os afrodescendentes, o "[...] grupo negro torna-se o principal grupo de referência, sendo seu vínculo determinado por qualidades do próprio grupo, e não mais exclusivamente por fatores externos a ele", tal qual Ferreira (2002) tinha considerado. Não obstante, Newcomb (s.d., [1975]) vai manifestar que a capacidade de que um "grupo de pertença" sirva, também, como "grupo de referência" dependerá do grau em que a participação nele outorgue satisfação ou insatisfação para o indivíduo. Os membros de algum grupo diferem como indivíduos em destreza e capacidades, em necessidades pessoais e na própria formação da individualidade, e eles encontrarão diferentes graus de satisfação em serem membros de grupos. Assim, insatisfações irão crescendo na medida em que o grupo é comparado desfavoravelmente com outros grupos, nos quais o indivíduo considere que tem a possibilidade de diferentes privilégios e oportunidades. Pense-se em jovens negros que, tal qual se havia mencionado anteriormente, desenvolvem estratégias e experiências de "distanciamento" de um espaço da negritude que, de maneira hierárquica, estabeleceu uma ordem específica de uma experiência negra sob os destinos de uma suposta africanidade ou "pertença comunitária". A experiência de "dualidade de contextos" aludida entra em cena para, justamente, manifestar que já não há mais uma necessária correspondência entre o "grupo de pertença" e o "grupo de referência", ou seja, entre o espaço da negritude e a referência à africanidade como sua narrativa constitutiva.10 10 De forma análoga, e para uma melhor compreensão, cita-se ao próprio Newcomb (s.d., [1975], p.4): "Los grupos de pertenencia real a menudo sirven a la misma persona tanto como grupo de referencia positivo y negativo a la vez, de distintas maneras. Un adolescente americano, por ejemplo, puede compartir muchas de las actitudes comunes de su familia, y su familia puede querer tratarlo como a quien pertenece y comparte sus normas. En tales aspectos, la familia le sirve como grupo positivo de referencia. Pero el puede repudiar algunas de sus actitudes comunes, por ejemplo participación del culto o la actitud respecto al uso del tabaco. Con respecto a estos objetivos comunes, su familia le sirve de grupo de referencia negativo, si su conducta está de hecho influenciada por su motivación a oponérseles. Algunas veces esto ocurre por medio de una aguda rebelión, entonces el adolescente busca emanciparse de sus padres. Más comúnmente, sin embargo, tal rebelión del adolescente es influenciada por grupos de referencia positivos, su pandilla por ejemplo, tanto como por grupos de referencia negativos, tal como su familia".

Não se podem negligenciar diversas mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais surgidas nos últimos tempos com relação à efetiva participação e visibilidade social dos afrodescendentes nas sociedades contemporâneas. No caso do Brasil, todos os debates e discussões em torno da "questão negra" têm sido por demais significativos. Assim, a experiência negra e o espaço da negritude apresentam novas tensões e contradições. Quiçá isso seja causado por uma simples "mudança de gerações", na medida em que, para os mais jovens, não é estranho ver e considerar legítimo que indivíduos afrodescendentes ocupem posições de destaque em diferentes âmbitos da vida social. Existe um cenário político e sociocultural enriquecido em elementos que estariam levando a reelaborações identitárias mais complexas e dinâmicas para esses afrodescendentes. Quando, por exemplo, circulam notícias em que se acusa a constante segregação socioespacial e econômica da população negra, assim como nas situações de violência física e simbólica em que se envolvem jovens negros como estratégia para o aceso à visibilidade social e ao reconhecimento intersubjetivo, o espaço da negritude não se apresenta como sinônimo de um simples "corpo político" que utiliza como recurso discursivo o apelo a uma memória histórica fundamentada numa origem africana comum. A experiência negra parece estar além da própria ideia de africanidade. O espaço da negritude torna-se o resultado de uma experiência social vivenciada na "precariedade das situações", na inconstância dos contextos de referência. Por isso, como jovens negros, muitos indivíduos compartilham marcos de referência que não são, necessariamente, surgidos de supostas adscrições raciais, senão que emergem de uma experiência individual e social que se interpreta como semelhante ou própria de uma "lógica situacional" específica, como talvez possa ser a que interpela um mesmo status social e econômico, uma escolha na prática sexual ou o fato de morar em uma determinada região da cidade. Por isso, e como bem afirma Newcomb (s.d., [1975]), a conduta de uma pessoa está mais influenciada pela motivação que leva a relacionar-se com determinado grupo do que pela sua participação real nele.11 11 Por exemplo, numa certa oportunidade, um jovem negro, estudante universitário, manifestou que, quando "vai à balada", a determinadas festas em que a maioria dos assistentes é constituída de jovens e negros como ele, a forma de vestir e as marcas das roupas usadas desenvolvem um papel muito importante para os contatos sociais posteriores. Manifestou que, como a sua vestimenta não indica a pertença a nenhuma "moda black" concreta e, inclusive, como "não é de marca", em algumas ocasiões desenvolve solidariedade de grupo além da própria adscrição racial. Assim, sente-se mais motivado a juntar-se muito mais por critérios de arbitrária pertença a um status social e econômico que à "sua condição" de jovem negro: o fato de "ser negro" se tornaria uma segunda pele. A pergunta que surge pareceria análoga à realizada por Stuart Hall em certa oportunidade: que "situação" é essa experimentada por esse jovem para se colocar a questão da negritude?

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Não é possível considerar que essas evidentes ações realizadas por muitos jovens negros reiteram a conhecida fórmula que associa, por exemplo, a "mobilidade social" e a "ascensão social" com um processo de simples "branqueamento" individual e sociocultural. Contrariamente, trata-se de levar em consideração que, atualmente, o suposto espaço da negritude também parece nutrir-se de marcos de referência que se apresentam externos a ele. Ao mesmo tempo, trata-se de considerar que essas ações não podem ser compreendidas sem assumir o diagnóstico de que mundos de vida diferentes determinam formas diferentes nas experiências individuais em torno da negritude. Parece óbvio afirmar que um jovem negro morador de uma favela terá uma experiência individual qualitativamente diferente da de um jovem negro de classe média, por exemplo. Da mesma forma que uma mulher jovem negra, sem emprego fixo, apresentará uma experiência de vida individual muito diferente daquela que se encontra num curso de ensino superior. Tudo parece indicar que se trata de "formas de socialização"12 12 Segundo Simmel (1977 [1908]), a socialização é a configuração em que vários indivíduos entram em ação recíproca, e essa ação recíproca provém da encenação das pulsões, ou da intenção de conseguir certos objetivos práticos. que transformam as próprias definições previamente elaboradas sobre o sentido e o significado da experiência negra na atualidade e, dessa maneira, de um processo de individualização e diferenciação social que supõe rediscutir os contornos e os alcances das próprias práticas discriminatórias e racistas, assim como do próprio espaço da negritude atual.

Por isso, os processos sociais que estariam determinando essas eventuais transformações se referem a uma experiência negra marcada por uma clara dualidade: por um lado, o que se pode entender como uma aproximação crescente a múltiplos contextos sociais e culturais de referência e, pelo outro, a uma diferenciação social geradora de uma experiência da individualidade e da negritude muito particular. Se bem que os dispositivos de exclusão por critérios raciais possam persistir no jogo da vida social, as dinâmicas que envolvem esses dispositivos historicamente existentes têm se tornado mais complexas e diversas, à medida que o espaço da negritude tem se aproximado de espaços sociais antes muito distantes. As barreiras políticas, sociais e econômicas podem persistir numa sociedade ainda "racializada", mas também é interessante considerar que essas barreiras cada vez menos conseguem legitimar e reproduzir uma realidade social "dicotomizada" por privilégios sociais que não correspondem aos critérios raciais. Assim o demonstra a aproximação do espaço da negritude a "círculos sociais" (Simmel, 1977 [1908]) antes distantes. Jovens negros no mercado de trabalho (e ocupando espaços de crescente autonomia profissional), mulheres negras nas universidades, reivindicações que enfatizam as desigualdades sociais e econômicas da população negra amplamente internalizadas pela grande maioria da população, assim como o inevitável reconhecimento de que a pobreza e a exclusão social se correspondem, em muitos casos, com estruturas culturais que têm discriminado por critérios raciais, levam a considerar que o que antes se mantinha reservado a simples "guetos" e "espaços da comunidade" atualmente parece se ter ampliado quantitativamente. Por isso, se, para um jovem negro, sua "primeira pertença" a um grupo social estava supostamente delimitada pela sua "condição racial", as relações e vinculações crescentes com "produções culturais" diversas (gênero, idade, situação laboral, estudo, moda, valores, moradia em determinado local, etc.) estão sugerindo que as "pertenças a grupos" estão se diversificando e ampliando e, assim, que sua experiência individual também se está transformando.

Pode-se compreender, então, que essa aproximação de novos círculos sociais estaria conduzindo a uma indiferenciação social crescente, a uma espécie de anulação das qualidades identitárias elaboradas em torno da negritude? Nada parece indicar que assim esteja acontecendo. Ao contrário, trata-se de um processo de diferenciação social que, como bem afirma Simmel (1977 [1908], p.742), supõe formas de interação e socialização em que as

[...] diferencias, originariamente mínimas, que existen entre los individuos, por virtud de sus disposiciones externas e internas y de su actuación, acentúanse por la necesidad de adquirir, merced a medios diversos, lo necesario para el sustento. La competencia crea, en la medida numérica de los que participan en ella, la especialización del individuo.

Quer dizer que, à medida que se amplia o círculo social em torno de um indivíduo, a "individualidade do ser" cresce e, ao aumentar a individualização, surgirá uma tendência que servirá de ponte para o contato com outro grupo. Por isso, a individualização e a diferenciação social, segundo Simmel, tende a "afrouxar" o laço que une um indivíduo aos que se encontram mais imediatos, criando, ao mesmo tempo, um vínculo novo com os que estão mais distantes. Dessa maneira, ao ampliar-se o círculo social de que um jovem negro participa, e no qual se concentram seus interesses, ele terá mais espaço para desenvolver sua individualidade.

Se, nas diversas definições que se podem elaborar na atualidade sobre o espaço da negritude, considera-se aquela que a entende como "grupo primário" de pertença para muitos jovens negros, deve-se compreender que esse processo de individualização e de diferenciação social aludido coincidirá com a diminuição da individualidade do grupo. Em outras palavras, que a um processo de diferenciação corresponde um concomitante processo de indistinção do espaço da negritude tal qual tinha sido definido previamente. Assim, ele perde a capacidade de referência significativa nas ações dos indivíduos afrodescendentes, não conseguindo mais assegurar a eventual inserção dos seus membros em outros grupos sociais a partir daquela "primeira pertença". Consequentemente, a multiplicação dos grupos formalmente abertos por esses indivíduos e o lugar que se lhes oferece são os indicadores de uma transformação das formas da atual experiência negra. A individualidade de um jovem negro está, dessa maneira, num espaço de intercruzamento de diversos "fios sociais", em que cada pertença particular o vincula ao passado desses grupos (a suas tensões e carga discursiva, status e modelo de sociabilidade) e a sua experiência negra corresponderá às combinações particulares e cada vez mais únicas que realiza. Dessa forma, a crescente participação em grupos diversos e a "superação" da referencialidade significativa na adscrição racial se apresentam susceptíveis de enriquecer a cultura no seu conjunto, na medida em que a apropriação realizada em cada grupo particular retorna aos outros por via do indivíduo. Assim como o afrodescendente e as suas formas sociais e tensões que materializa determinam os demais grupos aos quais pertence, como "cultura objetiva" (Simmel, 1977 [1908]), ele também é objeto de determinação.

Nesse sentido, o pós-estruturalismo de Stuart Hall (2003) parece adquirir dimensões práticas precisas nessa perspectiva sociológica simmeliana. Ao enfatizar que categorias como "raça" e "racismo" devem ser observadas como específicas "práticas contextuais", a ideia de relacionalidade é a que assume centralidade analítica. O postulado de que a relação precede os termos da própria relação resulta fundamental. Por isso, uma prática social não é nada em si mesma; só adquire significado unicamente no interior de uma série de relações. No intercruzamento de múltiplas pertenças a grupos sociais, o indivíduo afrodescendente ocupa posições relativamente diferentes, acrescentando, assim, sua individualização e diferenciação social, tanto mais na medida em que os grupos a que esse indivíduo pertence cada vez menos influenciam de forma determinante sua personalidade (Simmel, 1977 [1908]). Como consequência, esse indivíduo se sentirá "mais livre", com maiores possibilidades na elaboração da sua própria individualidade, assim como mais dependente dos seus próprios recursos, apesar de, também, de forma paradoxal, ser menos protegido por uma solidariedade de grupo.13 13 Ver em Simmel (1977 [1908]) o capítulo intitulado: "La ampliación de los grupos y la formación de la individualidad". Quando aqueles jovens negros frequentam o Parque da Redenção e experimentam o "distanciamento" de um marco referencial que os identifica como pertencentes a uma "raça" e a um espaço urbano concreto, estão realizando uma verdadeira aventura sociocultural: ao multiplicar suas experiências e suas afiliações a diferentes grupos, e ao assumir marcos de referência também diversos, reforçam-se estratégias propriamente individuais. Assim, o processo de diferenciação social conduz à elaboração de novos códigos particulares para esses novos grupos sociais, códigos que cada vez menos irão tendo vínculos com anteriores pertenças grupais e com um espaço da negritude que antecipava uma específica solidariedade de grupo determinada por uma posição social definida, a priori, em termos de subordinação.

À MANEIRA DE CONCLUSÃO

Essas transformações sociais atuais não unicamente se vinculam com o impacto político que tem protagonizado as mobilizações sociais de afrodescendentes pelo reconhecimento de suas demandas por igualdade de condições econômicas e sociais. As principais mudanças podem ser encontradas na própria forma que tem adquirido a experiência negra e os novos contornos do espaço da negritude. Enquanto cada indivíduo afrodescendente estava ligado, unicamente, a uma experiência negra delimitada à "pertença racial" e à "comunidade", ou a um "corpo político" enraizado numa ideia de africanidade, existia um "conceito coletivo de negro", algo que, consequentemente, não dava lugar para socializações particulares, já que cada indivíduo negro era "reenviado" à sua negritude, era recolocado num "sistema de coordenadas" que não lhe permitia sacudir-se da lógica binária passível de lembrar-lhe de sua situação de subordinação. Assim, aqueles jovens negros, ao introduzir um "distanciamento" com o (suposto) "grupo primário" de pertença, ao ingressar em múltiplas atividades e fazer parte de novos "círculos sociais", desenvolvem uma experiência negra que se percebe situada num "ponto de interseção" dos grupos que, por um lado, os vinculam com outras pessoas e mundos de vida e, pelo outro, de forma fundamental, com os outros jovens negros. Todo esse processo social, todo esse diagnóstico sobre as novas formas que a experiência negra adquire, na atualidade, sugerem compreender que a individualização e a diferenciação social, pelos intercruzamentos de sociabilidade que permitem, constituem uma condição para o desenvolvimento de novas afiliações a grupos e, de maneira fundamental, para a própria expansão do espaço da negritude. Assim, os afrodescendentes se apresentam, crescentemente, com a possibilidade de aportar à cultura prestações das quais são incapazes os que não participam de sua especifica experiência social.

Essa aparente nova situação apela para observar os possíveis desdobramentos atuais sobre as persistentes práticas discriminatórias e o próprio racismo. Ao se procurar revelar a forma que está assumindo o espaço da negritude, é possível recolocar os próprios conteúdos do racismo e do antirracismo no contexto contemporâneo. Nesse sentido, não parece convincente supor que os indivíduos afrodescendentes continuem apelando (se é que, em algum momento, o têm feito plenamente, a não ser como estratégia política e pedagógica por parte de ativistas sociais negros) para um "recurso cultural" como o materializado no exercício de eventual contato com uma "África imaginária" para a interpretação e posterior construção de identificações sociais e culturais. Obviamente, não se trata de questionar o concreto "êxito político" dessa tarefa, na medida em que o recurso da africanidade e a estratégia de racialização da sociedade foram elementos constitutivos daquelas posteriores transformações socioculturais que redesenharam, justamente, o denominado espaço da negritude. A constatação de que a noção de africanidade não parece contribuir, de forma significativa, nos destinos discursivos que elaboram identificações sociais em indivíduos negros não reside, simplesmente, na sua suposta inviabilidade discursiva, na sua incapacidade pedagógica ou na sua ineficiência política. Em determinados contextos e situações, pode continuar sendo legítima. O que não parece possível é se iludir quanto à sua aparente fragilidade em pretender outorgar um sentido e um significado social sólido e estável, devido, fundamentalmente, à sua escassa receptividade valorativa.

Ao pensar nos jovens negros que frequentam o Parque da Redenção, parece evidente que o espaço da negritude que passam a redesenhar tem como ponto de referência uma espécie de jogo de reversibilidade da noção de africanidade, um movimento em certo sentido irônico, ao devolver a imagem de uma negritude que não tem significação alguma se não for situada numa concreta relação social e como forma de "relação de poder". À medida que a autoconfiança e as capacidades de "passar à ofensiva" aumentaram consideravelmente, incorporando, nesse gesto, o elemento "raça" de forma mais explícita nas suas relações sociais cotidianas, a "pertença comunitária", que delimitava um específico espaço da negritude, resultou crescentemente desvalorizada para esses jovens. Assim, o processo de individualização e diferenciação social tem conduzido à insatisfação com uma narrativa de identificação cultural que pretendia favorecer a "concentração" e uma estratégia de autodefesa e de solidariedade de grupo. Em cada uma dessas ações, esses jovens negros parecem sugerir que seu espaço da negritude não tem mais "uma residência": trata-se de uma espécie de antirracismo radical, em que o crescimento quantitativo da sua presença e visibilidade, de seu poder e sua autoestima, sua responsabilidade e autodeterminação transtorna por completo a experiência negra, em particular, e as próprias relações sociais, em geral.

Recebido para publicação em 08 de maio de 2012

Aceito em 03 de fevereiro de 2013

Carlos A. Gadea - Pós-doutorado no Center for Latin American Studies na University of Miami. Doutor em Sociologia Política. Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista de Produtividade do CNPq. Atua principalmente nos temas: Teoria Social Contemporânea, Estudos Latino-americanos, Ações coletivas e Movimentos Sociais, Juventude e Cultura, Violência e Conflitos Urbanos e Estudos Étnico-Raciais. Publicações recentes: The neo-zapatista movement of Chiapas: identities and strategies. Sociology Study, v. 3, p. 278-288, 2013; La izquierda política en América Latina: el Lulismo en Brasil y la Izquierda en el Uruguay. Espacio Abierto (Caracas. 1992), v. 22, p. 377-392, 2013; O interacionismo simbólico e os estudos sobre cultura e poder. Sociedade e Estado (UnB. Impresso), v. 28, p. 241-255, 2013; O significante 'negro' e a pós-africanidade: a diáspora haitiana em Miami. Sociologias (UFRGS. Impresso), v. 15, p. 220-245, 2013.

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  • O espaço da negritude e o reverso da africanidade: crítica sobre as relações raciais contemporâneas

    Blackness and reverse africanness: a critique of contemporary race relations
  • 1
    Compreende-se por africanidade um espaço de elaboração discursiva e política que pretende sintetizar a pertença coletiva de um grupo humano a uma comunidade presumivelmente fundamentada em determinadas especificidades históricas e culturais referenciadas no continente africano. Trata-se, ao mesmo tempo, de um gesto pedagógico e de "técnica de subjetivação" que estabelece o resgate de uma origem africana comum entre a população negra, chave para o reconhecimento intragrupal e valorização cultural particular. Politicamente, trata-se de um projeto de contraidentidade ou de identidade de resistência, consequente com o projeto histórico da modernidade, que questiona a aparente superioridade moral do modelo eurocêntrico de uma historia universal. O termo foi discutido sob diferentes óticas, por exemplo, em Asante (2009), Finch III, Charles S.; Nascimento, E. (2009), Moore (2010) e Wade (1997).
  • 2
    Apreciação análoga ao que Hall (2003, p.335) afirma: "[...] que tipo de momento é este para se colocar a questão da cultura popular negra? Esses momentos são sempre conjunturais. Eles têm sua especificidade histórica; e embora sempre exibam semelhanças e continuidades com outros momentos, eles nunca são o mesmo momento. E a combinação do que é semelhante com o que é diferente define não somente a especificidade do momento, mas também a especificidade da questão [...]".
  • 3
    "Racialista no sentido de evocar o carisma da raça negra e de visar à formação de uma identidade racial negra" (Guimarães, 2005, p.227).
  • 4
    Para os argumentos a seguir, interessa defini-lo como sendo não simplesmente "[...] uma entidade espacial, nem mesmo um mero conjunto de famílias pobres, preso na estrutura inferior da estrutura de classes: é sua qualidade singular de formação racial que dá origem a uma teia de associações materiais e simbólicas entre cor, lugar e uma série de outras características cujo valor social é negativo" (Wacquant, 2005, p.147).
  • 5
    Faz-se referência à "formação da individualidade" segundo Simmel (1977 [1908], p.742-743), segundo o qual a individualidade cresce na medida em que se amplia o círculo social em torno do indivíduo e, ao aumentar a individualização (e, assim, a repulsão dos elementos do grupo) surgirá uma tendência centrífuga que servirá de ponte para outro grupo.
  • 6
    Também conhecido como Parque Farroupilha. Trata-se de um espaço público historicamente importante da cidade de Porto Alegre, capital do estado de Rio Grande do Sul. É um conhecido ponto de encontro nos fins de semana, por existir uma feira de artesanato e, em algumas ocasiões, há festivais culturais e uma espontânea infinidade de expressões artísticas. É um espaço de sociabilidade frequentemente escolhido pelos mais jovens.
  • 7
    Faço próprias as palavras de Simmel (1977 [1908], p.747) e a sua lição metodológica sugerida: "No se entienda, sin embargo, esto en el sentido de una 'ley natural' sociológica, sino, por decirlo así, como una mera fórmula fenomenológica [...]".
  • 8
    Não estaria demais lembrar que, para Foucault (1992), o poder não se materializa, necessariamente, numa instituição ou estrutura socioeconômica, ou se define, simplesmente, como uma "força" com que estão investidas determinadas pessoas: o poder seria o nome dado a uma complexa relação estratégica em uma sociedade dada; significa relações, uma rede mais ou menos organizada, hierarquizada, coordenada.
  • 9
    Nesse sentido, o recado de Hall (2003, p.356) parece não ser: "[...] mas é para a diversidade e não para a homogeneidade da experiência negra que devemos dirigir integralmente a nossa atenção criativa agora".
  • 10
    De forma análoga, e para uma melhor compreensão, cita-se ao próprio Newcomb (s.d., [1975], p.4): "Los grupos de pertenencia real a menudo sirven a la misma persona tanto como grupo de referencia positivo y negativo a la vez, de distintas maneras. Un adolescente americano, por ejemplo, puede compartir muchas de las actitudes comunes de su familia, y su familia puede querer tratarlo como a quien pertenece y comparte sus normas. En tales aspectos, la familia le sirve como grupo positivo de referencia. Pero el puede repudiar algunas de sus actitudes comunes, por ejemplo participación del culto o la actitud respecto al uso del tabaco. Con respecto a estos objetivos comunes, su familia le sirve de grupo de referencia negativo, si su conducta está de hecho influenciada por su motivación a oponérseles. Algunas veces esto ocurre por medio de una aguda rebelión, entonces el adolescente busca emanciparse de sus padres. Más comúnmente, sin embargo, tal rebelión del adolescente es influenciada por grupos de referencia positivos, su pandilla por ejemplo, tanto como por grupos de referencia negativos, tal como su familia".
  • 11
    Por exemplo, numa certa oportunidade, um jovem negro, estudante universitário, manifestou que, quando "vai à balada", a determinadas festas em que a maioria dos assistentes é constituída de jovens e negros como ele, a forma de vestir e as marcas das roupas usadas desenvolvem um papel muito importante para os contatos sociais posteriores. Manifestou que, como a sua vestimenta não indica a pertença a nenhuma "moda black" concreta e, inclusive, como "não é de marca", em algumas ocasiões desenvolve solidariedade de grupo além da própria adscrição racial. Assim, sente-se mais motivado a juntar-se muito mais por critérios de arbitrária pertença a um status social e econômico que à "sua condição" de jovem negro: o fato de "ser negro" se tornaria uma segunda pele. A pergunta que surge pareceria análoga à realizada por Stuart Hall em certa oportunidade: que "situação" é essa experimentada por esse jovem para se colocar a questão da negritude?
  • 12
    Segundo Simmel (1977 [1908]), a socialização é a configuração em que vários indivíduos entram em ação recíproca, e essa ação recíproca provém da encenação das pulsões, ou da intenção de conseguir certos objetivos práticos.
  • 13
    Ver em Simmel (1977 [1908]) o capítulo intitulado: "La ampliación de los grupos y la formación de la individualidad".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2012
    • Aceito
      03 Fev 2013
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